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quarta-feira, 11 de abril de 2012

L-O-V-E

embers



painting titled Radiance, by Rob Hefferan


embers

That heat you leave on the bed
when you wake up ...
nothing so soft, nothing so subtle
and elusive, nothing so intimate.
... The warmth of your body,
bird feathers,
lightness of a wing,
unknown angel left
his invisible presence
in that place which delineates
imprecise, your body;
your body, light weight,
but dim, dimmer, the warmth
that afterglow
without matter, without form,
weightlessness diluted
last fading embers ...
Border vague limit not being,
that heat silent and deep
which amounts fingers
current love,
Dew wire wrapping
burning in a target
the heart

Xulio López Valcárcel ,,Galician Poet...

AWAKENING



painting by Stanislav Plutenko. titled AWAKENING...



And God made me a woman,
long hair,
eyes, nose and mouth of a woman.
With curves
and folds
... and soft hollows
and dug me inside,
I did a workshop on human beings.
wove my nerves gently
and carefully balanced
the number of my hormones.
composed my blood
and injected me with it
to irrigate
my body
were so born ideas,
dreams,
instinct.
All set gently
with a hammer in blows
and taladrazos of love,
the thousand and one things
that make me woman every day
why I wake up proud
every morning
and bless my sex.

Gioconda Belli

Olhos Verdes - Gal Costa

Em toda tristeza, há a memória de uma imensa alegria?

 

“Começou a me contar de quando ele e sua mulher eram jovens. Fazia questão de que eu entendesse que haviam sido felizes. Ninguém queria que se casassem, em suas famílias, mas eles queriam muito e mesmo quando, por um instante, tinham desistido, ele nunca deixara de saber que conseguiriam, e assim foi. Vínhamos, os dois, de famílias horríveis, disse, e o único tempo que não era repulsivo era aquele que passávamos juntos. Disse que havia um montão de moralismos, naquela época, mas sua vontade de fugir era tamanha que tinham começado a fazer amor sempre que podiam, às escondidas de todos. Fui salvo pela enorme beleza dela, uma beleza limpa (…). Depois deve ter percebido que aquele tipo de confissão me deixava sem graça _interrompeu. A vida sexual dos nossos pais é, de fato, uma das poucas coisas das quais não queremos saber nada. Gostamos de pensar que não existe e que nunca existiu. Não saberíamos sinceramente onde encaixá-la, na ideia que fizemos deles. Assim, passou a contar dos primeiros tempos de casados, e de quanto tinham rido, naqueles anos. Já não o escutava direito. Em geral, são histórias sempre iguais, todos os nossos pais foram felizes, quando jovens. Esperava antes ouvir quando tudo aquilo tinha emperrado, quando começara a miséria educada que, ao contrário, conhecíamos. Talvez quisesse saber por que a certa altura tinham adoecido. Mas não falou daquilo.”
Trecho de A Paixão de A., romance de Alessandro Baricco
 

A língua do amor

 

screamcute.tumblr.com

Eu amo sem limites. É que acho que a gente tem que ser inteira. Não dá pra viver qualquer tipo de relação com um pé lá e outro aqui. Tem que colocar os dois pés no chão. Mesmo que o coração esteja em ritmo de música romântica. E a cabeça no planeta dos apaixonados.
Quando eu amo perco a razão. E me pergunto: algum dia fui racional? Vivo (e sempre vivi) guiada pelo que meu coração sussurra ou grita. E eu te confesso que de vez em quando ele fica aflito e berra. Talvez isso aconteça porque nem sempre sei ouvir as coisas direito. Meu lado cabeça dura me prende, me impede de ver o que está bem na frente dos meus olhos, me rouba os sentidos e a fala.
Fico um pouco boba, sim. Insisto em colorir as coisas, afinal ninguém quer viver com apenas uma cor. Gosto do que é bonito, do que faz bem, do que é simples e natural. E o amor me faz um bem danado. Não tem nada melhor e mais gostoso do que ser correspondida.
É bom poder contar com coisas simples. Uma delas é ter pra quem contar como foi o dia. Pedir um palpite num projeto importante. Pedir um abraço quando o mundo está chato. Encostar a cabeça no ombro e não dizer nada, apenas ouvir o som do vento lá fora. Rir de besteira. Ficar de mãos entrelaçadas assistindo televisão. Encostar o pé no pé do outro, na cama, vendo “House”. Ganhar café da manhã na cama. Aprender a rir das pequenas discussões que acontecem em qualquer relacionamento. Entender que a gente não deve guardar mágoa, pois toda mágoa vira um rancor chato colado no peito.
Sinto um certo medo. Acho que ele faz parte quando a gente ama. Dá um medo tímido de perder o ser amado. Dá uma certa sensação de sufocamento só de pensar em não ter mais aquela pessoa ao seu lado. Uma angústia que aperta o peito e cutuca a alma.
Às vezes, meus pensamentos ficam nublados. Minha cabeça fica cheia de caraminholas. Elas não dão trégua, não dão folga, ficam esperando meu primeiro passo em falso. É que o diabinho adora espetar a gente com seu tridente. Fica tentando estragar coisas que são boas. Fica tentando criar situações que só existem na nossa imaginação. Porque a nossa imaginação é fértil e louca demais. E sempre dá voltas e voltas e voltas e voltas infinitas. Mas a gente tem que andar mais rápido que ela e aprender a ouvir o que a emoção fala. E a emoção só conhece a língua do amor.

http://revistatpm.uol.com.br/blogs/confusoeseconfissoes/page/2

o mundo visto desde o Sul

Entrevista com Samir Amin: o mundo visto desde o Sul
aminAgencia Latinoamericana de Informacion - Esta entrevista, realizada por Irene León, com o pensador egípcio Samir Amin está composta de três partes: 1) O mundo visto desde o Sul; 2) A implosão do capitalismo e 3) Estratégias imperialistas e lutas políticas. Samir Amin é autor de uma volumosa obra de análise crítica do capitalismo e de inovadoras teses, tais como a da "desconexão" e a da "implosão" do capitalismo, às quais ele se refere nesta entrevista traduzida por Diário Liberdade.

Tradução para Diário Liberdade por Gabriela Blanco

Irene León: Queríamos focar esta entrevista em três problemáticas distintas, mas relacionadas: sua visão sobre o mundo e as possibilidades de transformá-lo; sua proposta conceitual e política em torno à implosão do capitalismo e a desconexão do mesmo; e a análise do contexto mundial visto especialmente desde o Oriente Médio e a África. Qual é a sua visão sobre o mundo visto desde o Sul e desde uma perspectiva do sul?
Samir Amin: Para responder a esta pergunta, que não é nada simples, é necessário dividir o tema em 3 partes. Interrogaremos primeiramente sobre quais são as características importantes e decisivas do capitalismo contemporâneo – não do capitalismo em geral, mas do contemporâneo -; o que tem de realmente novo; o que é que o caracteriza. Em segundo lugar, enfocaremos na natureza da atual crise que, mais do que uma crise, eu a defino como uma implosão do sistema capitalista contemporâneo. Em terceiro lugar, neste mesmo marco, analisaremos quais são as estratégias e as forças reacionárias dominantes, ou seja, do capital dominante, da tríade capitalista Estados Unidos-Europa-Japão e de seus aliados reacionários no mundo inteiro. Somente tendo compreendido isto, poderemos dimensionar o desafio que se enfrentam os povos do Sul, tanto nos países emergentes como no resto dos países.
Minha tese sobre a natureza do sistema capitalista contemporâneo – que de modo mais modesto a chamarei de "hipótese", porque está aberta à discussão – é que entramos em uma nova fase do capitalismo monopolista, trata-se de uma etapa qualitativamente nova, pautada pelo grau de centralização do capital, cuja condensação chega a tal ponto que, hoje em dia, o capital monopolista o controla totalmente.
Claro que o conceito "capital monopolista" não é novo, foi designado no final do século XIX e, de fato, desenvolveu-se como tal através de distintas fases sucessivas, durante todo o século XX; mas é a partir dos anos 1970-1980 que desponta uma etapa qualitativamente nova, pois antes já existia, mas não o controlava totalmente. Na atualidade, já não existe nenhuma atividade econômica capitalista que seja autônoma ou independente do capitalismo monopolista; este controla todas e cada umas das atividades, inclusive aquelas que conservam uma aparência de autonomia. Um exemplo, entre muitos, é o da agricultura nos países capitalistas desenvolvidos, onde é controlada pelos monopólios que proveem os insumos, as sementes selecionadas, os pesticidas, os financiamentos e as cadeias de comercialização.
Isso é decisivo, é uma mudança qualitativa ao que eu chamo de "monopólio generalizado", ou seja, que se estende a todas as esferas. Esta característica provoca consequências substantivas e importantes. Em primeiro lugar, desvirtuou-se completamente a democracia burguesa, pois se antes se baseava em uma oposição esquerda-direita, que correspondia a alianças sociais, mais ou menos populares, mais ou menos burguesas, mas diferenciadas por suas concepções sobre a política econômica, na atualidade, nos Estados Unidos, por exemplo, republicanos e democratas, ou na França socialistas da corrente de Hollande e a direita de Sarkozy, são o mesmo, ou quase o mesmo. Ou seja, todos estão alinhados a um consenso que é a ordem do capital monopolista.
Essa primeira consequência constitui uma mudança na vida política. A democracia, assim desvirtuada, converteu-se em uma farsa, como se vê nas eleições primárias dos Estados Unidos. O capital monopolista generalizado provocou consequências muito graves, converteu os Estados Unidos em uma nação de "bobos", é grave porque a democracia já não se expressa.
A segunda consequência é que o "capitalismo generalizado" é a base objetiva da emergência do que chamo de "imperialismo coletivo" da tríade Estados Unidos-Europa-Japão. É um ponto que afirmo com veemência, pois ainda sendo uma hipótese estou na condição de defendê-la: não há maiores contradições entre os Estados Unidos-Europa-Japão, existe uma ligeira competição no plano comercial, mas no plano político, o alinhamento às políticas defendidas pelos Estados Unidos como política mundial é imediato. O que chamamos "comunidade internacional", copia o discurso dos Estados Unidos e três minutos depois aparecem os embaixadores europeus, com alguns figurantes de grandes democratas, como o Emir do Catar ou o rei da Arábia Saudita. A ONU não existe, essa representação dos Estados é uma caricatura.
É esta a transformação fundamental, a transição do capitalismo monopolista ao "capitalismo monopolista generalizado", o que explica a financeirização, porque estes monopólios generalizados são capazes, devido ao controle que detém sobre todas as atividades econômicas, de extrair uma parte cada vez maior da mais-valia em todo o mundo e convertê-la na ladeira monopolista, a ladeira imperialista, que constitui a base da desigualdade e do estancamento do crescimento dos países do Norte e da tríade Estados Unidos-Europa-Japão.
Isso nos leva ao segundo ponto: é este sistema que está em crise e, ainda mais, não é somente uma crise: é uma implosão, no sentido que este sistema não é capaz de se reproduzir desde suas próprias bases, ou seja, é vítima de suas próprias contradições internas.
O sistema implode, não porque seja atacado pelo povo, mas por causa de seu êxito, o êxito de ter conseguido impor-se ao povo o leva a provocar um crescimento vertiginoso das desigualdades, que não somente é escandaloso socialmente, mas também inaceitável, mas acaba sendo aceito, e aceito sem objeção; mas não é essa a causa da implosão, mas o fato de que não pode se reproduzir desde suas próprias bases.
Isso me leva à terceira dimensão, que tem a ver com a estratégia das forças reacionárias dominantes. Quando falo de forças reacionárias dominantes me refiro ao capital monopolista generalizado da tríade imperialista histórica Estados Unidos-Europa-Japão, a qual se somam todas as forças reacionárias mundiais que se agrupam, de uma forma ou de outra, em blocos hegemônicos locais, que sustentam e se inscrevem nesta dominação reacionária mundial. Estas forças reacionárias locais são extremamente numerosas e diferem enormemente de um país a outro.
A estratégia política das forças dominantes, ou seja, do capital monopolista generalizado, financeirizado, da tríade imperialista coletiva histórica tradicional Estados Unidos-Europa-Japão, está definida pela sua identificação ao inimigo. Para eles, o inimigo são os países emergentes, ou seja, a China; o resto, como a Índia, o Brasil e outros, são para eles semi emergentes.
Por que a China? Porque a classe dirigente tem um projeto, não vou entrar em detalhes sobre a natureza socialista ou capitalista deste projeto, o importante é que conta com um projeto que consiste em não aceitar as ordens do capital monopolista generalizado financeirizado da tríade, que se impõe mediante suas vantagens: controle da tecnologia, controle do acesso aos recursos naturais do planeta, dos meios de comunicação, da propaganda, etc, o controle do sistema monetário e financeiro mundial integrado e das armas de destruição massiva. A China vem questionar esta ordem, sem fazer ruído.
A China não é subcontratada, há setores na China que sim são, em sua qualidade de fabricantes e vendedores de jogos baratos e de má qualidade, somente porque necessitam lançar mão de divisas, isso é fácil, mas não é isso que caracteriza a China, mas o seu desenvolvimento e a rápida absorção de tecnologia de ponta, sua reprodução e desenvolvimento próprio. A China não é a fábrica do mundo, como opinam alguns. Não é "made in China" (feito na China) mas "made by China" (feito pela China), isso agora é possível porque eles fizeram uma revolução: o socialismo construiu paradoxalmente a via que fez possível disputar um certo capitalismo.
Eu diria que depois da China, o resto dos países emergentes são secundários. Se fosse necessário classificá-los, classificaria de emergente a China em 100%, o Brasil em 30% e o resto dos países em 20%. O resto, em comparação com a China, é subcontratado, porque têm negócios de subcontratação importantes, porque têm uma margem de negociação, há um compromisso entre o capital monopolista generalizado financeirizado da tríade e os países emergentes como a Índia e o Brasil e outros. Não acontece o mesmo com a China.
Por isso a guerra contra a China aparece como parte da estratégia da tríade. Há 20 anos já havia americanos loucos que defendiam a ideia de se declarar a guerra, porque depois seria muito tarde.
Os chineses tiveram êxito, é por isso que sua política exterior é tão pacífica, e agora a Rússia entra para formar parte, junto a eles, da categoria de verdadeiros países emergentes. Vemos Putin propondo a modernização do exército russo, tentando refazer o que era a armada soviética, que constituiu um verdadeiro contrapeso à potência militar dos Estados Unidos, isto é importante. Não discuto aqui o fato de que o Putin seja ou não democrata, ou se sua perspectiva é socialista ou não; não se trata disso, mas da possibilidade de contrapor o poder da tríade.
O resto do mundo, o resto do Sul, todos nós, vocês os equatorianos, nós os egípcios, e muitos outros, não conta. Ao capitalismo monopolista coletivo, nossos países apenas são interessantes por uma única razão: o acesso aos novos recursos naturais, porque este capital monopolista não pode se reproduzir sem controlar; destruir os recursos naturais de todo o planeta. É o único que lhe interessa.
Para garantir um acesso exclusivo aos recursos naturais, os imperialistas necessitam que nossos países não se desenvolvam. O "lumpen desenvolvimento" como definiu Andre Gunder Frank, se deu em circunstâncias muito distintas, mas tomo emprestado o termo agora em condições diferentes, para descrever como o único projeto do imperialismo para nós é o não-desenvolvimento. O desenvolvimento do anômalo: pauperização mais petróleo, crescimento falso ou gás, madeira, o que seja, para ter acesso aos recursos naturais e é isso o que está a ponto de implodir, porque é o que se tornou intolerável moralmente, o povo não aceita mais.
É aqui onde se geram as implosões, as primeiras ondas de implosão se originaram na América Latina, e não é produto do acaso que tenham tido lugar em países marginais, como a Bolívia, o Equador, a Venezuela. Não é produto do acaso. Depois da primavera árabe já teremos outras ondas no Nepal e outros países, porque não é algo que esteja acontecendo somente em uma região específica.
Para o povo que é o protagonista disto, o desafio é enorme. Ou seja, o desafio não se dá no marco deste sistema, na tentativa de transcender desde o neoliberalismo até um capitalismo com rosto humano, entrar na lógica da boa governança, da redução da pobreza, a democratização da vida política, etc., porque todos esses são modos de gerenciar a pauperização, que é o resultado desta lógica.
Minha conclusão – desde uma postura focada principalmente em um mundo árabe – é que esta não é apenas uma conjuntura, mas um momento histórico que se apresenta formidável para o povo. Refiro-me à revolução, mas ainda que eu não queira abusar deste termo, estão dadas as condições objetivas para construir amplos blocos sociais alternativos anticapitalistas, há um contexto para a audácia, para propor uma mudança radical.

http://www.diarioliberdade.org/artigos-em-destaque/414-batalha-de-ideias/26056-entrevista-com-samir-amin-o-mundo-visto-desde-o-sul.html

Fujo de filmes dublados como o diabo foge da cruz

11 Abril 2012

A maldição da dublagem


A dublagem dos filmes estrangeiros açoita a consciência dos verdadeiros amantes do bom cinema. Há algumas décadas, um deputado, Leo Simões, apresentou, ao Congresso Nacional, um projeto nesse sentido, que, para a glória dos cinéfilos, foi rejeitado. Atualmente, porém, a dublagem está a se impor sem nenhuma lei que a determine. Filmes que são lançados no circuito comercial, principalmente os blockbusters, com centenas de cópias, estão, a maioria delas, dubladas em português. Em quase todos os DVDs há, ainda, as duas opções: versão original e a dublada, mas, segundo pesquisa publicada em jornal sulino, mais de 70% dos que foram ouvidos preferem a versão dublada, muitos por causa "da preguiça de ler as legendas!" No caso dos filmes que estréiam no mercado exibidor, quando obras de nítido apelo comercial, poucas as versões originais, sendo até difícil localizá-las em que cinemas estão sendo exibidas.
A maioria do público, na verdade, somente se interessa pelo desenvolvimento da intriga, pelo enredo, e pouco se lhe dá se o filme é dublado. O cinema como estrutura audiovisual, como mise-en-scène, não tem nenhum valor para as pessoas que frequentam atualmente as salas exibidoras concentradas nos shoppings centers. O interesse apenas recai sobre os acontecimentos narrados, pela ação ininterrupta, pelos efeitos especiais, e pelas piadinhas infames sobre sexo (como nas neo-chanchadas do cinema brasileiro, um filão que desabrochou e está crescendo para desespero daqueles que querem um cinema nacional bravo e atuante). A implantação da dublagem, já notaram os comerciantes dos filmes, diante de um público massivo, passivo, apático, é, por assim dizer, uma mão na roda.
O fato é que a dublagem se constitui num atentado à integridade da obra cinematográfica. Diria mesmo um crime que se comete contra a pureza do filme. Em primeiro lugar, deve-se considerar que a inflexão vocal tem muita importância na interpretação dos atores e atrizes. Alguns intérpretes treinam durante dias para dar o tom exato às suas falas. Já pensaram Don Corleone, interpretado por Marlon Brando, em O poderoso chefão (The godfather, 1972), falando um português uniforme e sem inflexões?
A dublagem também interfere na perfeita dosagem entre as três bandas sonoras de um filme: a de diálogos, a de ruídos, e a da partitura musical. Há que se ter uma perfeita harmonia nessas três bandas, que são reunidas numa só pelo processo da mixagem. Quando se dubla um filme, as três bandas são separadas e se privilegia a dos diálogos em detrimento da dos ruídos e da partitura musical. É absolutamente insuportável se assistir a um filme dublado. Pessoalmente, detesto-a, não admitindo a dublagem nem em desenhos animados. E poderia mesmo dizer: se a dublagem vier a se constituir regra geral, nunca mais irei ao cinema, procurando contentar-me com os DVDs que tenham a versão original dos filmes.
Há um exemplo demolidor da dublagem em Maratona da morte (Marathon man, 1975), de John Schlesinger. Sir Laurence Olivier interpreta Mengele, o perverso nazista, cirurgão dentista, que se encontra em Nova York e, numa sequência, faz um interrogatório com Dustin Hoffman na cadeira de dentista. A princípio, quando chega, Olivier diz um quase afetuoso is it saft?. Durante a sequência inteira, ele somente faz esta interrogação a um Dustin Hoffman apavorado, mas, a cada uma delas, confere um tom diferente na dicção até que a pergunta surge raivosa e gritada. Momento seguinte, uma broca fura o céu da boca de Hoffman. Na versão dublada em português, o "is it saft?" é substituído por um é seguro? sem nenhuma inflexão e dito de maneira uniforme. Resultado: toda a atmosfera da sequência, que reside, na versão original, no tom de voz de Olivier, perde-se completamente na dublada. Uma espécie de anulação das intenções do realizador e de sua correta produção de sentidos.
Nessa questão da dublagem, sou radical: não vejo filme dublado. A televisão por assinatura, que passa seriados, está dublando os filmes e, por isso, nos dublados, não posso me sentir cúmplice do espetáculo, demitindo-me logo deste. A dublagem televisiva é pavorosa (aliás, a bem da verdade, toda e qualquer dublagem é pavorosa).
É de causar espanto que em países civilizados como a França, a Itália, a Espanha e a Alemanha, entre outros, a dublagem já é um fato consumado há mais de meio século. Mas há a opção pelas versões originais. Acontece, porém, que um filme é lançado, nesses países, com a maioria das cópias vertidas para o idioma pátrio, restando as originais em salas mais caras. O Pariscope, revista cultural que oferece todos os programas culturais franceses, por exemplo, depois do nome do filme vêm as duas letras: v.o. para as originais (não dubladas) e v.f. versão francesa. Como se sabe, o cinema americano não domina apenas o mercado exibidor brasileiro (aqui, 99,9% dos cinemas são de empresas multinacionais), mas quase todo o mundo - excetuando-se a Índia, os países árabes, entre poucos outros, que não aceitam nem compreendem o filme americano e, por isso, desenvolveram poderosas indústrias cinematográficas (Bollywood, como é chamada a indústria indiana é maior que Hollywood em número de fitas). Por outro lado, na Europa, existem os Cinemas de Arte e Ensaios (salas alternativas) que passam filmem selecionados de grandes cineastas nas suas versões originais com legendas próprias.
Nos anos 70, os xenófobos do cinema brasileiro tentaram apoiar - na época da vigência da Embrafilme - a implantação da dublagem obrigatória no Brasil. Entre os seus principais argumentos, estava a defesa da ampliação do mercado de trabalho para dubladores e a instalação de novos equipamentos. Por uma questão de mercado, queria se matar a estética cinematográfica. Mas, felizmente, a idéia não foi adiante.
Atualmente, com os filmes destinados ao DVD, que possuem versões originais e dubladas, o mercado de dubladores se encontra em franca expansão. Em alguns DVDs, inclusive, ao término dos filmes, aparecem os créditos dos dubladores dos atores e atrizes. Na Europa, há dubladores especialmente selecionados para determinados atores, que são conhecidos do grande público. Fulano de tal é o dublador de Brad Pitt, por exemplo. Quem dubla, mata, quem dubla interfere no processo de criação da obra cinematográfica, quem dubla afeta a sua integridade.
Fujo de filmes dublados como o diabo foge da cruz.
 
Eu também, Setaro! regina