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quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Quando, Quando, Quando - Michael Buble and Nelly Furtado -

Drummond dá o recado...

"Tanto vestido assinado / Cobre e recobre de vez / sua preclara nudez." (Drummond)  - Ilustração: Mulher, de Vânia MedeirosA HILDA HILST



Abro a "Folha da Manhã".
Por entre espécies grã-finas,
emerge de musselinas
Hilda, estrela Aldebarã.

Tanto vestido assinado
cobre e recobre de vez
sua preclara nudez!
Me sinto mui perturbado.

Hilda girando em boates,
Hilda fazendo chacrinha,
Hilda dos outros, não minha...
(Coração que tanto bates!)

Mas chega o Natal e chama
à ordem Hilda: não vês
que nesses teus giroflês
esqueces quem tanto te ama?

Então Hilda, que é sabi(l)da,
usa sua arma secreta:
um beijo em Morse ao poeta.
Mas não me tapeias, Hilda.

Esclareçamos o assunto:
Nada de beijo postal.
No Distrito Federal,
o beijo é na boca — e junto.



Carlos Drummond de Andrade
Rio, 31.XII.52

(HTTP) Hypertext Transfer Protocol

Agatê Tepê

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Publicado no guia Divirta-se, em O Estado de S. Paulo em novembro de 2011

Para que serve o http? Endereço de site quase sempre, ou seja, 99,9% das vezes começa com http. Como se não bastasse, tem ainda o dois-pontos-barra-barra. E, não satisfeito, vem depois o protocolar www.

(Alô, turma da objetividade: sei que existe alguma razão excelente, fina e gozando de perfeito sentido. Mas você entendeu o argumento, espero).

Na Rádio Estadão ESPN, a norma é nem perder tempo com o www. Endereço de site ali é dito pulando essa parte. Ora, dizer “www” leva exatos 0,6 segundos. Numa pista de atletismo, isso é a diferença entre o ouro e o ostracismo. Na Rádio Estadão ESPN, 0,6 segundos não valem o trabalho de dizer “www”. Calcule quanto vale o lote completo, incluindo o http://.

Para que existem, então, esses sinais enigmáticos na internet? Serão eles iguais a certos cargos burocráticos, cuja razão de existir nega a própria existência? Como o antigo Ministério da Desburocratização — uma piada do Millôr que alguém levou a sério.

Ou seria o http://www o merchandising de uma marca sendo construída subliminarmente ao longo de anos?

De um jeito ou de outro, é o caso contrário ao do @. Até outro dia, essa cobrinha suspensa sobre o número 2 do teclado não servia para muita coisa. Até que em 1971, Ray Tomlinson criou o primeiro sistema de e-mail do mundo. E teve a ideia brilhante de usar aquele símbolo ocioso no teclado. A partir daquele momento, o @ ganhou novo sentido: passou a designar a empresa, computador ou servidor em que o destinatário estava. Seu gesto foi um ato de design. A ideia de Tomlinson foi tão perfeita, e é tão utilizada, que o @ agora faz parte da coleção permanente do MoMA. O primeiro caso de um sinal gráfico que se torna item permanente da coleção de um museu.

Mas qual será o futuro (ou mesmo o passado e o presente) dos nossos amigos http://www? Serão úteis como o nosso apêndice, cuja principal função conhecida é dar apendicite? Ou os graves geeks lançarão uma campanha vingativa, e até placa de carro vai ter que começar com http://www?

De todo modo, se alguma mãe nos rincões do Vale do São Francisco (por falta de Silício) der ao filho o nome de Agatê Tepê, já me dou por satisfeito.

Espicha, dezembro, espicha.

Publicado no guia Divirta-se, em O Estado de S. Paulo, em dezembro de 2011

“Então fica resolvido assim: depois nós resolvemos”, concluiu Fernando Sabino num P.S. de carta para Otto Lara Resende. Dezembro é o P.S. do ano, e o que não foi dito até aqui, até o dia 31 também não será. O ano vai se resolvendo, e empurramos o fusquinha de nossa razão para a sombra de 2012. Deixa ele lá; faz calor em dezembro.

Antes de janeiro chegar, vamos ver o que passa no Facebook das ruas, adiando o que nos é dado adiar. Há muitas compras e chopes e chuva para cair. Há muitas escolhas de hotel e opções de passeio e protetor solar para estocar. A realidade pode atrasar. Não liga ainda o Excel, mas clica lá no Twitter: vê se tem piada do frasista, link bom de algum amigo, fofoca de algum famoso, tubarão comendo surfista em foto espetacular. Adia. Enrola. Deve ter alguma coisa no YouTube, procura um almoço que dure até as três e quarenta. Mesa para quantos? Então volta e tuíta alguma coisa. Não deu RT? Espera. Pergunta se alguém topa o Pirajá, diz que está em SDU chegando em CGH.

Espicha, dezembro, espicha.

Faz um parágrafo inteiro só com três palavras. Espicha, tempo, espreguiça. Só faltam quinze dias. Põe esse restinho de calendário para voltear: Rebouças via Praça Campo de Bagatelle, chegando na Anhanha Melo pelo corredor Norte/Sul ligado na Radial Leste. Trava, dezembro, estanca. Cuida que já é tarde. Tem piedade de nós.

Encontra um livro para ler. Estica na padaria, puxa conversa com o homem da banca, pergunta pela saída da revista O Tricô Moderno. Procura pela revista O Tricô Moderno, vai ver tem nos sebos da Pedroso de Morais. Compra um CD do Vinícius (baixar é muito rápido). Inventa. Perde o crachá da portaria, enguiça a catraca, esquece o celular.

Usa de todos os truques, recorre ao quanto encontrar de bobagem. Relembra frases antigas, conselhos de março ou abril. Se essa vida for uma novela, haverá eco e câmera lenta. E um segundo durará dois. Todo tempo perdido é útil em dezembro — mês de conversa fora.