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domingo, 16 de outubro de 2011

Sobre Todas as Coisas - Zizi Possi



Pelo amor de Deus
Não vê que isso é pecado
Desprezar quem lhe quer bem
Não vê que Deus até fica zangado
Vendo alguém abandonado
Pelo amor de Deus

Ao Nosso Senhor
Pergunte se Ele produziu nas trevas o esplendor
Se tudo foi criado - o macho, a fêmea, o bicho, a flor
Criado pra adorar o Criador

E se o Criador
Inventou a criatura por favor
Se do barro fez alguém com tanto amor
Para amar Nosso Senhor

Não, Nosso Senhor
Não há de ter lançado em movimento terra e céu
Estrelas percorrendo o firmamento em carrossel
Pra circular em torno ao Criador

Ou será que o deus
Que criou nosso desejo é tão cruel
Mostra os vales onde jorra o leite, o mel
E esses vales são de Deus

Pelo amor de Deus
Não vê que isso é pecado
Desprezar quem lhe quer bem
Não vê que Deus até fica zangado
Vendo alguém abandonado
Pelo amor de Deus

(Edu Lobo/Chico Buarque de Hollanda)

Reflexões de Caetano sobre "A Pele Que Habito" de Pedro Almodóvar


Perguntei a Pedro e ele disse que não sabia que Vera Cruz foi o primeiro nome do Brasil

No filme “A pele que habito”, Pedro Almodóvar faz curiosas referências ao Brasil. Embora muita gente tenha dito (e ele próprio tenha, de certa forma,anunciado antes de o rodar) que este filme seria diferente daqueles que o fizeram mundialmente famoso, Pedro aqui volta ás fábulas sobre identidade e gênero, força vital e amoralidade, dos seus trabalhos mais característicos. Este último elemento, a amoralidade, é algo que ele tem, para o bem e para o mal, vinculado á imagem do Brasil que foi construindo mentalmente. Em entrevistas, ele disse que não apenas o pionerismo brasileiro no progresso técnico das cirurgias plásticas (ele sempre cita Pitanguy) – e a paixão brasileira por esse tipo de operação – o levou a escolha do nome Gal para a “pele” criada pelo cientista interpretado por Antonio Bandeiras; á canção “ Pelo amor de amar”; e ao nome Zeca para o irmão do protagonista, que chega a Madri vindo da Bahia: o clima “amoral “ da vida brasileira foi igualmente decisivo.



Como ele mesmo relembra, frequentemente se ouvem canções ou gravações brasileiras em seus filmes. A mim, sempre me fascinou que, dentre de todas as versões existentes de “ Ne me quittes pas”, ele tenha escolhido, para “ A lei do desejo”, a de Maysa. Pedro nunca tinha vindo ao Brasil quando fez essa escolha. Foi uma percepção direta do clima ideal para a cena, uma empatia com o feeling. A voz de Elis na cena da tourada de “Fale com ela” soa estarrecedora – para os ouvidos não lusófonos, por dizer tanto em seu enigma; para nós, porque a reconhecemos próxima e límpida, como que destacada da imagem. Em “A pele que habito” ouvimos a voz de uma criança espanhola cantando as palavras em português da canção que Pedro conta que ouviu em “Os bandeirantes”, do mesmo diretor de “Orfeu do carnaval”, que é, até aqui, a imagem mais pregnante do Brasil no vasto mundo. A menina que canta será pivô da intricada trama geradora das situações meio fascinantes meio escabrosas que definem o filme.



Em entrevistas – e, até certo ponto, no tom do filme – Pedro se refere ao personagem de Banderas como um psicopata amoral, frisando que o filme trata, entre outras coisas, de abuso do poder. Tudo isso é verdade. E o médico vivido por Banderas é um tipo frio de tirano moralmente insalvável. Mas o fato é que a gente, vendo o filme, não pode deixar de pensar em “Áta-me”, onde o mesmo ator pratica ações que, se contadas a frio, exigiriam uma condenação moral, sua salvação final dando-se pela graça subversiva de uma moralidade baseada no gosto direto da vida, na criação de valores a partir desse gosto.



De fato mesmo agora, nesse filme mais sombrio, quando um falso happy-ending parece redimir todos os horrores perpetrados pelo protagonista, o espectador é levado a crer que alguma reviravolta do pensamento, amparada num humor demiúrgico, se prova mais uma vez possível (no Odeon algumas pessoas ensaiaram um aplauso a esse possível desenlance). Quando finalmente o filme, num epílogo que dá outra volta no parafuso, desfaz essa vacilante (embora intensa) alegria, a desaprovação moral dos atos do protagonista se refaz – mas a reconquista da harmonia se dá num nível que está muito acima das moralidades convencionais. É uma harmonia algo melancolia e com gosto de resignação, mas em todas as marcas da vitória da luz sobre as trevas. Embora o próprio diretor tenha usado a palavra “amoral” para descrever o personagem central do seu filme (o que ele liga a suas origens brasileiras), a palavra, (inexistente?) transmoralidade, que me ocorreu mais acima , me parece definir o que se dá com viveza em seus filmes – e que não está ausente deste (talvez sim do seu filme imediatamente anterior “Abraços partidos”). Tudo isso cheira a Nietzsche, claro. Transvaloração de todos os valores etc. Que é a força nuclear do encanto dos filmes de Pedro.



Quando se revela que o nome da moça vivida por Elena Anaya é Vera Cruz, pode ser que espectadores espanhóis riam – por mil razões. Mas os brasileiros riram e pensaram, por alguns segundos, coisas embaralhadas (sentia-se na sala). Perguntei a Pedro e ele me disse que não sabia que Vera Cruz foi o primeiro nome do Brasil. E que o encantava a coincidência. A mim também me encanta e intriga. Afinal, vi Pedro reagir ao contato direto com a pele do país. Sei com que profunda fascinação ( e também urgência de evitar identificações fáceis) ele viu cenas brasileiras, entrou em contato com almas brasileiras. Chego a dizer que havia um componente de ciúme em sua excitação com o espírito do Brasil: era como se o Brasil (que já me iludi que devesse ter produzido um cinema como o de Pedro) fosse uma criação de vida transmoral que competisse com as criações artísticas dele. A desidentificação crítica sempre vinha tingida desse doce ciúme. Pedro é um rebento dos anos 60 espanhóis, que se deram nos anos 80. Ele se identifica com manifestações solidárias e rebeldes.


Estará interessado no Occupy Wall Street e Primavera Árabe como esteve nos protestos madrilenhos. E nunca de modo superficial. É inteligente e responsável. Essa seriedade ele quer salvar da confusão que se pode fazer a partir de suas fantasias fílmicas. A passagem de “A pele que habito” aqui pela terra de Vera Cruz, sem a rejeição ressentida de alguns espanhóis ou a desconfiança impotente de outros europeus, pode desnudar a inspiradora contradição aonde chegou sua filmografia.




Handle With Care - Traveling Wilburys



"Handle with Care" is the first track from the Traveling Wilburys 1988 album, Traveling Wilburys Vol. 1. Writing credits are shared by all five band members, George Harrison, Jeff Lynne, Roy Orbison, Tom Petty, and Bob Dylan.

The single reached #45 on the Billboard Hot 100 chart, #2 on the Billboard Mainstream Rock Tracks chart, #21 on the UK singles chart and #3 on the ARIA Chart

The song was originally intended as the B-side of Harrison's "This is Love". Harrison had not yet written a song for the B-side when an impromptu gathering of the musicians who became the Wilburys turned into an informal songwriting and jam session. Casting about for a song idea while relaxing in a garden near Bob Dylan's recording studio, Harrison was inspired when he noticed a box in Dylan's garage that was labeled "Handle with Care". The box also inspired the opening line: "been beat up and battered around." The complete song quickly followed, with different members of the gathering contributing various lines. The group moved to a recording studio and quickly laid down the basic tracks which were later polished by eventual Wilburys producer Jeff Lynne.

Harrison's record company decided that the song was too good to be released as "filler." Encouraged by this response and the enjoyable experience of recording together, the group re-convened to record the first Wilburys album, which featured "Handle With Care" as the lead track.


"Handle With Care"

Been beat up and battered round
Been sent up, and Ive been shot down
Youre the best thing that Ive ever found
Handle me with care

Reputations changeable
Situations tolerable
Baby, you're adorable
Handle me with care

Im so tired of being lonely
I still have some love to give
Wont you show me that you really care

Everybodys got somebody to lean on
Put your body next to mine, and dream on

Ive been fobbed off, and Ive been fooled
Ive been robbed and ridiculed
In day care centers and night schools
Handle me with care

Been stuck in airports, terrorized
Sent to meetings, hypnotized
Overexposed, commercialized
Hand me with care

Ive been uptight and made a mess
But I'll clean it up myself, I guess
Oh, the sweet smell of success
Handle me with care

Sutilezas - Rosa Passos - (Dream away!)


BOM DOMINGO PARA TODOS

Gilberto Gil e Maria Rita

E a democracia toda, quanto é?

O Partido Socialista francês realizou o primeiro turno das suas eleições “primárias”. Mas a abertura pode bem ser apenas a de uma frincha da janela. Senão vejamos, quanta democracia cabe num processo de “primárias abertas”?
 
O Partido Socialista francês realizou o primeiro turno das suas eleições “primárias”. Mas a abertura pode bem ser apenas a de uma frincha da janela. Senão vejamos, quanta democracia cabe num processo de “primárias abertas”?
O Partido Socialista francês realizou, neste último fim-de-semana, o primeiro turno das suas eleições “primárias” de forma a escolher qual candidato do partido se irá bater com o desgastado e impopular Nicolas Sarkozy nas presidenciais de 2012. Até aqui nada de novo. O elemento inovador do processo foi a sua abertura a todos os eleitores inscritos nos cadernos eleitorais franceses, ou seja, todos os cidadãos, fossem ou não militantes do PS, podiam votar desde que preenchessem duas condições – assinar um compromisso simples de adesão aos valores republicanos e da esquerda* e contribuir com a módica quantia de… 1 euro (para as ajudas de custo do pleito). Dois milhões de eleitores responderam ao apelo e foram às urnas, tendo o ex-secretário do partido, François Hollande, alcançado 39% dos votos seguido pela actual secretária do partido, Martine Aubry, com 31%. Uma segunda volta, nos mesmos moldes, terá lugar no próximo domingo.
A operação de charme foi considerada um sucesso e nesta segunda-feira dezenas de jornais europeus rasgaram longos elogios ao processo. Por cá a “entrega da escolha dos candidatos à sociedade” já tinha sido um dos temas na eleição do líder do PS que habita ali no largo do rato, com Assis a defender o mesmo modelo de primárias. António José Seguro, na altura, chutou para canto mas o processo francês irá, com certeza, fazer caminho na social-democracia europeia, levantando algumas questões a que devemos estar atentos.
Porquê agora?
Os partidos socialistas europeus, sobretudo os do sul da Europa, já fizeram da democracia a sua principal bandeira. Quem não se lembra de Mário Soares e do muro que dividia o PS do PCP? – “Sociedade sem classes sim, mas em democracia.” Ao mesmo tempo, a Internacional Socialista armava com o elã democrático as suas secções europeias e latino-americanas. Face às ditaduras de então a democratização era todo um programa. Mas conhecemos o caminho que percorreram desde então, com o socialismo a entrar na gaveta e os partidos de Mubarak e Ben Ali na Internacional Socialista.
O desgaste da democracia e o surgimento de um discurso de ódio aos partidos é, em boa parte, responsabilidade da capitulação planeada da social-democracia europeia à ditadura dos mercados e ao modelo de democracia de baixa intensidade. Numa altura em que os ventos árabes derrubaram do poder os seus camaradas, em que a voz das praças se faz ouvir com a exigência da democracia por inteiro e que a direita se queima nos governos europeus, os líderes socialistas procuram não perder a mão, é necessário abrir “a nossa porta à sociedade”.
A sociedade é que manda?
Mas a abertura pode bem ser apenas a de uma frincha da janela. Senão vejamos, quanta democracia cabe num processo de “primárias abertas”? Os candidatos são os do partido mas os votantes não, ou seja, é a forma pura da prepotência partidária e do confinamento democrático do cidadão. A democracia caricaturada no voto de quatro em quatro anos para o governo ou autarquias é copiada para o interior dos partidos, vota-se no candidato a partir do programa que este apresenta e dos debates da TV. É um processo fechado onde a militância não conta ou opina, onde a construção programática não tem lugar e onde o candidato tudo pode depois de eleito. É uma escolha de risco bem medido para estes partidos, onde o poder cidadão começa e termina num voto de escolha controlada.
Então e a democracia toda?
A liberdade de tomar partido foi uma das mais importantes conquistas do movimento dos trabalhadores. A representação parlamentar e o voto universal custaram duras perdas e permitiram a expansão da democracia a um nível nunca antes visto (as mulheres que o digam). Mas mais do que isso, a escolha de tomar partido permitiu a identificação de campos distintos na realidade social, dotando a consciência colectiva de que o interesse nacional se acaba onde se bifurcam interesses inconciliáveis. É por isso que a crítica anti-partidos deve ser rejeitada. Primeiro porque todos os partidos têm uma história e uma forma de funcionamento própria. Nos últimos meses de catástrofe social, ou nos trinta e sete de democracia os partidos não foram todos iguais e sabemos onde foram diferentes. E depois porque a forma partido continua a ser um espaço de catalisação das lutas e de escolha colectiva pela superação deste sistema.
É claro que, nestes tempos de resistência, a resposta não se esgota nos partidos, tem até transbordado muito para lá deles e não pode haver escala hierárquica entre o activista partidário e o social, que de resto confluem tantas das vezes. Mas saber distinguir entre o engodo de uma democracia controlada, onde o partido evapora-se no markting de uma abertura postiça e oca e a proposta de uma mudança radical onde cabem todos e todas que sabem que a democracia é um processo em construção que faz parte da resposta ao ataque anti-democrático dos mercados, constitui um dos maiores desafios aos novos espaços de mobilização e luta.

* “Reconheço-me nos valores da República e da Esquerda, no projecto de uma sociedade de liberdade, igualdade, fraternidade, laica, justa e de progresso solidário.”
Adriano Campos
Sociólogo, activista precário
 

Os grandes bancos e a crise

Após a falência do Dexia, um importante banco franco-belga-luxemburguês, os governantes europeus estão prestes a decidir que o projecto social europeu morra para que os bancos vivam.
Há 50 meses a bolha imobiliária rebentou. Os grandes bancos centrais primeiro pensaram que era como os rebentamentos de outras bolhas e que podia resolver-se injectando liquidez nos mercados financeiros. Após as generosas injecções foi ficando claro que desta vez tratava-se de um problema maior, associado ao funcionamento do sector financeiro. Na realidade, o que rebentou foi a forma de funcionamento dos bancos, tanto comerciais como de investimento, juntamente com um novo sistema financeiro, a banca na sombra, que surgiu para operar à margem de uma regulação já por si lassa. Em poucos meses a recessão generalizou-se nas grandes economias, com impacto nas emergentes.
Praticamente, todos os governos do mundo entenderam que era indispensável tomar medidas para deter a recessão. Além disso, entenderam que as intervenções fiscais tinham que ser coordenadas mundialmente. O G-20 concordou com substanciais planos fiscais destinados a reverter o momento recessivo da crise. Houve programas de resgate das empresas bancárias, nos quais se utilizaram recursos públicos para salvar interesses privados. A imperante onda privatizadora neoliberal, vigente apesar da crise, impediu que os governos exigissem que os bancos resgatados passassem para o controlo governamental. Assim, os grandes bancos conseguiram subsistir como negócios privados.
Dois anos depois do Agosto negro de 2007, as economias desenvolvidas superaram a recessão graças aos programas fiscais e monetários aplicados. Pouco a pouco, o resto das economias do mundo foram tendo resultados positivos na produção, sem que se apresentassem problemas significativos nos preços. O FMI advertiu que era preciso manter os estímulos fiscais, enquanto não se consolidasse a recuperação. Apesar destes apelos, os bancos europeus exigiram que os países sobre-endividados garantissem o cumprimento das suas obrigações de crédito. A Grécia, primeiro, e depois a Irlanda e Portugal, tiveram que ser resgatados pela União Europeia para assegurar que garantiam os seus pagamentos aos bancos credores. Em troca, tiveram que reduzir drasticamente as despesas sociais.
Ao longo de 2010 na Europa, foi impondo-se como prioridade reduzir o défice fiscal e a dívida pública. Os mercados, isto é, os grandes investidores globais, ajudados pelas agências de rating, impuseram-se aos governos. Esta decisão política afectou o crescimento económico e a população, que tinha sido protegida dos impactos da crise com a cobertura estatal. A austeridade fiscal e as privatizações procuravam abrir espaço orçamental para cumprir com as exigências dos bancos credores. O projecto social europeu, inclusivo e solidário, foi perdendo a sua definição, convertendo-se em desigual e concentrador.
Protegeram-se os bancos e os seus donos com os recursos que antes se destinavam à população mais atingida. Os bancos europeus, no entanto, fortemente comprometidos com as dívidas soberanas exigiram maiores juros, dificultando o cumprimento dos programas de contenção fiscal. Em Janeiro de 2011, os problemas tinham-se agravado. A recuperação económica não se consolidou, de modo que a nova prioridade reduziu substancialmente o crescimento, complicando o cumprimento das metas fiscais.
Os problemas da zona euro ampliaram-se, abarcando a Espanha e a Itália, o que questionou a viabilidade da moeda única. O eixo franco-alemão foi respondendo com lentidão à crise da dívida soberana, contribuindo com isso para o incremento das dificuldades. A segunda volta do resgate grego, aprovada há meses pelos governos e ainda pendente da aprovação parlamentar em alguns países, demonstrou que as dificuldades não foram resolvidas e que é indispensável reestruturar essa dívida, reconhecendo perdas bancárias. Ainda que seja possível que o projecto social europeu subsista, isso não ocorrerá com estes governantes.

Artigo de Orlando Delgado Selley, professor de economia da Universidade Autónoma da Cidade do México, publicado no jornal mexicano La Jornada, traduzido para português por Carlos Santos para esquerda.net

Como o sistema financeiro mundial criou a dívida

Ao contrário da crença popular, o dinheiro que circula pelo mundo não é criado pelos governos, mas sim pela banca privada em forma de empréstimos, que são a origem da dívida. Este sistema privado de criação de dinheiro tornou-se tão poderoso nos últimos dois séculos que passou a dominar os governos em nível mundial. No entanto, este sistema contém em si próprio a semente da sua destruição e é o que estamos experimentando na crise atual. Dados os seus níveis colossais, trata-se de uma dívida impagável.

Marco Antonio Moreno - El Blog Salmón


O colapso econômico é iminente. Os países mais industrializados do mundo enfrentam uma grande crise da dívida provocada pela crise do crédito de 2008, após a crise das hipotecas imobiliárias e a queda do Lehman Brothers. Estas crises originadas por um colapso do crédito costumam ser muito mais prolongadas e profundas que as crises desencadeadas por um surto inflacionário. Grande parte do mundo enfrenta este tsunami da dívida à beira da bancarrota, como acontece com Grécia, Irlanda e Portugal. No entanto, podemos falar de bancarrota quando estes países possuem enormes riquezas em capital humano e recursos produtivos? De acordo com o atual sistema financeiro, sim. E é por isso que os serviços públicos estão sendo cortados e os bens públicos privatizados.

Ao contrário da crença popular, o dinheiro que circula pelo mundo não é criado pelos governos, mas sim pela banca privada em forma de empréstimos, que são a origem da dívida. Este sistema privado de criação de dinheiro tornou-se tão poderoso nos últimos dois séculos que passou a dominar os governos em nível mundial. No entanto, este sistema contém em si próprio a semente da sua destruição e é o que estamos a experimentar na crise atual: a destruição do sistema financeiro que temos conhecido, dado que não tem nenhum tipo de saída pelas vias convencionais. Dados os seus níveis colossais, trata-se de uma dívida impagável.





Para compreender isto, há que referir que o sistema financeiro tem funcionado sempre como um gigantesco esquema ponzi, onde os novos devedores permitem manter a velocidade do crédito. Se se produz um colapso dos novos devedores, o sistema fica sem a opção de conceder mais crédito e, à medida que esta opção se cristaliza com o tempo, o sistema inteiro entra em colapso e requer injeções de liquidez na esperança de que os fluxos voltem à normalidade. A habituação do dna coletivo à dependência do crédito produziu este retorno à normalidade durante várias décadas. Mas até o dna acusa fadiga e nesta co-dependência ao crédito recorda os sintomas da escravatura: é a escravatura da dívida.

A criação de dinheiro através do sistema de reserva fracionada
Os bancos centrais são os responsáveis pela oferta monetária primária, ou base monetária, conhecida também como dinheiro de alto poder expansivo. Este dinheiro de alto poder expansivo é o que chega aos bancos privados, que são quem o reproduz pela via do crédito. A reprodução do dinheiro original depende da taxa de encaixe, ou reservas mínimas requeridas, que produz o efeito inverso: quanto menor é a exigência de reservas, maior é a quantidade de dinheiro que a banca privada cria. Isto conhece-se como o multiplicador monetário e a sua fórmula, muito simples, é m=1/r, onde m é o multiplicador monetário e r o nível de reservas exigidas em percentagem.



Deste modo, perante um nível de reservas de 50% (r=0,5 na equação), o multiplicador monetário é 2, como era nas origens da banca inglesa no ano de 1630. Se o nível de reservas é de 20%, o multiplicador monetário é 5 e se as reservas exigidas são de 10%, o multiplicador é 10 (m=1/0,1), o que indica que está a multiplicar-se dez vezes a quantidade de dinheiro real oferecida pelo banco central.

Grande parte da desregulamentação financeira promovida desde os anos 80 consistiu em dar aos bancos a maior das liberdades para o montante das suas reservas. Deste modo, a clássica norma de reservas em torno de 10% ou 20% foi reduzida a níveis de 1%, e mesmo inferiores, como aconteceu com Citigroup, Goldman Sach. JP Morgan e Bank of America, que, nos momentos mais sérios, afirmavam ter uma taxa de encaixe de 0,5%, com o qual o multiplicador (m=1/0,005) permitia criar 200 milhões de dólares com um só milhão em depósito. E no período da bolha, as reservas chegaram a ser inferiores a 0,001%, o que indica que por cada milhão de dólares em depósito real, se criavam 1.000 milhões do nada.



Esta foi a galinha dos ovos de ouro para a banca. Uma galinha que era de todas as formas insustentável e que foi assassinada pela própria cobiça dos banqueiros que se aproximaram do crescimento exponencial do dinheiro até que este entrou em colapso, demonstrando que toda a ficção se asfixia na conjectura e nada é senão o que é. A solução que os bancos centrais ofereciam era muito simples: mal havia um aumento da inflação, elevavam a taxa de juro para assim encarecerem o crédito e bloquearem os potenciais novos empréstimos (cortando, desta forma, potenciais novos empréstimos) e incentivando, a taxas mais altas, o “aforro” seguro dos prestamistas.

Entende-se agora o abismo em que estamos e por que razão governos e bancos centrais correm a tapar esses enormes buracos que o dinheiro falsamente criado deixou? Entende-se por que razão a Fed e o BCE correm a resgatar o lixo dos ativos tóxicos criado neste tipo de operações? Se ainda há dúvidas, deixo aqui este vídeo (ver acima) que pode ajudar a compreender parte importante deste fenômeno. Este documento foi realizado em 2006 e contém sérias advertências que não foram ouvidas nem pelos governos nem pelas pessoas. Por algo será.



(*) Artigo publicado em El Blog Salmón, traduzido por Ana Bárbara Pedrosa para esquerda.net