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terça-feira, 2 de julho de 2013

O POETA NERUDA E AS DORES DO MUNDO

por  em 01 de jul de 2013 às 15:00

Pablo Neruda foi um dos maiores poetas da América Latina, e um poeta do mundo. Clamava em prosa e verso por liberdade, justiça e paz, e seus poemas de amor são de um lirismo fascinante, onde ele expressava toda sua saudade e suas dores
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Nascido Neftalí Ricardo Reyes Basoalto em 12 de julho de 1904, na cidade de Parral, Chile, filho de José del Carmen Reyes Morales, um operário ferroviário, e de Rosa Basoalto Opazo, professora primária, morta quando ele ainda era um bebê, adotou o pseudônimo Pablo Neruda em homenagem ao poeta tcheco Jan Neruda e ao francês Paul Verlaine.
Ainda na escola, publica seus primeiros poemas no jornal “La Manãna”, e no ano de 1920, começa a contribuir com a revista literária “Selva Austral”. Em 1921 passa a morar na cidade de Santiago do Chile e estuda pedagogia no Instituto Pedagógico da Universidade do Chile. Em 1923 publica “Crepusculário” e no ano seguinte “Vinte poemas de amor e uma canção desesperada”, já com uma forte marca do modernismo.
Neruda foi um dos maiores poetas da América Latina, e um poeta do mundo. Clamava em prosa e verso por liberdade, justiça e paz, e seus poemas de amor são de um lirismo fascinante, onde ele expressa toda sua saudade e suas dores.
Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascender da terra.
Te amo como se amam certas coisas obscuras
secretamente, entre a sombra e a alma
sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,
Se não assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que a tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.
(A Dança – Pablo Neruda)
Sua inquietude por justiça e liberdade o levou também a ser um ativista político, o que se nota em vários de seus poemas. Neruda passou pela Guerra Civil Espanhola, por duas guerras mundiais e por duas ditaduras no Chile. Como arma tinha a palavra, a arma mais letal dos poetas.
“Meu caminho junta-se ao caminho de todos. E em seguida vejo que desde o sul da solidão fui para o norte que é o povo, o povo ao qual minha humilde poesia quisera servir de espada e de lenço para secar o suor de suas grandes dores e para dar-lhes uma arma na luta pelo pão.” (Pablo Neruda)
Se não puderes ser um pinheiro, no topo de uma colina,
Sê um arbusto no vale mas sê
o melhor arbusto à margem do regato.
Sê um ramo, se não puderes ser uma árvore.
Se não puderes ser um ramo, sê um pouco de relva
E dá alegria a algum caminho.
Se não puderes ser uma estrada,
Sê apenas uma senda,
Se não puderes ser o Sol, sê uma estrela.
Não é pelo tamanho que terás êxito ou fracasso...
Mas sê o melhor no que quer que sejas.
(do livro Canto Geral)
No ano de 1927, começa sua carreira diplomática, após ser nomeado consul na Birmânia. Em seguida passa a exercer a função no Sri Lanca, Java Singapura, Buenos Aires, Barcelona e Madri. Em Buenos Aires, conheceu Garcia Lorca, e em Barcelona Rafael Alberti.
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Federico Garcia Lorca
Em 1936, explode a Guerra Civil Espanhola. Comovido com a guerra e com o assassinato do amigo Garcia Lorca, compromete-se com o movimento republicano, o que lhe custou o cargo de diplomata. Já na França, em 1937, escreve “Espanha no coração”. Retorna neste ano para o Chile e começa a produzir textos com temáticas políticas e sociais.
Em 1943, é eleito senador da República no Chile. Comovido com o tratamento repressivo que era dado aos trabalhadores de minas, começa a fazer vários discursos, criticando o presidente González Videla. Passa a ser perseguido pelo governo e é exilado na Europa.
Em 1939, tendo recuperado seu estatuto de diplomata, volta para a França com o objetivo de ajudar os milhares de refugiados espanhóis que vivem em condições sub-humanas no sul da França. Organiza a viagem de cerca de 2.500 destes refugiados para o Chile, numa das maiores operações de salvamento dos exilados da guerra civil da Espanha.
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Guerra Civil Espanhola
...E numa manhã tudo estava ardendo,
E numa manhã fogueiras
saíam da terra
Devorando seres,
E desde então fogo,
Pólvora desde então,
E desde então sangue.
Bandidos com aviões e mouros,
bandidos com anéis e duquesas,
bandidos com padres de preto abençoando-os
vinham pelos céus a matar crianças,
e pelas ruas o sangue de crianças
corria simplesmente, como sangue de crianças...
(trecho de um poema sobre a Guerra Civil Espanhola)
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Augusto Pinochet - golpe militar no Chile
Neruda recebe o Prêmio Nobel de Literatura em outubro de 1971 e falece no Chile em 23 de setembro de 1973. Em abril de 2013, a justiça chilena autorizou a exumação de seus restos mortais por causa de suspeitas de que teria sido assassinado pelo regime de Augusto Pinochet, tendo Neruda falecido dias após o golpe militar. Mas segundo a conclusão dos primeiros exames, a causa de sua morte foi confirmada como sendo mesmo um câncer de próstata em estágio avançado. Tiraram a paz do poeta que descansava em sua mítica Iha Negra, mas como disse em entrevista um cineasta e escritor chileno, “a saúde emocional do Chile pede certezas sobre sua morte.” Neruda infelizmente, não viveu para que sua poesia alcançasse importantes acontecimentos históricos de décadas posteriores.
“Nós, os que perecemos, tocamos os metais, o vento, as margens do oceano, as pedras, sabendo que seguirão, imóveis ou ardentes, e eu fui descobrindo, dando nome às coisas: foi meu destino amar e despedir-me.” (Pablo Neruda)

Principais Obras

• A canção da festa (1921)
• Crepusculário (1923)
• Vinte poemas de amor e uma canção desesperada (1924)
• Tentativa do homem infinito (1925)
• Residência na terra [vol. I, 1931; vol.II, 1935; vol.III,1939, que inclui Espanha no coração (1936-1937)]
• Ode a Stalingrado (1942)
• Terceira residência (1947)
• Canto geral (1950)
• Odes elementares (1954)
• Navegações e retornos (1959)
• Canção de gesta (1960)
• Ensaios (Memorial da ilha negra, 1964) e a peça teatral Esplendor e morte de Joaquín Murieta (1967).
Em 1974, foi publicado o volume autobiográfico Confesso que vivi. (Prêmio Nobel de Literatura, 1971).

Artigo da autoria de Eli Boscatto.
Formada em Ciências Políticas e Sociais, curiosa, inquieta, adora se emocionar. Pretensa poeta..
Saiba como fazer parte da obvious.


Vanessa da Mata, Maria Bethânia e Caetano Veloso trazem a manhã...



Céu


MÚSICA NOVA BRASILEIRA

em música por  em 30 de jun de 2013 
Quando um som bate no ouvido, há um espaço de meio segundo para a identificação dos recursos utilizados entre harmonias e arranjos, o instrumental, o timbre, o tom... e quando tudo isso é laureado por uma voz de potência incontestável - habemus musica.
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Além do céu o infinito, além da Céu a música
Céu é uma interprete de voz calorosa, levemente grave e de muita versatilidade que desenvolve um repertório vasto e autoral, também é uma compositora nata, transitando entre o jazz e a bossa nova. Possui a capacidade de favorecer a batida eletrônica, sem deixar de ser intimista.
Um universo particular e completo de poesia musical. A equilibrada composição destaca elementos da música afro-brasileira, hip hop e música eletrônica, interligados com ritmos regionais. Voz, melodia e arranjos convergem para a excelência.
As faixas dos seus álbuns são tecnicamente bem cuidadas, oriundas de uma produção elaborada, minimalista e com uma linguagem contemporânea. Facilmente assimiladas por sua textura musical, instrumentos e grooves incidentais.
A sonoridade expressiva comprova o real talento da artista que sobra em suas músicas, sobrepõe e harmoniza muito bem com os loops, scratchs, samples, sem em nenhum momento minimizar o potencial da voz – orgânica e poderosa.
Céu faz uma música abrangente e pop, já vendeu mais de 25 mil cópias na Europa e, 100 mil nos Estados Unidos. De maneira surpreendente viaja de “Concrete Jungle” (Bob Marley) ao “O Ronco da Cuíca” (Aldir Blanc & João Bosco), sem perder seus méritos.
“Flutuo, navegando, sem tirar os pés do chão / Trezentos e sessenta e cinco dias na missão / Na bubuia, eu vou / Eu vou na bubuia, eu vou” (Música: Bububia – Composição: Céu).

não deu



DADO
Não deu. Não sei exatamente por quê, mas não deu. Não sei se foi impossibilidade minha, impossibilidade exclusivamente pessoal, medo de me atirar e pronto. Não sei se foi impossibilidade de jogar, rolaram tantas coisas! impossibilidade histórica e ponto. Não sei se foi metafísica – a Impossibilidade. Não havia cartada decisiva. A manga estava vazia. (Como vazia está a praça, a página.) O fato é que não deu. E podia ter dado.

Tudo doi - Gal Costa -


ESSA TAL FELICIDADE

em geral por  em 27 de jul de 2012 

Qual o objetivo da vida humana? Alguém sabe? A resposta pode variar bastante, segundo a crença de quem tentar responder, mas isso só significa que ninguém, mas "ninguém mesmo", sabe ao certo a resposta. No entanto, a mais improvável, porém a mais aceita, por ser a mais consoladora de todas, é de que nós estamos neste mundo para ser felizes! Uma falácia, obviamente, diante dos muitos que já partiram tão ou mais infelizes do que aqui chegaram, e dos que ainda sofrem nesse "mundo de meu Deus".

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A teoria de que "o Universo conspira para realizar a felicidade do ser humano" é uma falácia. Apesar de extremamente "otimista", não passa de uma falácia. A Filosofia tem sua parcela de culpa nessa história – ela inculcou no homem (desde os antigos gregos) a ideia falaciosa de que ele "existe para ser feliz" (a mãe de todas as falácias). A Religião (coitadinha!), percebendo a dificuldade (leia-se: "impossibilidade") do homem ser feliz aqui na Terra, inventou extra-mundos, nos quais a tal "Felicidade" estaria de braços abertos (lembra o Cristo Redentor, não é?), esperando por seu ilustres convidados, onde haveria moradas para todos ("os escolhidos", é claro). Vemos, hoje em dia, a Ciência (olhem, vejam só quem!!!), que luta, há séculos, com a Filosofia e a Religião, pelo monopólio da "Verdade", prometendo viagens para outros planetas, outras galáxias, e sabe Deus lá para onde mais, lugares inóspitos, nos quais, incontestavelmente, a "Dona Felicidade" deve morar.

O que vem a ser isso – a Felicidade? (tão kantiano isso, não?). Alguma coisa que, como num jogo de "esconde-acha" criado por Deus, uns têm a sorte de encontrá-la, enquanto outros, a maioria (e põe maioria nisso!!!), jamais sequer passam por perto (sabem aquele negócio do "tá frio, muito muito frio, congelado", sabem?)?; seria mesmo uma mercadoria existencial que só o dinheiro pode comprar, mas que o comprador não pode levar consigo, só pode ir usando, usando, até morrer?; seria uma espécie de prêmio de consolação pelos esforços envidados numa existência que,  não importa quão virtuosa tenha sido, se extingue com uma bala perdida, na ponta de uma faca de um marginal, por uma doença fatal ou pela velhice inexorável? Alguém tem resposta? Ei, alguém aí tem uma só resposta qualquer?

Diz um ditado que "vida boa é a dos outros". Então, vamos perguntar aos outros: "Ei, meu amigo, diga lá, sua vida é mesmo boa? Você é feliz?". Só os grandes mentirosos responderão "SIM!" a estas perguntas (ah, só, não! tem ainda os "iludidos de carteirinha" e os "otimistas graças a Deus"). Sabem aquela coisa do dia-a-dia? Você pergunta: "E aí, Fulano, comé que tá?". Aí ele responde, sem nem pestanejar: "Tudo bem!". Podem crer que quem responde assim não faz nem ideia do que sejam essas duas palavrinhas que acabou de pronunciar: "tudo" e "bem" (como eu sei que muitos de vocês respondem assim, sigam meu conselho e, ao invés de "Tudo bem!", vão respondendo aí "Tá dando pra levar!"; vocês vão ver que não muda nada, mas faz toda a diferença, se é que dá pra me entender, pô!). O fato é que "Felicidade", felicidade mesmo, é que nem a "morte" – quem alcançou não veio dizer como é que é.

Agora, falando sério. O que a humanidade aprendeu até aqui que lhe possa ser útil para alcançar a tão sonhada "Felicidade"? Nós somos melhores que os homens das cavernas? Ou nossa barbárie tem apenas requintes de pós-modernidade? A Filosofia de Sócrates, Platão e, principalmente, Aristóteles (que impregnou boa parte do pensamento e do conhecimento ocidental todos esses séculos) nos ofereceu alguma via eficaz para a conquista da "filosófica e virtuosa felicidade" tematizada por eles? ou todo o nosso conhecimento e raciocínio lógico herdados só nos fornecem maneiras "inteligentíssimas" de nos desculparmos por nossa incompetência em melhorar a qualidade do ser humano e as condições de vida sobre este planeta?

As religiões, individualmente ou em seu conjunto, nos forneceram até agora alguma coisa efetiva, real e concreta, que possa dar testemunho de que o homem e a vida sobre a Terra são de fato "o projeto magnânimo de felicidade" de um Deus (ou deuses) perfeito, bom e justo? Ou só encontrou maneiras de empregar padres pedófilos, profetas de um fim-de-mundo que nunca chega, místicos prestidigitadores e pastores corretores de moradias celestiais, das quais não se tem sequer a planta?

A Ciência, além de clonar ovelhas, fertilizar casais estéreis, proporcionar a escolha do sexo dos filhos, produzir bombas de extermínio em massa, etc e etc, foi até o atual momento da humanidade capaz de destrinchar o "genoma da felicidade", para o bem dos homens em geral? Ou apenas vive "afirmando isto" e "desmentindo aquilo", para depois de alguns anos "desmentir isto" e "afirmar aquilo"? A despeito dessas verdades aqui elencadas, a busca pela "ultra-utópica felicidade" não tem fim. O "otimismo" se renova a cada dia, a cada nova infinitesimal possibilidade de alcançar o até aqui inalcançável.

Vivemos um momento em que livros rotulados de "auto-ajuda", que são uma mistura de Prozac, droga psicodélica e "injeção de ânimo", para os que não sabem como seguir a jornada "em busca da felicidade", se misturam nas prateleiras das livrarias, mundo afora, aos "bons livros", que não foram escritos para ajudar ninguém, mas são como boas sementes que, caindo em solo fértil, se tornam árvores frutíferas da melhor qualidade; mas quem há de comer seus frutos, se o primeiro e principal deles – a maçã do "Paraíso Perdido" (tão miltoniano isso, não?) causou todo esse estrago no mundo? (Eu, hein!!!).

"Enquanto a Dona Felicidade não vem", vivemos a era do espetáculo, da busca frenética pelos famosos "15 minutos de fama", do showbizz, do mundo da "espiadinha" e da baixaria dos BBBs, Casas dos Artistas e Fazendas. Vivemos o apogeu da nossa mediocridade e ignorância. Felicidade que seja "Felicidade" mesmo, isto é, felicidade que se preza, não ia nem dar as caras por aqui, não é mesmo?


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BEM E MAL: OS PRECONCEITOS DA MORALINA CRISTÃ


em geral por  em 24 de jan de 2012 
O filósofo Friedrich W. Nietzsche, em sua obra, "Para além do bem e do mal", apresenta-nos um contraponto à moral vigente em sua época (não tão distante da que temos até hoje, em pleno século XXI). A partir daí, surge uma análise sobre o bem e o mal que possa chegar a conclusões filosoficamente mais lógicas e humanamente mais prováveis.
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Uma das ideias mais combatidas na obra de Friedrich Nietzsche é, sem dúvida, a noção do “dever” – tanto no sentido kantiano, quanto como dogma cristão (se é que há alguma diferença entre ambos!). O “imperativo categórico” elaborado por Immanuel Kant (1724 – 1804), filósofo também alemão, do século XVIII, para Nietzsche, não passa de disfarce ou reelaboração dos mandamentos cristãos, de forma sucinta: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo; não matarás; não levantarás falso testemunho, etc, etc. A elaboração kantiana da “ação livre por dever” soa aos ouvidos do homem-dinamite como absoluta insensatez e absurdo. Para um filósofo que se mostrou contrário à metafísica deveria ser vergonhoso “cair nas malhas do velho Deus cristão”, assim pensava o destruidor de todos os valores.
Nietzsche denuncia que todas as tentativas dos filósofos nos últimos séculos de fundar uma ética foram simples remendos e arremedos de platonismo e cristianismo. As concepções de “bem” e de “mal” de dada cultura são sub-produtos de uma avaliação – mas de que perspectiva partem essas avaliações? A resposta nietzschiana é que, partindo do pressuposto de que a moral vigente é peso e medida para a valoração, bem e mal aí não passam de “pré-conceitos”, tendo como perspectiva algum ser metafísico, extra-mundano - um juiz da História que não pertencesse a ela. Mas Nietzsche insiste em sua obra "Para além do bem e do mal" (1886) que, para a natureza (no que diz respeito ao ser humano), há espiritualidade, necessidade e utilidade tanto num princípio quanto noutro. O que significa dizer que tomar um, a saber: o bem, como próprio das coisas naturais, e sentenciar que o outro, o mal, seria antinatural, ou pior, de "outra natureza" é, no sentido da "verdadeira" moral (aquela não maculada pelas justificações extra-mundanas),um ato preconceituoso, e, no sentido filosófico, falta de senso lógico.

“A moral tirou a inocência do mundo e a metafísica se constitui em verdade” – é o que diz Mauro Araújo de Sousa, em seu prefácio a “Para além do bem e do mal”, e segue citando o próprio Nietzsche: “O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esquecem que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas”.
O platonismo condenou o mundo sensível à pura aparência, à inutilidade, à vulgaridade; inventou o mundo das idéias, um “mundo ideal” - quer dizer, “real” - para Nietzsche, no entanto, tudo isso não passa de divagação metafísica, devaneios platônicos, desatino. O cristianismo soube apoderar-se de “tão elevada filosofia” e montar, a partir dela, seu próprio sistema ético-filosófico – sobre isso entendem muito bem Agostinho e Tomás de Aquino, filósofos cristãos (como se fosse possível ser cristão e filósofo ao mesmo tempo, diria Nietzsche). O mundo natural, a vida sobre a Terra, desde então só serviu de escárnio e pilhéria para tais filósofos, santos e deuses de toda a espécie. Qualquer extra-mundo é melhor que aqui, eis a “grande avaliação universal”.
Quando Nietzsche expôs seu pensamento em “Para além do bem e do mal – Prelúdio de uma filosofia do futuro”, ele já havia escrito dois outros livros fundamentais para seu projeto de apresentar ao mundo a necessidade de uma transvaloração dos valores. Em “A Gaia Ciência” (1882), ele nos sai com: “A piedade é o sentimento mais agradável para aqueles que são pouco orgulhosos e que não têm possibilidades de fazer grandes conquistas: a presa fácil – qualquer ser sofredor é presa fácil - é coisa que os encanta”; e em “Assim falou Zaratustra” (1884), sentencia: “Bem e mal, prazer e dor, eu e tu – tudo parecia-me colorida fumaça diante de olhos criadores. Queria o Criador desviar o olhar de si mesmo – e, então, criou o mundo”. Faltava ainda “O Anticristo”(1888), talvez para dar o desfecho final contra o demasiado tempo da moral cristã, mas esse só seria publicado postumamente. Na introdução a “Para além do bem e do mal”, Mauro Araújo de Sousa esclarece: “(...) o filósofo elabora uma crítica cultural utilizando o seu perspectivismo para abordagem, em vários aspectos, da formação do espírito no Ocidente, sempre tendo em vista reverter o quadro valorativo estabelecido pelo platonismo e sua metafísica. Também, o que é destaque na obra, é a questão dos “filósofos do futuro”, estabelecedores de novas condições culturais. Denomina esses filósofos como aqueles que são capazes de tentativas, de experimentos consigo mesmos e que, por não serem dogmáticos e nem se prenderem a nada, conseguem a liberdade do espírito. Esses filósofos do futuro seriam eles próprios os seus criadores, estando, por isso, além do bem e do mal, esse vício dualístico da “moralina cristã”.”
Enfim, tomando o filósofo do martelo como arauto da "verdadeira moral", isenta de preconceitos metafísicos, religiosos e pseudo-sacros, chegamos à conclusão de que estar para além do bem e do mal é criar novos valores não sobre os escombros dos antigos, mas sobre novos alicerces "demasiadamente humanos", e abandonar o temor e o preconceito de sermos "bons" ou "maus", pois ambos são parte da nossa própria natureza. Soltemos, pois, as amarras, porque a liberdade é galardão maior que todos os tesouros extra-mundanos da decadente moralina cristã.

Artigo da autoria de Jaya Hari Das.
"Escrevo sobre coisas que me parecem interessantes, para que a leitura seja interessante. Escrevo exatamente como penso. Mas, se me perguntarem de onde vêm esses pensamentos, não saberei dizê-lo.".
Saiba como fazer parte da obvious.

http://lounge.obviousmag.org/alfarrabios/2012/01/bem-e-mal-os-preconceitos-da-moralina-crista.html