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segunda-feira, 9 de abril de 2012

Canção do Sal - Elis Regina e Milton Nascimento

ELIS, AMOR DA MINHA VIDA - Milton Nascimento

08/04/2012
às 14:04 \ Tema Livre

Comovente depoimento de Milton Nascimento: “Elis Regina foi o amor da minha vida”

"Eu tinha um amor dentro de mim por aquela baixinha" (Foto: Cláudio Edinger)
"Eu tinha um amor dentro de mim por aquela baixinha" (Foto: Claudio Edinger)


ELIS, AMOR DA MINHA VIDA
A partir do momento em que a conheci, todas as minhas músicas foram feitas para ela. Nunca foi diferente. Nossa relação é uma coisa que me arrebata até hoje
(Depoimento de Milton Nascimento à revista Lola, da Editora Abril, edição de março)
Minha relação de amizade com Elis foi uma das coisas mais fortes que já aconteceram na minha vida. E eu me lembro até hoje de cada detalhe e também de tudo que a gente viveu juntos. Tudo começou por volta de 1963, quando Wagner Tiso e eu estávamos no Rio de Janeiro para gravar um disco a convite do compositor Pacífico Mascarenhas.
Depois de uma viagem de carro que durou quase o dia inteiro entre Belo Horizonte e o Rio, fomos direto para o estúdio Musidisc.
Quando a gente chegou lá, uma cantora chamada Luiza estava gravando a última faixa de seu primeiro disco. Naquele dia, o famoso maestro Moacir Santos estava fazendo os arranjos e precisava de um coro, então, o Pacífico colocou a gente para gravar ali mesmo, na hora.
Depois da gravação, teve uma festa na casa da Luiza.
“Para mim ela já era a rainha”
Eu conhecia Elis pelo nome, porque seus primeiros discos já eram conhecidos desde a época em que eu tinha um programa de rádio em Três Pontas (MG). E Elis também estava na casa da Luiza, onde havia vários músicos conhecidos da bossa nova. Então resolvi falar com ela, fiz uma brincadeira e cantei um rock que ela tinha gravado. Ela respondeu:
- Cala a boca! Esquece isso! – foi a primeira coisa que ela me disse na vida. Fiquei fascinado por ela. E nós ficamos andando pelas ruas de Ipanema até de manhã.
Em 1965, fui classificado com uma música de Baden Powell para o 2o Festival Nacional da Música Popular, e Elis estava escalada para fazer o show do último dia – pois havia levado o primeiro lugar na edição anterior com Arrastão.
E, no fim de um ensaio, eu a encontrei num corredor quando ela estava chegando. Eu, muito tímido, abaixei a cabeça, porque para mim ela já era a rainha. Ela passou, bateu o tamanco no chão e disparou:
- Escuta aqui! Mineiro não tem educação não? As pessoas educadas costuman cumprimentar as outras. Quando é de manhã, falam “bom dia”, quando é de tarde, falam “boa tarde”, quando é de noite, falam “boa noite”.
Eu parei, pedi desculpas e disse que eu não queria incomodar, porque eu estava vendo o tanto de gente que queria falar com ela. Conversamos mais um pouco e ela me convidou para ir à sua casa.
- Eu quero que você toque aquela música que você cantou naquela festa na casa da Luiza – disse Elis, e começou a cantar a música, certinha.

"Quando eu estava doente, sonhava toda noite com a Elis. Pedia para ela cantar e ela não cantava" (Foto: Divulgação)
"Quando eu estava doente, sonhava toda noite com a Elis. Pedia para ela cantar e ela não cantava" (Foto: Divulgação)
Naquela noite, na casa da Luiza, quando a gente se encontrou pela primeira vez, Wagner e eu tocamos uma música nossa: Aconteceu. Uma música que a gente havia feito ainda nos tempos de garoto, em Três Pontas.
E, enquanto Elis cantava nossa música, eu olhava, pasmo. Como assim? Anos depois e ela ainda lembrava a letra e a melodia de uma música que tinha ouvido apenas uma vez! Ao observar minha cara de espanto, Elis soltou mais uma antes de sair:
- Memória, meu caro! Memória…
“Toquei todas as minhas músicas, com os dois em silêncio”
Em 1966, Elis já era uma das artistas mais famosas do Brasil, tinha acabado de se mudar para um apartamento na Avenida Rio Branco, no centro de São Paulo.
E, alguns dias depois de ter reencontrado Elis, fui até a casa dela para mostrar minhas músicas. Gilberto Gil, também começando, estava lá ajudando-a a escolher repertório para o próximo disco. Toquei todas as minhas músicas, com os dois em silêncio. Até que ela me perguntou se não havia mais nenhuma. Por fim, meio desanimado, apresentei Canção do Sal e ela decidiu gravar.
Mais ou menos nessa época, eu ia em praticamente a todas as gravações do programa O Fino da Bossa. Eu já tinha um amor dentro de mim por aquela baixinha. Até que, teve um dia, eu estava saindo da TV Record e a encontrei:
- Onde vai passar o Natal? – perguntou ela.
Quando eu disse que ia passar com minha família, em Três Pontas, ela retrucou:
- De jeito nenhum! Você vai passar com a minha família no Rio.
Fomos todos de avião, de São Paulo para o Rio. Na noite da ceia – onde conheci também o irmão dela, Rogério – eu estava sentado numa cadeira quando a Elis veio e sentou bem na minha frente. Isso foi logo após a entrega de presentes. Durante a conversa, ela chorou bastante, me contou várias coisas da vida. Foi então que percebi que ali estava nascendo uma grande e magnífica amizade.
Naquele tempo, a coisa estava muito difícil em São Paulo. Havia uma competição muito forte. A Elis Regina era uma das únicas pessoas que me davam atenção. E eu também não gostava de forçar a barra. Até que apareceu também o [falecido cantor] Agostinho dos Santos.
“Três músicas minhas aceitas no festival sem eu saber”
Eu estava substituindo um músico num bar quando chegou uma pessoa e perguntou quem eu era. Era o Agostinho. Depois de me apresentar para várias pessoas, me levar a todos os lugares, ele contou sobre um festival que ia acontecer no Rio. Mas eu respondi:
– Agostinho, de jeito nenhum!
Disse a ele que eu não gostava daquele clima de competição em festivais, onde parecia que um queria matar o outro etc. Mas ele continuou insistindo por muito tempo, então parou. Ficou uns tempos sem aparecer e um dia, quando eu estava na pensão onde morava, ele me procurou:
– Bicho, arrumei um produtor e vou gravar um disco! Preciso que você grave três músicas para ele escolher.
Sem desconfiar de nada, fui à casa de um amigo dele e gravei três músicas: Maria Minha Fé, Travessia e Morro Velho. Entreguei a fita ao Agostinho e ele desapareceu novamente. Passou mais um tempo e eu fui assistir ao programa da Elis, O Fino da Bossa. Gente que nunca tinha falado comigo começou a me abraçar e tal. De repente, saiu a Elis, que deu um pulo dizendo:
- Eu sabia! Eu sabia!
- Sabia o quê, Elis? – eu perguntei.
Daí ela falou:
- Você classificou três músicas no Festival do Rio de Janeiro!
Mas eu não tinha inscrito nenhuma música no festival, argumentei. Então, Elis respondeu:
- Ah, então tem outro Milton Nascimento!
Fiquei completamente desesperado com essa possibilidade. E, quando eu estava saindo do teatro, escutei a risada do Agostinho, daí entendi tudo. Ele tinha inscrito as músicas sem eu saber.
- Agora não tem jeito! – disse Agostinho, rindo.
"Um dia, uma criança disse ter visto dois anjos no palco comigo. Lembrei que no meu sonho a Elis também estava com dois anjos" (Foto: Divulgação)
"Um dia, uma criança disse ter visto dois anjos no palco comigo. Lembrei que no meu sonho a Elis também estava com dois anjos" (Foto: Divulgação)

“Sempre que vou fazer alguma coisa, penso nela cantando”
A partir desse festival, minha vida mudou completamente. Gravei meu primeiro disco no Brasil, e logo depois fui para os Estados Unidos gravar outro. Ao longo disso tudo, Elis e eu estávamos cada vez mais próximos. E, enquanto ela estava aqui com a gente, eu pude estar ao seu lado em praticamente todos os discos que gravou, assim como ela estava presente nos meus.
Todas as músicas que fiz a partir do momento em que conheci Elis foram feitas para ela. Sempre que eu vou fazer alguma coisa, penso logo nela cantando, nunca foi diferente.
Tem uma história que eu tenho contado bastante desde que gravei meu último disco, E a Gente Sonhando. É sobre uma música que está neste disco, chamada Amor do Céu, Amor do Mar.
Como todas as músicas que eu faço, eu retrato minha vida, o que eu estou vivendo, o momento, as pessoas e tudo mais. E teve uma época em que eu estava com um problema de saúde e todas as noites sonhava com a Elis Regina. Ela vinha, e tinha sempre um jantar na casa dela, mas ela não cantava. Eu ficava pedindo para ela cantar e ela não cantava.
Dois anjos da guarda, e não só um
Mais tarde, quando a gente estava fazendo os Tambores de Minas, uma criança falou que tinha visto dois anjos no palco comigo. E eu senti que nesses sonhos a Elis também estava com dois anjos. Foi uma história muito louca, porque alguém (que tem o dom de reconhecer as coisas) falou para mim que eu era muito forte porque tinha dois anjos da guarda.
Eu não entendi por quê, pelo que eu saiba, cada um tem um anjo da guarda. Até que, um dia, minha sobrinha Dadaia chegou e me deu um cartão com meu anjo, o Jeliel, e, quando eu olhei, eram dois anjos. Então, Amor do Céu, Amor do Mar tem tudo isso, mas também tem outra coisa. Eu adoro água, mar, e essa coisa de mergulhar me ajudou muito na minha vontade de viver. Janaína é o amor do mar, assim como Elis Regina é amor do céu.
“Nossa relação é uma coisa que me arrebata até hoje”
A amizade entre a gente era tão grande que, em todos os shows da Elis que fui assistir depois que o João Marcelo e o Pedro nasceram, era eu quem ficava com eles enquanto ela cantava. Teve um show da turnê Transversal do Tempo, em que eu estava com o João sentado à minha direita, e o Pedro à esquerda. E tinha uma música em que a Elis subia o tom a cada frase. E, assim que ela começava a subir, o Pedro também ia subindo junto. Quanto mais ela subia, mais ele subia também. E o Pedro seguia acompanhando a mãe até a última nota.
Elis e eu vivemos muitas coisas juntos, um sempre cuidava do outro. Eu nunca fui somente um compositor, um colega de trabalho. Para ela, eu fui muito mais que isso. Nossa relação é uma coisa que me arrebata até hoje. E eu nunca me esqueço de uma coisa que o Rogério, irmão da Elis, me falou depois de um show em Paris:
– Minha irmã foi o grande amor da sua vida, Milton.

http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/tema-livre/comovente-depoimento-de-milton-nascimento-elis-regina-foi-o-amor-da-minha-vida/

Valsa do Maracanã - Aldir Blanc



Valsa do Maracanã


(Paulo Emílio e Aldir Blanc)

Quando eu ficar assim
morrendo após o porre
Maracanã, meu rio,
ai! corre e me socorre
Injeta em minhas veias
teu soro poluído
de pilha e folha morta,
de aborto criminoso
de caco de garrafa
de prego enferrujado
dos versos do poeta
pneu de bicicleta
Ai, rio do meu Rio,
Ai, lixo da cidade
de lâmpada queimada
de carretel de linha
chapinha premiada
e lata de sardinha
o castigo e o perdão
o modess e a camisinha
o castigo e o perdão
o modess e a camisinha
Ai, só dói quando eu rio,
Maracanã, meu rio
Maracanã, meu rio
Ai, só dói quando eu rio

Dinner with Barack Obama

What Brazil wants from White House visit: dinner

Brazil's President Dilma Rousseff participates in a ceremony of announcement for new measures of the Plan ''Brasil Maior'' and the installation of Sector Councils for competitiveness in Brazil April 3, 2012. REUTERS/Ueslei Marcelino

WASHINGTON | Fri Apr 6, 2012 4:36pm EDT

WASHINGTON (Reuters) - Brazilian President Dilma Rousseff will have a long wish list when she visits the White House on Monday, but there's one goal that stands above the rest:

Dinner with Barack Obama.

It's not likely to happen. The U.S. president's decision not to fully roll out the red carpet for Rousseff in Washington symbolizes the relationship between two giant democracies that by most accounts want to become better allies, but have yet to find the common cause - or magic personal moment between leaders - that brings them closer together.

More weighty topics such as Syria, U.S. monetary policy, multi-billion-dollar defense deals, and Brazil's offshore oil boom will also be on the agenda for the bilateral meeting.

But the real buzz has centered on what Brazilian officials perceive as a snub of protocol, which they say represents Washington's failure to fully recognize their country's recent economic rise and growing clout in global affairs.

Rousseff's schedule on Monday - which consists of a White House meeting with Obama, a working lunch and a conference with business leaders - contrasts with the reception given to British Prime Minister David Cameron last month.

Cameron was treated to a formal, black-tie state dinner, although his trip was not a full state visit. Obama also flew Cameron to a college basketball game in Ohio where the two leaders were photographed smiling, eating hot dogs and chatting with fans.

Brazilian officials, speaking on condition of anonymity to frankly discuss diplomatic issues, say they realize their country does not enjoy the "special relationship" long afforded to Britain. But they pointed out that Brazil did officially surpass Britain last year to become the world's sixth-biggest economy, neatly capturing why their country should be treated as just as important a partner in years to come.

"There's a feeling that most people in Washington don't appreciate what's happening in Brazil," said one official close to Rousseff. "It didn't have to be a state visit, but Obama could have taken her to dinner, or to the Kennedy Center."

Rousseff is scheduled to have a formal dinner at the Brazilian embassy in Washington on Monday night.

Asked about Monday's agenda, White House spokeswoman Erin Pelton said the meeting will be Obama's third bilateral encounter with Rousseff since she took office in January 2011. The meeting "will deepen a partnership that has never been stronger," Pelton said.

State visits are generally not given during presidential election years, another U.S. official said. Leaders from other key U.S. allies such as Japan, Canada, Australia, Turkey and South Korea have also visited Washington in recent years without receiving a full state visit.

A COUNTRY ON THE RISE

Still, recognition is particularly important to Brazil because of the relatively recent nature of its rise.

Just a decade ago, its economy was barely average by Latin American standards, tainted by years of hyperinflation and political instability. Today, it accounts for more than 40 percent of the region's gross domestic product, it is a member of the increasingly influential BRICS group of large emerging markets, and it is actively seeking a commensurate role in global bodies such as the United Nations and World Bank.

The transformation in Brazil's profile has come at a time when the United States is concerned with its own economic problems and with conflicts in the Middle East, feeding Brazilians' fears that Washington is simply too distracted to notice.

Meanwhile, Brazil's rise has generated some skepticism, especially among Republicans, because of its independent and sometimes obstructionist stance on hot-button foreign policy issues. Rousseff's predecessor, Luiz Inacio Lula da Silva, tried to mediate talks over Iran's nuclear program in 2010, irking the West. Brazil has more recently been a critic of sanctions against Syria and Iran.

Rousseff and Lula both hail from a leftist party that has traditionally distrusted the United States, and has focused on building so-called "South-South" ties among poorer nations. But Rousseff has surprised some observers by distancing herself somewhat from Iran since taking office while placing greater emphasis on human rights.

Indeed, senior officials from both Brazil and the United States told Reuters they believe they have much more in common, and that they are actively looking for ways to work together more closely on issues such as trade, energy and investment.

Moises Naim, a senior associate at the Carnegie Endowment for International Peace, said Brazil is in an early stage of its development in which the United States should be working overtime to ensure that it solidifies a strategic relationship for the next 20 to 30 years, instead of allowing Brazil to drift closer to China and other members of the BRICS.

That group, which met last week in New Delhi, also includes Russia, India and South Africa.

"There should have been a dinner for Brazil," Naim said. "Symbols and gestures in interactions among heads of state matter just as much as what's actually on the agenda."

VISAS AND OIL

The United States does plan to make at least one gesture that will please Brazil. Washington will announce new steps that will make it easier for Brazilians to obtain visas to visit the United States, a second U.S. official told Reuters, without providing details.

The issue has been high on Rousseff's agenda because of the symbolic value, and also because it will further facilitate growing tourism and trade between the two countries.

The rest of the agenda will be more complicated, with areas of possible cooperation stymied by recent events.

For example, Obama administration officials are eager to discuss how the United States can play a greater role in extracting oil off Brazil's coast. But the issue has been tainted by Chevron's recent oil spills off Brazil's coast, which have resulted in lawsuits worth a potential $22 billion and criminal charges against the company and its executives.

Brazil, meanwhile, wants to deepen its military and strategic ties with the United States but was frustrated by the U.S. Air Force's decision in February to cancel a major contract with Brazilian aircraft maker Embraer. The Air Force said an error in the contract's paperwork was to blame and has launched an investigation.

Rousseff is also likely to lodge a complaint over the United States' expansionary monetary policy, which she blames for creating a glut of global liquidity that has made Brazil's exports less competitive abroad.

Dealing with such thorny issues in private may increase the need for a symbolic gesture when it's all over, Naim said.

"They're not really going to accomplish anything," he said. "That would have a more formal reception even more effective ... as a message that the United States really gets Brazil."

(Additional reporting by Laura MacInnis; Editing by Todd Benson and Frances Kerry)
http://www.reuters.com/article/2012/04/06/us-usa-brazil-idUSBRE8350FQ20120406

LIBERDADE NA FOLIA [UM LOUVOR AO PODER FEMININO]

quinta-feira, 8 de março de 2012




As brasileiras dançam no Baião. Negras senhoras, donas do segredo da ancestralidade, zeladoras do tempo e da tradição de Massinoukou Alapong, sacerdotisa da Costa do Ouro que chegou ao Brasil, no porão de algum tumbeiro, em meados do século XIX. Massinokou Alapong, que adotou entre nós o nome de Basília Sofia, ajudou a civilizar esse chão ao fincar em São Luís do Maranhão os batuques, cantos, danças e mandingas do seu povo.

As negras dançam. Negras senhoras que continuam fazendo, na Casa Fanti Ashanti, a festa que Alapong ensinou: o Baião de Princesas. Saias coloridas, leques, colares de contas, sandálias, adornos de cambraia e cheiros de alfazemas vestem de dignidade e realeza as sacerdotisas que, com a leveza do mistério, entregam seus corpos-totens para que as encantadas venham, uma vez por ano, dançar entre os viventes. E como dançam as encantadas, e como rodopiam e revigoram a vida - pois que a morte não há - em cada rodopiar.

E que toquem as violas, violinos, sanfonas e pandeiros no batuque do Baião. Foi esse o jeito que Alapong encontrou para despistar a polícia, que não queria festas com cantos acompanhados pelos tambores das Áfricas. Foi esse o jeito que Alapong, a negra velha Basília, inventou para chamar as passeadoras - encantadas em pedra de rio, areia de praia, flor de manacá-cheiroso, tronco de jeretataca, croa, olho de serpente, jetirana e primavera-de-caiena.

Homem não dança no Baião de Princesas. É a festa do poder feminino - o maior que há - , é a celebração em canto e sonho do domínio matriarcal da ancestralidade, perpetuada em sensações dadivosas que nós, os homens, somos incapazes de conceber. É por isso que só as mulheres dançam quando o forrobodó começa.

Mas o Baião é mais do que isso. É a celebração da dignidade fundamental de empregadas domésticas, cortadoras de cana, donas de casa, feirantes, cozinheiras, vendedoras de cheiros da terra, merendeiras, faxineiras e guerrilheiras de um Brasil que, às vezes, insiste em ignorar o Brasil. São elas, essas brasileiras fundamentais, que rodopiam no salão embandeirado de brasilidades.

E eu ouço o Baião e fico pensando nos pais de famílias de classe média e alta que sonham em mandar as filhas e filhos adolescentes para estudar na Europa, nos Estados Unidos, na Austrália e nos infernos. A explicação é simples: as garotas vão conhecer outras culturas, com o objetivo de aprender novas línguas. Sem problemas, mas... e a nossa língua, quando é que os filhos dos bacanas vão aprender? E a nossa cultura? E o nosso canto, o cheiro da aldeia, a memória dos nossos mortos, a bandeira das nossas guerras e a dignidade das mães ancestrais? Quem ensinará?

Um dos cantos mais bonitos do ritual do Baião diz, com singeleza comovente e falar brasileiro, o seguinte:

O meu pai me deu um livro
Que eu estudava noite e dia
Pra mim fazer o dever
Pra ser livre na folia

É esse, meus camaradas, o mantra das delicadezas do Brasil, canto do povo miudinho, povo valente de mulheres e homens comuns. O Brasil que me comove, arrebata e serpenteia feito as saias das negras velhas do Baião de Princesas.

Saias e alfaias de negras velhas onde dançam, encantadas, Dandara, Luísa Mahim, Maria Quitéria, Menininha, Mãe Senhora, Aninha de Xangô, Iara, Elenira, Zuzu, Ana Maria e as marias todas desse povo inteiro.

Esse é o livro que precisa ser lido, o presente dos ancestrais, tradição dos avós, lição dos tumbeiros, aldeias e portas de fábricas - porque nós estamos aqui para dançar, cantar, reverenciar e lutar feito as malungas que cruzaram a calunga grande.

Nós nascemos, e nossas mulheres nos ensinam, para a liberdade na folia e para os encantamentos em raiz da terra no calor da luta.

Abraços!
LUIZ ANTONIO SIMAS

(Os interessados nas canções do baião podem encontrar várias delas reunidas, com arranjos primorosos, nos trabalhos do grupo A Barca. Indico, sobretudo, o cd Baião de Princesas, lançado pela gravadora CPC-UMES)

9 MESES



09/04/2012

Há quase um mês não dou as caras por aqui, no balcão virtual do Buteco, e acho que é, desde 2004, quando escrevi o primeiro texto deste blog, e já são mais de 2.000 textos de lá pra cá, o maior período de ausência minha por essas bandas. Não há, confesso, razão específica para isso: penso às vezes que é falta de assunto, penso que é porque tenho me dedicado, duas vezes por semana, diante da médica de alma, minha psicanalista, a fazer minhas confissões no divã (não deito no divã, mas é como se) – o que torna sem sentido repetir tudo por aqui -, penso que é porque tenho preferido falar de mim para mim, penso que é porque estou envolto pelo vento minuano que vem do Sul pra me acarinhar o rosto, penso que é porque tenho preferido viver intramuros as novidades que me chegam – são muitas, como se vê, as possibilidades.
Mas hoje acordei cedo e o “9″ no calendário foi, de novo, implacável: foi num dia 9 que a Sorriso Maracanã foi oló. Num 9 de julho. Há 9 meses, portanto.
Você diz “nove meses” e a associação é imediata: fertilidade, fecundação, gestação e parto. Pois eu, este que vos escreve, meus poucos mas fiéis leitores, embora tenha lhes prometido o silêncio sobre este tema em janeiro de 2012 (aqui), volto a ele apenas para lhe dizer: experimentei, desde o último mês de julho, a fertilidade, a fecundação, a gestação e o parto.
Sou, nesse 9 de abril – e em todos os abris eu sou um homem profundamente comovido por conta de meu aniversário, no dia 27 -, um homem novo e renovado sob a égide daquilo que é, queiramos ou não admitir o que pode sempre soar piegas, a força motriz do ser humano: o amor em estado bruto.
É impressionante viver depois do que eu vivi.
É impactante perceber a metamorfose da dor em saudade. É fascinante, até, essa constatação viva, nua, crua, de que fizemos a escolha certa, as escolhas certas, é emocionante sentir a lágrima que corre do olho em direção à boca, fruto salgado que brota de olhos que recuperaram o brilho justamente por conta da certeza de que fizemos as escolhas certas. Emergir, pode-se dizer. Nascer de novo, por isso a imagem do parto.
Nove meses depois, a saudade não dói mais como doíam as dores que fizeram tanto mal a ela. Nove meses depois, a saudade emociona – e não se trata de “apenas” emociona… – e é tão bonita quanto seu sorriso (que permanece, vivo, escancarado, luminoso).
Nove meses depois, tendo gestado a saudade com zelo de mãe, com cuidado de pai, re(nasce) o homem.
Ergo, daqui, de pé diante do balcão imaginário, a cuia cheia de chimarrão bem cevado em nome da saudade que me comove e que, de certa forma, me move por uma nova estrada que percorro de mãos dadas, também com a saudade que a distância dá, com a mulher que é meu pago e a quem repasso o trago do que cevei.
Até.