"O Mundo é um livro imenso, que Deus desdobra aos olhos do Poeta! Pela criação visível, fala o Divino invisível sua Linguagem simbólica. A Poesia, além de ser vocação, é a segunda das sete Artes e é tão sublime quanto suas irmãs gêmeas, a Música e a Pintura! Vem da Divindade a sua essência musical. Mas, meus Senhores, ninguém queira tomar como Poesia qualquer estrofe, pois há muitas Poesias sem estrofes e muitíssimas estrofes sem Poesia... Ser Poeta, não é somente escrever estrofes! Ser Poeta, é ser um “geníaco”, um “filho assinalado das Musas”, um homem capaz de se alçar à umbela de ouro do Sol, de onde Deus fala ao Poeta! Deus fala através das pedras, sim, das pedras que revestem de concreto o trajo particular da Idéia! Mas a Divindade só fala ao Poeta que sabe alçar seus pensamentos, primando pela grandeza, pela bondade, pela glória do Eterno, pelo respeito, pela moral e pelos bons costumes, na sociedade e na família! Existe o Poeta de loas e folhetos, e existe o Cantador de repente. Existe o Poeta de estro, cavalgação e reinaço, que é capaz de escrever os romances de amor e putaria. Existe o Poeta de sangue, que escreve romances cangaceiros e cavalarianos. Existe o Poeta de ciência, que escreve os romances de exemplo. Existe o Poeta de pacto e estrada, que escreve os romances de espertezas e quengadas. Existe o Poeta de memória, que escreve os romances jornaleiros e passadistas. E finalmente, existe o Poeta de planeta, que escreve os romances de visagens, profecias, e assombrações."
- João Melchíades (personagem), de Ariano Suassuna, em "Romance d'A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta". 8ª ed., Rio de Janeiro: José Olympio, 2006, p. 239.
Ariano Vilar Suassuna nasceu em João Pessoa em 1927. A força do arcaico é justamente sua contínua presentificação e, conseqüentemente, sua capacidade de se eternizar. A arte genuinamente popular se baseia nesse pensamento. Para transformar o local em simbólico e universal, Ariano Suassuna, o "decifrador de brasilidades", como já foi chamado, e um dos principais preservadores da cultura do país, alia os valores mais arraigados de sua região a seu imenso arcabouço erudito e teórico. Com uma escrita que junta, a um só tempo, elementos do Simbolismo, do Barroco e da literatura de cordel, esse ficcionista, poeta, dramaturgo e pensador da cultura, transforma o sertão no palco das questões humanas de qualquer lugar do mundo. Ele foi o criador do Movimento Armorial, que tem como projeto a confluência simultânea de todas as artes populares do Nordeste brasileiro, trabalhando a favor da dignidade humana. ‘Romance d’A Pedra do Reino’ é considerado um dos melhores do país, e a peça ‘O Auto da Compadecida’, além de encenada diversas vezes por todo o mundo, já recebeu três adaptações cinematográficas.
Ariano Suassuna recebia inúmeros convites para realizar "aulas-espetáculos" em várias partes do País onde, com seu estilo próprio e seus "causos" imaginativos, deixava o público encantado.
Ariano Suassuna faleceu aos 87 anos, no Recife, decorrente das complicações de um AVC hemorrágico.
Obras de Ariano Suassuna
Uma Mulher Vestida de Sol, 1947
Cantam as Harpas de Sião (ou o Despertar da Princesa), 1948
Os Homens de Barro, 1949
Auto de João da Cruz, 1950 (Prêmio Martins Pena)
Torturas de um Coração, 1951
O Arco Desolado, 1952
O Castigo da Soberana, 1953
O Rico Avarento, 1954
Ode, 1955 (poesia)
O Auto da Compadecida, 1955
O Casamento Suspeito, 1956
Fernando e Isaura, 1956
O Santo e a Porca, 1958
O Homem da Vaca e o Poder da Fortuna, 1958
A Pena e a Lei, 1959
A Farsa da Boa Preguiça, 1960
A Caseira e a Catarina, 1962
O Pasto Incendiado, 1970 (poesia)
Romance d'a Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai e Volta, 1971 (partes da trilogia)
Iniciação à Estética, 1975
A Onça Castanha e a Ilha Brasil, 1976 (Tese de Livre Docência)
História d'o Rei Degolado nas Caatigas do Sertão: ao Sol da Onça Caetana, 1976 (parte da trilogia)
Sonetos Com Mote Alheio, 1980 (poesia)
Poemas, 1990 (Antologia)
Almanaque Armorial, 2008
http://www.e-biografias.net/ariano_suassuna/
“Meu nome é Ariano Suassuna...”
LEMBRA DE MIM?
Há alguns anos, no saguão de um hotel de Minas, eu estava com Adauto Novaes, quando se aproximou a figura bela, vestindo a habitual roupa clara de algodão, e falando com a voz que passa a morar no ouvido de quem a ouve: “Meu nome é Ariano Suassuna...”, apresentou-se ele, que não precisava absolutamente de apresentações e comentando música; não é hora de lembrar o que disse mas sim quem disse. Respondi, respondemos que sabíamos, sim, que de Suassuna se tratava. Foi um diálogo que emocionou por tratar-se dele, é tão bom a decência ter voz e vestir-se de algodão claro! Ariano foi-se embora do mundo ontem. A memória volta a esse dia em que o conheci, e me lembro das dezenas de gentes que perguntam: “Lembra de mim?”, na rua, em bastidores, em aeroportos, causando aflição a perguntador e a perguntado e estimulando mentiras medrosas, “lembro”, quando em absoluto nos fogem o rosto e o jeito de uma pessoa vista brevemente em alguma cidade e acontecimento há tempo perdidos, incrustados num ego que precisa do arquivo da memória de alguém.
Entre tanta sabedoria feliz que Ariano espalhou no Brasil, ele, a quem honrava nunca ter saído do País, conte mais essa. Justamente a ele, que nunca precisou de um LEMBRA DE MIM?, a modéstia levava a apresentar-se, a despeito de sua forte singularidade.
Em tempo: Ariano e meu pai, os dois, vestiam-se de maneira semelhante: túnica e calça de algodão e estamos conversados. Beijos, Ariano.