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domingo, 20 de janeiro de 2013

Poema com meio retrato mas sem Musas

 

Eu à espera de um poema. Porto (Majestic), Janeiro de 2010. Fotografia de José Ricardo Costa.
Eu à espera de um poema. Porto (Majes­tic), Janeiro de 2010. Foto­gra­fia de José Ricardo Costa.
 
São nove as Musas, eu sei,
de tanta gente bem podia
vir uma delas, não faço questão,
estender-me um poema embru­lhado em celofane,
rebu­çado de síla­bas que eu chu­passe devagar,
a deixar-me na boca um travo tem­pe­rado de café.
Mas nem uma se digna
a vir, ao menos, deitar-me den­tro da chávena
o sabor das pala­vras já pedidas.
Por isso, sigo as imagens.
Creio que por temas, não estou certa:
lago ou casa,
más­cara mortuária,
epi­tá­fios de água nas jane­las fechadas.
Espe­lhos (outra imagem)
por onde saio para o mundo dos meus versos,
com­pa­nhia de espec­tros ao fundo do quadro.
E mui­tas vezes me perco.
 
http://www.escreveretriste.com/
 

Envelhecer é Lixado

 

Três Vezes 20 Anos”, Julie Gavras
Enve­lhe­cer” é um tema espe­ci­al­mente difí­cil, em qual­quer arte. Phi­lip Roth domina-o. Julien Freud dominava-o. Johnny Cash, cer­ta­mente. No cinema, Berg­man é um caso espe­cial: todo o der­ra­deiro arco da obra do demiurgo sueco passa pelas ale­grias e frus­tra­ções da “ter­ceira idade”. Enve­lhe­cer a dois é um tema ainda mais com­plexo. “Make Way for Tomor­row”, de Leo McCa­rey (um mes­tre das comé­dias) é um grande filme sobre o assunto, mas quem quer hoje ver um melo­drama pun­gente de 1937 sobre um velho casal que é for­çado a separar-se por­que não tem dinheiro, e nenhum dos filhos está para o atu­rar? No cinema de aven­tu­ras, “Robin & Marian”, de Richard Les­ter, é um degrau notá­vel – Robin Hood (Sean Con­nery), aos 60 anos, está exausto, mas isso não o impede de per­se­guir Lady Marian (Audrey Hep­burn) até ao fim, ape­sar de esta só que­rer sopas e des­canso no con­vento mais pró­ximo. Em tem­pos recen­tes, “Another Year”, do bri­tâ­nico Mike Leigh, é um exem­plo bri­lhante do equi­lí­brio entre comé­dia, drama, cons­tru­ção e natu­ra­lismo, pela his­tó­ria de um casal no ocaso da vida mas radi­ante de fúria, sen­si­bi­li­dade, ale­gria, caos. Mas Leigh tem um segredo – é a receita do olhar sábio e obses­sivo sobre a rea­li­dade, do tra­ba­lho de meses na pre­pa­ra­ção com os acto­res, dos diá­lo­gos fal­sa­mente impro­vi­sa­dos – e Julie Gra­vras não o conhece. Sendo filha de Costa-Gavras, o mes­tre grego dos thril­lers de cons­pi­ra­ção polí­tica (“Z”, “Estado de Sítio”, “Mis­sing”, “O Enigma da Caixa de Música”), e ape­sar do ensaio grave, e ide­o­ló­gico, do filme de estreia (“La Faute à Fidel”), Julie parece incli­nada a fazer car­reira no melo­drama. “Três Vezes 20 Anos” é isso mesmo, o retrato de um casal bur­guês che­gado aos ses­senta anos (Wil­liam Hurt e Isa­bella Ros­sel­lini, ambos em forma), com três filhos, um cír­culo de ami­gos e uma vida de con­forto, mas con­fron­tado com o ine­vi­tá­vel: “Que fazer agora?”. O filme sugere que a melhor fór­mula para o enve­lhe­ci­mento é, sim­ples­mente, pros­se­guir, e viver – ou seja, não exis­tem fór­mu­las defi­ni­ti­vas. Há um charme ine­gá­vel, e um equi­lí­brio cor­recto entre sobri­e­dade e humor. Mas falta uma chama que ilu­mine as per­so­na­gens e os espec­ta­do­res numa direc­ção dife­rente. E depois dos ses­senta, ima­gino que essa chama é mais neces­sá­ria do que nunca: digam o que dis­se­rem, enve­lhe­cer é lixado.
 
Publi­cado na revista “Sábado”