Pesquisar este blog

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Cansada

 

Pendurando as Chuteiras

Cansei. De pesar as palavras, de domar os afetos, de esgueirar os sentidos. Cansei de explicar. De justificar. De emprestar minhas mãos para que se cavem abismos. Cansei das unhas quebradas e das pontas dos dedos em sangue. Não quero mais a cabeça baixa, os olhos famintos, a alegria capenga de um entendimento fugaz. Cansei de chegar antes, de esperar sentada, das mãos postas. Cansei de abrir portas e janelas, cansei de arrumar sala, cansei de servir o chá. Cansei do sorriso educado, da frase de efeito, do melhor ângulo pra fotografia. Cansei de esperar a palavra, o sorriso, o abraço. Cansei da dor que deixo surgir em mim. Cansei da garganta em sal, dos olhos molhados, do oco no peito. Estou cansada das horas, das páginas, das suposições. Cansei de adivinhar. Sou eu. Essa. Cansada. Sorriso mais triste, sigo. No espelho, desconheço a melancolia que pinta despedidas no meu olho. Lavo as mãos, a alma, largo os sonhos. Rasgo os diálogos planejados, as tiradas espontâneas disciplinadamente ensaiadas, volto um a um os passos que dei em direção ao nada que eu chamava encontro. Como quem cutuca a ferida, investigo as boas memórias que vão perdendo adjetivos. Não foram boas, não são memórias, são narrativas que fiz sobre o vazio. Ou quase. Nem isso. Nem posso dizer-te personagem meu. Estás ali, fora, inteiro, sem precisar e sem saber de mim mais do que o gesto fácil e a palavra leve. Então é isso: um lamento. Só um instante a mais antes de bater a chinela, sacudir os ombros, espiar a estrada e deixar o vento fazer seu serviço. Só um instante pra fazer de conta que escrever ajuda. Mas não. Bastava dizer: dói, vou ali chorar um pouco.

Nenhum comentário:

Postar um comentário