Não há controvérsia: Wagner Moura é um dos atores mais respeitados do Brasil. Mesmo assim, nunca assinou contrato com a Globo. É um dos homens mais desejados pelas mulheres. Mesmo assim, está casado há nove anos com uma fotógrafa que não frequenta colunas sociais. Faz parte da lista de celebridades de revistas de fofoca. Mesmo assim, nunca posou para a Caras. Baiano de fala mansa, ganhou fama como o truculento capitão Nascimento, em Tropa de Elite. Desse jeito nada óbvio, o ator de 33 anos abriu sua casa e o camarim de Tropa de Elite 2 para falar à Tpm de família, casamento, medo e assédio
Coronel Nascimento sobe a escada da livraria e vem em minha direção. Mas desvia, senta numa mesa, pede um café, fala meia dúzia de palavras que não parecem ensaiadas e... “Cortou”, anuncia José Padilha. “Vamos fazer mais uma?”, sugere o diretor de
Tropa de Elite 2, com estreia prevista para o segundo semestre de 2010. Há uma hora, a cena se repete diante de mim – que, até o fechamento desta edição, fui a única jornalista a visitar os bastidores do filme mais esperado do ano.
“Vamos fazer de novo, mas antes deixa eu falar com a Ariane”, responde o ator Wagner Moura, 33. Agora sim, caminha realmente em minha direção. Segura no meu ombro e fala: “Será que pode trocar de lugar? Fico te vendo aí atrás e me confundo”, com a voz baixa, o jeito baiano e uma gentileza que não faz diferença entre esta repórter, um amigo e uma fã.
“O Wagner Moura é lindo! Estou encostando a mão nele!”, grita, ao telefone, uma garota que passava em frente à delegacia carioca onde foi a gravação no dia anterior. “Me sinto como um suvenir”, observa o ator, mais tarde. As seis horas de conversa que tive com ele – em sua casa, no set e em um café – resultaram em uma parceria inédita com nossa revista irmã, a
Trip, que neste mês também publica, nas Páginas Negras, parte da entrevista com Wagner, com enfoque no tema da edição: drogas.
Homem pra casarWagner – que em
Tropa de Elite chamou a atenção de muita mulher com uma
cena em que chega em casa e diz para a esposa: “Quem manda nessa porra aqui sou eu!” – tornou-se uma espécie de unanimidade. Quando eu contava para mulheres que iria entrevistá-lo, elas mandavam beijos e diziam frases como “Ele é para casar”. Enquanto os homens reconheciam: “É um grande ator”. Se o foco do papo são suas ideias, drogas, política, Wagner vai longe em suas reflexões. Mas, quando os questionamentos migram para família, experiências pessoais, assédio feminino... as frases custam a ser concluídas.
O ator recebeu esta repórter em sua casa ecologicamente correta – com reaproveitamento de água de chuva e ar-condicionado com um gás que não prejudica a camada de ozônio. Lá, mora com a família: sua mulher, a fotógrafa Sandra Delgado (grávida de seis meses), e o filho Bem, de 4 anos.
Aquela era a sexta semana de filmagem de
Tropa 2, e a imprensa estava proibida de entrar no set por causa do trauma com o primeiro filme, em 2007, que foi para os camelôs antes de chegar à telona. Entrei na delegacia com a atriz e colunista da
Tpm Maria Ribeiro e, pouco a pouco, conquistei a confiança do diretor José Padilha. Por isso, pude ver cenas como a do cabelo de Wagner sendo pintado com um pó branco por cerca de 40 minutos antes de gravar – no longa, ele está grisalho. No dia seguinte, fui convidada a fazer figuração numa cena. O que poderia ser mais rico para entender o universo do meu entrevistado do que participar dele?
Mas o universo de Wagner vai bem além de caminhar de um lado para o outro à ordem de “ação”. Nascido em Salvador, começou a fazer teatro na escola. Formou-se em jornalismo, mas mudou para o Rio de Janeiro para viver de arte, em 2000, quando estreou o espetáculo
A Máquina, dirigido por João Falcão. Hoje, tem 18 longas, 7 peças, 2 novelas e mais de 20 prêmios na bagagem – dois deles pela peça
Hamlet, de 2008. No cinema fez, por exemplo,
Ó paí ó (Monique Gardenberg, 2007) e
Cidade Baixa (Sérgio Machado, 2004), mas estourou em
Tropa de Elite, ao mesmo tempo em que vivia o vilão Olavo, na novela global
Paraíso Tropical.
Além de
Tropa 2, Wagner está no filme
VIPs, de Toniko Melo, com estreia prevista para o segundo semestre, quando ele começa a rodar
Homem do Futuro, longa de Claudio Torres. Mas nenhum trabalho o empolga mais do que o lançamento, em 9 de maio, Dia das Mães, do primeiro CD de
sua banda –
The Very Best of Greatest Hits of Sua Mãe –, criada com amigos de infância, em 1992.
A seguir, você conhece Wagner Moura, o cara que jamais diria “quem manda nessa porra aqui sou eu”, mas também não entende esse mundo em que homem pinta a unha.
Tpm. Em Tropa de Elite tem uma cena em que o capitão Nascimento chega em casa e grita com a mulher: “Quem manda nessa porra aqui sou eu!”. Já ouvi mulheres dizendo que adoram essa parte e outras que abominam. O que você pensa sobre a cena?
Wagner Moura. O personagem é evidentemente um macho diferente de mim
[risos]. Mas eu vejo ali um homem frágil em relação à mulher, apesar de a cena representar o oposto, de a mulher estar inferiorizada. Eu estou em pé, a Maria está sentada. Ele bota o dedo na cara dela, rasga o papel dela, mas eu vejo um homem precisando de ajuda. Um homem pequeno em relação à vida. Essa caricatura de que o homem é o cara que manda na casa é reflexo de uma insegurança dessa pessoa que passa o filme inteiro se tremendo, tendo ataque do coração, tomando remédio. Mas as mulheres acham essa cena boa?
Algumas sim, dizem: “Queria um desse lá em casa!”. Nunca tinha pensado nessa cena assim... Mas hoje vejo que o mundo caminha para uma coisa de metrossexualismo, um novo tipo de homem, que me parece esquisito. Alguns homens heterossexuais estão se feminilizando, e mulheres se masculinizando. Mas sei que os homens gostam das mulheres femininas. E o que eu vejo hoje é um “pós-tudo”, parece que está ficando careta ser homem. Talvez seja um fenômeno do contemporâneo. Eu sou antigo, não tenho iPod, não sei o que é Twitter, Orkut, MSN, compro CD, livro, não leio coisa na internet. Mas acho que as mulheres que gostam dessa cena estão buscando o arquétipo do macho perdido. Talvez sintam falta de um cara que, pô, não vai no salão de beleza e fica pintando a unha.
Que tipo de homem você é? O cara mais normal que existe, que leva o filho na escola, trabalha, volta pra casa. Sou canceriano, caseiro, gosto de ficar com a minha mulher, com a minha família, com meus amigos. Sou esse cara mediano, sabe? Que toma cerveja no sábado, assiste o jogo, mas gosta de Shakespeare. Aí falam: “Tem uma sensibilidade, é artista”
[risos].
A Sandra (Delgado, mulher de Wagner) é simples, uma pessoa comum. Você gosta dessas mulheres que reinventam o próprio corpo? Tem algumas que ficam lindas, grandes... Mas eu gosto do tipo da San. Acho mais bonito. Gosto de pessoa com cara de pessoa. De mulheres e homens que pareçam seres humanos. Tem pessoa que parece outra coisa diferente, principalmente artista.
[Pausa] San é linda, cara.
O que te levaria a falar alto na sua casa? Aqui tudo é muito negociadinho, conversado, impera a harmonia. Não tem grito nem estresse no meu dia a dia. Se precisa falar mais sério, falamos, tanto eu quanto San. Pra eu gritar demora muito, é raro. Se alguém pode dizer que “quem manda nessa casa aqui sou eu”, não sou eu
[risos].
O que faz você chegar ao limite? [Pensa por alguns segundos] Uma coisa que tenho aprendido com meu filho é que às vezes tem que falar sério com as crianças. O Bem é Leão com Escorpião, é danado. Sei que tenho uma função importante de ser a figura que administra, que situa ele. Educar uma criança é uma aventura incrível. E eu tenho esse compromisso com ele, que é o mais importante da minha vida: fazer ele virar um cara legal. Falar sério sem gritar, fazer ele entender que tem pai, autoridade.
Essa ideia de como educar vem de onde? Meus pais são do interior da Bahia, meu pai tem 74 anos. Quando eu era criança, não tinha essa onda de desobedecer pai, dizer malcriação. Então tenho essa herança. Hoje em dia, vejo tanta criança mal-educada, que bate no pai, grita com a mãe... Eu vou ter outro filho agora, e só penso nisso. É outra coisa desse fenômeno do “mundo pós”, não sei se por conta do liberalismo dos anos 70... Mas as crianças pedem autoridade. Essa coisa debatida com os estudiosos de educação de deixar a criança fazer tudo não é uma demonstração de amor. Ao contrário, amor é dizer “não pode”, o que é mais difícil.
Como foi a sua infância? Quando eu era criança morava no interior, e tem algumas coisas que não eram tão legais. Por exemplo, hoje em dia sou mais aberto com meu filho. Meu pai me protegia muito. Às vezes vejo o Bem fazendo uma coisa e falo: “Deixa ele fazer”. Porque o cara cai e aí se liga. Tem essa coisa que contradiz a educação que eu tive, que é deixar rolar. E, ao mesmo tempo, que reafirma, que é impor limite. Hoje em dia, meus pais falam: “Você está sendo duro com o menino”. Mas eu gosto de ser tanto amoroso quanto duro.
Quando comentava com homens e mulheres que ia entrevistá-lo, em geral, as reações eram positivas. Você sente essa admiração que as pessoas têm por você? Eu não tenho muita ideia do que as pessoas pensam de mim, não. E procuro não me relacionar com isso. Sou preocupado e até vaidoso com meu trabalho, com o que as pessoas pensam dele. Selton
[Mello, ator e diretor de cinema] diz que não lê mais crítica. Eu leio, discordo, fico puto e acho bom quando a crítica é boa. Mas quanto a uma imagem que eu tenha, se é que isso existe, não sei o que ela é. Por outro lado, entendo as pessoas querendo saber, conhecer...
“O que eu vejo hoje é um pós-tudo, parece que está ficando careta ser homem. Talvez seja um fenômeno do contemporâneo”
Em algum momento você se deslumbrou? Não. Mas todos nós somos um tanto narcisistas. Tenho um superorgulho de tudo o que fiz, tenho projetos pra dirigir, escrever, lançar minha banda, que é uma coisa que adoro. Aliás, é um perigo porque é muito mais astral do que trabalhar como ator.
Como assim? Os caras
[da banda Sua Mãe, formada por ele, vocalista, e mais seis integrantes] são meus amigos da escola, e o rock tem uma coisa desencanada, uma falta de rigor. Talvez se eu tivesse que fazer um show por semana ficasse chato, mas do jeito que é posso tomar uma cerveja que não fico preocupado se vou ficar rouco, que amanhã tenho que acordar cedo. Isso me dá um prazer muito grande. Eu fiquei adulto, né?
Quantos anos você tinha quando chegou ao Rio de Janeiro? 23. Eu trabalho como ator desde os 14, e uma hora comecei a achar que não ia rolar mais, não tava rolando trabalho, ao mesmo tempo eu estava indo forte na faculdade, achava que ia ser jornalista. Aí teve o Enecom, Encontro Nacional de Estudantes de Comunicação, em Floripa. Comprei minha passagem com a galera. Aí uma diretora de teatro com quem trabalhei um monte, Hebe Alves, me ligou e falou: “José Possi Neto
[diretor de teatro] está aqui em Salvador e precisa de atores homens. Indiquei você e Vladimir
[Brichta, amigo de Wagner]. Só que era no dia que eu ia viajar. Falei: “Porra, Hebe, eu vou pra Florianópolis, acho que não sou ator...”. Mas por um lado era como se alguém estivesse dizendo: “Você tem mais uma chance de fazer isso”. Fiquei com essa questão me atormentando. Quando estava todo mundo no ônibus, eu peguei minha passagem, dei pra um amigo que estava sem e fui fazer o teste. Aí o Possi falou: “Gostei muito da sua leitura”. Era de noite, estava chovendo, mas eu fui embora correndo até minha casa, que era longe. Não consegui ficar parado de tanta felicidade. E essa alegria, desse jeito, não tenho mais com o que faço. Tenho alegrias, acontecem coisas superlegais, trabalhos que gosto, mas não tenho mais esse frisson de correr na chuva. E a banda é uma coisa que me dá uma alegria parecida com isso.
Desde quando tem a banda? Desde 1992, regularmente tocando. Shows que cinco pessoas viram
[risos].
Por que chama Sua Mãe?
Não lembro mais. É nome de banda de garoto, né? “Sua Mãe é massa”, “Poxa, Sua Mãe é legal...”
[risos].
Quem é sua mãe? Minha mãe é quem brincava comigo quando eu era criança. Meu pai se esforçava pra brincar, mas não tinha a manha. A minha mãe era menina, me teve com 21 anos, e era uma cabrita de cidade do interior da Bahia. Até hoje se conserva muito jovial. A gente tem esse gosto de cantar junto. Às vezes eu saía com ela em Salvador, falava: “Aí, mãe, vamos tomar uma cerveja?”. E a gente ia. Era um programa que não rolava muito com meu pai. Ele é o contrário, tem uma coisa serena. Com ele era mais um lance de conversar, ele era dos livros, da leitura. Minha mãe era também muito louca, muito honesta nos sentimentos dela. Tipo: “Ah, você é uma criança? Foda-se, tô puta”.
Você tem uma irmã dois anos mais nova. Como é a relação de vocês? É um amor muito grande que eu tenho pela Leu
[Lediane]. Ela é pediatra de UTI, faz plantão, e eu durmo tarde, então a gente se fala muito na madrugada. Três da manhã, e ela: “E, aí, tá fazendo o quê?”. E eu: “Ah, tô de bobeira”. Meu pai e minha mãe são muito diferentes, e minha irmã e eu sempre fomos muito unidos. A gente tinha uma coisa de querer descobrir quem são nossos pais. De sacar eles, de entender pra onde é que está indo a nossa vida
[risos].
Você é casado há quanto tempo? Vai fazer dez anos.
Não deve ser fácil ser mulher do Wagner Moura. Isso é muito tranquilo, cara. Eu sou famoso, mas ela é uma pessoa milhões de vezes mais interessante que eu
[risos].
Ela também é de Salvador. Como se conheceram? A gente se conhecia da faculdade. Entrei um pouquinho antes, mas a gente fazia parte da mesma turma. Só fomos namorar depois, quando eu já estava fazendo
A Máquina e fui passar um Carnaval em Salvador. A gente já vinha se encontrando, se olhando... Aí ficamos juntos o Carnaval inteiro, depois eu tinha que voltar pro Rio. Falei
[pausadamente, quase gaguejando]: “Eu tô morando lá no Rio, vou voltar para lá, e quero que você venha também”. Ela falou: “Tá bom”. Aí veio. A gente ficou se conhecendo morando junto. É chocante, né? Ainda bem que deu certo.
Não teve medo? Eu me apaixonei por ela, não quis deixar isso pra trás. E nunca fui um cara medroso.
Você pensava em casar, ter filho? Não. Mas os cancerianos são caseiros. Tenho uma relação com a família, com a coisa da casa, desde menino. O meu pai, militar, é um homem lindo, mas é sertanejo. A primeira vez que veio pro Rio, moleque, foi no pau de arara, pra ser porteiro, lavador de prato. Sempre se preocupou com minha educação, e a impressão que eu tinha é que ele achava um desperdício eu, um garoto inteligente, ser ator. Ele nunca me botou contra a parede, mas isso nunca foi um barato pra ele. Então eu tive que bancar um negócio que não tinha certeza se ia dar certo. Foi uma época de sensação de solidão, a coisa de família não era tão clara.
Você assistiu ao parto do Bem? Assisti. Foi muito louco porque eu estava filmando
Saneamento Básico em Bento Gonçalves. A filmagem acabou num dia e, à noite, San me liga, muito calma, e fala: “Ó, a bolsa estourou”. Eu saí de lá feito louco, mobilizei o filme inteiro. Era meia-noite, me botaram num táxi na madrugada, cheguei de manhãzinha em Porto Alegre. Peguei um voo, fiz escala em Curitiba, e, nisso, falando no telefone com a médica. Cheguei no Rio, puta engarrafamento no caminho. Parecia filme. Falei pro taxista: “Deixa minhas coisas ali na próxima maternidade que vou correndo”
[risos]. Cheguei eram 10h50, ele nasceu às 11h02. Foi o dia mais emocionante que tive na vida.
O que aconteceu quando você o viu? Foi incrível. Eu acho que a mãe desenvolve uma relação com o neném muito imediata, porque ele está dentro dela. O pai fica ali meio... um cara idiota que quer ajudar. Mas, quando peguei ele, me senti tipo Rei Leão. Pensei: “Sou pai”.
Depois da fama, em nenhum momento deu um nó na sua cabeça, de pensar que agora pode ter a mulher que quiser? Não é isso também... As pessoas estão se relacionando com uma imagem, não sou eu. Não sou um galã. Eu vejo os caras bonitos, Rodrigo Santoro, Cauã Reymond, gatões... Eu sou só um cara aí
[risos].
Vi no YouTube uma cena de você discutindo com um jornalista na entrada de um show do João Gilberto... O jornalista me chamou de estrela. Fiquei muito chateado com aquilo. Me senti muito agredido por ele. Porque o meu comportamento anticelebridade, de não me relacionar com determinado tipo de imprensa
[ele nunca saiu na Caras
e já declarou que não concede entrevista à Veja
], por incrível que pareça, me coloca às vezes numa posição de antipático.
Me disseram que você empurrou o repórter nesse dia. Imagina. Jamais empurrei. Só falei: “Nunca mais falo com você”.
Qual foi o assédio mais absurdo que teve? Ah, aquilo que você viu ontem
[a menina que, em frente ao set, se pendurou no pescoço dele, pediu para tirar foto e ligou para alguém para contar].
Você já perdeu a paciência alguma vez? Não. Às vezes San fica irritada, diz: “Desculpa, a gente está jantando, lamento”. Eu fico mais nessa de tentar entender a situação, não fico sorrindo se não estiver com vontade.
Ao contrário de atores da sua geração, como seus amigos Lázaro Ramos e Vladimir Brichta, Selton Mello e Mateus Nachtergaele, você nunca teve contrato com a Globo. Por quê? Eu não ia me sentir bem. Agora mesmo eu ia fazer a novela do Gilberto Braga, mas achei que não era hora e respondi isso com tranquilidade. Como eu poderia dizer: “Porra, quero ir pra Bahia, ficar com meu filho...”, se eu estivesse ganhando uma grana todo mês?
O que você faz quando tem um dia livre? Acordo supertarde, fico com o Bem, brincando com ele...
“Não sou um galã. Eu vejo os caras bonitos, Rodrigo Santoro, Cauã Reymond, gatões... Eu sou só um cara aí”
Quem são seus amigos? Tenho poucos e bons. O Lazinho
[o ator Lázaro Ramos, padrinho de seu filho] virou meu amigo porque um dia, eu tinha uns 18 anos, fui ver uma peça dele e falei: “Vamos ser amigos?”. O Vlad, Ângelo
[Paes Leme, ator], os meninos da banda, de Salvador. Mas a maioria é jornalista, que estudou comigo... Quando admiro alguém, quero ser amigo. Por exemplo, uma menina que conheci que fiquei querendo ser amigo foi a Mallu Magalhães. Ela é uma graça. Pensei: “Eu só tenho amigo velho”. Achei ela tão inteligente, tão simpática. Não sei se ela quer ser minha amiga. Da mesma forma, sou amigo de Aderbal Freire
[Filho, diretor de teatro], que tem 69 anos.
Qual foi a última vez que você chorou? Fiz uma cena agora no
Tropa 2 que bateu uma emoção, uma coisa com filho – porque tenho um filho grande no filme –, que eu chorei muito. Não choro tanto, gostaria de chorar mais
[risos]. Me sinto bem depois.
Li em entrevistas que você era deprimido na adolescência, verdade? Não é que eu fosse deprimido. Nasci em Salvador, meus pais são de Rodelas
[cidade no interior da Bahia, a 550 quilômetros da capital, com cerca de 7 mil habitantes]. Meu pai era sargento da aeronáutica, e, quando eu nasci, ele logo foi transferido para o Rio. Então veio morar aqui de novo, desta vez com a gente, fui alfabetizado aqui. Mas ele era saudoso de voltar pro sertão, ouvia Luiz Gonzaga, tinha o sentimento de estar no lugar errado. Por isso, quando se aposentou, voltamos para morar no sertão. Até que ele resolveu ir para Salvador, em 89, porque queria que a gente estudasse em boas escolas. Eu era um menino que vivia livre no interior. Não me achei naquele universo.
Por quê? Eu não me interessava pelas coisas que os garotos se interessavam. Tinha uma resistência, era como se forçasse minha natureza a gostar de ir naquelas festas, daquele papo dos caras que pegavam o carro dos pais. Fiquei muito sozinho nesse período. Logo meu apelido na escola virou “óvni”. E era triste isso porque quando você tem essa idade o que mais quer é que as meninas gostem de você, que os caras joguem bola com você e isso não aconteceu comigo, eu era... óvni
[risos]. Mas fazia teatro lá, e, por incrível que pareça, nas peças eu relaxava, as pessoas se impressionavam que eu fazia teatro direito. Também tive dificuldade com o ensino, porque eu nunca tinha visto um compasso, nunca tinha tido aula de inglês. Nunca fiz recuperação na vida porque era muito cara a escola pro meu pai pagar.
“Fiz uma cena, no Tropa 2, que bateu uma emoção, uma coisa com filho, chorei muito. Não choro tanto, queria chorar mais”
Você tinha essa consciência na época? Claro. Minha mãe não trabalhava, tinha Danone na minha casa uma vez por mês. Eu estudava pra caralho. Quando foi em 92, mudei para uma escola que tinha acabado de abrir, então ninguém se conhecia. Senti que lá podia ser quem eu quisesse, não precisava mais ser óvni. E aí foi massa, conheci Gabriel
[companheiro de banda], comecei a fazer teatro numa escola que uma amiga me levou... Essas coisas importantíssimas, que acontecem por acaso e podem determinar sua vida.
Você acredita em acaso? Acho que a vida é isso. Mas não tenho a menor dúvida de que a gente faz nosso caminho, de que temos um poder grande também. Me interesso muito por religião. Meus pais são espíritas kardecistas, minha avó era católica, eu fui coroinha da igreja em Rodelas. Em Salvador, eu não concebia o fato de ser um baiano que não tivesse uma relação com a cultura do candomblé. Então minha aproximação com o candomblé foi muito mais cultural do que religiosa. Nos últimos tempos tenho me interessado também pela ciência, na mesma batida, uma coisa que te faça entender o que não tem explicação.
E, em Deus, acredita? Tenho a impressão de que realmente nós todos somos Deus. Esse poder de construir o seu caminho é a onda do poder divino. Fico pensando que Deus é o homem do futuro, o cara que vai um dia usar seu potencial mental completamente e entender: “Caralho, sou Deus”.
Já fez terapia? Fiz terapia três vezes na vida. Na primeira vez, eu tinha 17 anos e não tinha... problemas
[risos]. Mas eu queria me autoanalisar, ver melhor quem eu era, me potencializar. Mas vida de ator você viaja... eu passo dois meses filmando, aí, quando volto, esqueço de ir, paro. E a terapia tem uma disciplina. Quando vim para o Rio, fiz com uma terapeuta freudiana. Eu estava me sentindo só, não sabia como ia ser minha vida, se mudava pra cá, se voltava para a Bahia. “Será que eu vou frustrar o meu pai? Será que vou morrer de fome? Será que vou ser um poeta bêbado? Não quero...
[Risos.]” Me ajudou a aceitar essa transição, a relaxar. Fiz também um pouco antes de o Bem nascer, ia ser pai e estava com medo dessa passagem... “Será que eu vou virar um adulto? Vou perder certa inconsequência?” Não é porque tenho filho que quero ficar com medo das coisas, de aprender a decolar um avião, como fiz para o filme
VIPs, ou andar de moto. Eu morro de medo é da mediocridade, do meio, do burocrático.
Você hoje faz meditação transcendental. Como é na prática? Fico assim
[sentado numa cadeira com as pernas paralelas e as mãos sobre as pernas] e fecho o olho. Vinte minutos de manhã e 20 à noite. Nesse ritmo de filmagem faço só uma vez por dia. É um lance que vai ao encontro dessa coisa de ser Deus. Nada mais é do que olhar pra si mesmo e reconhecer em você o universo inteiro.
Texto por
Ariane Abdallah Fotos
Jorge Bispo
http://revistatpm.uol.com.br/revista/97/paginas-vermelhas/sou-so-um-cara.html#20