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sábado, 4 de agosto de 2012

Recordar é viver

3 de agosto - STF retomou nesta sexta o julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão.

Merval Pereira4.8.2012

O feitiço acabou se virando contra o feiticeiro. Se a polêmica sobre o desmembramento do caso do mensalão na Justiça, levantada pelo advogado Marcio Thomaz Bastos, tinha a intenção imediata de implodir o julgamento no Supremo Tribunal Federal e, como efeito colateral, atrasar o processo a ponto de impedir que o ministro Cezar Peluso possa votar antes de se aposentar, o efeito foi outro.
O Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, ficou sozinho no palco, e sua acusação dominará o noticiário durante todo o fim de semana. A defesa, que dividiria com ele esse segundo dia de julgamento, só será protagonista dos trabalhos a partir de segunda-feira.
Nesse intervalo, ficará única para a discussão da opinião pública a peça acusatória de Gurgel, que fez relembrar os detalhes daqueles dias de crise política de 2005, quando a todo o momento surgia um fato novo para estarrecer a cidadania.
Diante da profusão de provas e evidências desfiadas pelo Procurador-Geral, fica muito difícil sustentar que o mensalão foi uma farsa, que nunca existiu.
Essa tese passou a ser mais facilmente disseminada nos anos seguintes à crise, quando o ex-presidente Lula se recuperou do golpe e passou a fazer um governo muito popular, que permitiu que mudasse de posição diante da maior crise de seu governo sem que lhe fosse cobrada mais rigorosamente essa incoerência.
Daquele homem arrasado que pensou em renunciar ao mandato no fundo de uma depressão, e que pediu perdão aos brasileiros, dizendo-se traído, ao líder arrogante que passou a defender todos os envolvidos e disse que se encarregaria de demonstrar “a farsa” do mensalão, que teria por objetivo derrubá-lo do poder, vai uma distância muito grande que nada justifica, a não ser a decantada capacidade do brasileiro de a cada quinze anos esquecer os últimos quinze anos, segundo Ivan Lessa ou, mais pessimista ainda, Millor Fernandes que dizia que a cada 15 minutos o brasileiro esquece os últimos quinze minutos.
Pois a acusação do Procurador-Geral Roberto Gurgel teve a virtude de relembrar as “tenebrosas transações” que ocorreram naquele período, desde os carros-fortes que carregavam a dinheirama dos mensaleiros até a lavagem do dinheiro em diversas modalidades financeiras e os saques na boca do caixa, tudo se encadeia, perfeitamente provado em perícias e documentos.
Diante do exposto, inclusive das confissões feitas rigorosamente por todos os acusados, fica impossível alguém afirmar que não houve uma movimentação ilegal de dinheiro entre o PT e seus aliados políticos, com a utilização de diversas manobras para mascarar as negociações.
A tese do mero caixa dois para pagamento de campanhas eleitorais fica fragilizada diante do sofisticado sistema de desvio de dinheiro público montado para irrigar os cofres dos partidos políticos, c om empréstimos fictícios e contas no exterior.
E, mesmo que fosse verdade, o desvio de dinheiro público é um crime que não se atenua com o objetivo final da aplicação do produto do roubo, mesmo que tivessem feito doação a uma obra de caridade ou ao Fome-Zero, conforme salientou o Procurador-Geral.
A acusação encarou também os comentários de que não haveria provas nos autos para condenar o ex-ministro José Dirceu, classificando-os de “risíveis”.
Para derrubar essa visão, Roberto Gurgel salientou que as provas testemunhais têm o mesmo valor das documentais, e citou a teoria do “domínio final do fato” do jurista Heleno Fragoso, que define o autor do crime como aquele que pode decidir quanto à sua realização e consumação.
“Nas palavras do Mestre, seria autor não apenas quem realiza a conduta típica, objetiva e subjetivamente, e o autor mediato, mas também, por exemplo, o chefe da quadrilha que, sem realizar a ação típica, planeja e decide a atividade dos demais, pois é ele que tem, eventualmente em conjunto com outros, o domínio final da ação”.
Para enfatizar que José Dirceu era realmente o “mentor, protagonista e idealizador” do esquema, Gurgel citou o testemunho de diversos políticos, líderes partidários e empresários que negociavam pessoalmente com ele “entre quatro paredes”, algumas vezes até mesmo no Palácio do Planalto.
Roberto Gurgel chamou a atenção para o fato de que os chefes de quadrilha não mandam ordens por escrito, não combinam os golpes por telefone ou por emails. E mesmo sem o chamado “ato de ofício” é possível definir a responsabilidade de José Dirceu no comando da quadrilha.

http://oglobo.globo.com/blogs/blogdomerval/

Inutil Paisagem. Elis & Tom

Inutil Paisagem

música: Antonio Carlos Jobim, voz Elis Regina .
Mas pra que
Pra que tanto céu
Pra que tanto mar,
Pra que
De que serve esta onda que quebra
E o vento da tarde
De que serve a tarde
Inútil paisagem
Pode ser
Que não venhas mais
Que não voltes nunca mais
De que servem as flores que nascem
Pelo caminho
Se o meu caminho
Sozinho é nada
É nada
É nada

A Love Supreme

Autor: Eliete Negreiros

A Love Supreme

No final dos anos 70, morei por três meses na cidade de Berkeley, Califórnia. Berkeley é uma cidade com clima universitário, gente de toda parte do mundo, muito bacana. Eu sempre gostei de estudar, e lá me senti em casa. Uma noite, fui jantar com uns amigos num pub e me tornei, por obra deste acaso, a cantora de um grupo de americanos que tocava música brasileira. Eles não acreditaram quando me ouviram cantarolar baixinho, em português, a canção que estavam tocando. Não lembro bem, mas acho que foi Carinhoso. Animados e surpresos, vieram até a minha mesa e me convidaram para ser a cantora do grupo. Aceitei.

Mas o que aconteceu de mais importante nesta minha estadia lá foi ter conhecido a música de John Coltrane. Havia uma pequena loja de discos de jazz onde eu encontrei um tesouro: um LP, The Best of John Coltrane. Comprei o disco, fui pra casa e quando coloquei o disco na vitrola não podia acreditar no que estava ouvindo: que som era aquele?

Aquele som, o sax de Coltrane, dizia, sem dizer, da minha procura, da busca do sentido da vida. Eu tinha acabado de me formar em filosofia, cantava e não sabia direito que caminho seguir, pensava que tinha que fazer uma escolha, ou isto ou aquilo, e não isto e aquilo. Só depois fui entendendo que era possível e muito bom conciliar os dois caminhos, a música e a filosofia.

A música de Coltrane me impregnou de um sentido existencial e religioso. Ouvindo sua música, parecia que minha alma enfim conseguia se libertar e sobrevoar- a mim mesma? a cidade? Minha alma vibrava com a melodia que o sax tocava. Ora calma e iluminada, com os desenhos lindos da melodia que Coltrane fez para sua primeira mulher, Naima, um dos mais belos temas do jazz.



Ora inquieta, em ziguezague, pura vibração, sheets of sounds, blue train.



Ora trêmula diante da imensidão do cosmos e do mistério do mundo. Havia na sua música uma inquietação existencial e estética que buscava libertação. Assim eu senti.

Coltrane nasceu na Carolina do Norte em 1926 e morreu ainda moço, inesperadamente, em 1967. Até seus amigos se surpreenderam com sua morte prematura. Um gigante do jazz. No início dos anos 50 tocou com as bandas de Dizzy Gillespie e Johny Hodges. Mas a sua grande e fulminante aparição foi ao lado de Miles Davis, que em 1955 o chama para fazer parte de seu quinteto. Coltrane torna-se famoso da noite para o dia com o solo que faz em Round about Midnight. Foi durante o trabalho no quinteto de Miles Davis que desenvolveram a improvisação modal, isto é, ao invés de ficar presa às possibilidades harmônicas, a improvisação passava a ser feita com escalas, o que produzia uma nova sonoridade e dava maior liberdade ao músico.



Em 1957, Coltrane trabalha com Thelonius Monk. Sobre esta parceria, Coltrane conta: “ Às vezes ele tocava um esquema de acordes alterados diferentes do meu, sendo que nenhum dos dois tinha algo a ver com a música dada. Nós saíamos um para cada lado e quando nos encontrávamos num determinado ponto, Monk salvava a situação. Várias pessoas nos perguntavam como é que nós conseguíamos nos entender. Não havia o que discutir, selecionávamos um esquema harmônico básico e depois cada um fazia o que queria.”



Nos anos 60, Coltrane forma seu próprio quarteto, do qual fazem parte McCoy Tyner, piano, e Elvin Jones, bateria, e grava o que viria a ser seu maior sucesso com o público: a versão de My favorite things, canção de Rodgers e Hammerstein, para o musical The Sound of Music (A Noviça Rebelde). Coltrane toca esta melodia no sax soprano, imprimindo um timbre acentuadamente anasalado, o que faz lembrar o som da zoukra, um instrumento de origem árabe, espécie de oboé oriental. Na interpretação que ele faz deste tema, a repetição obsessiva das notas da melodia cria uma sonoridade oriental, própria das ragas hindus e das escalas árabes, que através da repetição das mesmas notas induz ao êxtase místico .



Em 1964, Coltrane grava com seu quarteto a peça jazzística A Love Supreme, obra mística, por muitos considerada sua obra prima.

Para Coltrane, podemos dizer que a música, como o amor e a religião é experiência mística, é elevação. Não é à toa que o nome de um de seus últimos e mais radicais trabalhos é Ascension. Se pensarmos que o espírito é o que vivifica a matéria, o que anima o corpo, o que o põe em movimento, a gente vê a íntima afinidade entre ambos. A música, como o espírito, é invisível, incorpórea e dá ânimo, co-move aquele que a escuta e aquele que a executa. Não é a toa que a música é um elemento fundamental da religião, principalmente da oriental, onde através do canto ou da dança - os sufis e seu rodopiar incessante - a pessoa atinge o êxtase religioso. Alguma coisa desta natureza nos acontece quando ouvimos sua música.

Acho que podemos ver no desenvolvimento de sua arte uma ascese mística, em que ele parte do que ainda tem estrutura em direção à ausência de limite, de definição. Sua música rompe os limites da tonalidade, melodia e ritmo se fundem e ela vai rumo ao infinito, reino do que não tem limite, do que não tem forma. Fim e início de tudo, a música, como o amor, é para ele transcendência: ouvir John Coltrane é uma espécie de iluminação.



http://revistapiaui.estadao.com.br/blogs/questoes-musicais/geral/a-love-supreme

Gentileza em família

Uma disputa em torno da genética do altruísmo e da origem da bondade
por JONAH LEHRER
 
 
O morcego-vampiro surge da caverna na hora mais escura da noite, depois que a lua se põe. Voa baixo, percorrendo toda a área, seguindo rastrosde cheiro e usando seu sonar. Quando encontra uma vítima – ele se alimenta da maioria dos animais de sangue quente, de passarinhos até cavalos e vacas –, começa a perseguição. Aterrissa em silêncio a 1 ou 2 metros da presa e, em seguida, avança em direção ao som de uma veia pulsante. Dois dentes, mais afiados que um bisturi, cortam a carne. O sangue escorre do ferimento; o morcego o lambe. Às vezes ele chega a consumir o equivalente a seu próprio peso em sangue durante uma única noite.
Embora o morcego-vampiro costume ser visto como um predador sanguinário, ele interessa aos biólogos por outra razão: é um animal profundamente altruísta. Essa espécie vive em enormes colônias, com centenas ou milhares de indivíduos dividindo a mesma caverna escura. Os morcegos precisam se alimentar constantemente – eles morrem de fome se ficarem sessenta horas sem comer –, o que os levou a desenvolver uma maneira inusitada de compartilhar o alimento. Se um morcego não consegue encontrar uma vítima durante a noite, ele começa a lamber debaixo das asas e dos lábios de algum outro membro da colônia. Os dois animais então unem as bocas e o caçador bem-sucedido começa a vomitar sangue quente na garganta de seu companheiro. Sem essa partilha de alimento, cientistas estimam que mais de 80% dos morcegos-vampiros adultos morreriam de fome todos os anos.
Charles Darwin considerava o problema do altruísmo – o ato de ajudar alguém, mesmo a um alto custo pessoal – como um desafio potencialmente fatal para sua teoria da seleção natural. Se a vida fosse uma cruel “luta pela existência”, como um indivíduo altruísta poderia viver o tempo suficiente para se reproduzir? Por que a seleção natural iria favorecer um comportamento que reduz nossas chances de sobreviver? Em A Origem do Homem, Darwin escreveu: “Os indivíduos que preferiam se sacrificar a trair seus companheiros – como muitos selvagens faziam – frequentemente não deixavam descendentes que pudessem herdar sua natureza nobre.” E, no entanto, como Darwin sabia, o altruísmo está por toda parte – uma teimosa anomalia da natureza. Os morcegos alimentam seus companheiros famintos; as abelhas cometem suicídio dando ferroadas para defender a colmeia; os pássaros criam filhotes que não são seus; o ser humano pula nos trilhos do metrô para salvar gente estranha. A onipresença desses comportamentos sugere que a bondade não é uma estratégia derrotista para a vida.


NOTA:
Excelente artigo que podem seguir lendo em: http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-70/questoes-de-sociobiologia/gentileza-em-familia muito longo para o blog... regina

Cultura, política de Estado

E a Cultura?


 

EDUARDO PORTELLA


Cumpre repensar a mídia eletrônica, longe de conceitos patrimonialistas de integristas e de preconceitos intelectuais das academias engessadas


São válidos, mesmo que contraditórios, os recentes debates sobre o lugar da cultura hoje.
Cabe ao Ministério da Cultura a função de operar políticas públicas enraizadas e promissoras, tornando-se inadiável formular, ver e rever o seu percurso, selecionar questões pertinentes, absorver formas de criação e compreensão. Talvez deva mesmo situar a sua política cultural no contraponto de ação-reflexiva e reflexão-ativa.
O modelo predominante vinculava claramente estabilidade econômica e desenvolvimento. Mas o desenvolvimento já não é uma empresa de alguns, e sim um empreendimento de todos. Por isso mesmo deixou de ser operação contábil para se transformar no esforço radical de qualificação.
É preciso elaborar indicadores qualificativos, capazes de reequilibrar ou até de civilizar a voracidade dos indicadores quantitativos. A cultura perde a sua força vital toda vez que adota a economia como padrão ou referência compulsiva.
Não podemos ignorar que herdamos um pesado deficit cultural que vem de longe. A reversão desse quadro clínico desfavorável deve ser rigorosamente priorizada, o que exige a inclusão da cultura como trabalho social avançado.
É preciso incluir a fatura cultural no empenho de reprocessamento da fratura social. É verdade que o Estado não produz cultura (graças a Deus!), mas pode ter função democratizadora no estímulo, na distribuição e no consumo.
Ao Estado, consciente de ser um mediador social, igualmente voltado para a prestação de serviços públicos, cumpre: contribuir ativamente para a desobstrução dos canais de transmissão existentes e apoiar outros novos meios; formar novas plateias, implantando e ampliando auditórios formais e informais; vitaminar a procriação cultural, mediante a seleção criteriosa de projetos instauradores; e estabelecer um novo repertório de endereços e núcleos culturais.
Sobretudo, cumpre repensar a mídia eletrônica despreconceituosamente, longe dos conceitos patrimonialistas dos integristas e dos preconceitos intelectualistas das academias engessadas. Patrimônio cultural, sim; fundamentalismo, não. Indústria cultural, por que não? Sem o esvaziamento contundente da complexidade.
Tudo isso passa pelo livro, pela leitura em campo aberto, pelas bibliotecas, pelas salas de cinema e de teatro, pelo vídeo, pelos cultos diversos, pela cultura do videoclipe, pelas lonas do circo, pelas quadras e pelos terreiros, pelos estádios esportivos e assim por diante.
Passa antes pela compreensão de que cultura é coisa séria. Para começo de conversa, cultura deve ser política de Estado, mas de Estado socialmente enraizado.
Vale lembrar algumas recomendações, talvez redundantes: reforçar o orçamento do MinC; ampliar as iniciativas interministeriais; descentralizar mais as ações do ministério; reoxigenar os fundos de cultura; trabalhar as emendas parlamentares para ganhar mais musculatura financeira, longe do clientelismo e da propaganda enganosa; reforçar a compreensão federativa.
Isso sem esquecer de que fins e meios devem ser calibrados cuidadosamente. À cultura cabe alistar-se na frente comum do hoje e do amanhã, como parte integrante do processo, e ajudar a devolver a confiança no país. Ela dispõe de condições potenciais.


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