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sábado, 4 de fevereiro de 2012

Fernando Pessoa - Completo (quase)

A água chia no púcaro que elevo à boca

A água chia no púcaro que elevo à boca.
«É um som fresco» diz-me quem me dá a bebê-la.
Sorrio. O som é só um som de chiar.
Bebo a água sem ouvir nada com a minha garganta.

"Poemas Inconjuntos". Poemas Completos de Alberto Caeiro.

Quatro Personalidades Pessoanas



Fernando Pessoa não só criou seus heterônimos como estabeleceu para cada um deles, uma biografia própria. É através destas biografias que podemos verificar quão diferentes eles se apresentam.


Fernando Pessoa
(O Ortônimo)
"Há sem dúvida quem ame o infinito."

Fernando Antônio Nogueira Pessoa nasceu às 3 horas da tarde do dia 13 de junho de 1888, no 4º andar de um prédio do Largo de São Carlos em Lisboa. Faleceu no dia 30 de novembro de 1935 no hospital de São Luís em Lisboa, acometido de perturbações hepáticas.
O ortônimo escreveu Mensagem, em 1935, onde se revela nacionalista místico. Também escreveu. Quinto Império, onde transparece seu sonho sebastianista e monarquista. Escreveu ainda: Cancioneiro, onde se apresenta lírico e desencantado; Poemas Dramáticos; e 35 Sonnets, onde se revela ocultista, abúlico, amante do mistério.
Através da poética, revela-se dialético, ao exercer, ao exercer a intelectualização da sensação; paúlico, quando trabalha um simbolismo lúcido e consciente, um passo à frente do saudosismo; interseccionista, quando aperfeiçoa mais o simbolismo através da subjetividade excessiva, da síntese elevada ao máximo e através do exagero da atitude estática e da mescla de sensações; lúcido, e angustiado por ser lúcido; e Platônico: Cultivador do vago, do complexo e do sutil. Mais que os heterônimos, o ortônimo tem uma atitude perspicaz de ver as coisas.
Também tende para o gosto pelo que é maneirista, conceptista, pelo uso do paradoxo, daí apresentar-se tradicional e moderno ao mesmo tempo.
Segundo o Professor Linhares Filho, as duas principais características da sua modernidade seriam: a consciência do fazer artístico e a prevalência do apolíneo sobre o dionisíaco, no elaborar-se poético.
Sensacionista, o ortônimo nos mostra como sentir a paisagem, pois, para ele, todo objetivo é uma sensação nossa, toda arte é conversão da sensação em objeto, toda arte é conversão da sensação em sensação.
O próprio Pessoa apresenta cinco condições ou qualidades para entender os símbolos do ortônimo: a simpatia, a intuição, a inteligência, a compreensão e a graça. Depois conclui que:
"Todo estado de alma é uma paisagem. 
Uma tristeza é um lago morto dentro de nós.  
Assim, tendo nós, ao mesmo tempo, consciência do exterior 
e do nosso espírito, e sendo nosso espírito uma paisagem, 
temos ao mesmo tempo consciência de duas paisagens."
Como se vê, um espírito tão rico e até paradoxal como o de Pessoa não podia se resumir numa só personalidade. Daí o surgimento de muitos heterônimos, principalmente o de Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro de Campos.


Ricardo Reis
"Há sem dúvida quem deseja o impossível."

Ricardo Reis nasceu em Lisboa, às 11 horas da noite do dia 28 de janeiro de 1914. Foi discípulo de Alberto Caeiro, de quem adquiriu a lição de paganismo espontâneo. Há informação dando conta de que teria embarcado para o Brasil em 12 de outubro de 1919. Em Ricardo Reis,
"Há a renúncia de quem atingiu 
os píncaros da humana lucidez 
e abstrai seus conceitos de impermanência e símbolos 
da contemplação voluntária de uma natureza 
quem o homem iguala 
à essencialidade ideal que lhe basta"
Esse heterônimo pessoano, numa arte poética particularmente sua, procurou sempre o mais alto, o impossível até, para encrustar uma poesia refinada, concisa, elíptica, cunhada em linguagem esmerada e com vocabulário algo alatinado. São antológicas, suas modernizadas odes horacianas: "Lídia", "Coroai-me de Rosas", "O mar Jaz" e "Sábio é o que se Contenta", todas de 1914. De 1916 são mercantes: "Não a Ti, Cristo" e "Não a Ti, Cristo, Odeio...". Nestas odes, prevalece o apolíneo comprovado por uma moderna consciência do fazer artístico. Muitas delas apareceram primeiramente publicadas na revista Athena e, principalmente, na Presença, sempre indiferentes ao social, mas acentuadamente consciente da efemeridade da vida.
Reis leva o paganismo de Caeiro à sua expressão mais ortodoxa, através de um neoclassicismo neo-pagão consciente, cultivando a mitologia greco-latina. Clássico por excelência, idealista e platônico no amor, constata o efêmero da vida e anseia, no íntimo, por uma fenomenológica eternidade terrena.
Segundo Linhares Filho, sob a perspectiva do ser, pode-se dizer que Ricardo Reis ama o impossível, mas sob a perspectiva do "Parecer", ele
"ama o infinito porque mais do que todos 
se apega à vida, desejando-a infinda, 
sob a simulação de resignar-se com a transitoriedade."
Como se observa, amando o impossível ou o infinito, Ricardo Reis sempre procurou os píncaros, como a fugir (fingindo) de uma realidade terrena que verdadeiramente queria viver, eternamente.


Alberto Caeiro
"Há sem dúvida quem não queira nada."

Alberto Caeiro da Silva nasceu em Lisboa, em abril de 1889, e na mesma cidade faleceu, tuberculose, em 1915. Passou quase a vida inteira numa quinta de Ribatejo. Lá escreveu O Guardador de Rebanhos e uma parte de O Pastor Amoroso, que não foi completado. No mesmo local, escreveu ainda alguns poemas de Poemas Inconjuntos, vindo este a se completar já em Lisboa, quando lá o autor voltou, já no final da vida. Aliás, da vida de Caeiro não há o que narrar; sua vida e seus poemas se confundem.
Simples, Caeiro parte do zero, quando regressa a um primitivismo do conhecimento da natureza. Mestre de Ricardo Reis e Álvaro de Campos, a eles ensinou a filosofia do não filosofar, a aprendizagem do desaprender. Compôs uma poética da contemplação, hiperbólica, de linguagem espontânea, discursiva, e prosaica, por extirpar do texto, ao máximo, a conotação tradicional. Considerando o mais contraditório dos heterônimos, atinge o poético pelo apoético, ou seja, conota quando denota, já que usa o inusitado.
Este heterônimo pessoano, diante da possibilidade de se infelicitar com o sol, os prados e as flores que contetam com sua grandeza, procura minimizá-los, comparando-os com eles próprios. Nessa redução do mundo, fica mais latente o "nada". Daí ser ele o heterônimo que nada quer. Mesmo assim, enquanto tenta provar que não intelectualiza nada, é que mais intelectualiza entre as personalidades pessoanas, parece usar o raciocínio sem querer demonstrar isso. Daí ser o mais infeliz, por restringir o mundo, além de fugir do progresso e a ele renunciar.
Caeiro faz uma poesia da natureza, uma poesia dos sentidos, das sensações puras e simples. Foi por isso que procurou, na serra, sentir as coisas simples da vida com maior intensidade.
Sendo o mais intelectualizado entre as personalidades pessoanas, Caeiro foi o que menos se preocupou com o trabalho formal do poema. Daí o comentário crítico do seu discípulo Ricardo Reis:
"Falta nos poemas de Caeiro 
aquilo que deveria completá-los a disciplina exterior. 
Não subordinou a expressão 
à uma disciplina comparável àquela a que subordinou, 
quase sempre, a emoção e sempre, a idéia."
Como afirma Reis Caeiro, sem muitas preocupações formais, foi o filósofo das personalidades pessoanas. Mesmo o tempo todo não querendo nada e trabalhando o lado mais simples da linguagem, a denotação, conseguiu, de maneira surpreendente, elaborar um inusitado monumento poético.

Álvaro de Campos
"Três tipos de idealistas e eu nenhum deles."

Álvaro de Campos nasceu em 15 de outubro de 1889. Engenheiro, inquieto e sensacionista, representa a parte mais audaciosa a que Pessoa se permitiu, através das experiências mais barulhentas do futurismo português, inclusive com algumas investidas no campo da ação político-social.
Para tanto, fez a adoção do cotidiano através do versilibrismo, integrando-se à civilização da máquina com o dinamismo e a inquietude do pós-guerra (la guerra). Essa atitude comprova a sua consciência moderna do fazer artístico, preocupada com o existencial, e, principalmente, com o aproveitamento do que é possível de se extrair da emoção.
A trajetória poética de Álvaro de Campos está compreendida em três fases. A primeira, da morbidez e do torpor, é a fase do "Opiário", oferecido a Mário de Sá-Carneiro e escrito enquanto navegava pelo Canal do Suez, em março de 1914. A segunda fase, mais mecanicista e Whitmaniana, é onde o Futurismo italiano mais transparece num aclimatamento em terras de Portugal. Nessa fase, Campos seria,
"Um Whitman com um poeta grego dentro.  
Pois Pessoa o coloca numa dupla seqüência: 
a de uma arte orientada pelo ideal grego 
e a dos cantores de hinos a civilização moderna 
e sensações por ela provocadas."
É nessa fase onde a sensação é mais intelectualizada. A terceira fase, do sono e do cansaço, aquela que, apesar de trazer alguma coloração surrealista e dionisíaca, é mais moderna e equilibrada se apresenta. É nessa fase em que se enquadram: "Lisbon Revisited" (l923), "Apontamento", "Poema em Linha Reta" e "Aniversário", que trazem, respectivamente, como características, o inconformismo, a consciência da fragilidade humana, o desprezo ao suposto mito do heroísmo e o enternecimento memorialista.
O que se constata, finalmente, é que Álvaro de Campos, a despeito de intelectualizar as sensações e apresentar laivos surrealistas, é a personalidade pessoana que mais se aproximou de uma poesia realista, e, também, quem mais foi marcado pelos caracteres da modernidade.

http://www.jornaldepoesia.jor.br/pessoa.html

vida e obra do poeta Fernando Pessoa

Quando morreu, em 1935, aos 47 anos, Fernando Pessoa tinha apenas um livro de versos em português, "Mensagem" (1934), e alguns poemas espalhados pela imprensa. Foi o suficiente para ser saudado como o "grande poeta de Portugal".
Nas décadas seguintes, contudo, descobriu-se que isso era apenas uma ínfima parte da produção de Pessoa. Além de um conjunto de textos inéditos, veio à tona que os heterônimos iam muito além dos já conhecidos Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos.
Esse baú secreto ganha agora as páginas da "Fotobiografia de Fernando Pessoa", livro com texto do americano Richard Zenith, especialistas em Pessoa, e organizado pelo português Joaquim Vieira.
O poeta Fernando Pessoa aos 12 meses, aos 13 anos, na África do Sul, e adulto, em 1914
O poeta Fernando Pessoa aos 12 meses, aos 13 anos, na África do Sul, e adulto, em 1914
O livro reúne mais de 400 imagens, incluindo fotos raras do poeta, sua família e amigos, além de manuscritos, diários, documentos, cartas e recortes de jornais.
Vieira pesquisou em arquivos de Lisboa para encontrar fotos dos lugares nos quais o poeta morou e trabalhou.
Zenith fez o mesmo em Durban (África do Sul), onde Pessoa viveu dos sete aos 17 anos. "Nenhum dos edifícios em Durban onde ele morou ou estudou existe hoje. Não foi nada fácil desencavar as fotografias", conta Zenith.
Pessoa raramente se referia aos anos que passou em Durban, mas, para Zenith, é fundamental a influência dessa fase na obra do autor.
"A cultura e o ambiente de Durban, bastante europeu e mesmo anglo-saxônico, marcaram muito o rapaz. O sentido de humor de Pessoa é mais inglês do que português, por exemplo."
Para os fãs do poeta, são muitos os atrativos. O primeiro poema conhecido de Pessoa, escrito aos sete anos, aparece transcrito. A vocação precoce também se manifestava nos jornais que criou, como "O Palrador" (1903).
Da fase adulta é possível ler as cartas trocadas com Ofélia, seu único relacionamento amoroso conhecido, manuscritos de poemas famosos e mapas astrais que fez para ele mesmo, seus heterônimos e seus autores favoritos, como Shakespeare.
Outro fato curioso relatado pelo volume diz respeito à censura sofrida por Pessoa em 1935, durante o Estado Novo português, por conta de um texto em que criticava o projeto de lei que visava suprimir a maçonaria.
Uma circular dos Serviços de Censura à Imprensa, emitida em fevereiro daquele ano e reproduzida no livro, proibia referências ao artigo.

FOTOBIOGRAFIA DE FERNANDO PESSOA
AUTOR Richard Zenith

Quem deve usar o banheiro feminino? Laerte responde

Esta terça-feira (31) fez exatamente uma semana que o cartunista Laerte Coutinho, 60 anos, foi repreendido por usar o banheiro feminino na Real Pizzaria e Lanchonete, em São Paulo. Bissexual assumido, Laerte se veste de mulher há três anos e já tinha usado o banheiro feminino da lanchonete antes. Mas, diante da queixa de uma cliente que não gostou de vê-lo saindo do mesmo toalete onde estava sua filha pré-adolescente, acabou ouvindo do gerente da casa que seria melhor se “ele usasse o outro banheiro”.
"No mundo normal, homem vai em banheiro de homem e mulher em banheiro de mulher. Quebrei com isso", diz o cartunista Laerte
Conheço o cartunista desde menina. Fomos vizinhos durante anos, numa vila em Pinheiros, e eu costumava andar de skate e bicicleta com dois de seus filhos. Sei que ele não tem medo de polêmica. Aliás, assim como eu, acho que até gosta de uma. Mas – mesmo acreditando que cada um deveria ter o direito de fazer o que quiser no banheiro que quiser – estranhei quando li nos jornais que Laerte ia processar o estabelecimento e organizar um banheiraço (versão toalete do beijaço que militantes GLTB fizeram há alguns anos no Shopping Frei Caneca).
Será que o de fato de um homem se vestir de mulher o outorga o direito de usar o toalete feminino? E eu? Se me vestir de homem posso frequentar o banheiro masculino? Fiquei com isso na cabeça o fim de semana todo. Discuti com o lado mais moralista (e com o mais libertário também) da minha família e não cheguei a nenhuma conclusão. Então, resolvi ligar para o Laerte e fazer a pergunta para ele. A resposta foi:
“Se você, Marina, colocar um terno, não vai cruzar a linha do transgênero. Vai continuar sendo uma mulher, só que vestida de homem. Eu não. Sou transgênero, cruzei a linha da identidade de gênero, e gênero não é só genitália. É mais amplo, fala de toda uma identidade sexual. Por isso tenho de usar o banheiro do outro sexo”.
Entendi o argumento. Mas ainda me parecia absurdo que ele processasse a Real, que frequenta há anos , só por causa disso. É mais lógico que as pessoas achem estranho Laerte usar o banheiro feminino, do que ele, que é um cara moderno, de cabeça aberta, se espantar com a reação das pessoas.
“Não vou processar, mas vou parar de freqüentar”, disse o cartunista. “Levei o caso à Secretaria da Justiça do Estado porque a lanchonete feriu a lei estadual 10.948/2001, sobre discriminação por orientação sexual ou identidade de gênero. Os proprietários vão ser chamados para uma conversa ou medida sócio-educativa, nada além disso”, afirmou.
A questão de gênero presente na mais recente charge de Laerte, em seu blog pessoal
Para mim, continuava sendo exagero. Mas Laerte me mostrou um outro ângulo da polêmica: “Você já pensou que esta senhora que ficou incomodada comigo na verdade estava usando a filha como laranja do próprio preconceito? No mundo normal, homem vai em banheiro de homem e mulher em banheiro de mulher. Ela que não aguentou que eu quebrasse essa lógica e transferiu isso para a filha. A menina nem sabia que eu era homem. Deve ter pensado que eu era uma senhora qualquer. Ou, no máximo, a Iriny (Lopes, ministra da Secretaria Especial de Direitos para Mulheres, com quem o cartunista foi comparado por sites de humor)”, disse ele, rindo.
A parte menos engraçada da piada, e que me fez sentar para escrever esse post, é que o cartunista chegou a ser ameaçado por internautas em seu site, o Muriel Total, e em seu perfil no Twitter. “Teve gente dizendo que ia me cobrir de porrada”, afirmou Laerte. “Alguns ataques chegam a dar medo de verdade”. Será que não é hora de pensarmos sobre a real utilidade das plaquinhas que separam homens e mulheres no banheiros de bares, teatros, restaurantes e cinemas?
Que riscos reais um crossdresser oferece ao frequentar o banheiro do sexo oposto? Saber que na cabine ao lado da sua tem uma lésbica, um trans ou um bissexual faz alguma diferença? De verdade, gostaria muito da opinião de vocês sobre isso.

Por Marina Caruso

Morning - Esperanza Spalding

Amor Amor - Lolita Flores

das leituras dos tempos que correm, sobre o amor



- Não! É inútil evitares-me.
- Eu não te evito, Carlo!
- Evitas-me! E, no entanto, temos de falar , como antes quiseste falar tanto, em vez de me amares como eu te amava.
- E como devia eu amar-te, Carlo? Em silêncio, deixando-me adorar como uma estátua?
- Mas o amor é mistério, silêncio. Em silêncio eu venerava-te. Bastava-me olhar para ti para ser feliz dias a fio. Não precisava de falar. O amor é um milagre e, como tal…
- O amor não é um milagre, Carlo, é uma arte, um ofício, um exercício da mente e dos sentidos como outro qualquer. Como tocar um instrumento, dançar, fabricar uma mesa.
- Tu queres dizer o sexo.
- E não é amor, o sexo? O amor e o sexo são filhos um do outro. O que é o amor sem sexo? Uma veneração de estátuas, de Virgens. O que é o sexo sem o amor? Apenas uma batalha de orgãos genitais.
- Mas então tu negas a substância imaterial do amor? Negas a sua espontaneidade e o facto de ser mais autêntico, puro, milagroso, quanto mais nascer espontâneo.

(Goliarda Sapienza, A Arte da Alegria)



“a arte da alegria” arrancou-me às leituras moribundas do último mês e deixou-me completamente viciada. é terrível. estou a ler e penso “não acredito que isto vai acontecer” e não é que acontece mesmo?
no centro da trama temos Modesta que consegue escapar a uma vida de miséria e tornar-se uma “princesa”. pelo caminho mata e casa-se com um príncipe autista que viveu metade da sua vida encerrado num quarto. e isto é só o princípio… o romance é atravessado por uma sensualidade extrema – Modesta vive a sua sexualidade sem qualquer tipo de constrangimentos. assistimos à vida de Modesta desde o seu nascimento e com ela acompanhamos as revoluções políticas que têm lugar na primeira metade do século XX, numa Sicília atravessada pela emergência do socialismo e do anarquismo, pela ascensão do fascismo e pelos movimentos feministas e de libertação sexual.
Goliarda Sapienza demorou 10 anos a escrever este romance que só acabaria por ser publicado 6 meses após a sua morte, em 1966. Tem um lugar cativo na literatura italiana do século XX.

Ler poesia devia ser...



Poesia por Inês Fonseca Santos
AS COISAS LENTAS

Fumo demasiado depressa
o meu cigarro apagado.
Os cigarros fumam-se lentamente
ao espelho fixando um único dos nossos rostos.
Pois bem: na casa só nos cacos há reflexos. Os rostos suspendem-se
entre nós e nós, as letras das palavras. Os rostos aguardam-se,
observam-se, ao longe. E não há fumo que os evole..
Talvez por isso: nunca aprendi a acender um cigarro
por ser absolutamente desnecessário aprender a aprender a acender
um cigarro. Na casa onde tu fumavas
cada cigarro era uma letra. De cada vez que o filtro te tocava
os lábios eu perguntava: como te chamas? À superfície
do teu espelho, o teu vagar respondia-me
até ao esquecimento de nós.
Talvez por isso: tento acender um cigarro. Apago-o antes
que me chegue aos lábios.

Inês Fonseca Santos

POSSIBILIDADES



Prefiro cinema.
Prefiro os gatos.
Prefiro os carvalhos nas margens do Warta.
Prefiro Dickens a Doistoievski.
Prefiro-me gostando dos homens
em vez de estar amando a humanidade.
Prefiro ter uma agulha preparada com a linha.
Prefiro a cor verde.
Prefiro não afirmar
que a razão é culpada de tudo.
Prefiro as excepções.
Prefiro sair mais cedo.
Prefiro conversar com os médicos sobre outra coisa.
Prefiro as velhas ilustrações listradas.
Prefiro o ridículo de escrever poemas
ao ridículo de não escrever.
No amor prefiro os aniversários não redondos
para serem comemorados cada dia.
Prefiro os moralistas,
que não prometem nada.
Prefiro a bondade esperta à bondade ingénua demais.
Prefiro a terra à paisana.
Prefiro os países conquistados aos países conquistadores.
Prefiro ter abjecções.
Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem.
Prefiro contos de fada de Grimm às manchetes de jornais.
Prefiro as folhas sem flores às flores sem folhas.
Prefiro os cães com o rabo não cortado.
Prefiro os olhos claros porque os tenho escuros.
Prefiro as gavetas.
Prefiro muitas coisas que aqui não disse,
e outras tantas não mencionadas aqui.
Prefiro os zeros à solta
a tê-los numa fila junto ao algarismo.
Prefiro o tempo do insecto ao tempo das estrelas.
Prefiro isolar.
Prefiro não perguntar quanto tempo ainda e quando.
Prefiro levar em consideração até a possibilidade
do ser ter a sua razão.


Wislawa Szymborska, in "rosa do mundo"


No carnaval, esperança:
Que gente longe viva na lembrança
Que gente triste possa entrar na dança
Que gente grande saiba ser criança.

Chico Buarque.

De outros carnavais

 Aninha Franco

postado por Kátia Borges @ 11:47 AM
4 de fevereiro de 2012


Com todos os problemas de comunicação, a Baía (miolo da Bahia), é uma nação onde em fevereiro tem Carnaval. Ainda que chova canivete e que mês de fevereiro não haja. Festa religiosa criada pelos gregos e apurada pelos romanos, o Carnaval foi aperfeiçoado pelo Brasil de tal maneira que, hoje, é seu melhor espetáculo. Em 1951, ano de boas safras, Dodô & Osmar puseram o trio elétrico nas ruas e permitiram que o Carnaval as percorresse, tapete musical, da Castro Alves ao São Pedro, com milhões de foliões voando atrás.
Os foliões eram operários, estudantes, intelectuais e artistas. As famílias assistiam em bancos amarrados aos postes, com farnéis de comer e beber. Entendi a chegada de um ovni quando vi a Caetanave subir a Ladeira da Montanha, iluminando a escuridão, emitindo sons, o frevo de Pernambuco e as trilhas de Gil e Caetano, com a constatação de que só os mortos não acompanhariam aquilo. Foi um momento de resistência vital à ditadura, nomeado pelo poeta Torquato Neto de Grande Zorra, e aqueles que interagiram com ele devem ter assistido aos anjos e à besta do após-calipso aderirem a Sodoma e Gomorra da escadaria do Palácio dos Esportes da Castro Alves.
Agrande zorra esmaeceu com o início do fim da ditadura. Em 1986, quando o último militar – José Sarney – assumiu a república, Luiz Caldas e Gerônimo trouxeram outra música, sucessora da salsa, surgida, segundo Guido Araújo, em Porto Seguro, e espalhada pelo planeta. Professores de cursos pré-vestibular, Boulhosa, Nery, ensinaram os alunos a consumir o som nos clubes esvaziados, e bandas de rock colaram no novo som.
Em 1990, Camaleão e Chiclete com Banana saíram juntos com 2.500 foliões, 159 cordeiros, vistos pela imprensa como “lobos maus”, carro de apoio com um médico e duas enfermeiras. O acesso ao bloco exigia ficha limpa do folião e pagamento de cinco mil cruzados novos. Era um negócio da indústria cultural que poderia, organizado, produzir empregos para artistas, empresários, técnicos e pequenos negociantes. Precisava de um nome e de uma musa, como Nara foi da Bossa Nova e Gal do Tropicalismo. Eles virão na próxima Trilha.

http://revistamuito.atarde.com.br/

O buracão de Salvador

Cynara Menezes

Você sabe que uma cidade está em crise quando, apesar de possuir 50 quilômetros de litoral belíssimo, a praia escolhida como “da moda” no verão é uma faixa de areia minúscula e com ondas bem pouco convidativas ao banho de mar. Com a sujeira instalada no tradicional Porto da Barra, um maravilhoso piscinão natural que já foi considerado a maior praia urbana do Brasil, a moçada de Salvador se transferiu este ano para a escondida praia do Buracão, no bairro do Rio Vermelho. Uma pena.
Não que o Buracão, mais conhecido dos moradores do bairro, seja uma praia feia. É bonita, e quebra bastante o galho para quem mora perto dela tomar um sol e se refrescar durante a semana. Mas daí a se transformar em “musa da estação” vai uma distância gigantesca. Sua ascensão ao posto é a metáfora perfeita para o estado em que a capital baiana se encontra: um buraco fundo e com águas revoltas. Para vocês terem uma idéia, no Buracão tomei o maior caldo (caixote) da minha vida. Daqueles de comer areia e sair da água ajeitando o biquíni.

A praia do Buracão, no bairro do Rio Vermelho. Foto: Google Maps

Exagero? Num domingo de janeiro, estando em Salvador para visitar a família, fui ao Buracão à tarde. O mar estava tão agitado que se formavam poças enormes na areia. Impossível para uma criança sequer se aproximar da água.
De repente, um rapazinho acena do mar pedindo socorro. Felizmente, foi salvo, mas ficou tão assustado que, já na areia, sofreu uma espécie de convulsão: seu corpo inteiro tremia, vomitava, dizia sentir uma dor de cabeça insuportável. Chamamos o Samu, não havia ambulância disponível… Algumas pessoas acabaram carregando-o escadão acima e a namorada o levou de carro ao hospital. Não sei o que aconteceu depois com o pobrezinho.
Já estávamos de saída dessa tarde “maravilhosa” de verão quando uma garota avistou o que parecia ser um corpo boiando no mar. Tratamos de dar o fora da “praia da moda” para não voltar mais. É preciso que se diga que, há dois anos, todas as barracas de praia de Salvador foram derrubadas para a construção de novos quiosques mas, até agora, nada aconteceu por conta de uma ação do Ministério Público. Quem se anima a ir às praias mais distantes do centro, se depara com uma estrutura improvisada, com cadeiras e mesas de plástico alugadas aos banhistas a R$10 e R$15.
No belo Porto da Barra, as águas estão sujas e as areias, cobertas de lixo. São sobretudo bitucas de cigarro que banhistas sem consideração deixam atiradas por lá. Quer dizer, não é culpa só do poder público: o descaso parece geral com a cidade, que está maltratada, abandonada. A própria estação virou um outono fora de época. Estar no verão em Salvador era como estar no lugar certo no momento certo: shows ao ar livre, eventos de montão, gente bela e bronzeada, alegria –e não me refiro ao clichê do “carnaval o ano inteiro”, mas sim ao prazer de viver o verão. Só quem gosta sabe. Pois este ano me deparei com um verão macambúzio, como se Salvador tivesse perdido seu amor próprio.
Por falar em amor, o prefeito João Henrique Carneiro largou a mulher e circula aos arrufos com a nova namorada, apaixonadíssimo. Aparentemente, se divorciou também da cidade que (mal) governa. Ele parece feliz. Os soteropolitanos não. Quem será capaz de tirar Salvador do buracão?