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domingo, 7 de dezembro de 2014

Dancing Queen - Abba -


Eu somente iria amar as mulheres.






Mulheres!




Não me bastam os cinco sentidos para perceber-lhes toda a beleza. Para viver o mistério profundo que trazem consigo, eu preciso de mais. Eu tenho que tocá-las, cheirá-las, acariciá-las, penetrar-lhes o sorriso, sentir o seu perfume, beijar-lhes o céu da boca, ouvir suas histórias, transformá-las em deusas. Tenho que dar-lhes o amor que ao meu corpo as conduz, e na volta sustenta-me a alma. O amor natural de todos os corpos do mundo. Tenho que dar-lhes a posse imprecisa de mim. Como num espelho de paixões em labareda, quero sentir nos seus olhos o mais raro brilho diamante.

Eu as amo como se lhes devesse a Vida. E as venero com a graça de um cisne nadando num lago tranqüilo e a ousadia de um touro selvagem recém-despertado. Não lhes faço perguntas, não as pressiono por nada, nem quero mudá-las jamais. Imagino o que sonham e entro no sonho delas. Cavalgo em pêlo um cavalo branco para visitar-lhes as razões e as emoções, a loucura e a libido. Como um Deus que se liberta da sua própria mitologia, eu me surpreendo em nome da Criatura. Entro no coração de cada uma como se entrasse no meu. Mergulho nos seus desejos e me espanto com tanta fantasia, com tamanha formosura. Os sentidos, por não serem precisos, não bastam, e preciso mais do que cinco para compreendê-las.

Porque toda mulher é silenciosa por dentro. Sua existência se mani-festa em cada detalhe. Assim na terra como no céu, o amor tem que ser livre. Bendito sou eu entre as mulheres. Fazer amor tem que ser uma experiência religiosa. Por isso eu as amo como fina substância, como deve amar quem ama de verdade: incondicionalmente.

— Sem ciúmes.

Amo as morenas e as loiras, as baixinhas e as altas, as lindas, as quase feias. As virtuosas, as magras e as gordinhas. Diabólicas, tímidas, mentirosas, iluminadas, pecadoras ou santíssimas, virgens, pobres, ricas, loucas, inocentes ou safadinhas — não importa, eu amos todas. As bronzeadas e as branquinhas. As inteligentes e as nem tanto. Desde que sensíveis, eu amo as jovens, as velhas, as solteiras, as casadas, as noivas, as separadas. As amadas e as abandonadas. As livres, as que lutam por liberdade — e também as indecisas.

E se me dessem o poder, o tempo e a chance, eu a elas daria um or-gasmo sublime — todos os dias. Poeticamente.

Apanharia flores silvestres, tomaria sol com todas elas. Andaríamos descalços na areia, contemplaríamos crepúsculos cor de abóbora, jantaríamos à luz de velas, dançaríamos. Tomaríamos vinho branco, comeríamos morangos. E eu lhes faria poemas de amor olhando estrelas.

Puro como um anjo, amaria todas eternamente — uma por vez. Com delicadeza, com doçura, com inocência. Entusiasmado, como se cada fosse única... Como se no mundo não houvesse mais nada. Todas as noites, sem pressa alguma, passaria cremes e encantos no seu corpo, falaria sobre fábulas, contaria histórias românticas, as veria dormir. Ao som de Vangelis, velaria por um tempo o sono delas, e de madrugada, antes do sol raiar, antes do primeiro pássaro cantar, cobriria seu corpo com o resto de luar que ainda houvesse.

— E sairia em silêncio.

Felino, deslizaria pelo cetim azul-celeste dos lençóis, saltaria por sobre todas as metáforas, e sorrindo iria embora.

Enfim, se eu fosse Deus, não mais cuidaria do universo, nem dessas coisinhas banais. Não ficaria controlando o destino das pessoas, o tempo, a pressa, a hora de chegar, o átomo, as ondas do mar, o caminho dos planetas, os genes, o cotidiano, a Internet, o infinito, a geografia...

Não!

Eu somente iria amar as mulheres.

Como elas merecem — e como nunca foram amadas.

Só isso, definitivamente.

Nada mais, nada mais.”




Edson Marques


do livro SOLIDÃO A MIL - página 368




http://solidaoamil.blogspot.com/

O machista




O machista. (Conto)

Ricardo Matos


Findando um tedioso dia de trabalho, Rubens, ao checar seus e-mail, encontrou convite para um “happy-hour” no bar que costumeiramente freqüentava. De imediato confirmou presença, desligou o micro e foi ao bar tentando imaginar o que o amigo de infância e cunhado desejava. Ao chegar, por se sentir um freqüentador prestigiado no bar escolhido, solicitou:
— Boa noite, Joel. Tudo bem, Dona Helena? A senhora pode pedir a “Jacaré” para me servir na mesa de sempre?
Dona Helena, prestativa, respondeu e perguntou.
— Claro! Quer que mande servir o carneiro?
Mais tarde. Estou aguardando um amigo. Por enquanto, só quero uma dose do “Velho Oito”. Peça a Jacaré que a leve pura, estilo “cow-boy”.
Rubens caminhou em direção a mesa ao fundo do bar, junto ao sanitário feminino, como fazia costumeiramente nas noites de sexta-feira após concluir o dia de trabalho. Em poucos minutos, com a dose servida, ele observa a chegada de Pedro Ivo. Notou pelo terno que o amigo também viera direto do escritório. Ao entra no bar, Joel, dono do estabelecimento, apontou a Pedro Ivo a mesa onde Rubens se encontrava. Pedro Ivo foi em direção à mesa andando com os braços abertos e falando alto:
— Então... seu sacana! Nem me esperou.
— Acabei de chegar. Respondeu Rubens.
Rubens estava ansioso para saber o porque do convite e antes mesmo que Pedro Ivo se acomodasse foi inquirindo:
— Me diga! O que de tão importante fez você se lembrar de mim? Faz anos que você desapareceu...
— Calma! Deixa-me aprumar. Você está bebendo o quê?
Enquanto Pedro Ivo se sentava, Rubens, bebendo o uísque de um só gole, respondeu e perguntou:
— Uísque... Vai beber o quê? — Sem dar a resposta, Pedro Ivo se voltou em direção ao garçom e a ele pediu:
— Traga-me uma garrafa de Teacher, e cabaço! E me traga também uma balde com gelo, — e completou, — com copos compatíveis. — Voltando-se para Rubens ele disse — É aconchegante o barzinho, você já o conhecia?
— Sim. Ficava próximo a minha casa, mudou-se a pouco para cá. Sou freguês...
— Então é aqui seu campo de caça?
— É... e esta mesa é estratégica.
— Como é mesmo o nome?
— Bar’Tal. Mas não foi por isso que você me convidou. Abra logo o jogo. Tem algo de misterioso em seu convite.
O garçom, equilibrando a bandeja, ofereceu o cardápio e servia o uísque fazendo que os amigos se calassem. Rubens quebrou o silêncio ao se dirigir ao garçom.
— Jacaré, deixe para servir os tira-gostos mais tarde. — Rubens devolveu o cardápio e pediu —Traga-me uma jarra com água de coco.— O garçom retirou-se e eles retomaram o assunto:
— Diga-me, Pedro Ivo, entrou em alguma fria?
— Rubens, — Pedro Ivo corou, sentiu-se constrangido, mas respondeu — É meio chato o que vou dizer... Sei que você gosta muito de sua irmã, mas resolvi me separar e não quero perder nossa velha amizade... Eu não estou agüentando mais... são brigas diárias. Por qualquer motivo nós brigamos. Mesmo pelos motivos banais nós quebramos-o-pau. Sexo!?, sua irmã não quer nem pensar! Acredito termos chegado a extremos. Você que já se separou por três ou quatro vezes, numa boa, pode me dar umas dicas.
— Ufa!Estou aliviado. — disse Rubens com verdade de sentimento — Pensei que você fosse me pedir dinheiro... é que não estou em boa fase. Fernando Henrique e Lula... estes idiotas me ferraram... Sim! Voltando ao assunto, eu não quero minimizar o seu problema. Toda separação é dificílima, envolve meandros emocionais, dinheiro, os filhos, é uma merda. No meu caso foram apenas duas separações e ambas complicadíssimas. Tão complexas que me mantenho solteiro. Relacionamentos só de carteira assinada e sem crias.
— Essa é nova. Como funciona isso?
— É fácil. Primeiro eu fiz vasectomia para evitar o golpe-da-barriga. Segundo: contrato a namorada como secretária, telefonista, empregada doméstica. Qualquer coisa a depender do nível social. Pago o salário em dia e cumpro todos os direitos que manda a C.L.T. Se melar, pago os 40% da multa, libero o F.G.T.S e demito, mando embora. Para evitar um processo de assédio só contrato depois de já ter comido.
— Você é um escroto, Rubens. Continua não tendo o mínimo de escrúpulos quando se trata de mulheres.
— Gato escaldado tem medo da própria urina... Errar uma vez é acaso; duas, é falta de sorte; três, já é burrice. — Mudando de assunto, Rubens se virou na direção do garçom e apressou ao pedido. Jacaré!, Réptil de bosta! Traga logo a água de coco.— Então se voltou para Pedro Ivo e perguntou retoricamente, — Que tipo de mulher você espera encontrar hoje meu querido cunhado. Quer outra Sandra? — e ele mesmo se responde. — Desista!
Pedro Ivo, discordando do cunhado, afirmou com um ar de empáfia:
— Que nada, amigo. O mundo está cheio de mulheres honestas ávidas por amor e carinho. Você deve estar desiludido, Rubens, só isso.
— Não é bem assim, — explicou Rubens de forma cínica, — Até posso acreditar que existam tais mulheres honestas e desejosas dum relacionamento estável. Porém, dentro das condições impostas por elas. Desde que os homens se sujeitem a ser tudo aquilo que elas odeiam nos próprios homens.
Pedro Ivo levando a sério às reflexões de Rubens se sentiu confuso e questionou-o:
— Não entendi o paradoxo... Você pirou?
— Talvez! Ou talvez seja por isso que você esteja se separando. Talvez você tenha desaprendido, como muitos hoje desaprenderam, de como ser homem...
— Assim você está me ofendendo...
Pedro Ivo entornou a dose de uísque e falou como se fosse levantar para ir embora, mas Rubens o segurou colocando a mão sobre o ombro dele e pediu.
Deixe-me concluir, amigo. Não sugeri, apesar de ser moda, que você seja gay, mofino ou coisa parecida. Mas, os homens de agora, de tanto ouvirem e lerem sobre conjeturas psicológicas, de tanto atentarem as teorias dessas feministas de merda. Nós, e eu me incluo nisso com parcialidade, perdemos os princípios básicos que nos diferenciavam das mulheres. — Rubens completa enfático — Perdemos a razão e a autoridade, repito. Autoridade... O poder! Um barco naufraga com dois mestres. Esse poder de igualdade cedido pelos homens as mulheres acabou por naufragar os relacionamentos estáveis e harmônicos das famílias. Não mude de mulher, mude de atitude. Tenha certeza que as fêmeas falam uma coisa, mas gostam indubitavelmente de outras. Quando elas alegam que esperam encontrar um homem sensível, dadivoso, sincero e fiel. Estão, na verdade, descrevendo o próprio corno conformado. E é o que elas odeiam. Aprendi isso às duras penas e não nego. Quando quis ser moderno, terminei por meter os pés pelas mãos. Hoje em dia, depois que reaprendi como tratá-las, não tenho tido mais problemas. Até as minhas ex-mulheres querem reatar comigo. Digo e afirmo com convicção: a maioria das mulheres gosta de homens que exercem poder sobre elas. Manda mais quem se importa menos. Mesmo que Sandrinha brigue, xingue, que faça muxoxo, não ceda. Imponha sempre sua vontade. As mulheres fazem seus discursos, contudo, amam mesmo a nós, os “porcos chauvinistas”. Não perca seu tempo tentando compreendê-las, elas são incoerentes, ilógicas e sadomasoquistas. Se uma mulher lhe disser que adora mimo não acredite. Quando uma mulher encontra um homem que a mime, otário é o adjetivo mais meigo por ela empregado para descrevê-lo. Por isso, amigo, se for dar presentes só o faça em ocasiões especialíssimas. As mulheres são tão loucas que se você der um mimo a elas sem razões específicas, elas imaginam logo que você fez algo de errado e se vingam sem pensar duas vezes. Elas odeiam ganhar presentes fora de hora... E nunca, nunca, meu amigo, seja sincero...
— Você está louco!, Rubens. Quem vai acreditar em uma barbaridade dessa?
— Acredite, cunhado! É a mais pura verdade. Lembro-me de um caso que aconteceu comigo. Eu tinha marcado de passar a virada do ano em um hotel com a namorada. Já transávamos há um tempão...Coisa de meses... ela levou dois dias se aprontando. Comprou um vestido branco cheio de anáguas e babados, disse-me caríssimo. Fez cabelo, maquilou-se e coisa e tal... Na hora que parei o carro em frente à casa da distinta. Ela veio lentamente descendo às escadas passo a passo como que imitando uma atriz de Hollywood. Ai, com aquele ar de ‘pavoa’, me perguntou exigindo sinceridade: “— Como estou, amor?... mas seja sincero, exigiu...” — Ingenuamente eu respondi com toda a sinceridade exigida... Eu disse: “— Está ridícula! Parece uma baiana de acarajé fantasiada de macumbeira...” Ela voltou para casa e eu nunca mais a vi. Perdi uma excelente trepada. Por isso amigo, eu digo e repito: seja o mesmo homem que fez a Sandrinha se apaixonar... Que a fez escolhê-lo para pai dos filhos dela. Seja o Pedro Ivo do nosso tempo de faculdade... Não se lembra de como éramos? Nós fazíamos uma dupla infernal.
— Você se lembra? No “Copos & Copos bar...” Nós...
Ao relembrar fatos passados os olhos de Pedro Ivo brilham, mas ao tentar expô-los foi interrompido por Rubens:
— Não! Foi no “Travessia”! Onde aquela menina cantava. Como é que ela chama... eu... porra, esqueci!
— Lembro, era Daniela Mércury...
— Ela mesma. Você se recorda que eu ofereci um buquê de rosas a ela e ela, finíssima, após o Show, veio me agradecer pessoalmente. Pena que ela já era casada e não me deu a menor bola...
— Como era mesmo que fazíamos ao chegar ao bar? UAUU, UAUU! — Pedro Ivo imitou o uivar do lobo. Rubens o acompanhou no uivar para a lua. Pedro Ivo notou que eles estavam sendo observados pelos outros freqüentadores do bar e, reprimindo-se, tentou refrear Rubens.
— Era ótimo, Rubens. Mas está todo mundo nos olhando.
— Fodam-se! Vim caçar e esse é meu grito de guerra.
— Contenha-se, Rubens. O dono do bar...
— Bobagem, Pedro Ivo. Olhe a lua, está linda, parece pratear a noite. Lembra-me até um poema de Ricardo Matos — Rubens levantou-se e declamou em alto e bom tom:
Esse luar que a lua reluz,
Transmuta do ouro a prata e seduz ao desfilar seu brilho roubado.
Puro luar, que a lua se reflete cheia, linda, nua e se faz minha.
Oh! Primorosa lua!
Estou aluado por amar o teu luar.
O público aplaudiu em salva, alguns de pé, Rubens fez referência, sentou-se, e aconselhou o amigo:
— Deixe seus instintos masculinos suplantarem suas frustrações pós-cabresto feminista. Viva! A morte é certa!, Pedro Ivo... — Jacaré! — Rubens gritou mais uma vez chamando o garçom que passava próximo. — Pode nos servir o carneiro agora, mas por caridade, sem os acompanhamentos supérfluos. Traga-me também a água de coco que você se esqueceu, seu mentecapto! — Já em um tom mais ameno, disse a Pedro Ivo:
— Você vai saborear o melhor rodízio de carneiro de toda a Bahia. Não! Minto! De todo o mundo!
— Espero. Estou faminto. — comentou Pedro Ivo e acrescentou — Peça com sua peculiar sutileza para que o distinto réptil nos sirva outra garrafa de uísque. Esta já secou.
Rubens se espantou. Não notara o quanto bebera e passou a se preocupar com o valor que seria cobrado na hora da conta.
— Porra!? Já acabamos a primeira!? Vou terminar a doze e peço um “velho oito”. Como você já sabe, eu não estou muito bom de grana.
Pedro Ivo vendo que belas jovens se enfileiravam na porta do sanitário quis impressioná-las e para se amostrar pediu o uísque na língua inglesa:
— That bill is mine. Ask if he wants the “White Horse”.
Rubens que, assim como eu, nada sabia da língua inglesa confessou:
— Não entendi porra nenhuma, amigo. Traduza? — A conta é minha, pode pedir até um “Cavalo Branco” se desejar...
— Não! Ficamos no “Teacher” — Rubens solicitou ao garçom que rondava a mesa: — Anfíbio! Não se esqueça da água de coco que até agora você não trouxe. E traga logo outra garrafa de “Professor”... E traga rápido!
— Sim, Rubens. Bons e velhos tempos... pena que passaram. — Pedro Ivo foi acometido por uma dúvida singular e perguntou: — Jacaré é anfíbio?
— Sei lá! — Rubens não queria perder tempo pensando sobre o assunto e continuava verbalizando sua tese — O que importa é que o tempo só passa fisicamente. Não! Meu espírito é o mesmo, é exatamente o mesmo dos outros tempos. Você é que se ‘aputou’ com a idade. Mas voltemos ao tema principal... Quer dizer que você vai largar aquele monumento de mulher. Vai jogar Sandrinha para as hienas.
— Não é bem assim, amigo. Eu ainda a amo. Amo demais meus filhos também. Mas minha vida está um inferno...
Com a aproximação do garçom Pedro Ivo se cala. O garçom, forra a mesa, põe sobre ela o outro litro de uísque, dois pratos, os talheres, a jarra com água de coco e um bilhete escrito num guardanapo de papel enviado por uma das jovens que os observava.
— Jacaré! —Rubens dirigiu-se ao garçom já alterado etilicamente e usando da cacofonia brincou: — vou-me já. Quando eu voltar, quero abrir com uma costelinha bem apetitosa e para meu amado amigo Pedro Ivo sirva o mesmo. Depois... Suma!
Rubens caminhou até o “palácio-de-Baco” se desviando das mesas lotadas. Estava imaginando algum argumento que convencesse ao amigo e cunhado a desistir da decidida separação. Após aliviar a bexiga, levou mãos e rosto e, no retorno à mesa que ocupava, buscou identificar quem enviara o bilhete. Ao chegar à mesa, notou Pedro Ivo ruborizado. As suculentas costeletas de carneiro já haviam sido servidas.
— Rubens, querido amigo, tem caçadoras na área. — Falou Pedro Ivo a Rubens, com um lasco de carne entre os dentes e se mostrando desconcertado com o assédio.
— Ótimo, mas primeiro as costelinhas... Leia-me o bilhete.
— Em voz alta? — Retrucou Pedro Ivo.
— Claro!, — ironizou Rubens, — em voz baixa eu não conseguirei ouvi-lo. Leia logo seu merda.
— É de sacanagem... — Pedro Ivo estava corado.
— Leia porra! Estou com as mãos ocupadas. — Exclamou Rubens já irritado com o constrangimento do cunhado.
— Ok! Lerei. Ainda acabrunhado Pedro Ivo lê: “Gatos, não estamos usando calcinha e vocês estão de costas pra gente”.
— Pedro, é para você se virar e identificar as moças. — Rubens limpou as mãos num dos guardanapos limpo, puxou a cadeira livre e a colocou na posição adequada para localizar as autoras do bilhete. Então ordenou: — Senta aqui e me mostre que você continua sendo homem. Não vá decepcionar seu velho amigo.
— Estou sem ação...— respondeu Pedro Ivo.
— Esse é o seu problema, amigo. Sirva-me um uísque, eu vou até a mesa. Mas já aviso: se tiver uma omoplata, ela é sua.
Rubens tentou se levantar, Pedro Ivo o segurou por alguns segundo e pediu:
— Senta! Vou mudar de lugar. Se valer à pena vou até lá. Mas que porra é omoplata? Traduza!
— Larga, chata e triangular.
Pedro Ivo sentou-se na cadeira previamente ajeitada. Observou duas jovens que aparentavam idade aproximada de 25 anos e concluiu,
— Duas gatas.
— De onde estou não dá pra ver direito. Elas estão realmente sem as calcinhas? —Perguntou Rubens curioso.
— Também não esta dando pra ver. Mas elas estão nos observando. Se eu for lá é separação garantida. Isso se Sandra não me matar primeiro.
— Vamos resolver primeiro a questão de Sandrinha. Aprenda com o mestre. Jacaré! —chamou Rubens o garçom — Traga-me já um catálogo telefônico.
O garçom ocupado ao servir outras mesas se fingiu surdo e continuou o trabalho.
— Rubens. Vou ligar para Sandra e avisar que estou com você. Sei que ela te adora. Ai você confirma que eu estou com você.
— Porra nenhuma. Você vai resolver sua vida hoje. Faço questão de ver você e Sandrinha numa boa. A hora é esta. Não preste satisfação alguma a ela. O que você vai fazer é seguir minhas ordens ao pé da letra. Garanto-lhe que você viverá feliz com sua família. Se não, eu o apresento a meu advogado.
— Olhe lá! Veja bem em que merda você vai me meter.
— Cabeça de gelo, cunhado. — Anfíbio duma figa — Gritou enfático Rubens — Cadê o catálogo? — E voltou suas atenções para Pedro Ivo — O que você vai fazer é pegar o celular, ligar pra floricultura e mandar elaborar dois buquês de rosas. Um buquê com rosas cor-de-rosa pra mesa das meninas, e outro arranjo com rosas vermelhas é pra você levar pra sua casa depois que sairmos do motel com essas duas. Vá lá no balcão. Pegue no catálogo o telefone da Floricultura Estrela Dalva. Peça as flores e mande botar em minha conta. Leve o número do meu C.P.F e diga meu nome e o endereço para entrega. Basta isso.
— Só isso?
— Não. Melhor... Mande escrever num cartão dizendo: “apaixonado por você”. Peça para entregarem as flores vermelhas em sua casa. Não é para assinar o cartão. Lembre-se: para sua casa as rosas vermelhas. E não assine o cartão.
— Você esta bêbado, Rubens. Você não disse pra não dar presentes sem motivo?, e por que isso de não assinar o cartão?
— Bêbado talvez eu esteja e isto não muda nada. As flores são para Sandra saber que você aprontou mesmo... que está disposto a assumir seu trono de volta, mas que ela ainda pode fazer parte de sua vida. É um tipo de válvula de escape para ela poder retroceder sem se humilhar... Daí, se você chegar em casa encontrar o vaso com flores e ela estiver esperando por você cheia de amores. Você salvou seu casamento. Se você chegar e não tiver flores no vaso. Você é corno. De qualquer jeito você resolve sua vida. Separa-se ou salva seu casamento.
— E o buquê com as rosas cor-de-rosa?
— Manda trazer pra cá e ofereça a que sorrir primeiro pra você. A outra eu encaro. Estou necessitado de uma secretária nova. Agora telefone e se mande pra mesa das moças antes que apareça um prego.
— Traduza prego.
— Um besta que encosta e não come ninguém, mas paga a conta e fica até as mulheres irem embora. Outra coisa antes de ir... É importantíssimo! Só pode dar uma. Mesmo que ela implore, só pode dar uma. A outra bibocada você guarda pra Sandrinha. Vá logo...





— Trim...Trim...
— Alô...
— As flores, cunhado! Elas estavam no vaso e a Sandrinha cheia de amores. Obrigado Rubens, tchau.


Ricardo Matos



http://ricardomatoscronica.blogspot.com/

Central Park - NY


Morro de saudades... de Tom a Vinicius


maira-parula:



Morro de saudades. Acordo de madrugada e fico vagando pela casa, tomando café e fumando com aquele sentimento esquisito de lack of rabanadas. Recebi tua carta hoje de manhã, agora mesmo, às nove horas, e faz um dia lindo. Aquele frio lá fora, o céu azul transparente mostra que a poluição diminuiu bastante… Para mim seis degraus centígrados é frio à beça. Corro para dentro e ligo o heat na toda, no clima supertropical de Ipanamo. Mas o ar fica seco, racha-violão. Só mesmo no banheiro, com o chuveiro quente ligado, nu, de camisa de meia, na umidade das nuvens de vapor quente, fazendo uma infinita barba, com aparelho, pincel e muita espuma e respuma, gilete nova, desligado, num mundo sem problemas, só fico assim mais como Ipanerma, Ipanoma, Ipaderma, Ipanonha, Aipinina, Ipatonha… Ipanhonha?


(Tom Jobim, em carta de 1965 a Vinícius de Morais, Los Angeles.)

Morro de saudades. Acordo de madrugada e fico vagando pela casa, tomando café e fumando com aquele sentimento esquisito de lack of rabanadas. Recebi tua carta hoje de manhã, agora mesmo, às nove horas, e faz um dia lindo. Aquele frio lá fora, o céu azul transparente mostra que a poluição diminuiu bastante… Para mim seis degraus centígrados é frio à beça. Corro para dentro e ligo o heat na toda, no clima supertropical de Ipanamo. Mas o ar fica seco, racha-violão. Só mesmo no banheiro, com o chuveiro quente ligado, nu, de camisa de meia, na umidade das nuvens de vapor quente, fazendo uma infinita barba, com aparelho, pincel e muita espuma e respuma, gilete nova, desligado, num mundo sem problemas, só fico assim mais como Ipanerma, Ipanoma, Ipaderma, Ipanonha, Aipinina, Ipatonha… Ipanhonha?
(Tom Jobim, em carta de 1965 a Vinícius de Morais, Los Angeles.)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

It Takes A Hell Of A Lot More Than Love...







I love wine, but it destroys my liver. I love pizza, but it makes my hips wider. I love him, but he makes me cry.

There are lessons we all wish we would never have to learn and one of them is that sometimes, we can fall in love with someone who is no good for us, someone who doesn’t belong in our lives.

Between Disney, Jane Austen and Nicholas Sparks, you might start to think that love could accomplish anything; that it could cure the sick, change the past and save the world. Unfortunately, in real life, this just isn’t so.

When we love a person, we don’t want to see his or her faults. We are inclined to forgive even the most egregious of crimes against us; in fact, we even begin to make excuses for them. He had a bad day, so it’s okay that he is treating me this way.

She is tired, so its okay that she never helps out. He didn’t mean to cheat on me — he just had a weak moment — a bunch of weak moments. I love them, so I’ll try to forgive them.

I once loved a boy who made me cry more than he made me smile. He was charismatic and could make me laugh. He was strong on the outside and mush on the inside.

We never saw eye to eye, but we definitely felt heart to heart. But, even though I loved him with every fiber of my being, we still lost everything. In the beginning, I thought I could fight for us forever, that our love was worth any cost.

But as time went by, I learned that there was a cost I couldn’t afford to pay. Three years later, I packed my bags and left, knowing that I had to stop loving him more than I loved myself.

The cycle of being hurt by someone and then forgiving wares on you until eventually, there is nothing left to ware. There will be good days when you will feel truly happy with each other.

But, are they worth all of the bad days? Can you wake up again and handle the uncertainty? The possibility that today could be another bad day?

There are a finite number of days that we all have to live, to love, to make our dreams come true. Time is not to be wasted crying in our pillows at the hands of anyone, especially someone who says that he or she loves us.

You may love drugs, but they could still kill you — it’s time to stop taking them before its too late.

The last thing you want is to wake up in five, 10 or 20 years only to realize that you can’t do it anymore; that you cant take another bad day. You could have spent those years being happy, chasing your dreams, having a successful career, loving someone who could love you back without hurting you.

Love is a wonderful, powerful thing, but at the end of the day, loving someone won’t change the fact that the person is a toxic component to your life. Breaking up and moving on is scary.

There will always be the fear that this love is it, that we will never find anything or anyone to make us feel the same way. But, we must be strong enough to know that we will be okay, that we cant stay with a person just because we love them.

Being in love is not enough to make a relationship work or last; it takes more than that. It takes trust and communication and empathy. It takes two people who are willing to give more than they take every day.

http://elitedaily.com/dating/love-isnt-always-enough/848055/

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

QUANDO A PRINCESA BEIJA O SAPO E O MARMANJO ABRAÇA O OGRO



Lula Afonso


"Um dia após TSE decretá-lo ficha suja, Paulo Maluf manda equipe sorrir". Muita gente se surpreendeu com esta curiosa manchete (FSP, 25/09/14) e, não menos, com a desenvoltura com que Maluf tem surfado com suas “verdades” no oceano de evidências que o incriminam. E nada lhe acontece! Os argumentos do nobre deputado realçam as dificuldades para se distinguir o que é veraz do que é falso e malicioso na cena política do país, ainda em rescaldo dos bombardeios recentes da propaganda eleitoral.




Amparado pelas notórias liberalidades pro reu da Justiça brasileira e em atitudes norteadas por seu peculiar marketing político, Maluf, solto como o vento, adota o sofisma maquiavélico de que “é melhor ser atacado do que ser ignorado” e simboliza a ética de balcão e a impunidade caixa-alta das nossas castas políticas, governamentais e togadas. Se ele sair do Brasil, entretanto, será preso em qualquer aeroporto de países onde não se costuma rimar Justiça com leniência.

O fato é que esse tal de marketing político de que Maluf é usuário tornou-se, nos anos recentes, o todo-poderoso alavancador de candidaturas no país, com sua incontestável capacidade de tornar palatáveis e levar ao (ou manter no) poder personagens de origem duvidosa, para dizer o menos. São candidatos desde sempre “diferenciados” não pelas qualidades, mas sim, pelo dinheiro que não lhes falta e pelo suporte de prestidigitadores de imagem de alta performance, munidos de estruturas sofisticadas que influenciam, decisiva e comprovadamente, a opinião pública, em especial nas faixas com menores oportunidades de polir a cidadania com a educação – o que, convenhamos, não é pouco neste país.



Que as parcelas despolitizadas e vulneráveis da população sejam a presa preferencial dos manipuladores midiáticos é bem mais compreensível do que a aderência incondicional de eleitores bem dotados de formação e informação a verdades de laboratório e a mantras monocórdios dedicados à hipnose política massiva, abandonando no caminho os proveitos intelectivos do contraditório e inculpando o mensageiro quando não é favorável a notícia..

Uns e outros segmentos, agora com a cabeça mais arejada, devem estar perguntando aos próprios botões o que há de real no perfil do candidato derrotado à presidência, modelado pelo marqueteiro-mor adversário e martelado dia sim e no outro também no horário eleitoral. Estereotiparam-no como cheirador de pó e playboy que nunca trabalhou, bate em mulher, dirige bêbado e tem ódio a pobre. Se eleito, governaria com os bancos e apenas para os ricos, acabaria com o Bolsa Família e com o Nordeste, além de privatizar a Petrobras; é aliado dos bandidos do Rio e construiu um aeroporto público em terreno da família, onde escondeu centenas de quilos de cocaína.



Um tanto pesado esse perfil, mesmo para o jogo bruto eleitoral, não é? Entretanto, consciente ou subliminarmente, parcela majoritária dos segmentos emergentes da população acreditou piamente nessas e noutras verdades de proveta, massificadas por técnicas de desconstrução de imagem engendradas com refinadas e vanguardistas ferramentas de comunicação. Poupemo-nos de resgatar aqui os perfis modelados pelos adversários para a candidata da “terceira via” (a coitada apanhou dos dois lados!) e para a presidente reeleita.

Deriva dessa idealização fake um momentoso problema para o reencontro da coerência no cotidiano republicano: passado o período da campanha, do viés engajado e dos filtros ideológicos e volitivos, muita gente boa continua embarcada nos consabidos libelos denegridores, menos lhes importando a realidade que se desvenda no pós-campanha, totalmente diferente das promessas mirabolantes e do mundo edulcorado criado pela propaganda.


Washington Olivetto

Ressalte-se que, no rescaldo de 2014, mais de 70% dos eleitores afirmaram que a campanha ultrapassou de longe os limites da razoabilidade, rebaixando o já combalido embate político-ideológico a estratégias de marketing focalizadas na degradação do inimigo (em lugar de adversário), não só expondo mazelas, mas, principalmente, criando factoides ou adulterando evidências que inventaram ou superestimaram facetas negativas e limaram presumíveis qualidades. Recursos que desequilibram também o pós-jogo e pouco aproveitam aos vencedores, aos vencidos e à própria normalidade republicana.

Aristóteles, Goebbels, Robespierre e João Santana: o que há em comum

Há que se considerar que, por mais que desqualifique adversários e modele com eficácia atributos e perfis positivos nos políticos por ele alavancados, o marketing não passa, em essência, de uma ferramenta de comunicação, desenvolvida com competência no Brasil e turbinada pelos avanços das tecnologias da informação.

Os seus fundamentos enraízam-se na técnica de persuasão que os gregos criaram e converteram em arte, a retórica, há mais de 25 séculos, apropriada pela Igreja a partir de 1622, quando o papa Gregório XV instituiu a "Congregatio de Propaganda Fide", uma comissão de cardeais para orientar a difusão da palavra cristã nas missões estrangeiras. Estudiosos localizam nesse evento a gênese da propaganda tal como a conhecemos.


Gregório XV

Nessa trilha longa e tortuosa, faz-se exemplar o discurso de Robespierre à Convenção em Paris, quando se julgava o destino do rei Luiz XVI, deposto pela Revolução Francesa: a eficácia retórica, elegância de estilo e eloquência catalisadora do orador mudou a maré dos convencionais e o próprio destino da Revolução: antes dele subir à tribuna, em 3 de dezembro de 1792, a Assembleia discutia a prisão ou a deportação do rei. No final da inflamada locução robespierriana, a cabeça real estava prometida à guilhotina. Algumas gemas raras colhidas no conteúdo: “Luís não pode ser julgado, já foi julgado. Está condenado, ou a República não está absolvida”; “Se Luís for inocente, todos os defensores da liberdade tornam-se caluniadores”; e “Não tenho por Luís nem amor nem ódio; odeio apenas seus crimes”. E o arremate fulminante: “Luís deve morrer, porque é preciso que a Pátria viva!”


Maximilien de Robespierre

Execução de Luís XVI

Séculos antes, Shakespeare lançara recursos retóricos símiles aos de Robespierre na laboração do discurso de Marco Antonio contra Brutus, líder do complô senatorial que resultou no assassinato de Júlio César, na peça clássica que lhe recebeu o nome. Com hábeis artifícios e eloquência bem dosada, ao lado do corpo do imperador, Antonio incendiou a opinião dos romanos e incitou, ali mesmo, uma rebelião popular que resultou na desgraça dos seus inimigos.

Assassinato de César

Nas décadas recentes, deu-se a incorporação de técnicas de convencimento derivadas, em grande medida, da assim chamada lavagem cerebral, cujas aplicações, aprimoradas no segundo grande conflito bélico mundial e na Guerra Fria que marcaram a metade do século XX, voltaram aos tempos áureos com as ruidosas catarses neopentecostais nos templos e nas mídias eletrônicas.

A saga da mentira convincente

Uma das primeiras evidências da nova ciência tornou-se-lhe fundamento: é tão fácil propagar a mentira quanto à verdade. Associado a outro paradigma (da lavra de Adolf Hitler), pelo qual "a mentira gritada bem alto, repetidas vezes, assume para o povo o status de verdade", firmou-se como basilar entre os profissionais da área. Conjugados, os dois princípios constituem, para muitos entendidos, a mãe de todas as manipulações.



Insere-se nessa seara a sempre lembrada – e sempre posta em prática – declaração do então ministro Rubens Ricupero, preconizando a praxe de ocultar ou camuflar o que é negativo ao governo e potencializar tudo aquilo que “joga a favor do nosso time”. Demitido pelo presidente na época, Itamar Franco, o ministro boquirroto não foi original em sua incontinência verbal.


Ricupero

Nas tenebrosas décadas de 30 e 40 do século XX, o mefistofélico chefe da propaganda nazista, Joseph Goebbels, regulava que “o objetivo da propaganda é salientar a verdade que nos interessa. Quando ela pende para o outro lado, só o aspecto que nos é favorável deve ser manifestado”.


Goebbels em campanha

Não por acaso o chefão da gangue, Hitler, anotou no livro-guia Mein Kampf que "a verdade tem que ser sempre adaptada para ajustar-se à necessidade". Nessa mesma linha, duas dezenas de séculos antes, Aristóteles já descobrira o caminho das pedras ao enunciar que "é melhor criar uma personalidade adaptável ao seu inimigo e resumir essa personalidade numa única imagem representativa”.

Aristóteles

Goebbels constatou que as massas detestam a ambiguidade e abstrações e substituiu, sempre, o argumento pela declaração. Ele universalizou técnicas da propaganda de massa que, utilizadas pelas ideologias totalitárias da época (aprimoradas pelo estalinismo por meio do manual soviético de psicopolítica), tornam-se curiosamente familiares nestes anos de globalização, claro que em formato lapidado, praticando-se a máxima de que a informação que “faz as cabeças” terá mais ampla aceitação quando mais vulgarmente apresentada.



Atualiza-se ainda, nas mídias modernas, outro achado goebbeliano, de que a palavra falada tem muito maior poder de influência que a palavra escrita e um discurso bem feito é infinitamente mais sugestivo que um bom editorial. Nos anos de agitação nacional-socialista, a comunicação massiva por meio do rádio foi o pé-de-cabra que abriu brechas na porta cognitiva da coletividade, por onde se fez passar mensagens passionais que seduziram as massas ditas civilizadas ao nível dos ratos seguidores do flautista de Hamelin. 

Está tudo registrado na história, assim como no conto de fadas. Hoje, as mídias eletrônicas e as redes sociais tocam adiante, em um só corpo, o verbo e a imagem.

Os novos demiurgos da comunicação de massa

Como dois grandes rios que se encontram e formam um terceiro mais caudaloso no misturar das águas, as vertentes política e comunicacional lidam com um par de evidências que se superpõem: a primeira é o triunfo de uma espécie de nova religião na esfera da publicidade, com sacerdotes pagos a peso de ouro e poderes para estabelecer regras a chefes de Estado, indicando-lhes as roupas que usam, fazendo-os decorar roteiros e falas, maquiando-lhes a imagem e ensaiando-lhes atitudes e gestos criteriosamente modelados para cada ocasião.

João Santana

A segunda evidência refere-se à desideologização do conteúdo – quando preexistente – nas hostes partidárias, redirecionado em função de um pragmatismo que faria corar o proto-anarquista Bakunin, a quem, indevidamente (como se comprovou mais tarde) foi atribuído o bordão-aríete de que “os fins justificam os meios”.

Mikhail Bakunin

Nessa nova dimensão do poder manipulador, a forma sobrepuja o conteúdo e, não poucas vezes, o substitui, no parecer do publicitário Washington Olivetto. Afirma-se o domínio absoluto e sedutor da emoção planejada para provocar reações profundas, nelas embutindo ou justificando razões de ocasião, construídas com técnicas de convencimento elaboradas para gravar nos corações e mentes do povão o posicionamento desejado, possibilitando dourar a pílula de candidatos e metamorfoseando, a não poucos, de batráquios em príncipes.

Esse novo poder evoca filmes de ficção científica relacionados à máquina que domina o homem que a criou: no nosso caso, a ferramenta comunicacional domina a ideologia a serviço da qual deveria estar engajada. Os aparatos do marketing emergem das coxias e ocupam posição central no palco, em nítida inversão de papéis em que o comando da política migra do ideário partidário para o pragmatismo de técnicas comunicacionais que, por origem e vocação, não ostentam bandeiras, posições nem ideologias, predestinadas que são a servas incondicionais do senhor que lhe apertar os botões em busca do poder.


Entre a razão, a crença e a sedução

O aparato publicitário define a plataforma de campanha de acordo com o que as pesquisas demonstram que a população quer, o discurso é modelado em função dos desejos captados, em processo que tem tudo a ver com as câmeras ocultas em gôndolas de supermercados para aferir o grau de dilatação das pupilas (aceitação, atenção) do consumidor ante produtos em prospecção. 

Os procedimentos de sedução passam por uma parafernália de processos modeladores e ferramentas como o photoshop, estratégias segmentadas para públicos idem, sondagens minimalistas, monitoramento e ajustes permanentes do produto às expectativas detectadas no público-alvo. Nada escapa à customização e flexibilização para atendimento às necessidades e demandas identificadas. O produto vem pronto para consumo e relativiza para baixo os traços diferenciadores e as aptidões dos candidatos, ajustando-os à aceitabilidade dos estratos sociais em mira. No cômputo final, as campanhas ficam parecidas umas com as outras e os candidatos parecem pasteurizados.


Os clichês e estímulos visuais repetem-se, sensibilizando o hemisfério direito dos cérebros desavisados. O candidato à reeleição visita obras com o indispensável capacete, é abraçado nas ruas por populares em êxtase, beija crianças, faz com eles selfies, acena, dão-se as mãos. Eles são treinados qual atores para se identificarem com as tendências da hora, vesti-las e até nelas acreditarem.

E o negócio funciona! Está explícito nas campanhas e, sobretudo, nos resultados, que favorecem os bem dotados em recursos que podem comprar, sim, consciências e até amor verdadeiro, como disse uma vez o mestre Nelson Rodrigues, intimista das reentrâncias que a alma esconde.


O momento supremo de confirmação dessas construções-frankensteins é quando o demiurgo, o candidato modelado e os seguidores passam todos a acreditar na criação – e poucos se tocam com as contradições por detrás da espuma. Essa relativização da verdade e do mundo fake têm tudo a ver, enfim, com o clássico chiste sobre a indagação do editorialista, quando o dono do jornal lhe encomendou uma matéria sobre Jesus Cristo: “Contra ou a favor, chefe?”


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