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quarta-feira, 6 de junho de 2012

Por que é Junho e eu sou de lá....- No Meu Pé de Serra -


Luiz Gonzaga Ao Vivo - Volta Pra Curtir [2001]

Meu inferno mais íntimo

Luiz Felipe Pondé -


Enfrentar-se a si mesmo e ainda assim assumir-se é atravessar um inferno de silêncio e solidão



Um jovem rabino, angustiado com o destino da sua alma, conversava com seu mestre, mais velho e mais sábio, em algum lugar do Leste Europeu entre os séculos 18 e 19.

Pergunta o mais jovem: "O senhor não teme que quando morrer será indagado por Deus do porquê de não ter conseguido ser um Moisés ou um Elias? Eu sempre temo esse dia".

O mestre teria respondido algo assim: "Quando eu morrer e estiver na presença de Deus, não temo
que Ele me pergunte pela razão de não ter conseguido ser um Moisés ou um Elias, temo que Ele me pergunte pela razão de eu não ter conseguido ser eu mesmo".

Trata-se de um dos milhares de contos hassídicos, contos esses que compõem a sabedoria do hassidismo, cultura mística judaica que nasce, "oficialmente", com o Rabi Baal Shem Tov, que teria nascido por volta de 1700 na Polônia.

A palavra "hassidismo" é muito próxima do conceito de "Hesed", piedade ou misericórdia, que descreve um dos traços do Altíssimo, Adonai ("Senhor", termo usado para se referir a Deus no judaísmo), o Deus israelita (que, aliás, é o mesmo que "encarnou" em Jesus, para os cristãos).

Hassídicos eram conhecidos como "bêbados de Deus", enlouquecidos pela piedade divina (e pela vodca que bebiam em grandes quantidades para brindar a vida...) que escorre dos céus para aqueles que a veem.

São muitas as angústias de quem acredita haver um encontro com Deus após a morte. Mas ninguém precisa acreditar em Deus ou num encontro como esse para entender a força de uma narrativa como esta: o primeiro encontro, em nossa vida, que pode vir a ser terrível, é consigo mesmo. Claro que se Deus existe, isso assume dimensões abissais.

Para além do fato óbvio de que o conto fala do medo de não estarmos à altura da vontade de Deus, ele também fala do medo de não sermos seres morais e justos, como Moisés e Elias, exemplos de dois grandes "heróis" da Bíblia hebraica. Ser como Moisés e Elias significa termos um parâmetro moral exterior a nós mesmos que serviria como "régua".

A resposta do sábio ancião ao jovem muda o eixo da indagação: Deus não está preocupado se você consegue seguir parâmetros morais exteriores, Deus está preocupado se você consegue ser você mesmo.
Não se trata de pensar em bobagens do tipo "Deus quer que você seja feliz sendo você mesmo" como pensaria o "modo brega autoestima de ser", essa praga contemporânea. Trata-se de dizer que ser
você mesmo é muito mais difícil do que seguir padrões exteriores porque nosso "eu" ou nossa "alma" é nosso maior desafio.

Enfrentar-se a si mesmo, reconhecer suas mazelas, suas inseguranças e ainda assim assumir-se é atravessar um inferno de silêncio e solidão. Ninguém pode fazer isso por você, é mais fácil copiar modelos heroicos, por isso o sábio diz que Deus não quer cópias de Moisés e Elias, mas pessoas que O enfrentem cara a cara sendo quem são.

Podemos imaginar Deus perguntando a você se teve coragem de ser você mesmo nos piores momentos em que ser você mesmo seria aterrorizante. Aí está o cerne da "moral da história" neste conto.

Noutro conto, um justo que morre, chegando ao céu, ouve ruídos horrorosos vindo de uma sala fechada. Perguntando a Deus de onde vem aquele som ensurdecedor, Deus diz a ele que vá em frente e abra a porta do lugar de onde vem a gritaria. Pergunta o justo a Deus que lugar seria aquele. Deus responde: "O inferno". Ao abrir a porta, o justo ouve o que aqueles infelizes gritavam: "Eu, eu, eu...".

Ao contrário do que dizia o velho Sartre, o inferno não são os outros, mas sim nós mesmos. Numa época como a nossa, obcecada por essa bobagem chamada autoestima, ocupada em fazer todo mundo se achar lindo e maravilhoso, a tendência do inferno é ficar superlotado, cheio de mentirosos praticantes do "marketing do eu".

Casas, escritórios, academias de ginásticas, igrejas, salas de aula, todos tomados pelo ruído ensurdecedor do inferno que habita cada um de nós. O escritor católico George Bernanos (século 20) dizia que o maior obstáculo à esperança é nossa própria alma. Quem ainda não sabe disso, não sabe de nada.

ponde.folha@uol.com.br
Folha de S.Paulo
04/06/2012
 
 
 
 

vontade de olhar para trás

Artes brasileiras voltam a abordar a ditadura militar

No momento em que é criada a Comissão da Verdade, país retoma o assunto
 
Publicado:

Cena do filme ‘O ano em que meus pais saíram de férias’, de Cao Hamburger
Foto: Divulgação
Cena do filme ‘O ano em que meus pais saíram de férias’, de Cao Hamburger
RIO - Foram três décadas até que o Brasil criasse sua Comissão da Verdade. Mas o grupo, que foi instaurado oficialmente há 15 dias para investigar as violações de direitos humanos cometidas durante o regime militar, de longe não representou a única demora em se tratando da ditadura brasileira. Diferentemente dos vizinhos Argentina e Chile, que também sofreram com abusos de governos militares, as artes nacionais pouco se debruçaram nos anos seguintes sobre casos e histórias relacionadas ao período. As razões, de acordo com quem viveu a época, envolviam o medo de repressões mesmo após o fim do regime, as tradições alegóricas da estética brasileira e também as características da própria ditadura no país. Mas esse panorama vem mudando.

— Houve muita coisa escrita, muitos registros de memória num primeiro momento de pós-anistia, mas depois houve uma certa rejeição ao período. Era como se fosse um pouco feio falar daquilo, como se fosse algo a se esquecer, como se fosse brega. Senti que não era moderno falar sobre ditadura — afirma Lúcia Murat, cujo primeiro filme sobre o tema, “Que bom te ver viva”, foi lançado em 1989. — E também havia muito medo. Eu achava que iriam jogar uma bomba na minha casa quando o “Que bom te ver viva” chegou aos cinemas. Hoje, o que mais me gratifica é ver que há um grupo de jovens desenvolvendo ações de denúncia. Eles é que foram às ruas se manifestar a favor da Comissão da Verdade.
O primeiro filme brasileiro de repercussão a abordar o período foi “Pra frente Brasil”, de Roberto Farias. Sua trama emparelhava a torcida brasileira durante a Copa do Mundo de 1970 com a tortura brasileira durante o regime militar. Seu lançamento estava programado para 1982, ano de outra Copa do Mundo e também de eleições diretas para os governos estaduais. O sinal de alerta, então, foi aceso entre os militares, e o filme foi imediatamente proibido. A situação ficou ainda mais delicada porque Roberto Farias havia sido, até 1979, o diretor-geral da Embrafilme, o órgão governamental de apoio à distribuição e à produção de filmes. No lugar dele, assumiu o cargo o diplomata Celso Amorim, que tinha no currículo alguns trabalhos no cinema e hoje é ministro da Defesa no governo Dilma Rousseff. Com Amorim na Embrafilme e já num processo de abertura política consolidado, “Pra frente Brasil” recebeu verba pública para sua produção. Amorim, por isso, acabou destituído do cargo; Farias teve que devolver o dinheiro investido no filme; e “Pra frente Brasil” só pôde ser exibido depois da Copa e das eleições.
— Foi um ano tenso. As pessoas me diziam para ter cuidado, para não falar ao telefone — lembra Farias. — Depois, houve quem me criticasse, dizendo que eu não havia ido suficientemente fundo na história do “Pra frente Brasil”, que eu tinha limpado a cara dos militares. Mas outro filme mesmo só foi feito quase dez anos depois. As pessoas não tiveram coragem para se atrever. Um ano antes da censura a “Pra frente Brasil”, o escritor e crítico literário Silviano Santiago também sentiu o significado de se abordar, naquele momento, a ditadura por meio de um trabalho artístico. Em 1981, ele publicou o livro “Em liberdade” (hoje em catálogo da editora Rocco), certamente um dos mais importantes romances da década a tratar do governo militar.
Mas a abordagem era indireta. As páginas de “Em liberdade” eram preenchidas com um diário ficcional de Graciliano Ramos durante o regime ditatorial de Getúlio Vargas, na década de 1930. Pela alegoria, Silviano perdeu o emprego na universidade em que trabalhava.
— No Chile e na Argentina, a ditadura foi mais violenta, e por isso as reações artísticas foram mais fortes. Houve, no caso deles, um gosto por explorar imagens jornalísticas, que de certa forma nos incomodavam no Brasil — avalia Silviano. — A questão é que minha geração tinha um estética nitidamente artística. Fomos formados por Drummond, João Cabral e a poesia concreta. Tínhamos uma incapacidade de tratar o real pela frente.
O próprio tropicalismo era altamente alegórico. Um tratamento mais direto daquela realidade acabou ficando para décadas seguintes. Nos anos 2000, uma série de filmes foi feita acerca de temas relacionados à ditadura, principalmente documentários. Os assuntos passavam por um empresário dinamarquês que incentivava a tortura (“Cidadão Boilesen”, de Chaim Litewski), pela visão de um menino cujos pais precisam fugir da repressão (“O ano em que meus pais saíram de férias”, de Cao Hambuger), pela reunião de ex-guerrilheiros que querem se vingar de seu torturador (“Ação entre amigos”, de Beto Brant), pela conspiração entre governos militares sul-americanos (“Condor”, de Roberto Mader), por um militante que se esconde num apartamento (“Cabra-cega”, de Toni Venturi) ou pela misteriosa morte de um ex-exilado (“Diário de uma busca”, de Flávia Castro).
— Na Argentina, eles tiveram coragem de botar o dedo na ferida antes. Aqui, bem no nosso estilo malemolente, a gente foi postergando o momento de encarar isso para valer. Nossa anistia foi pela metade, tudo foi um tanto pela metade — afirma Isa Ferraz, diretora do documentário “Marighella”, que estreia em agosto, e ela própria sobrinha de Carlos Marighella, guerrilheiro assassinado em 1969 que serviu de inspiração a seu filme. — Em 1986 escrevi um primeiro roteiro sobre ele, mas não consegui captar um tostão para fazer o documentário. Era tudo muito fresco, havia medo por todos os lados. O tema ainda era tabu.
Essa sensação de tabu, como a própria polêmica em torno da criação da Comissão da Verdade demonstra, propagou-se pelos anos. Em 2000, o jornalista Flávio Tavares publicou “Memórias do esquecimento” (editora Globo), um livro-reportagem sobre o período do regime militar. Mas, antes, ouviu recusas de duas grandes editoras, uma do Rio e outra de São Paulo, por pretextos variados. O texto era baseado nas recordações de Tavares: ele foi preso e esteve entre os libertados no sequestro do embaixador americano Charles Elbrick (tema do documentário “Hércules 56”, de Silvio Da-Rin, e também do livro “O que é isso companheiro?”, de Fernando Gabeira, cuja trama chegou aos cinemas pela direção de Bruno Barreto).
— Mesmo depois da abertura política, a sociedade brasileira ficou impregnada de muito medo. A arte tinha liberdade, mas não estava mais acostumada a exercer essa liberdade. Havia uma vigilância indireta ao pensamento — diz Tavares, que lançou este ano o livro “1961 — O golpe derrotado” (editora L&PM). — Não havia como se acabar com o terror de uma hora para outra, por decreto. É um processo, ainda mais numa sociedade em que estamos acostumados a varrer o lixo para debaixo do tapete. Para esse exorcismo, se olharmos o passado sem preconceito, a Comissão da Verdade será fundamental.
Tavares também acompanhou de perto o processo de redemocratização na Argentina, onde viveu por 21 anos, primeiro como exilado e depois como correspondente. Lá, lembra ele, os julgamentos das juntas militares depois das eleições de 1983 prepararam a sociedade para “se libertar de seus fantasmas”.
Poucos depois, em 1985, o diretor Luis Puenzo já lançava “A história oficial”, longa-metragem sobre a adoção de uma criança filha de presos políticos da ditadura. A trama, que havia sido inspirada exatamente em depoimentos dados durante os julgamentos dos militares, acabou premiada com o Oscar em Língua Estrangeira.
— Na Argentina, as artes brotaram de forma fantástica, mais livre e aberta. Nos anos 1980, foram lançados diversos livros-reportagens sobre a história recente da Argentina. Isso só foi acontecer no Brasil agora, há poucos anos. Também no cinema, a Argentina se fortaleceu com histórias sobre a ditadura e hoje é reconhecida como o país que faz alguns dos melhores filmes do mundo — explica Tavares.
No Chile, as manifestações artísticas tiveram um comportamento semelhante ao ocorrido na Argentina. Os documentários de Patricio Guzmán, como “A batalha do Chile” e “O caso Pinochet”, aqueciam a História. Enquanto filmes de ficção, como “Machuca”, de Andrés Wood, e “Os náufragos”, de Miguel Littín, propunham abordagens criativas acerca do tema. Hoje, o grande expoente das artes chilenos a lidar com a ditadura é Pablo Larraín, diretor de “Tony Manero”, “Post mortem” e “No”. Este último, com Gael García Bernal no elenco, foi uma sensação na edição deste ano da Quinzena dos Realizadores no Festival de Cannes. Sua trama se apoia no plebiscito de 1988, cujo resultado foi o fim do governo do general Augusto Pinochet. Um de seus produtores foi o brasileiro Daniel Dreifuss.
— O “No” é um filme sobre o Chile, mas consigo ver ali a realidade de qualquer país que luta pela liberdade civil — afirma Daniel, que é filho do falecido cientista político René Dreifuss, autor de “1964: A conquista do Estado”, livro lançado em 1981 que é considerado uma das principais obras de História a abordar o golpe militar brasileiro. — Houve uma agressividade maior na ditadura chilena que levou a filmes como esses. O Pablo cresceu com tanques nas ruas, com campos de prisioneiros espalhados pelo país, com pessoas sendo jogadas de aviões. Esse nível de brutalidade fez com que eles voltassem para si mesmos. No Brasil, não houve isso. E, depois, tenho a impressão que a juventude ficou mais preocupada em resultados de bilheterias do que encarar a realidade. Não me parece que houve uma vontade de se olhar para trás.
A sensação de Dreifuss é compartilhada por muitos, mas há também um sentimento forte de mudança no ar. A Comissão da Verdade tem feito com que muitos se mobilizem para relembrar a ditadura brasileira. Inclusive nas artes.
— Quando você não tem movimentos sociais e organizações de mídia para investigar o passado histórico do país, você fica sem força para levar essa discussão à sociedade, mesmo por meio das artes. Agora, com os novos tempos, esperamos um caminho diferente — afirma Izaías Almada.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/artes-brasileiras-voltam-abordar-ditadura-militar-5085652#ixzz1x1bxffU5

"Everything will be fine" ("Tudo vai ficar bem")

O fotógrafo Sebastião Salgado na mira da câmera

Brasileiro vira tema de documentário assinado por seu filho e pelo cineasta Wim Wenders
 
Publicado:

O fotógrafo entre o filho Juliano e Wim Wenders: longa aborda 40 anos de trabalho
Foto: Divulgação
O fotógrafo entre o filho Juliano e Wim Wenders: longa aborda 40 anos de trabalhoDivulgação


PARIS - Ao folhear as imensas páginas do molde do livro de 50cm x 70cm de dimensão que acolherá, em dois espessos volumes, o seu trabalho de dez anos de exploração das regiões mais puras e virgens do planeta, batizado de "Projeto Gênesis", o fotógrafo Sebastião Salgado se detém diante da gigantesca imagem do semblante de um gorila.— Fotografei este gorila em Ruanda. Ele estava quase grudado na minha câmera e, num dado momento, se viu refletido na lente. Encostou o dedo na sua boca e se deu conta, pelo movimento, de que era ele mesmo do outro lado. Foi um momento impressionante — conta com entusiasmo juvenil o fotógrafo de 68 anos, como se tivesse acabado de clicar o enorme primata.
Acostumado a retratar, Sebastião Salgado se vê agora em posição inversa: foi colocado no lugar do gorila pelos atentos e curiosos olhares do consagrado diretor alemão Wim Wenders e de seu filho Juliano Salgado, também cineasta. A dupla se uniu para fazer um documentário sobre vida e obra do célebre fotógrafo, economista de formação. Em "A sombra e a luz", um projeto de longa-metragem de 90 a 110 minutos, Wim Wenders e Juliano pretendem, a partir do "Gênesis", revelar as mutações do homem Sebastião Salgado e de seu trabalho ao longo de quatro décadas de fotografias pelo mundo.
Admirador de Salgado desde que se deparou com as imagens do livro "Outras Américas (1986), Wenders, ele mesmo fotógrafo, passou à condição de fã ao visitar a exposição "Exôdos", em Paris, no começo dos anos 1990. O cineasta se diz impressionado pela "dedicação" de Salgado em projetos narrativos com anos de extensão para serem fotografados e concluídos, "algo impossível de ser realizado no cinema", assinala.
— Ele teve suas próprias razões para ir aonde foi. Nos mostrou a miséria, as doenças e o fracasso da Humanidade, e agora é ainda mais crível que o mesmo homem nos mostre exatamente o contrário com "Gênesis", porque ele mesmo, ao final de "Exôdos", já não podia mais com isso. Mas não se trata de um romântico, ele nos mostra a beleza do planeta com um olhar muito vivo, ainda tem a percepção do economista. Faz este trabalho espontâneo que é a fotografia com uma consciência que se coloca no interior de um saber. Isso emoldura sua fotografia com uma outra luz — diz Wenders, reunido com pai e filho na Amazonas Images, a agência de Sebastião Salgado na capital francesa, instalada às margens do Canal Saint-Martin.
Ao se conhecerem, há alguns anos, Wenders e o fotógrafo trocaram ideias sobre a possibilidade da realização de um documentário, mesclando imagens e música, mas foi com as filmagens de Juliano em algumas expedições do pai, para um > ita
— Nunca foi feito um filme tão próximo sobre mim. Sempre passei muito tempo longe para fazer fotos, isso significava um distanciamento muito grande da minha família, dos meus filhos. Essas fotografias têm um preço, o preço da minha vida, do meu isolamento, da necessidade desta afeição, que estava distante. E é especial ser filmado pelo filho. Descobri muita coisa dele, e ele também de mim. E em conversas com o Wim, tenho falado muito de mim. É quase como uma análise.
Wenders também gostaria de ter acompanhado Salgado em algumas viagens no ano passado, mas por problemas de saúde não pôde se ausentar. Seu papel será o de fazer as entrevistas filmadas e também o de atuar na edição e montagem final do documentário.
Juliano, 38 anos, revela que suas filmagens no projeto "Gênesis" foram uma oportunidade de reaproximação com o pai e de observação íntima da forma como ele trabalha. Um dos eixos do filme, diz, será a conversão de um fótografo "de situações de conflitos sociais, de guerra, de fome" em um incansável retratista de imagens da natureza.
— Houve um momento em que ele não conseguiu superar alguns dramas e tensões, e, para poder continuar, transformou sua maneira de fazer fotos. Isso nós vamos tentar contar também no filme. Ele saiu do Brasil em 1969, era um jovem otimista, positivo, acreditando que o mundo ia ser sempre melhor, e se tornou pessimista após o trabalho em Ruanda. Pegou uma carga muito negativa de morte, de sofrimento, de matança, e, como filho, quero saber por que escolheu este caminho. Quero saber por que ele se confrontou durante tanto tempo com situações difíceis.
Refletido na lente, Sebastião Salgado olha para si e para o passado e admite que ao final do trabalho de "Êxodos" viveu um período "muito difícil e complicado" por ter testemunhado e registrado "tanta violência e desespero".
— Eu acreditava que éramos uma espécie completamente programada, indo diretamente contra o muro — confessa.
A "salvação" de Salgado foi o Instituto Terra, um projeto ambiental de reflorestamento na Mata Atlântica, em Minas Gerais — que criou em 1999 junto com sua mulher, Lélia Wanick Salgado —, e a idealização do "Gênesis", para fotografar as áreas do globo não afetadas pela civilização.
— Eu virei novamente otimista. No Instituto Terra começamos a plantar uma floresta, vimos tudo começar a nascer de novo, e retornaram os pássaros, os insetos, os bichos. E começou a voltar vida para todo lado dentro da minha cabeça, veio a ideia de fotografar o "Gênesis", e fui para a vida, para o que tem de mais fabuloso no planeta.
Para Wim Wenders foi uma "enorme revelação" descobrir pelas fotografias de Sebastião Salgado que quase metade do planeta está em estado genuíno, descontaminado.
— E também foi uma alegria face a todo o nosso pessimismo de dizer que já fizemos muitos estragos e que já é tarde demais. Não se trata de uma contradição, ainda há muitas razões para o pessimismo, mas é revigorante ver que há tanta natureza que resta e comunidades não atingidas por nossas doenças — acrescenta.
O filme deverá estar finalizado na mesma época do lançamento do livro "Gênesis", numa luxuosa edição da Taschen, e da inauguração da exposição fotográfica itinerante até 2015, com première mundial em abril de 2013, no Museu de História Natural de Londres. No mês seguinte, as imagens serão exibidas no Rio, no Jardim Botânico. Em setembro, a mostra chega a São Paulo, no Sesc Belenzinho.
Além de reaproximar pai e filho, o projeto do filme serviu para incrementar a amizade entre Wim Wenders e Sebastião Salgado, o que influencia na apreensão da obra.
— É algo que se torna cada vez mais complexo, quando se conhece a pessoa. Quando se sabe do carinho que ele tem por tudo o que fotografa. E quando se conhece os sacrifícios em sua vida para poder fazê-lo. Tudo isso traz outras densidades. E nos tornamos mais amigos e nos demos conta de que somos dois grandes fanáticos por futebol — conclui sorrindo Wenders, que no início do ano que vem começará a filmar em Quebec, no Canadá, "Everything will be fine" ("Tudo vai ficar bem"), um longa-metragem de ficção em torno de um drama familiar.


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/o-fotografo-sebastiao-salgado-na-mira-da-camera-5104275#ixzz1x1ZrGb5j