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terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Fashion Rio

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Esquadros - Belchior

Singin' in the rain: Uma música feita de imagens

''Singin’ in the rain'' é uma canção que muitas pessoas pensam ter surgido junto com o musical de mesmo nome. Não é verdade, mas nem por isso sua ligação com o cinema é menor. Acabou aparecendo em filmes que contam um pouco da própria história do cinema: Singin’ in the rain é uma música feita de imagens.
A publicação desta canção aconteceu em 1929. Seus criadores são Arthur Freed, responsável pela letra, e Nacio Herb Brown, que criou a melodia. Neste mesmo ano ela foi utilizada pela primeira vez no cinema, no filme The Hollywood Revue of 1929.
A utilização da música pelo cinema era um fenômeno ainda recente no ano da produção deste filme - a primeira vez que o cinema teve seu primeiro filme com trilha sonora gravada e sincronizada tinha sido 1927. E, assim como no início do próprio cinema, quando o que chamava atenção não era o filme em si, mas sim a utilização da técnica e os mecanismos que faziam ela possível, a união entre cinema e música passou pelo mesmo processo.
Os primeiros filmes produzidos com a possibilidade de utilização da música eram muitas vezes filmes sobre a música. Não havia um enredo ou não se ambicionava contar uma história: o que se queria era mostrar a maravilha da música unida à imagem.
Neste caso específico, a obra era constituída por vários atos musicais e contava com atores de grande prestígio na época, como Greta Garbo, Joan Crawford ou Buster Keaton, entre outros. A canção em questão foi apresentada duas vezes dentro do filme.
Enquanto o mundo acompanhava o sofrimento americano causado pela quebra da Bolsa de Valores de Nova York e o surgimento dos regimes que mais tarde causariam a Segunda Guerra Mundial, era através dos musicais que a população encontrava uma “válvula de escape”.

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Fotograma do filme "Singin' in the rain".

Até o ano de 1952, a música havia sido usada em mais dois filmes, mas foi só com o musical também chamado Singin’ in the Rain (Dançando na Chuva no Brasil, Serenata à Chuva em Portugal) que a canção se tornou uma das trilhas mais conhecidas do cinema. Em 2006, uma eleição proposta pelo American Film Institute (AFI) colocou a obra no topo da lista dos 25 maiores musicais americanos de todos os tempos.
Nesta época, a possibilidade de utilização do som pelo cinema ainda encantava o público. Singin’ in the rain é um filme sobre tecnologia e sobre a forma como o uso do som mudou a forma de se fazer cinema. Com essa novidade surgiu também um problema estético, já que os atores não sabiam como atuar nesse estilo de cinema e também os produtores não sabiam exatamente o que fazer com o som. A melhor saída encontrada foi a utilização da música como mote para a trama dos filmes.
É em torno dessas questões que se desenvolve a narrativa do musical Singin’ in the rain. Don Lockwood (Gene Kelly) e Lina Lamont (Jean Hagen) formavam o casal mais famoso do cinema mudo, mas com a possibilidade de utilização de som nos filmes, ambos tiveram que se adaptar ao novo estilo.
A sequência na qual Gene Kelly interpreta a canção-título do filme enquanto dança sob a chuva é uma das mais reinterpretadas do cinema.



Leia mais: http://obviousmag.org/archives/2011/09/singin_in_the_rain_uma_musica_feita_de_imagens.html#ixzz1j6lyMuNo

Embriaguez Artística

 

Nietzsche e a embriaguez artística

publicado em Filosofia por Victor Silveira em 11 de janeiro de 2012 às 01:04 | 2 comentários
Nietzsche e seus pensamentos mostram-se muito relevantes no contexto sócio-cultural em que vivemos: a pós-modernidade. E arte, não escapa de sua reflexão.
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Friedrich Nietzsche morre em 1900, e talvez por ironia do destino o vanguardista se despede da existência em um recomeço secular. Século este (XX) que seria intrinsecamente influenciado por sua filosofia. O grande pensador do século do XIX dedicou-se a uma missão superior e penosa, a produção intelectual existencialista. Temas densos foram discutidos em seus livros de forma profética e restritamente singular, por sua escrita metafórica e de grande choque de locução, que até então tinha sido preconizado por Schopenhauer no séc. XVIII. Nietzsche e seus pensamentos mostram-se muito relevantes no contexto sócio-cultural em que vivemos: a pós-modernidade. E arte, não escapa de sua reflexão:

“Para que haja arte, para que haja alguma acção e contemplação estéticas, torna-se indispensável uma condição fisiológica prévia: a embriaguez. A embriaguez tem de intensificar primeiro a excitabilidade da máquina inteira: antes disto não acontece arte alguma. Todos os tipos de embriaguez, por muito diferentes que sejam os seus condicionamentos, têm a força de conseguir isto: sobretudo a embriaguez da excitação sexual, que é a forma mais antiga e originária de embriaguez. Também a embriaguez que se segue a todos os grandes apetites, a todos os afectos fortes; a embriaguez da festa, da rivalidade, do feito temerário, da vitória, de todo o movimento extremo; a embriaguez da crueldade; a embriaguez da destruição; a embriaguez resultante de certos influxos meteorológicos, por exemplo a embriaguez primaveril; ou a devida ao influxo dos narcóticos; por fim, a embriaguez da vontade, a embriaguez de uma vontade sobrecarregada e dilatada. — O essencial na embriaguez é o sentimento de plenitude e de intensificação das forças..."
Friedrich Nietzsche, in "Crepúsculo dos Ídolos"

Nietzsche eleva à condição da arte e sua dinâmica criativa a fisiologia da embriaguez. Demonstrando ser esse o processo pela qual se intensifica a revelação criativa, que até então é retida, censurada, moralizada pela própria máquina de produção artística, O corpo não embriagado. Todavia o que se permite embriagado por sua própria excitação ganha, tamanha força, ao se colocar em processo de intensificação de apetites e afetos, descritos pelo autor como crueldade, rivalidade, vitória, destruição... Explodindo em extrema plenitude e revelando o caráter ideativo e antagônico da contemplação estética. E é nesse caráter subversivo, que pretendo discutir a arte nesse espaço.


Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/embriaguez_artistica/2012/01/friedrich-nietzsche-morre-em-1900.html#ixzz1j6jGi7S1

Zanzibar

- Pra Machucar Meu Coração -

João Gilberto
Gal Costa

Poemas de Ar Comprimido

 

INDOLÊNCIA

Lamento
O osso do dia
Que um cão furtivo
Deve ter levado
Entre os dentes
Enquanto eu estava
Domingo.


JARDIM ETIMOLÓGICO

No jardim zoológico
O hipopótamo não tem
Propriamente um rio
Para si.

Mas não o tem também
A própria palavra "rio".


NOTA

Sou rebelde sem efeito:
Não encontro uma causa
Que não tenha defeito.


AERO-SIMBOLISTA

De névoas acirrado
(O cúmulo de sensações vaporosas)
Flutuo em nimbo poético
A quilômetros do solo da prosa.


AUSPICIOSO

No céu que azul transborda,
Solitária nuvem clara
Em forma de escorpião:
Que boa nova! Um signo do medo
Com textura de algodão!


CABO BRANCO, PB.

De saudade me bronzeio
Com o primeiro sol nordestino
Que não me alcança aqui,
Mas em mim brilha, sob a pele,
De permeio.


DESPERDÍCIO

Talvez perca,
Falando,
O tempo encantado
De ficar sem palavras.


DESPERDÍCIO 2

No tempo em que a palavra
Ilusória surja,
E com esforço se implante,
Talvez alguma oportunidade
De vivo desplante nos fuja.


PUERIL

Não sei em que galho
Ainda está pendurado
O adulto maduro
No qual eu deveria
Ter me consumado.


NEON

Estranho
Que ao fechar os olhos,
Eu veja contra as pálpebras
Uma palavra luzindo íntima:

- Estrela!

Como pude fazê-la tão ínfima?


UM PELO OUTRO

Quando penso no alfabeto,
De A à Z enfileirado,
Talvez cometa um engano:
Me ocorre ver um teclado
De piano.


TEMPO GANHO

Lírico
Limbo,
O relógio
Digital
Parado
Torna
Analógico
O azul celeste.


Marcantonio, Canto do Atelier, Óleo sobre tela, 1995 (clique p/ ampliar).

Tempo


Publicado na revista Wish
Escrito por Antonio Prata

O bem mais valioso de nossa época não é o diamante nem o petróleo, a fórmula da Coca-cola ou o sorriso da Natalie Portman: é o tempo. Obedecendo à lei da oferta e da procura, quanto mais escasso ele fica, mais caro nos é. A seca temporal é geral e irrestrita, tão democrática quanto a calvície, a saudade e a morte: eu não tenho tempo, você não tem tempo, o Eike Batista não tem tempo, o cara que está vendendo bala no farol, em agônica marcha atlética para recolher os saquinhos dos retrovisores, antes que abra o sinal, também não tem.
Como vocês devem saber, o principal sintoma desta doença crônica – sem trocadilho - é a ansiedade. Toda manhã, flagro-me aflito, escovando os dentes, com pressa. Vejo-me batendo os pés no hall, enquanto o elevador não chega. Até o segundo que o cursor do celular leva para piscar, num SMS, permitindo-me digitar outra letra da mesma tecla, deixa-me exasperado.
Antigamente, não era assim. Na minha infância, os dias tinham trinta horas, alguns chegando mesmo a quarenta, se bem me lembro. Não, não é que eu faça hoje mais coisas do que antes. Já pensei nisso, mas veja só quantas obrigações eu tinha no passado: cinco horas na escola, lição de casa, inglês, bateria, natação, jantar com os pais, toda noite, sem contar os séculos ao vivo ou ao telefone tentando convencer alguma menina a beijar-me na boca... E, mesmo assim, ainda sobravam infinitos latifúndios improdutivos, impossíveis de se ocupar, por mais que assistisse televisão, tirasse cochilos vespertinos, lesse livros, fosse às casas dos amigos jogar videogame, falar mal dos outros ou simplesmente juntar nossos tédios, olhar as paredes e escutar o tic-tac dos relógios.
Das duas, uma: ou as horas eram mais abundantes do que hoje, ou, então, tinham uma incrível capacidade regenerativa, que perderam: a cada duas ou três horas mortas, uma nova hora nascia, fresquinha, como as células de uma pele jovem.
Acho que foi lá pelo ano dois mil que e o dia começou a encolher, chegando a essas míseras vinte quatro horas – com sensação térmica de dezesseis. Talvez tenha sido esse o verdadeiro bug do milênio: na virada de noventa e nove para o zero zero, todos os ponteiros, vendo-se livres do velho milênio e admirando o vazio que se abria adiante, como um retão num circuito de fórmula um, resolveram meter os pés no acelerador, de modo que acabamos assim, espremidos entre prazeres e obrigações, aflitos, escovando os dentes com pressa, andando em círculos, no hall do elevador.
Há quem diga que a culpa é da melhora das comunicações e, consequentemente, do envio de dados. Com a informação viajando tão rápido, desaprendemos a arte da espera. Antigamente, aguardar era normal. Estávamos sempre esperando alguma coisa chegar. Uma carta, pelo correio. Um disco, do exterior. Uma foto, um texto ou um documento, via portador. Esses hiatos eram tidos como normais, uma brecha saudável, pausa para o cigarro ou o café, a prosa, a leitura de uma revista, o devaneio, a conversa na janela, a morte de bezerra. Hoje, não. Tá tudo aqui, e, se não está, nos afligimos. Queremos o pássaro na mão E os dois voando. Por que é que ainda não trouxeram esses dois que tão no céu, diabo?! Já não era melhor ter pego logo os três, de uma vez, otimizando custos e esforços?
Enquanto não descobrimos a cura para este mal, a única saída é aprender a lidar com ele. Há que cercar com muros altos certas horas do relógio, para que nada as possa roubar de nós. Fazer diques de pedra em torno da hora de ficar com nosso amor, da hora de trabalhar no projeto pessoal, da hora do esporte, de ler um livro, encontrar um amigo. Mesmo assim, vira e mexe, vêm as obrigações, como um tsunami, ou os eventos sociais, como meteoros, e derrubam as barragens. Não há nada a fazer, senão reconstruir os muros, ainda mais fortes do que antes.
Você sente a mesma coisa, ou sou só eu? Talvez seja só eu. Quem sabe, numa manhã de terça-feira, lá por 1998, eu tenha perdido a hora, para nunca mais a encontrá-la? Ficarei assim, trinta minutos atrás do resto do mundo, tentando alcançá-lo, ininterruptamente, como quem corre atrás de um trem, até o fim dos tempos. Será que foi isso?

 

Quem te viu, quem te vê...



TÍMIDA VOLÚPIA

França Teixeira
França Teixeira

Fi voglio tanto bene, se piangi, se ridi. Tu me acostumbraste. O cancioneiro popular, socorre-me, às vezes, letras iluminadas. – Coisas jurássicas. Sotero Politano gritou logo, “Juracy Magalhães não, homem de bem.” Aliás, quanto mais falam Sotero Politano é ótimo. Lembram de mim, Matus Além, Jorge Amado, Ary Barroso e Caymi. Somos todos da CIDADE DA BAHIA. Orgulho... Juracy dizia “minha boa gente bahiana, Politano... – Na Espanha, em Huelma, Padre impediu batizado porque o padrinho era gay, casados.
Esposo! E os Sacerdotes bichas e Pedófilos??? – Nas alquimias dos sonhos, voltarei às madrugadas, soletrando canções apaixonadas, cansado das ilusões de épocas bem-aventuradas. Agora “tire o teu sorriso do caminho. Quero passar com a minha dor.” Dores! – O antigo Ministro do Perturbado Supremo, o Doutor Celso de Mello, indicado por Saulo Ramos, nomeado por Sir Ney em 1989, oriundo do Ministério Público, deu liga.
– O veraneio da Dona Vana custou, sem o combustível dos aviões, deslocamentos, apoios e eteceteras, setecentos mil contos. Se fosse pobre, faria piquenique na beira da Guaíba... Sou candidato práoano a um período curtinho, curtinho na Granja do Torto. Desbunde... – Magnífica é a ampulheta chamada Pelé. Sua lei ou de Helio Viana? (e a ausência do reconhecimento da filha?) Sodeu os clubes de futebol do País. “Empresários” arcando despesas e roialties, ganhando quarentinha por cento de qualquer merdífero pelaí, a dizer-se craque de bola.
Salário mínimo no Nordeste para boleiro vale cinquenta mil contos mês, limpos e secos. São coveiros. Falem Alex e Marcelão (quem manda no Bahia mesmo). – Depois dizem, Políticos, roubam e ficam impunes. Ofendem, Magistrados togados. Brincam? Nada como um dia após o outro... Praga de Toga é repimbeta na parafuseta. Puríssima...
– Voltemos à vaca quente, Parliami d’Amore, entre panos e planos, exijo tua meiga presença. O que será nesta tristeza, sem tempos felizes ou flores nos jardins? Os pintassilgos me consolam, confortam na sintonia, prefixo no qual só os velhos românticos, inexistem jovens, entendem. Portas abençoadas, ternuras antigas.
À distância, beija-me. As luzes das veredas, nos vales floridos, a conduzirão. Beijos e afagos aqui, e te direi, na angústia da saudade, força! O sol renascerá, trazendo manhãs resplandecentes. You unforgetable in my heart. – Manga, o pernambucano, goleiro. Jogou no: Sport, Botafogo, Nacional do Uruguai, Coritiba, Grêmio. Parou aos quarenta e cinco, debaixo dos três paus! Levou tiro de João Saldanha. Pegou de raspão na bunda! No Brasil, Barbosa da Copa de 50, largou aos 41.
– De tanto amor, numa noite estrelada de dezembro, fiquei pertinho de ti, sabendo, precisava te esquecer. Por quê? Sei lá? Alírio, cabo da Aeronáutica, nos acolhia na boate, frente ao mar. A volúpia dos amores jamais permitiu fixar-me em ti. Loucuras de sentimentalóide patético, complexado. É tarde. Os esporros ao meio-dia, no Rádio, criaram tipos diversos. Sobrou esta pessoa inibida, bisonha e triste...

Publicada: 10/01/2012



http://www.tribunadabahia.com.br/coluna.php?cCanal=37

"Versalhes Tropical" - A fuga da corte real portuguesa para o Brasil


História sem gracejos
Por Alex Miyoshi

"Versalhes Tropical" evita a caricatura e analisa a fuga de d. João VI para o Brasil como complexo problema mundial

A fuga da corte real portuguesa para o Brasil é interpretada de modos diversos. Alguns colocam à frente do episódio um príncipe medroso, incapaz e glutão, seguido de figuras e situações pouco nobilitadoras. Tal é a fama dessa imagem que, alimentando-se também de sua própria repetição, dificulta-se pensar em algo longe do tragicômico.
Não é o caso defender a abolição do caricato. Mas uma historiografia contemporânea do episódio poderia voltar-se mais ao episódio e menos à caricatura. Não reiterá-la exige um esforço, ainda mais se o narrador estiver imerso na cultura brasileira; ou então é preciso pertencer, originar-se, imbuir-se de uma outra cultura: como um estrangeiro, que poderia ter outros olhos para o caso.
Contar uma história sem gracejar não é o mesmo que deixar de ser gracioso. Assim como a austeridade pode comportar a graça, um texto historiográfico pode ser seco, vigoroso e encorpado como o melhor vinho. É este o caso de "Versalhes Tropical: Império, Monarquia e a Corte Real Portuguesa no Rio de Janeiro, 1808-1821" (tradução de Renato Aguiar, ed. Civilização Brasileira, R$ 50), da historiadora Kirsten Schultz. O livro é sua tese de doutorado, iniciada em 1994 na Biblioteca John Carter Brown e publicada pela primeira vez em 2001, nos EUA.
Em meio à boa safra de livros recentes sobre a fuga real 1, o de Kirsten Schultz é o mais dedicado a compreender o episódio como um complexo problema histórico e historiográfico internacional. Sua narrativa densa e cadenciada nos faz mergulhar naqueles anos, atendo-se principalmente à reflexão sobre eles, com admirável neutralidade.
Há, evidentemente, comentários sobre a vasta bibliografia do assunto, passando pela complicada questão social-econômica em torno da proposta “liberal-conservadora” de José da Silva Lisboa, o visconde de Cairu. Mas o melhor do trabalho de Schultz foi abster-se dos paralelos com situações contemporâneas, muitas vezes comprometedores à compreensão do episódio. Mantendo-se atenta a ele, a autora põe em relevo e sob nova luz dados já conhecidos, embora frequentemente menosprezados.
A começar pelo merecido destaque dado por ela ao fato de o “transplante” da corte portuguesa à América ser uma ideia antiga (proposta também pelo padre Vieira, quase um século e meio antes da fuga), renovada e apresentada a dom João VI em 1803 pelo chefe do tesouro real, Rodrigo de Souza Coutinho, com o objetivo de criar “hum poderoso Imperio no Brasil”, reconquistar futuramente eventuais perdas na Europa e castigar o “fero Inimigo” francês, surdo à tentativa portuguesa de se manter longe de conflitos.
É claro que, mesmo antecipada, a transferência ainda seria uma fuga, com a diferença que as dimensões territoriais e os recursos do Brasil, seriamente considerados na ocasião, talvez se sobrepusessem de forma positiva aos demais motivos da mudança.
Para a corte portuguesa, a decisão sobre o que fazer não era simples. Nenhuma realeza europeia jamais se transplantara à periferia do império. Kirsten Schultz partiu daí para entender amplamente as motivações da fuga, ponderando uma questão de extrema relevância à Coroa: sua representatividade não apenas aos súditos, como também para o mundo, considerando ainda a manutenção do império, da monarquia absoluta e de sua economia essencialmente mercantilista.
Após a fuga da corte, para além de justificá-la, era preciso cuidar da imagem de um país monárquico e escravista, facetas em diferentes medidas associadas ao atraso. Havia uma grande carga de notícias denegridoras por parte dos franceses (que acusavam os portugueses de serem covardes e de renunciarem ao reino) e dos ingleses (para quem a transferência da corte teria sido concebida por Napoleão, aproveitando-se da fraqueza de dom João VI).
Além disso, as revoluções nos EUA, na França e no Haiti estavam muito frescas; o temor que houvesse algo semelhante no Brasil era grande. Os mercadores britânicos se empenhavam em transformar os “Brasis” num “empório das manufaturas britânicas destinadas ao consumo de toda a América do Sul”. Unificar historicamente o império, portanto, tornou-se uma necessidade, assim como fortalecer a monarquia e viabilizá-la frente aos países que a minavam em favor da república.
Como várias pessoas argumentaram à época, lembra a autora, tanto “a transferência da corte quanto a subseqüente designação do Brasil como reino (em 1815) tinham de ser consideradas como resultantes de uma mudança no status do Brasil, em vez de a ela conducentes”. Em 1818, a Aclamação de Dom João VI juntou-se a esses dois eventos “como triunfo da autoridade real e da unidade histórica e indivisível dos três reinos” (Portugal, Brasil e Algarves). E, se a unificação dos reinos e a Aclamação não mudaram a estrutura do governo, conservando seu regime e mantendo indefinida a residência real, suas repercussões seriam representativas ao celebrarem a derrota da Revolução Francesa, a “vitória” sobre as revoltas republicanas por toda a América e uma resposta ao crescente poder dos EUA.
O esforço de civilizar a cidade do Rio de Janeiro inseriu-se na tentativa de justificar o novo lar da corte, para o qual, conforme a Guerra Peninsular se estendia, a ojeriza inicial dos exilados no Rio diminuía. Nas palavras da autora, a “compreensão das fronteiras da nação como, acima de tudo, morais e políticas também lhes permitiu reconceber a identidade nacional no contexto de uma transformação do Novo Mundo”.
De terra da perdição, o Brasil tornou-se “um abrigo contra a decrepitude”, uma “promessa de regeneração”, um “refúgio virtuoso da corrupta Europa, um lugar onde a civilidade sitiada pudesse prosperar”. Articulou-se, assim, um duplo movimento, no qual a América portuguesa passava a ser vista como lugar privilegiado à restauração da boa imagem de Portugal, que, por sua vez, contribuiria a tornar positiva a imagem da América portuguesa.
Assim, ao problema de imagem (muito importante no livro, não por acaso intitulado “Versalhes Tropical”), Kirsten Schultz relaciona um problema capital de história: são os acontecimentos que acabam por definir a representação como ponto privilegiado de observação aos próprios acontecimentos. A autora analisa com profundidade os discursos da época sobre as condições da colônia (a arquitetura, os hábitos e a escravidão), detendo-se no modo como essas condições eram colocadas em perspectiva dos rumos da nação lusitana, juntamente com o seu passado. Menciona, por exemplo, um argumento de Silva Lisboa, que teria ancorado “o comércio na história, em vez de apresentá-lo como um triunfo sobre a história” 2.
Para ele, os portugueses, à diferença dos revolucionários franceses e dos britânicos na Índia, não seriam “mercenários comerciais”, alheios às obrigações sociais. Pelo contrário, o comércio português seria historicamente nobre: “Para os portugueses não fazia sentido distinguir as causas e os efeitos do comércio e da civilização aristocrática, pois seu caráter nacional, o seu “espírito das leis” montesquiano (...) era a um só tempo mercantil e cavalheiresco”. Retomar a glória lusa do século 16 como “origem idealizada” era também uma das formas de combater os ataques denegridores à Coroa portuguesa.
Por outro lado, tomar a história para justificar o poder real e imperial na América “produziu a sua própria crise de representação”. Enquanto o Brasil era apresentado orgulhosamente como “a amplificação do território da May-Patria para a Monarchia Lusitana”, a presença da corte no Novo Mundo mostrava que “essa ampliação histórica de Portugal parecia ter chegado à sua derradeira conclusão”.
A localização permanente do rei era a “grande questão do Estado” na década de 1810. A ausência do monarca tanto lá quanto cá era preocupante. Salvar a monarquia e o império demandava uma nova organização do poder real.
Daí a recomendação de Silvestre Pinheiro Ferreira, em 1814, de divisão da “autoridade real”, com dom João “imperador do Brasil, soberano de Portugal” e d. Pedro “Rei de Portugal, herdeiro da Coroa do Brasil”, como tentativa “de dar suporte a uma representação vigorosa dessa autoridade sobre uma área maior”, diminuindo “a percepção de marginalidade bem como as margens físicas que antes definiam a relação do Brasil com Portugal e agora pareciam definir a relação de Portugal com o Brasil”.
Em outras palavras, a articulação do passado com o futuro e as ambiguidades que pudessem daí surgir também estão no título de um relatório pesquisado por Kirsten Schultz 3, “Memórias Sobre o Estabelecimento do Império do Brazil, ou Novo Império Lusitano” (grifo nosso), termos equivalentes “tanto do ideal histórico português de renovação política como do projeto europeu de civilizar o Novo Mundo”.
A autora aponta ainda outra “tensão”, baseada em análise de Ana Cristina Araújo para o escudo do Reino Unido português 4. Com o brasão de Portugal no centro, envolto pela esfera armilar da bandeira do Principado do Brasil, de 1645, o escudo “sugeria não apenas os domínios expansivos portugueses, como também o poder emergente do Brasil”. Porém, enquanto as torres “evocavam o glorioso passado português, a sua localização no interior da esfera consagrava o destino americano do império (ponto de chegada)”. Em 1822, o escudo do Reino Unido de Portugal desfez-se da esfera armilar. O excelente livro de Kirsten Schultz não explica esse fato. Nem precisava. A autora sabe que esse é um outro e complexo episódio da história.

Publicado em 10/5/2009
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Alex Miyoshi
É arquiteto e professor, doutorando em história da arte no IFCH-Unicamp, onde faz pesquisas sobre arte e arquitetura dos séculos XIX e XX. Edita a "Revista de História da Arte e Arqueologia" na mesma instituição.