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segunda-feira, 29 de julho de 2013

De cineastas cerebrais e intuitivos




Delphine Seyrig em O ano passado em Marienbad (1962), de Alain Resnais

A linguagem cinematográfica, já se disse aqui em alguma coluna, foi sendo construída durante as seis primeiras décadas do século passado. Se a data da aparição do cinema se dá em 1895, somente quase 20 anos depois, em 1914/1915, é que se estabelece a configuração expressiva da sua narrativa, de sua linguagem, com O nascimento de uma nação (The birth of a nation), de David Wark Griffith, e, logo adiante, em 1916, Intolerância (Intolerance), do mesmo diretor. Durante duas décadas (1895/1915), a linguagem cinematográfica tem seus elementos determinantes descobertos aos poucos e por acaso.

Um cinegrafista de Auguste e Louis Lumière (os inventores oficiais do cinema, embora muitos outros, na mesma ocasião, tentassem, em outros países, a projeção das imagens em movimento), Alexandre Promio, numa gôndola num canal de Veneza, liga o seu cinematografo e, a filmar os casarios com a barca em movimento, descobriu um movimento de câmera, otravelling. Um inglês, em 1901, G.A. Smith, da Escola de Brighton, Inglaterra, enquanto registra uma cena de uma mulher diante de um fogão, que está a ponto de explodir, em plano geral, tem a idéia de cortar e introduzir, neste, um close up do rosto da mulher aflita com o acidente prestes a acontecer. A descoberta da inserção de um close dentro de um plano geral é um grande passo na evolução da linguagem.

Assim como a montagem alternada, quando se vê, simultaneamente, vários espaços que se alternam em ritmo crescente até que se convergem num único espaço. A grosso modo, num filme do princípio do século XX, ainda nos primórdios da invenção, o exemplo da mulher que, amarrada aos trilhos por bandidos inescrupulosos (primeiro espaço), está quase a ser espedaçada pelo trem que vai vindo ao longe (segundo espaço) e que, com o desenvolvimento da narrativa, está cada vez mais perto, enquanto o mocinho, namorado da mocinha, toma conhecimento de que ela está em perigo (terceiro espaço) e vai em disparada salvá-la. No final, os três espaços se unificam no primeiro, com a chegada do mocinho, que consegue desamarrar a namorada dos trilhos, e fazer parar o trem. Outros elementos da linguagem são descobertos neste período, principalmente por Griffith em seu período na Biograph (ler, neste sentido, o fundamental livrinho da coleção Encanto Radical (Brasiliense, 1984) de autoria de Ismail Xavier: D.W. Griffith: O nascimento de um cinema ou, também muito importante, Serguei M. Eisenstein: Geometria do êxtase, da mesma coleção e editora, de Arlindo Machado).

Griffith, nos dois filmes citados, é aquele que consegue sistematizar, com eficiência dramática, as descobertas anteriores dos elementos da linguagem cinematográfica. Mas a linguagem ainda precisa de muitas décadas para se aperfeiçoar e se cristalizar, o que se dá em meados da década de 60. Os inventores de fórmulas (Hitchcock, Eisenstein, Orson Welles...) deixam de existir para dar lugar a um cinema de estilo.

Existem, a rigor, entre os realizadores cinematográficos, dois modos fundamentais de abordar o mundo: o cerebral/conceitual e o sensorial/intuitivo. Classificação formulada por Marcel Martin em A linguagem cinematográfica (pág 245), editado várias vezes por diversas editoras e livro imprescindível para um conhecimento básico da dita cuja. O exemplar que se está em mãos é da Brasiliense de 1990.

Nestes dois modos de abordar o mundo, os realizadores cerebrais/conceituais procuram reconstruir o mundo em função de sua visão pessoal, acentuando a imagem como meio essencial de conceituar o seu universo fílmico. Que outro cineasta mais cerebral e conceitual que Orson Welles. O autor de Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941) privilegia mais a imagem do que a chamada realidade e seu filme é, no fundo, como disse o historiador francês Georges Sadoul, "um retrato do artista por ele mesmo". Também se incluem como cerebrais/conceituais realizadores como Eisenstein cujo realismo, se assim se pode chamar, é um realismo conceitual, Carl Theodor Dreyer que, com seus quadraux mouvants (quadros moventes) sempre está a fazer exercícios cerebrais diante do tema exposto, a exemplo de O martírio de Joana D'Arc (La passion de Jeanne D'Arc, 1928), A palavra (Ordet), Vampyr, Gertrud, entre outros. E o esteta Luchino Visconti cuja forma privilegia na composição de sua mise-en-scèneembora o propósito de fazer emergir uma realidade determinada (e Rocco e seus irmãos/Rocco i suoi fratelli, 1960, não seria, então, mais intuitivo?). Robert Bresson é cérebro e conceito, assim como Alain Resnais (cuja simbiose entre forma e conteúdo atinge as raias de um processo inextricável em O ano passado em Marienbad [L'année dernière a Marienbad, 1961], entre outras tantas obras de sua rica filmografia,que se considera uma das mais importantes do cinema em todos os tempos - recentemente Medos privados em lugares públicos [Coeurs], filme recente de um senhor em idade provecta, veio a mostrar diante de um cinema contemporâneo apático a jovialidade, a inventiva, a grandeza desse cineasta francês desbravador de fórmulas que muito acresceu à evolução da linguagem cinematográfica. O filme permanece em cartaz por mais de um ano em uma sala paulista). E mais cérebros: Jean-Luc Godard, que praticamente inventou o filme-ensaio, Tarkosky, entre tantos que o espaço não permite a citação.

Os realizadores cinematográficos sensoriais e intuitivos procuram subtrair-se diante da realidade (como se desaparecessem diante dela), fazendo surgir, da representação da realidade direta o objetiva, a significação que querem obter. Para estes cineastas, o trabalho de elaboração da imagem tem menos importância que a sua função natural de figuração do real. Os sensoriais e intuitivos não almejam confiscar o espectador diante da fascinação da imagem, mas, pelo contrário, respeitam a sua liberdade. Assim, em seus filmes, a característica essencial está menos no caráter insólito de suas imagens do que na intensidade da representação da realidade. Marcel Martin diz textualmente: “E poderíamos acrescentar, ainda esquematicamente, que o período em que a linguagem (imagem, montagem) teve um papel predominante correspondeu ao triunfo dos cerebrais, ao passo que o progressivo abandono da linguagem tradicional assinala a preponderância dos sensoriais e de sua visão plástica não mais obcecada pelo conceitualismo.”

David Wark Griffith talvez seja o maior exemplo do cineasta sensorial e intuitivo, assim como Charles Chaplin, Robert Flaherty, Wilhelm Murnau, Yasujiro Ozu, Jean Renoir, Roberto Rossellini, Vittorio DeSica, Federico Fellini, Michelangelo Antonioni, Theo Agelopoulos, Wim Wenders, etc.

Estes cineastas se esforçam para subtrair-se diante da realidade e o que desejam é fazer surgir a produção de sentidos pela sua representação direta e objetiva. Os realizadores cerebrais estão a desaparecer. E o que dizer dos neófitos que pegam em câmeras digitais e filmam a torto e a direito? Nestes, conceitualismo e cerebralismo são bichos de sete cabeças.

http://setarosblog.blogspot.com/2013/07/de-cineastas-cerebrais-e-intuitivos.html?spref=fb


"Cacilda Becker: Uma Mulher de Muita Importância"

29/07/2013 -
Vida pessoal e fotos de Cacilda Becker dominam novo livro


NELSON DE SÁ
DE SÃO PAULO


Maria Thereza Vargas conheceu Cacilda Becker quando tinha de 15 para 16 anos, em 1945. Já havia assistido à atriz nas primeiras peças profissionais, ao lado do ator argentino Raul Roulien, e no teatro estudantil, dirigida por Décio de Almeida Prado.

Começou ali, quando a adolescente foi levar textos seus para a apreciação de Cacilda, que buscava roteiros de radioteatro, uma amizade que se manteve até a morte da atriz, em 1969. Amizade que é expressa agora na biografia que a pesquisadora lança pela Imprensa Oficial.

O livro segue ordem cronológica e põe em primeiro plano a trajetória pessoal.

Com 160 páginas, reproduz mais de cem imagens, grande parte delas inédita e de qualidade superior à das que se conhecia até agora, tiradas por fotógrafos como Boris Kauffmann, amigo de juventude da atriz. A maior parte das fotos é do acervo pessoal da própria autora.
Divulgação

Cacilda Becker em retrato que está em sua nova biografia, que sai pela Imprensa Oficial


"Cacilda Becker: Uma Mulher de Muita Importância" apresenta, segundo Vargas, a "longa caminhada" da emblemática atriz, com "um traçado firme conseguido a golpes rudes", em que não faltou luta "contra a miséria".

"Foi uma vida conquistada dia a dia", acrescenta Vargas em entrevista, observando porém que "Cacilda tinha um temperamento, assim, muito dramático, de quem sofria demais. Ela sempre repetia: 'Eu só sou feliz no palco'".

PAIXÕES

Sua trajetória é pontuada pelos artistas com quem se relacionou -do modernista Flávio de Carvalho, precursor da performance no país, passando por Roulien e pelo diretor Adolfo Celi no Teatro Brasileiro de Comédia, até o ator Walmor Chagas.

"Ela queria se completar com uma figura masculina, era muito apaixonada", diz Vargas. "Nem sempre deu certo." Como as novas fotos indicam, acrescenta, "era muito sensual", com presença que teria se acentuado, no palco, pelo estilo de direção trazido por Celi da Itália.

O diretor José Celso Martinez Corrêa, que estreia em agosto a terceira parte da série de peças "Cacilda", confirma que "ela era muito sensual" e teve "milhares de namorados". Com Celi "ela levantou o TBC, amor e teatro ao mesmo tempo". Além de "muito bonita em cena", também "fotografava bem", lembra ele, destacando a qualidade das imagens do livro.

Mas Cacilda pouco atuou para as câmeras, no cinema e na TV. Como relata o livro, deixou só "vestígios", entre eles o filme "Floradas na Serra", de Luciano Salce, na Companhia Vera Cruz, e a novela "Ciúme", dirigida por Roberto Talma na TV Tupi.

Em tom melancólico, Vargas anota que restam as "imagens fotográficas, formas fixas que agitam a memória dos que a viram representar e que exigem imaginação dos que não a conheceram".

CACILDA BECKER
AUTOR Maria Thereza Vargas
EDITORA Imprensa Oficial
QUANTO R$ 30 (160 págs.)




http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/07/1318198-vida-pessoal-e-fotos-de-cacilda-becker-dominam-novo-livro.shtml