Aninha Franco em Oríki para Yemanjá, Dois de Fevereiro,
Ela perdoa tudo menos a ausência, por isso vá e peça proteção à rainha das águas que vem da casa de Olokum, a que usa um vestido de contas no mercado, a que espera orgulhosamente sentada diante do Rei, a que vive nas profundezas das águas, a que anda em volta da cidade, a que quando insatisfeita derruba pontes, a que é proprietária de um fuzil de cobre, a que é nossa mãe de seios chorosos, Odó Iyá.
Se banhe, vista uma roupa branca e leve um oriki para cantar perto das águas, com o olhar límpido, a emoção transparente, uma fantasia nos olhos, nas mãos, um truque para desembaraçar cabelos, no coração, a promessa de exterminar garrafas pet, óleos, manchas e as vilezas que ameaçam a vida. Entregue o presente e depois se separe da lucidez que a vida é isso, passagem rápida para lugar nenhum em que só vale a pena o que não pesa. Se a alma estiver doída, molhe a cabeça nas águas dela que passa. Ela sabe tudo, sabe que o ser humano foi depravado pelo poder, é ambicioso e traiçoeiro, é pequeno, e que as vítimas e algozes se confundem num jogo sem fim e sem finalidades. Mas se a alma estiver em paz, agradeça. E se estiver apaixonado, agradeça muitas vezes, porque a dádiva da paixão não tem dinheiro que pague.
Não peça coisas inúteis. Dinheiro se pede a banco, à Sorte, ao Destino. Os deuses existem para que nós sejamos melhores diante de coisas que não têm solução como a Morte, a Dor, a Impotência, a Inimizade. Peça para enxergar com clareza e ouvir com precisão, peça sabedoria e humildade que ela atende porque tem de sobra no fundo das águas. Peça a persistência das ondas para sobreviver aos desenganos.
Depois ouça os sons que chegam de todos os lugares e pense no dever dolorosíssimo dos deuses de ouvir os pedidos de cada um dos milhares que estarão lá querendo conforto, carinho e proteção como você, como eu, como todos nós cantando, comendo, bebendo, pagãos como nos foi dado ser. Pense nisso e entenda a solidão em que Eles vivem. Ela aceitará.