Perdido no YouTube, descobri (redescobri?) uma canção francesa que não merecia o esquecimento. Ela apareceu numa cena cheia de charme de "O demônio das onze horas" ("Pierrot le fou"), interpretada por Anna Karina. Do filme de Godard, ela se transferiu para um LP de Jeanne Moreau _ "Chante 12 nouvelles chansons de Cyrus Bassiak". E ressurge agora qui no blog. Aí em cima, está a cena do filme; aqui embaixo, a faixa do disco da Moreau. É "Jamais je ne t'ai dit que je t'aimerai toujours". Cyrus Bassiak foi o pseudônimo que o pintor iraniano Serge Rezvani usou nos anos 60 para creditar suas composições musicais.
Personagem do cartunista Péricles ganha animações 3D inspiradas nas charges de O Cruzeiro
Foto: Divulgação/JAL
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Ciador e criatura: o cartunista Péricles e seu mais famoso personagem
O adjetivo todo mundo já ouviu. Ele invadiu o léxico brasileiro em uma piada e ganhou corpo na redação da revista O Cruzeiro. Foi ali que o cartunista Péricles criou um homem sem pescoço e com cara de fuinha que eternizou a expressão “Amigo da Onça”, ao mesmo tempo que concebeu o embrião genealógico do humor negro dos Fradinhos de Henfil e dos Skrotinhos de Angeli.
Em 2010, o Estúdio Saci começou a produzir curtas inspirados nas charges de Péricles. "Tudo começou comigo e o Jal. Depois, tocamos os trabalhos em parceria com o Núcleo de Animação 3D do Senac", contou Fernando Carvall, cartunista e diretor do estúdio. O Jal em questão é José Alberto Lovetro, criador do Trofeu HQ Mix e detentor dos direitos sobre o Amigo da Onça.
"O personagem tem uma relação imagética com o público. Todos esperavam ansiosos a nova charge do Onça", relembra Jal. "Nos anos 90 fiz um acordo com a dona Angélica, viúva de Péricles, para começarmos a produzir novas tiras". Assim as portas se abriram para a produção da animação, em busca de um público novo para o Amigo da Onça.
"Pouca gente liga a expressão ao personagem. As adaptações 3D colocam o pessoal mais jovem em contato com o Onça", explicou Carvall, fazendo coro com o parceiro de roteiros. "Basta você fazer uma coisa que não seja legal para seu amigo que você será para sempre conhecido como amigo da onça", encerra Jal.
A piada que originou a expressão Amigo da Onça:
Dois caçadores conversam: - O que você faria se uma onça aparecesse? - Ora, dava um tiro nela. - Mas se não tivesse nenhuma arma? - Então eu usava meu facão. - E se estivesse sem facão? - Subiria na árvore mais próxima! - E se não tivesse nenhuma árvore? - Sairia correndo. - E se você estivesse paralisado? Então o outro retruca: - Mas você é meu amigo ou amigo da onça?
Um pouco mais sobre o criador do Amigo da Onça
Péricles De Andrade Maranhão nasceu em Recife (PE) em 14 de agosto de 1924. Aos 19 foi escolhido para desenhar o Amigo da Onça, criando mais de duas mil charges do personagem em 17 anos. Cometeu suicídio no reveillon 1961, asfixiado por gás de cozinha. Fez sua última piada deixando um bilhete na porta de casa pedindo: “por favor, não risquem fósforos”
Tinha uma mania: colecionava botecos. Não os frequentava, apenas Era um estudioso. Gostava de descobrir botecos e recomendar para os amigos. Ultimamente, vinha se especializando — um refinamento da sua paixão — no que chamava de botecos asquerosos. Daqueles que nenhum fiscal da Saúde Pública incomoda porque não passa pela porta sem desmaiar.
Seu rosto se iluminava na frente de um boteco asqueroso recém-descoberto. Não resistia e entrava. Depois contava para os amigos.
— Uma glória. Sabe ovo boiando em garrafão com água?
— Repelente, não é?
— As galinhas não os receberiam de volta. A própria mãe! Descrevia o boteco com carinhoso entusiasmo.
— E que moscas. Mas que moscas!
Só não tinha paciência com o falso sórdido. Alguns botecos assumiam suas privações como uma declaração de falta de princípios. Ele preferia o sórdido inconsciente, o sórdido autêntico. Principalmente, o sórdido pretensioso. Uma vez contara, extasiado, uma cena. Terminara de comer uma inominável almôndega, pedira um palito para o dono do boteco e desencadeara uma busca barulhenta e mal-humorada, com o dono procurando por toda parte e gritando para a mulher:
— Cadê o palito?
Finalmente o dono encontrara o palito atrás da orelha e o oferecera. Ele se emocionava só de contar.
Os amigos, sabendo da sua paixão, mantinham-se atentos para botecos sórdidos que pudessem interessá-lo. Muitos ele já conhecia.
— Um que tem uma Virgem Maria pintada num espelho com uma barata esmigalhada de tapa-olho? Vou seguido lá. A cachaça é tão braba que tem bula com contra- indicação.
Outro dia lhe trouxeram a notícia do pior dos botecos. Não era um boteco de quinta categoria. Era um boteco de última categoria. Ficava no limite entre a vida inteligente e a vida orgânica. Ele precisava ir lá verificar. Foi no mesmo dia. Ficou estudando o boteco de longe, antes de se aproximar. Tinha um garoto na porta do boteco. A função do garoto era atacar cachorros sarnentos. Quando passava um cachorro sarnento o garoto o enxotava — para dentro do boteco!
Ele atravessou a rua na direção do boteco com aquele brilho no olhar que tem o pesquisador no limiar da grande revelação, ou o santo antes do doce martírio.
E tem a história do Nascimento, que um dia quase brigou com o garçom porque chegou na mesa, cumprimentou a turma, sentou, pediu um chope e depois disse:
_ E trás aí uns piriris.
_ O que? – disse o garçom.
_ Uns piriris.
_ Não tem.
_ Como, não tem?
_ “Piriris” que o senhor diz é...
_ Por amor de Deus. O nome está dizendo. Piriris.
_ Você quer dizer – sugeriu alguém, para acabar com o impasse – uns queijinhos, uns salaminhos...
_ Coisas pra beliscar – completou o outro, mais científico.
Mas o Nascimento, emburrado não disse mais nada. O garçom que entendesse como quisesse. O garçom, também emburrado, foi e voltou trazendo o chope e três pires. Com queijinhos, salaminhos e azeitonas. Durante alguns segundos, Nascimento e o garçom se olharam nos olhos. Finalmente o Nascimento deu um tapa na mesa e gritou:
_ Você chama isso de piriris?
E o garçom, no mesmo tom:
_ Não. Você chama isso de piriris!
Tiveram que acalmar os ânimos dos dois, a gerência trocou o garçom de mesa e o Nascimento ficou lamentando a incapacidade das pessoas de compreender as palavras mais claras. Por exemplo, “flunfa”. Não estava claro o que era flunfa? Todos na mesa se entreolharam. Não, não estava claro o que era flunfa.
_ A palavra está dizendo – impacientou-se Nascimento. – Flunfa. Aquela sujeirinha que fica no umbigo. Pelo amor de Deus!