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domingo, 1 de julho de 2012

Precious words...



GABEE to CHLOE



O NOSSO OLHAR - DICK FARNEY E CLAUDETTE SOARES




Composição: Sérgio Ricardo

Viu
Quanta coisa linda
Você e eu sentimos
Sob este luar
Dentro do silêncio
Que a noite fazia
Pelo nosso amor
Viu
Como os nossos olhos
Foram se entregando
E se integraram
Na linguagem pura
Que os olhos ditam
Pelo coração
Viu
Como o mundo inteiro
Ficou pequeno
E em nossas mãos
Virou veneno
Que a noite bebeu
Pelo nosso amor
Viu
Como basta pouco
Para amar-se muito
Um luar bonito
Uma noite quieta
E o olhar tão puro
Deste nosso olhar.

Um Tempo Sem Nome

A crônica a seguir foi escrita por Rosiska Darcy de Oliveira e publicada originalmente no jornal O Globo em 21/01/12. Fala sobre novas e modernas formas de envelhecer. A conferir.


Com seu cabelo cinza, rugas novas e os mesmos olhos verdes, cantando madrigais para a moça de cabelo de abóbora, Chico Buarque de Holanda vai bater de frente com as patrulhas do senso comum.

Elas torcem o nariz para mais essa audácia do trovador. O casal cinza e cor de abóbora segue seu caminho e tomara que ele continue cantando "eu sou tão feliz com ela" sem encontrar resposta ao "que será que dá dentro da gente que não devia".

Afinal, é o olhar estrangeiro que nos faz estrangeiros a nós mesmos e cria os interditos que balizam o que supostamente é ou deixa de ser adequado a uma faixa etária. O olhar alheio é mais cruel que a decadência das formas. É ele que mina a autoimagem, que nos constitui como velhos, desconhece e, de certa forma, proíbe a verdade de um corpo sujeito à impiedade dos anos sem que envelheça o alumbramento diante da vida.

Proust, que de gente entendia como ninguém, descreve o envelhecer como o mais abstrato dos sentimentos humanos. O príncipe Fabrizio Salinas, o Leopardo criado por Tommasi di Lampedusa, não ouvia o barulho dos grãos de areia que escorrem na ampulheta. Não fora o entorno e seus espelhos, netos que nascem, amigos que morrem, não fosse o tempo "um senhor tão bonito quanto a cara do meu filho", segundo Caetano, quem por si mesmo, se perceberia envelhecer? Morreríamos nos acreditando jovens como sempre fomos.

A vida sobrepõe uma série de experiências que não se anulam, ao contrário, se mesclam e compõem uma identidade. O idoso não anula dentro de si a criança e o adolescente, todos reais e atuais, fantasmas saudosos de um corpo que os acolhia, hoje inquilinos de uma pele em que não se reconhecem. E, se é verdade que o envelhecer é um fato e uma foto, é também verdade que quem não se reconhece na foto, se reconhece na memória e no frescor das emoções que persistem. É assim que, vulcânica, a adolescência pode brotar em um homem ou mulher de meia-idade, fazendo projetos que mal cabem em uma vida inteira.

Essa doce liberdade de se reinventar a cada dia poderia prescindir do esforço patético de camuflar com cirurgias de botoxes - obras na casa demolida - a inexorável escultura do tempo. O medo pânico de envelhecer, que fez da cirurgia estética um próspero campo da medicina e de uma vendedora de cosméticos a mais rica mulher do mundo, se explica justamente pela depreciação cultural e social que o avançar na idade provoca.

Ninguém quer parecer idoso, já que ser idoso está associado a uma sequência de perdas que começam com a da beleza e a da saúde. Verdadeira até então, essa depreciação vai sendo desmedida por uma saudável evolução das mentalidades: a velhice não é mais o que era antes. Nem é mais quando era antes. Os dois ritos de passagem que a anunciavam, o fim do trabalho e da libido, estão ambos, perdendo autoridade. Quem se aposenta continua a viver em um mundo irreconhecível que propõe novos interesses e atividades. A curiosidade se aguça na medida em que se é desafiado por bem mais que o tradicional choque de gerações com seus conflitos e desentendimentos. Uma verdadeira mudança de era nos leva de roldão, oferecendo-nos ao mesmo tempo o privilégio e o susto de dela participar.

A libido, seja por uma maior liberalização dos costumes, seja por progressos da medicina, reclama seus direitos na terceira idade com uma naturalidade que em outros tempos já foi chamada de despudor. Esmaece a fronteira entre as fases da vida. É o conceito de velhice que envelhece. Envelhecer como sinônimo de decadência deixou de ser uma profecia que se autorrealiza. Sem, no entanto, impedir a lucidez sobre o desfecho.

"Meu tempo é curto e o tempo dela sobra", lamenta-se o trovador, que não ignora a traição que nosso corpo nos reserva. Nosso melhor amigo, que conhecemos melhor que nossa própria alma, companheiro dos maiores prazeres, um dia nos trairá, adverte o imperador Adriano em suas memórias escritas por Marguerite Yourcecar.

Todos os corpos são traidores. Essa traição, incontornável, que não é segredo para ninguém, não justifica transformar nossos dias em sala de espera, espectadores conformados e passivos da degradação das células e dos projetos de futuro, aguardando o dia da traição. Chico, à beira dos setenta anos, criando com brilho, ora literatura, ora música, cantando um novo amor, é a quintessência desse fenômeno, um tempo da vida que não se parece em nada com o que um dia se chamou de velhice. Esse tempo ainda não encontrou seu nome. Por enquanto podemos chamá-lo apenas de vida.


Rosiska Darcy de Oliveira é escritora.
 
 

RIO DE JANEIRO - CIDADE MARAVILHOSA

 
O Rio de Janeiro se tornou, neste domingo, Patrimônio Mundial, como paisagem cultural urbana.





A felicidade ainda existe

01/07/2012



Já te aconteceu de acordar um dia péssima, com a cabeça péssima, e achando que vai ser assim para o resto da vida? Pois aconteceu comigo outro dia.
Abri o jornal e não me interessei por nada, nem mesmo pela nova amizade Lula/Maluf; liguei a TV, depois abri a agenda, fui do A ao Z e todos os nomes pareciam de pessoas estranhas. Nem os dos dois ou três amigos com quem falo todos os dias reconheci. Não sabia se estava chovendo ou fazendo sol, tal a falta de interesse pelo mundo. Mas como é obrigatório ser alto-astral, resolvi fazer alguma coisa para mudar o clima do dia.
Sempre ouvi falar que ginástica ajuda a resolver qualquer problema, mas botar um tênis e ir fazer pilates, nem pensar. Mal tive forças para me levantar e tomar um copo de água, imagine para enfrentar algum esforço físico. Que tal ouvir uma música? Acho que a morte seria melhor.
Tomar um banho talvez melhorasse as coisas; uma boa chuveirada, com direito a lavar a cabeça -quem sabe esfriá-la- só pode fazer bem. Cumpri o ritual, vesti um jeans e uma camiseta, e percebi que não piorou, mas melhorar que é bom, nada.
Resolvi então dar uma volta na praia para respirar um pouco de ar fresco, mas não adiantou; voltei para casa e para a cama.
Por que acordei assim? Não havia nenhuma razão especial, nada de grave estava acontecendo em nenhum setor da minha vida. Estava assim por nada, ou talvez por tudo. Não tinha vontade de nada, e se soubesse que em cinco minutos o mundo ia se acabar, e dependesse de apenas um gesto meu para que isso não acontecesse, seria capaz de ficar parada, quieta -e o mundo que se acabasse.
Mas depois de pensar, pensar, descobri a raiz do problema. Vou tirar duas semanas de férias e viajar, e a felicidade é muito difícil de ser vivida; e a culpa? A partir daí, as coisas ficaram mais fáceis.
No dia seguinte, uma amiga me chamou para ir a um restaurante que disse ser ótimo, atrás do mercado de peixes, em Guaratiba, depois da Barra.
Só que eu tenho pavor a sair do meu bairro, sobretudo para ir às bandas da Barra, mas como a Rio+20 acabou, com a graça de Deus, embarquei na aventura. Um safari, praticamente.
Para quem não conhece bem o Rio: para chegar à Barra se passa por vários túneis, e com boa vontade, são uns 35/40 minutos num trânsito que não chega a competir com o de São Paulo, mas que é bem intenso. As coisas começaram a melhorar depois que comi uma moqueca de peixe dos deuses; quando pegamos o carro para voltar, comecei a ser feliz.
Detalhe 1: o dia estava lindo, com sol e céu azul. Detalhe 2: a volta da Barra é pela orla, e são praias e praias, algumas de mar batido, outras de água mansa, em tons de azul e verde de tirar o fôlego.
Em São Conrado, a garotada praticando surfe; no céu, outra garotada voando de asa-delta e ainda o cheiro da maresia. E ainda teve o Leblon, Ipanema, o Arpoador; aí pedi à minha amiga para seguir, e passamos por Copacabana, Botafogo, Flamengo. Fui ficando alegre, cada vez mais alegre, a alegria foi se transformando numa quase exaltação, e em cada sinal em que parávamos, olhava e sorria para quem estivesse no carro ao lado, mesmo que tivesse cara de assaltante. E tive a consciência de que estava feliz, que adorava a vida, que adorava viver.
E pensei numa coisa, numa coisa em que nunca se pensa quando se é -ou se está- profunda e intensamente feliz.
Como é injusto morrer.
Danuza Leão
Danuza Leão, jornalista e escritora, aborda temas ligados às relações entre pais e filhos, homens e mulheres, crianças, adolescentes, além de outros assuntos do dia-a-dia. Publicou seu primeiro livro em 1992. Escreve aos domingos na versão impressa do caderno "Cotidiano".

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/danuzaleao/1113439-a-felicidade-ainda-existe.shtml

"E por que eu me desfaria deles?".

01/07/2012-

Sonho de Ivan Lessa era estacionar no passado


RUY CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA


Quando os CDs surgiram e tomaram a indústria fonográfica, em fins dos anos 80, todos os patetas do mundo nos desfizemos de nossas coleções de LPs. Era como se, de repente, aquele formato de disco que por 40 anos nos servira tão bem --e no qual nos habituáramos a ouvir a perfeição-- se tornasse portador de lepra.
Tínhamos de nos livrar deles e trocá-los pelos reluzentes CDs, embora, até então, só uma parcela mínima de títulos já estivesse no novo formato. E, de quebra, precisávamos aposentar também os toca-discos --subitamente arcaicos, mesmo que fossem um Thorens, um Colaro ou um MK II da Technics.
No Natal de 1992, quando fui visitar Ivan Lessa em Londres pela primeira vez, surpreendi-me quando ele tirou um LP de Billy Eckstine de uma estante vergada por milhares de LPs. "Mas você ainda tem esses discos?", perguntei. Ele me encarou como se eu lhe tivesse perguntado por que ainda não cortara um braço. Em resposta, tartamudeou algo parecido com "E por que eu me desfaria deles?".

Heloisa Seixas/Divulgação
Foto feita durante encontro dos amigos Ruy Castro (dir.) e Ivan Lessa no Rio
Foto feita durante encontro dos amigos Ruy Castro (dir.) e Ivan Lessa no Rio
Ivan estava certo. Conservou sua monumental coleção, iniciada em 1948 (ano de surgimento do LP), e, a partir de 1990, apenas enriqueceu-a com CDs que não tinham um antepassado em vinil. Nunca abandonou suas obras-primas de Eckstine, Dick Haymes, Tony Martin, Herb Jeffries, Al Hibbler, Billy Daniels, George Byron --cantores de graves profundos, seus favoritos-- e de outros que descobriu nos anos 50, quando ninguém ainda ouvira falar deles no Rio: Bobby Short, Mabel Mercer, Blossom Dearie, Hugh Shannon, Joe Mooney, Bobby Troup.
Sem prejuízo, claro, dos incontornáveis e eternos, como Sinatra, Crosby, Astaire, Tormé, Nat Cole, Billie, Sarah Vaughan, Peggy Lee, Doris Day e centenas de outros. Ivan podia falar de igual para igual com qualquer conhecedor de música americana --mas engana-se quem o imagina um desenraizado musical.
IMITAÇÕES
Sambas, marchinhas de Carnaval, valsas, sambas-canções --na verdade, toda a pré-bossa nova: era espantosa a quantidade de letras e melodias brasileiras que Ivan trazia na cabeça, e que exibia à menor solicitação. E, de tanto saber cantá-las, dominou também as vozes dos cantores. Sua imitação de Silvio Caldas era hilariante, assim como fazia à perfeição o cantor brasileiro que ele mais admirava --Lucio Alves.
E, certa vez, em Londres, sua imitação de Billy Eckstine assustou o próprio Mr. B., quando Ivan o entrevistou para a BBC. A diferença de timbres entre Silvio, Lucio e Eckstine não diz algo sobre o alcance da voz de Ivan?
Ter conservado sua coleção de discos era apenas normal para ele. Não se joga fora o passado --era o que sempre parecia dizer.
Guardava tudo na memória: o rosto das ex-namoradas, a embalagem de dezenas de marcas de cigarros, a formação da orquestra Sauter-Finegan em 1950, o time de aspirantes do Botafogo em 1954, a sequência de lojas comerciais --uma a uma, no sentido Leme-Posto 6-- da avenida Nossa Senhora de Copacabana, os nomes dos pianistas, porteiros e leões-de-chácara de todas as boates do Rio e as intimidades de figurões da literatura, do jornalismo e do teatro com quem convivera desde criança, amigos de sua mãe, a cronista Elsie Lessa (alguns desses amigos eram Vinicius de Moraes, Clarice Lispector, Tônia Carrero).
E era uma longa memória, porque ele começou tudo muito cedo --aos 15 anos, em 1950, já tinha trabalhado como ator em dois filmes e fumava quatro maços de cigarros por dia.
Quando o conheci, no Rio, em 1972, Ivan acabara de voltar de Londres, para onde fora, pela primeira vez, em 1968 (e, por isso, não participou da aventura da revista "Diners", dirigida por seu amigo Paulo Francis, nem esteve, ao contrário do que se publicou, entre os fundadores do "Pasquim").
Ao olhar em torno, em seu apartamento de cobertura no Leme, e vendo as paredes abarrotadas de LPs, eu me perguntava como seria transportar aquilo tudo pelo oceano, do Rio a Londres, ida e volta, sem quebrar um disco.
Tempos depois, Ivan se mudou para outro apartamento, na rua Bolívar, sempre na praia, e lá se foram de novo as caixas e caixas de discos, desta vez nos caminhões da Gato Preto. Mas os amigos sabiam que, se um ataque marciano derretesse toda a coleção de Ivan, ele a teria inteira na cabeça --cada orquestração, cada letra, cada interpretação.
Em Londres, para onde voltou (para sempre) em 1978, Ivan foi morar em South Kensington, um bairro de predinhos baixos, cobertos de hera, e românticos pátios e jardins internos. James M. Barrie situou ali a casa de Wendy e seus irmãos em "Peter Pan" (1911), e Walt Disney explorou-o lindamente em seu desenho de 1953, botando todo mundo para voar sobre aqueles tetos.
Uma vizinhança bem de acordo com Ivan, que, a meu ver, sofria do complexo de Peter Pan, o garoto que não quis crescer. Contrariando sua natureza ("Nunca tive jeito para ser jovem", ele disse), Ivan queria ter estacionado em algum lugar do passado --e, com perdão pela psicologia de galinheiro, quem sabe sua impaciência e neurastenia, que às vezes se abatiam sobre afetos e desafetos, não fossem pela constatação daquela impossibilidade.
Nos últimos 20 anos, fomos a Londres várias vezes, e muito por causa de Ivan --numa dessas, em janeiro de 1993, com direito a uma esticada em Paris, Ivan e Elisabeth, eu e Heloisa. Atravessando uma rua perto do Louvre, ele me disse que, quando morresse, morreriam de vez com ele vários personagens importantes de Ipanema, já falecidos, dos quais ele ainda era dos poucos a se lembrar.
Quais? "Liliane Lacerda de Menezes, Zequinha Estelita, Josef Guerreiro, Rony 'Porrada', Carlos Thiré." Perguntei sobre eles. Ele me deu a ficha de cada um, e ali tive a ideia de, um dia, fazer um livro que seria uma "enciclopédia" de Ipanema e se chamaria "Ela é Carioca" (o livro saiu em 1999).
A lembrança de Ivan atravessando ruas e falando depressa, driblando carros, atropelando ideias, como se não pudesse perder tempo para se expressar, contrasta dolorosamente com as de apenas dez anos depois, em Londres, quando subíamos juntos a seu apartamento, no quarto andar do predinho sem elevador, e ele chegava lá em cima sem conseguir respirar.
Ou das últimas vezes em que foi nos encontrar na rua, para irmos às suas queridas lojas de discos --Dress Circle, Ray's Jazz Shop, Mole Jazz, Templar Records. Ivan acreditava que era preciso ir todos os dias às lojas, porque, quem sabe, um único exemplar de determinado disco só apareceria certo dia e, justo neste, outro colecionador iria lá e o compraria. Vindo de qualquer pessoa, essa obsessão seria neurótica. Em Ivan, fazia sentido.
Ivan detestava quando brasileiros o informavam da morte de um de seus velhos amigos no Rio. Ele não queria saber. Mas, nos últimos anos, a morte o cercou --ele perdeu Paulo Francis, José Lewgoy, sua mãe Elsie, o radialista Jader de Oliveira (seu colega de BBC e melhor amigo em Londres), Millôr Fernandes, muitos mais. O mundo estava ficando cada vez mais despovoado e, pelo que ele dizia nos e-mails, só faltava ele.
Finalmente partiu, em junho último, aos 77 anos, como se a carroça-fantasma estivesse atrasada para vir pegá-lo.

Na Flip
O colunista da Folha Ruy Castro fala sobre jornalismo literário na sexta (6), às 11h, na Casa Folha, em mesa mediada por André Barcinski.

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/1112857-sonho-de-ivan-lessa-era-estacionar-no-passado.shtml