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domingo, 7 de julho de 2013

no more blues (chega de saudade) - ANDREA MOTIS & JOAN CHAMORRO


Da narrativa cinematográfica - André Setaro



André Setaro


A construção de uma narrativa cinematografia obedece a diversos critérios assim como um projeto arquitetônico corresponde a determinadas opções. Há uma construção narrativa que se pode considerar simples e outra que se desenha como complexa. Dois tipos de estruturas, portanto, mas que se deve ter em conta e ressaltar que a simplicidade ou a complexidade são noções exclusivamente inerentes ao como do discurso e não à sua coisa. Isto quer dizer: pode haver histórias intrincadíssimas mas de estrutura simples, elementar, e, pelo contrário histórias lineares, com começo, meio e fim e progressão dramática tradicional mas que se tornam intrincadas por uma disposição particular dos segmentos narrativos.Dentre as narrativas de estruturas simples estão: a linear, a binária e a circular.

Narrativa linear. Percorrida por um único fio condutor que se desenvolve de maneira seqüencial do princípio ao fim sem complicações ou desvios do caminho traçado. A narrativa de estrutura linear é a de mais fácil leitura e é concebida de modo a respeitar todas as fases do desenvolvimento dramático tradicional. O esquema que se obedece é aproximadamente o seguinte: a) introdução ambiental; b) apresentação das personagens; c) nascimento do conflito; d) conseqüências do conflito; e) golpe de teatro resolutório. Este esquema da narrativa linear repete ao pé da letra o que era a estrutura base do romance psicológico do século XIX. Incluem-se nesse tipo de narrativa aquela nas quais o elemento poético e metafórico é reduzido ao mínimo e os motivos de interesse residem exclusivamente na fábula (story), excetuando-se os eventuais casos de erosão dentro do referido esquema - que se constituem uma exceção à regra.

Narrativa binária. Este tipo de narrativa é percorrido por dois fios condutores a reger a ação como só acontece nos casos de narrativas paralelas baseada na coexistência de duas ações que podem entrecruzar-se ou manter-se distintas. Garantia certa de tensão dramática, a binária é empregada em fitas de ação - thrillers, westerns, etc - porque valoriza o paralelismo e o simultaneismo, fornecendo, assim, amplas possibilidades de impacto. Exemplo clássico da narrativa binária está em David Wark Griffith (Intolerância, 1916, O lírio partido, 1918, Broken blossoms no original). A linguagem cinematográfica tomou impulso com a descoberta da ação paralela e da inserção de um plano de detalhe no plano de conjunto.

Narrativa circular. Este tipo de narrativa tem lugar quando o final reencontra o início de tal modo que o arco narrativo acaba por formar um círculo fechado. É menos frequente e mais ligada a intenções poéticas precisas com um propósito de oferecer uma significação da natureza insolúvel do conflito de partida e denota a desconfiança em qualquer tentativa para superar a contradição assumida como motor dramático do filme. A significação implícita a este gênero de escolha estrutural poderia ser: "as mesmas coisas repetem-se". Em A faca na água (Noz W Wodzie, Polônia, 62), o primeiro longa metragem de Roman Polansky, assim como também em O fantasma da liberdade (Le fantôme de la liberté, 74) de Luis Buñuel, e Estranho Acidente (Accident, 68), de Joseph Losey, para ficar em três exemplos, as coisas que se observam no início voltam a surgir no final, a despeito das tentativas registradas pela narrativa para se libertar delas e da sua influencia nefasta. A construção das obras citadas obedece e exprime a visão do mundo de seus autores do que, propriamente, à matéria da fábula, que pode se apresentar tranquila e jocosa e destituída de relevância maior.

Dentre as narrativas de estrutura complexa estão: a estrutura de inserção, a estrutura fragmentada e a estrutura polifônica.

Narrativa de inserção. Consiste numa justaposição de planos pertencentes a ordens espaciais ou temporais diferentes cujo objetivo é gerar uma espécie de representação simultânea de acontecimentos subtraídos a qualquer relação de causalidade. Os segmentos narrativos individuais interatuam entre si, produzindo, com isso, uma complicação ao nível dos significantes que potencializa o sentido global do discurso. A contínua intervenção do flash-back pode provocar um entrelaçamento temporal que esvazia a noção do tempo cronológico em favor do conceito de duração. Por outro lado, as frequentes deslocações espaciais conferem aos lugares uma unidade de caráter psicológico mas não de caráter geográfico. Na narrativa de inserção, a realidade é vista de modo mediatizado, isto é, a realidade é refletida pela consciência do protagonista ou pela do realizador omnisciente. Seguem esta narrativa de inserção filmes como 8 ½ (Otto e mezzo, 64), de Federico Fellini, A guerra acabou (La guerre est finie, 66), Providence, entre outros trabalhos de Alain Resnais,Morangos Silvestres (Smulstronstallet, 57) de Ingmar Bergman, etc. Nestes exemplos, o receptor/espectador é posto diante de um desenvolvimento narrativo que não é lógico mas puramente mental: o velho Professor Isaac contempla a própria infância (Bergman), o cineasta Guido (Marcello Mastroianni) no cemitério conversa com seus pais já falecidos (Fellini), a projeção do desejo de um escritor moribundo (John Gielgud) imaginando situações (Resnais). O desenvolvimento puramente mental determina, por sua vez, um jogo de associações visuais e emotivas que cria um universo fictício exclusivamente psicológico.

Narrativa fragmentária. Estrutura-se pela acumulação desorganizada de materiais de proveniência diversa, segundo um procedimento análogo ao que, em pintura, é conhecida pelo nome de colagem, A unidade, aqui, não é dado pela presença de um fio narrativo reconhecível, porém pelo ótica que preside à seleção e representação dos fragmentos da realidade. Se, neste caso, da narrativa fragmentária, a intenção oratória do cineasta prevalece sobre a fabulatória, mais acertado seria considerar o filme como um ensaio do que um filme como narrativa. A expectativa de fábulas, no entanto, encontra-se presente no homem desde seus primórdios e o cinema, portanto, desde seu nascedouro possui uma irresistível vocação narrativa. Poder-se-ia, então, ainda que esta irrefreável expectativa do receptor diante de um filme, falar de um cinema-ensaio ao lado de um cinema-narrativo. O exemplo de, novamente Alain Resnais, Meu tio da América (Mon oncle d'Amerique) vem a propósito, assim como Duas ou Três Coisas Que Eu Sei Dela (Deux ou trois choses que je sais d'elle, 66) de Jean-Luc Godard - um minitratado sobre a reificação que ameaça o homem na sociedade de consumo, La hora de los hornos (68), de Fernando Solanas - obra nascida como ato político que utiliza documentos, entrevistas, cenas documentais e trechos com o objetivo de proporcionar a tomada de consciência revolucionária por parte do espectador.

Narrativa polifônica. Estrutura-se pelo número de ações apresentadas que confere uma feição coral à narrativa, impedindo-a de afirmar-se de um ponto de vista que não seja o do realizador-narrador. Os acontecimentos que se entrelaçam são múltiplos, dando a impressão de um afresco, que se forma pelas situações captadas quase a vol d'oiseau. Utilizando-se desse tipo de narrativa complexa, o cineasta capta de maneira sensível, se capacidade houver, o clima social de uma determinada época, como fez Robert Altman em Nashville (1975). Neste filme, vinte e quatro histórias se entrecruzam para compor um mosaico revelador da realidade dos Estados Unidos durante a década de 70. Outro exemplo do mesmo Altman é Short cuts. (Short cuts, EUA, 91).As estruturas examinadas são todas elas do tipo fechado, segundo as coordenadas estabelecidas por René Caillois (12). Porque, assim fechadas, estas estruturas servem de suporte à narrativas concluídas do ponto de vista de seu desenvolvimento, não importando o seu significado poético. Existem, no entanto, casos de estruturas abertas, nas quais a conclusão do discurso é deixada em suspenso ou então prolongada para além do filme. O que caracteriza a obra cinematográfica como um trabalho em devir, um filme que busca ainda o seu desfecho ou, então, como um texto que se oferece à meditação do espectador. EmApocalypse now (1978), de Francis Ford Coppola, o cineasta apresenta três finais todos igualmente legítimos e solidários com o contexto narrativo. Já em Dalla nube nulla ressitenza (81), de Jean-Marie Straub, formado por blocos de sequências fixas, a solução final é deixada ao subsequente trabalho de reflexão do espectador/receptor. Trata-se de uma obra que faz uma reflexão, por meio de representações dialogais, sobre a passagem da idade feliz do Mito para a idade infeliz da História.O caráter aberto da narração, todavia, em nada desfalca a contextualidade orgânica do discurso, contextualidade que se mantém íntegra apesar da suspensão da fábula. A solidariedade estrutural, ressalte-se, constitui a conditio sine qua non de qualquer discurso cinematográfico que pretenda considerar-se artístico.


http://setarosblog.blogspot.com/2013/07/da-narrativa-cinematografica.html?spref=fb

impacto da poesia na Primavera Árabe


Oh, Egito, está perto. 
Está perto, será hoje. 
Nada resta do poder 
a não ser alguns cassetetes. 
Se você não acredita, venha a praça e veja por si próprio. 
Um tirano só existe na imaginação de seus súditos. 
Todo mundo que ficar em casa estará em perigo. 
Depois disso, estaremos livres.


Presença confirmada na Flip, em julho, o poeta egípcio-palestino analisa o movimento dois anos após a tomada da Praça Tahrir. Para Al-Barghouti, a mera existência de uma poesia árabe é um ato de resistência que zomba das fronteiras, dos governos e da ordem colonial


Por Pedro Sprejer





Através de um telão improvisado com lençóis brancos e um sistema de alto-falantes, os versos de Tamim al-Barghouti se espalharam pela Praça Tahrir lotada de manifestantes, que saíram às ruas do Cairo para cobrar a renúncia do presidente egípcio Hosni Mubarak, em janeiro de 2011. O protesto fez parte da chamada Primavera Árabe, movimento que derrubou governos autoritários na Tunísia, Egito, Líbia e Iêmen. Intitulado “Oh, Egito, está perto”, o poema de Al-Barghouti tornou-se logo uma espécie de hino.

Passados mais de dois anos, a Primavera deu lugar a um período tempestuoso no Egito, agora comandado pela Irmandade Muçulmana. Paralelamente, a guerra civil jogou a vizinha Síria nas trevas e ameaça os países ao redor. Diante da crise, a poesia, um modo de expressão valorizado na tradição árabe, invadiu as ruas, do Iêmen à Faixa de Gaza.

— Uma coisa que as revoluções no mundo árabe fizeram é que todos agora escrevem poesia, e todos querem escutá-la — contou Al-Barghouti, em entrevista exclusiva ao Prosa por e-mail, na qual analisou o papel da poesia nos protestos e falou sobre suas expectativas em relação à Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), em julho, onde participará de uma mesa sobre literatura e política.

Nascido no Egito em 1977, filho do renomado poeta palestino Mourid Barghouti (que esteve na Flip em 2006, numa mesa com Ferreira Gullar) e da escritora egípcia Radwa Ashour, Al-Barghouti é também um cientista político. Autor de livros sobre história e cultura árabe, além de coletâneas de poesias, ele atualmente é professor da Universidade de Georgetown, nos EUA, onde vive.

Seus versos ganharam fama internacional em 2007, quando declamou o poema “Em Jerusalém” no programa “Príncipe dos Poetas”, uma espécie de “American Idol” dos bardos, transmitido para milhões de telespectadores árabes. Mesmo não vencendo, foi aclamado na internet, viu seus versos em cartazes nas cidades palestinas, sua voz reproduzida em ringtones de celular e se afirmou como um dos mais importantes poetas de sua geração.

Como você se sentiu ao ver seus poemas declamados em diversos países e entoados por uma multidão na Praça Tahrir?

Eu me senti feliz, grato, sufocado e um pouco assustado, me senti responsável pela conservação daquele tipo de amor e honra. Por um lado, você deve se observar para não perder totalmente a identidade individual, tornando-se um mero porta-voz. Se você perder a si mesmo para as pessoas, você perde as pessoas. Por outro lado, você nunca deve se tornar um egoísta depressivo e introvertido que ignora aqueles que o escutam. O poema cantado na Praça Tahrir foi escrito nos dois primeiros dias da revolução. No terceiro dia, uma quinta-feira, consegui fazer com que a TV Al-Jazeera o transmitisse. Os manifestantes fizeram uma tela com lençóis brancos e o poema foi exibido na praça a cada poucas horas. O compositor Mustafa Said, hoje um grande amigo, ouviu e aprendeu os versos ali. No sábado, ele os transformou em canção.

Neste momento histórico, a poesia pode contribuir na luta pela democracia no mundo árabe?

Sim. A poesia é uma forma mais eficiente de falar, intensificar e aprofundar o significado das palavras. A relação entre poesia e identidade perdurou ao longo de toda a história árabe. Quando a sociedade se definia em termos de tribos, o poeta era o poeta da tribo. Quando era um califado, o poeta cantava para o califa. Na era moderna, quando a sociedade define-se em termos de “o povo” ou “a nação”, o poeta tornou-se a voz do povo. Mesmo quando os movimentos árabes de libertação nacional do século XX fracassaram e a sociedade se decompôs em indivíduos introvertidos, autocentrados e deprimidos, cresceram escolas de poetas árabes voltados para o indivíduo. No início do século XXI, nós experimentos um sentimento coletivo de perigo. Era como se depressão e tristeza fossem luxos. Poucos antes, ao longo dos anos 1990, 5 mil iraquianos haviam morrido por mês por causa do embargo conduzido pelos EUA. Quando Madeleine Albright, ex-secretária de Estado americana, foi perguntada na TV se valeu a pena matar meio milhão de crianças iraquianas para derrubar Saddam Hussein, ela disse “sim”. A sensação de uma ameaça existencial física para os árabes era esmagadora, o que as guerras americanas no Afeganistão, no Iraque e os ataques israelenses na Cisjordânia, em Gaza e no Líbano apenas aumentaram. Daquele momento em diante, emerge uma escola de poesia que busca uma reconexão com o coletivo.

Quais seriam as principais características dessa escola?

Nós escrevemos em uma linguagem que todos possam entender, pensamos em tradição como um ativo e não um passivo, criamos novas técnicas, mas também podemos ser inspirados por formas que remetem ao início da Idade Média. O objetivo é criar um senso de dignidade, merecimento, empoderamento, coragem e vontade de lutar, de sobreviver e de tentar usar a imaginação para tornar o mundo real melhor.

Que lugar a poesia ocupa dentro da tradição cultural árabe?

É interessante notar que a raiz da palavra árabe para comunidade ou nação, “Umma”, tem como sinônimo a raiz da palavra árabe poema, “qaseeda”. Conceitualmente, Umma é qualquer número de pessoas que seguem um ideal, uma imagem, um exemplo, normalmente expresso em um texto ou conjunto de textos. As pessoas que seguem esse exemplo só estariam seguindo a sua própria interpretação do mesmo, portanto, sua própria imaginação. A criação de tal autoimagem, na tradição secular árabe, é a função da poesia, e na tradição religiosa, a função dos textos religiosos. É como ter uma comunidade cuja constituição é um poema, ou um texto religioso rimado e cheio de metáforas, com muitas interpretações. Ambas as raízes, “amm” para “Umma” e “qasad” para “qaseeda”, significam ter intenção de ir a um determinado destino, ou seguir uma imagem ou um ideal.


Você concorda com o termo “poesia de protesto” para descrever o seu trabalho?

Não, a poesia é apenas uma forma mais eficiente de expressão. Mas o fato de eu, ou minha sociedade, estarmos em um estado de rebelião ou engajados em uma luta colonial pela maior parte dos últimos dois séculos vai certamente se refletir naquilo que digo. Os árabes foram divididos em 22 estados soberanos por potências coloniais, o que garantiu sua dependência econômica e vulnerabilidade militar. As fronteiras foram traçadas em mapas, arames farpados foram estendidos no deserto. Constituíram exércitos, burocracias e forças policiais cuja principal tarefa era proteger o interesse de seus criadores coloniais. No entanto, o colonialismo não conseguiu convencer a maioria dos árabes de suas novas identidades. Ele dividiu a terra, mas não a linguagem; confinou as pessoas, mas não a sua imaginação. Portanto, hoje a mera existência de uma poesia árabe é um ato de resistência. Ela zomba das fronteiras, dos governos e dos ditames da ordem internacional colonial e neocolonial. Versos de um poeta tunisiano do início do século XX foram cantados no Egito e no Iêmen durante as recentes revoluções, poesias sobre a Palestina estiveram presentes nos cânticos de quase todos os protestos árabes, não só agora, mas durante os últimos 60 anos.

Como a poesia contribuiu com a Primavera Árabe, e como o movimento tornou a poesia mais popular nos países árabes?

Uma coisa que as revoluções no mundo árabe fizeram foi que todos agora escrevem ou tentam escrever poesia, e todos querem escutá-la. Note que eu digo “escutar”, pois em nossa parte do mundo preferimos ouvir poesia do que apenas ler. A poesia também esteve presente nas revoluções árabes na maneira surpreendente como elas se organizaram. Ao contrário de revoluções com base em estruturas piramidais de partidos revolucionários clássicos ou golpes de Estado, os manifestantes que tomaram as ruas do Cairo e de Túnis não tinham qualquer central de comando ou liderança designada. Assim como a boa e velha “umma”, eles estavam seguindo um conjunto de ideias e ideais em sua própria imaginação. Essas imagens significam coisas diferentes para pessoas diferentes, mas tinham em comum o suficiente para fazê-los agir coletivamente e em perfeita harmonia, eficiência e coordenação. Ao invés de tentar tomar o controle do Estado, eles simplesmente o transcenderam. Nos 18 dias da revolução egípcia, os 20 milhões de egípcios nas ruas foram capazes de gerenciar a segurança, administrar os suprimentos e gerenciar a comunicação sem ter qualquer ministério constituído. E o mais importante é que eles foram capazes de gerenciar a defesa e as relações exteriores tão bem que os militares e os EUA não tiveram como manter o presidente Mubarak . A revolução em si foi, portanto, um ideal, um poema, uma proeza de imaginação capaz de derrubar a realidade concreta desprovida de imaginação instalada pelo colonialismo.

O seu poema “Em Jerusalém” parece evocar um sentimento de exclusão. Porque tantos se identificaram com tais versos?

Porque quase todo árabe é um palestino. E Jerusalém sempre foi a cidade que pertence àqueles que são excluídos dela, aos que não estão autorizados a chegar lá. Jerusalém é um daqueles lugares associados ao martírio, ao triunfo dos oprimidos. Os reis de Jerusalém devem ser aqueles com coroas de espinhos e não aqueles com coroas de ouro e cabeças nucleares. O problema na Palestina não está na presença de pessoas de diferentes credos, a Palestina é uma terra com um significado simbólico para muitas culturas e religiões. O problema acontece, como sempre, quando um grupo de pessoas pensa que tem mais direitos. Qualquer homem ou mulher da fé judaica pode se tornar um cidadão de Israel, palestinos que foram expulsos de suas casas pelas forças israelenses em 1948 não estão autorizados a voltar. Se os palestinos se tornassem judeus amanhã, eles seriam autorizados a voltar. A razão pela qual eles estão em campos de refugiados é que eles parecem ter a religião errada! A exclusão dos palestinos por parte de Israel não é apenas uma ofensa contra eles, mas contra os árabes, os muçulmanos, os cristãos e todos que acreditam na igualdade humana.

Mais de dois anos depois, a energia da Primavera Árabe se dissipou?

As revoluções árabes ainda podem evoluir se evitarmos uma guerra civil total entre sunitas e xiitas na Síria, Líbano e Iraque. Uma guerra financiada, armada e apoiada pelos EUA, Otan e Arábia Saudita. Com isso, seremos capazes de livrar todo o Oriente Médio da hegemonia americana. Se não fosse pela catástrofe da Síria, as revoluções árabes poderiam ter realizado seu potencial de reorganizar o equilíbrio global de poder e acelerar a transição de um sistema mundial unipolar para outro multipolar.

Ainda há esperança?

Acho que há. Afinal, no Iraque e na Síria, os americanos mudaram seu apoio entre sunitas e xiitas tantas vezes que hoje há pouca confiança neles. As pessoas estão se tornando cada vez mais conscientes de que esta é a clássica tática de dividir para reinar, nada de novo. Além disso, se as coisas ficarem bem no Egito, o resto da região o seguirá. As coisas não estão indo bem agora, mas vão dar certo, pois todas as condições estruturais estão lá. Você tem uma população cada vez mais engajada, ativa e consciente, e um aparato de segurança enfraquecido, que não pode oprimir em larga escala. E os EUA, que não estão em posição de impor violentamente a sua hegemonia. O Egito vai se libertar da influência americana, e junto com o Irã e a Turquia será capaz de reorganizar o Oriente Médio.

O que você espera encontrar em sua primeira visita ao Brasil?

Estou muito animado para conhecer o Brasil. Para as pessoas da minha região, o Brasil é um desses exemplos com os quais gostaríamos de aprender. Temos muito em comum com a América Latina em geral, uma região que tem conseguido alcançar o que deseja: romper com a hegemonia dos EUA, independência, desenvolvimento econômico e justiça social. Na verdade, esperamos que um dia os árabes, os iranianos e os turcos possam tornar-se parte dos BRICS, para lutarmos juntos por um mundo com um melhor senso de igualdade e justiça.

http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2013/04/27/tamim-al-barghouti-fala-sobre-impacto-da-poesia-na-primavera-arabe-494634.asp



NOTA:
'Poeta da primavera árabe' não participará mais da Flip
Al-Barghouti não conseguiu pegar voo de conexão a partir de Londres.

O egípcio-palestino Tamim Al-Barghouti não vem mais à Flip. Na sexta-feira, a organização do evento disse que ele havia conseguido pegar um voo do Cairo para Londres, de onde viria para o Brasil. Mas ele não conseguiu pegar o voo de conexão na capital britânica por problemas com sua documentação.

Segundo a organização da Flip, houve extravio do passaporte e Al-Barghouti não conseguiu embarcar.


06/07/2013 16h53 - Atualizado em 06/07/2013 23h36

http://g1.globo.com

I'm Your Hoochie Coochie Man - Muddy Waters


RECONCILIAÇÃO




Nei Duclós

Decida-se pela paz dentro de você
não apenas com imagens no espelho
ou com todos os avatares fake
Reconcilie-se com seu presente
deixe o passado no ermo
e aperte a mão de quem não é idêntico

Some a dor acumulada e livre-se
instaurando a saúde da recompensa
Coloque sua cabeça a prêmio
e faça um evento onde você discursa
para uma platéia configurada no amor
Distribua o abraço a esmo

E não permita que interfiram no movimento
que venham roubar seu dinheiro
que sequestrem o voto, que comprem
famílias, que invadam casas,
que coloquem freios nas almas
Não recue diante da violência

Tente compor esse comportamento
você solidário com o país sem esperança
e ao mesmo tempo firme no leme da força
Batize a mocidade na ante-sala do espanto
e habite o espírito de quem chega tarde
Está com você o encargo dessa dança

Não se entregue às pretensões, mas à mudança
palmilhe o canto que foi sufocado no exílio
desate o nó que amarra a vivência
componha a linguagem que se contrapõe ao ruído
e avance apenas com o corpo escasso
o trêmulo andar, as pétalas ao vento

Como poderemos, perguntarão, vencer
contando apenas com a poesia e o sonho?
Não apenas isso, dirá a reconciliação
mas os frutos de jardins abandonados
e o lixo que vamos recolher das ruas
transformado numa constelação de rumos

Importa que diga sim ao convite que faço
armado apenas da vontade de resgatar
o que perdemos para sempre
Somos um navio que recuperou o impulso
e com velas a pleno nos dirigimos
ao cais onde enfim seremos de novo uma nação

E não se renda ao aparelhamento
partidário ou religioso do que pactamos aqui
Os sectários que cumpram seu destino
e permaneçam à parte. Pois nós, proprietários
do nosso coração, temos algo maior a cumprir
antes que decretem para hoje o fim dos tempos


RETORNO - Imagem desta edição: foto de Cartier-Bresson


http://outubro.blogspot.com.br/2011/11/reconciliacao.html