Especial para o UOL*
De tropicalista inspirado, Caetano chega aos 70 abraçando contradições que um dia denunciou
- Ana Carolina Fernades/Reuters
Caetano Veloso em show no evento "Rio + 20" no Forte de Copacabana, zona sul do Rio (2012)
Na data redonda dos 70, cabe a pergunta fatídica: qual, entre os 1001 Caetanos, é o Caetano que importa, faz a diferença, impulsiona a história de seu (nosso) país para frente, será lembrado e celebrado com júbilo daqui a 50, 100, 200 anos? O artista tropicalista inquestionavelmente inspirado é a resposta óbvia e suficiente. Tentemos fugir do óbvio.
Desde a eclosão tropicalista de "Alegria, Alegria" (1967) e "Divino, Maravilhoso" (1968), a grande contribuição de Caetano à cultura brasileira tem sido a de agir bravamente em prol da distensão de costumes num país (inicialmente) sob ditadura. Entre muitos participantes engajados ou circunstanciais do movimento, o triunvirato formado por Caetano, Gal e Gilberto Gil virou nosso imaginário de pontacabeça no campo fechado e opressivo do comportamento.
Caetano 70 anos; relembre momentos da trajetória do artista
![](http://imguol.com/2012/08/06/caetano-veloso-e-amigo-gilberto-gil-foram-os-idealizadores-do-movimento-que-ficou-conhecido-como-a-tropicalia-1344282961423_956x500.jpg)
Foto 21 de 41 - Caetano Veloso e amigo Gilberto Gil foram os idealizadores do movimento que ficou conhecido como a Tropicália Reprodução/Site pessoal
![Marcelo Soubhia/Folha Imagem Marcelo Soubhia/Folha Imagem](http://imguol.com/2012/08/06/gal-costa-caetano-veloso-e-gilberto-gil-no-funeral-do-compositor-antonio-carlos-jobim-em-94-1344283004708_300x300.jpg)
![](http://img.uol.com.br/materia-modulos/abre_aspas.gif)
![](http://img.uol.com.br/materia-modulos/fecha_aspas.gif)
Na virada de 1968 para 1969, quando a tempestade tropicalista mudava para sempre os rumos da quase sempre contida e conservadora música "popular" brasileira, a ditadura militar selecionou Caetano e Gil, justamente eles dois, para o exílio político. Até hoje não compreendemos exatamente os porquês dessa escolha dos militares (por que Caetano e Gil?, por que não Chico Buarque?). Mas quanto mais os anos passam mais parece evidente que os cabelos desgrenhados, a postura hippie, os gritos primais e a carranca africana e as bichices de Caetano e Gil incomodaram a ditadura como nunca incomodaram os terninhos de Chico e Edu Lobo ou as golas engomadas de Elis Regina e Nara Leão.
Como qualquer figura contraditória por natureza, Caetano acabou por encarnar várias das contradições e dualidades que principiou denunciando. Após combater a caretice de agressividade enrustida da MPB de festival, ele se uniu a Gil, Gal, Chico, Tom Zé, Elis, Maria Bethânia, Paulinho da Viola, (por que não?) Roberto Carlos e inúmeros outros na composição de uma nova elite, uma elite MPB. Mesmo em silêncio, tornou-se feroz na defesa corporativa dos seus, em inúmeras ocasiões.
![Patricia Santos/Folha Imagem Patricia Santos/Folha Imagem](http://imguol.com/2012/08/06/caetano-veloso-e-chico-buarque-de-holanda-durante-o-show-na-praia-de-copacabana-zona-sul-do-rio-em-1996-1344284255343_300x300.jpg)
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![](http://img.uol.com.br/materia-modulos/fecha_aspas.gif)
Mais uma vez, a história o atropelou. O modo Gil de encarar o mundo apossou-se do Ministério da Cultura, e Caetano conservou-se em cima do muro. Com Ana de Hollanda, o modo Buarque - tradição, sobrenome, propriedade - ocupou o MinC, e Caetano conserva-se em cima do muro. A hesitação é face feia da ambivalência, o grande valor positivo que Caetano introduziu indelevelmente na tal MPB.
Até aí ele conta com enorme adesão, suficiente para mantê-lo na dianteira (ao lado de Chico) entre os mais influentes e barulhentos artistas/agentes políticos da geração deles. A ambiguidade de Caetano é o que o aproxima de nós, tanto de quem o ama quanto de quem o odeia. E ele, esse cara, assimilou na surdina a máxima cantada por Elis em 1979, de que "o amor e o ódio se irmanam na fogueira das paixões". Rei-leão mais sutil que o outro "rei" da canção nacional (Roberto Carlos), mantém sob seu poder hipnótico, igualmente, os amantes e os odiantes. Nesse caso, para os bens e para os males, somos nós, mais que nosso espelho-narciso-exemplo Caetano, os verdadeiros ambíguos, indecisos, ambivalentes, contraditórios.
* Pedro Alexandre Sanches, 44 anos, é jornalista, crítico musical e autor dos livros "Tropicalismo - Decadência bonita do samba" (2000) e "Como dois e dois são cinco" (2004).
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