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domingo, 8 de setembro de 2013

Simples




E se for mesmo simples? Um dia, um lugar, uma vez? Uma esquina? E se for mesmo simples, um querer e a rima? E se for mesmo simples? Sem dor, sem medo, sem esperas? E se for mesmo simples, as letras azuis construindo estradas e abraços?

E se for mesmo simples, eu, você e o tempo espiando a gente aprender o prazer? E se for mesmo simples, eu vou, você vem, as estradas se fazem quarto para um tempo sem amanhãs. E se for mesmo simples, café forte, música na vitrola e olhos se fazendo poços?

E se for mesmo simples, a pele arisca, os desejos inquietos, as saudades antecipadas? E se for mesmo simples, gentileza, malícia e aquela vontade de não dormir nunca mais? E se for mesmo simples: todos os verbos no presente, todas as perguntas no pretérito, todas as vontades no gerúndio?

E se for mesmo simples, beijos curiosos, mãos pacientes e horas fora do calendário? E se for mesmo simples, sem memória, sem história, sem álbum de fotografias? E se for mesmo simples, um pouco sem razão, um tanto sem esperança, o reconhecimento tranquilo do outro.

E se for mesmo simples: coragem?

Eu tenho confusos planos de me perder em você. Nada de hora seguinte, nenhuma informação de trajeto, só a seta, certeira, no mapa: aqui. Em qual esquina de mim mesma te espero?

POR LUCIANA NEPOMUCENO 
http://borboletasnosolhos.blogspot.com

Dos Silêncios




Fez-se silêncio. A casa ficou enorme. Não mais as conversas interrompidas por gargalhadas, os passeios guiados pela maresia, as comidas com sabor de gentileza. Fez-se silêncio e um oco a que se costuma chamar saudade. Fez-se silêncio e memória. Fez-se silêncio e projeto. Fez-se silêncio e promessa. Fez-se estrada e novas conversas, outros sabores, outros lugares, nós mesmos, outros. Fez-se aquela dorzinha gostosa de sentir falta de alguém que realmente se ama e faz diferença no viver.

POR LUCIANA NEPOMUCENO 
http://borboletasnosolhos.blogspot.com

Salve-nos poetas!!!

Edição 1855 de 23 a 29 de janeiro de 2011
Inéditos | Nei Duclós
Palavra perdida
Quando dorme o dorso da Terra
encontre a fera, palavra síntese 
a medrar no escuro. Ela te acorda
na manhã seguinte 
 
A madrugada é boa para poesia 
O poder dorme, o desamor cochila. 
E tuas asas, em desuso, circulam 
Como a carga de um casulo 
 
A infância, resto de memória 
Imaginada depois de ter sumido
Reaparece de amor em punho
único brinquedo ainda explícito
 
O que fazer com a insônia,
vôo que morre ao sol a pino? 
Não importa. O que vale é o salto 
no abismo, onde vive a criatura:
 
A Lua cheia, coberta de nuvens 
fugindo em maquiagem espessa 
até ficar apenas uma trilha 
no veludo sem estrelas
 
More no poema insepulto
Componha a sinfonia
Nenhum verso faz sentido 
Sem alguém que o habite 
 
Gaia
 
Ventos: a terra respira.
Rios: o sangue circula. 
Mar: existe uma alma.
 
Montanha: Deus medita. 
Lagos: os anjos se banham. 
Selva: o jaguar te enxerga 
 
Nuvens: o céu cria filhos. 
Raios: gigantes rabiscam. 
Chuva: o sonho descamba. 
 
Noite: manto de estrelas. 
Dia: chapéu de brisa
Inverno: o avô pega o ônibus. 
 
Verão: um jardim de formigas. 
Outono: um tio puxa briga. 
Primavera: a rosa desfila
 
Deus: o fim é o início. 
Homem: irmão de sementes. 
Mulher: mudança de tempo 
 
Praia: Netuno é criança. 
Velas: há um motor na esperança. 
Porto: o amor vem à tona
 
Sonho: o passo imagina. 
Vigília: o olhar está frio. 
Sono: a vida se abriga
 

Resposta ao Tempo - Aldir Blanc & Nana Caymmi


Encerrando Ciclos




Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final. Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver. Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos - não importa o nome que damos, o que importa é deixar no passado os momentos da vida que já se acabaram.

Foi despedido do trabalho? Terminou uma relação?
Deixou a casa dos pais? Partiu para viver em outro país?
A amizade tão longamente cultivada desapareceu sem explicações?

Você pode passar muito tempo se perguntando por que isso aconteceu. Pode dizer para si mesmo que não dará mais um passo enquanto não entender as razões que levaram certas coisas, que eram tão importantes e sólidas em sua vida, serem subitamente transformadas em pó. Mas tal atitude será um desgaste imenso para todos: seus pais, seu marido ou sua esposa, seus amigos, seus filhos, sua irmã, todos estarão encerrando capítulos, virando a folha, seguindo adiante, e todos sofrerão ao ver que você está parado.

Ninguém pode estar ao mesmo tempo no presente e no passado, nem mesmo quando tentamos entender as coisas que acontecem conosco. O que passou não voltará: não podemos ser eternamente meninos, adolescentes tardios, filhos que se sentem culpados ou rancorosos com os pais, amantes que revivem noite e dia uma ligação com quem já foi embora e não tem a menor intenção de voltar.

As coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas realmente possam ir embora. Por isso é tão importante (por mais doloroso que seja!) destruir recordações, mudar de casa, dar muitas coisas para orfanatos, vender ou doar os livros que tem. Tudo neste mundo visível é uma manifestação do mundo invisível, do que está acontecendo em nosso coração - e o desfazer-se de certas lembranças significa também abrir espaço para que outras tomem o seu lugar.

Deixar ir embora. Soltar. Desprender-se.
Ninguém está jogando nesta vida com cartas marcadas, portanto às vezes ganhamos, e às vezes perdemos. Não espere que devolvam algo, não espere que reconheçam seu esforço, que descubram seu gênio, que entendam seu amor. Pare de ligar sua televisão emocional e assistir sempre ao mesmo programa, que mostra como você sofreu com determinada perda: isso o estará apenas envenenando, e nada mais.

Não há nada mais perigoso que rompimentos amorosos que não são aceitos, promessas de emprego que não têm data marcada para começar, decisões que sempre são adiadas em nome do “momento ideal”. Antes de começar um capítulo novo, é preciso terminar o antigo: diga a si mesmo que o que passou, jamais voltará.

Lembre-se de que houve uma época em que podia viver sem aquilo, sem aquela pessoa - nada é insubstituível, um hábito não é uma necessidade. Pode parecer óbvio, pode mesmo ser difícil, mas é muito importante. Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade, ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida. Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é.

(Nota: o texto Encerrando Ciclos não é de Fernando Pessoa ou de Paulo Coelho)

Gloria Hurtado