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quinta-feira, 25 de julho de 2013

Rubem Braga é “obrigado até a beber para esquecer”


Autor: Pedro Corrêa do Lago

16/01/2013

O centenário de Rubem Braga mostrou que as duas décadas passadas desde sua morte não lhe trouxeram o progressivo esquecimento que é o destino da maioria dos cronistas.

Seu anedotário é infinito, mas nesse centenário − que encheu as paginas dos jornais do Rio e de São Paulo – seu apartamento de cobertura na rua Barão da Torre, em Ipanema, onde recebia os amigos, foi um dos assuntos mais evocados, assim como as noites de muita bebida e boa conversa.

Dois documentos permitem evocar aqui a figura de Rubem Braga.

O primeiro, uma carta dirigida em 1967 a Newton Freitas (a quem Braga chamava alternadamente de Zico ou tio) na qual recomenda Ana Maria Ribas, (falecida no ano passado) como uma “flor de moça” e onde Braga pede a Zico: “Trate-a bem, e a apresente a gente boa. Seja cavalheiro!”

Três grandes amigos, Cícero Dias, João Leite e Arnaldo Pedroso d´Horta, que moram fora do Rio de Janeiro, o visitam no momento da carta, e Braga, que os acompanha boa parte do tempo, comenta a que ponto teve que “adaptar” sua rotina: “Imagine o trabalho que não tenho tido. Sou obrigado até a beber para esquecer”.

Em seguida, evoca a possibilidade de nomeação de seu amigo como adido cultural em Madri, e promete falar com o então Ministro das Relações Exteriores, o politico mineiro José de Magalhães Pinto.

Braga fecha a carta mandando “muitas saudades do velho sobrinho” e deixa sob sua assinatura o famoso endereço da cobertura de Ipanema.








O outro documento data dos últimos meses de sua vida e foi evocado na crônica que Arnaldo Jabor dedica em forma de carta ao centenário de seu amigo, intitulada “Caro Rubem Braga”. No último parágrafo da “carta” que manda a Rubem Braga por seus 100 anos, Jabor diz: “Depois, você morreu. Soube emocionado que você contratou a própria cremação - foi a São Paulo e o funcionário perguntou: "Pra quem é?" "Para mim mesmo", respondeu você, poeta macho”.

A tal declaração foi de fato preenchida por Rubem Braga num formulário oficial de São Paulo, quatro meses antes de sua morte e o original está reproduzido nesta página.

Depois da menção impressa “São Paulo”, no formulário, o escritor insiste em escrever “Rio”, em sua letra.





http://revistapiaui.estadao.com.br/blogs/questoes-manuscritas/geral/rubem-braga-e-obrigado-ate-a-beber-para-esquecer

LUA COM FRIO




Nei Duclós


Ponha na roda a palavra que é fogo lento e sobe até o teto.

Passaste por acaso no meu inverno, calor que derrete mesmo de longe.

Ventas para que eu te navegue, vela que desfaz a âncora. Levas o que mais me atinge:
tua lembrança

Amor não é motivo de poesia, disse o sábio. Deverias ajoelhar no milho da disciplina rígida em vez de ficar de olhar perdido na vaga estrela guia.

Tudo o que escreves não passa de besteira, disse ela ao romper comigo. E foi-se embora levando os poemas.

Inventei perder-me para que desconfiasses. Mas tua indiferença não persegue cheiros.

Sonha comigo, pelo menos isso. Já que não passeias na via láctea do meu beijo.

Quando cansaste de mim, fiz outros versos. E mudei a rotação do meu planeta.

Queria dizer mais mas acho que já chega. Senão cairemos numa espiral de entrega. Quem vai segurar o amor querendo existir, mas em queda?

Gelei quando fizeste a mala. E era ainda verão

Abandonei meu barco quando preferiste o voo.

Te trouxe pela cabresto, esfinge marítima.

É bom que sejas de Lua. Recomeças quando ficas cheia.

A Lua rola no morro, moeda de metal nobre, objeto de um tesouro que escapou da eternidade.

Lua friorenta ilumina o gelo, meu coração de pedra, à espera do que perdi para sempre.

Houve um equívoco. O que está nascendo agora é o sol, não a Lua cheia.

A Lua fica na terra. Em teu olhar que me amarra.

Abra o sol na minha chuva, lã dos olhos de vidro.

A esplêndida lua cheia coloca ovos de incêndio, clones de si mesma, na alma devassada pela massa polar.

A lua é flor que cultuas para que eu colha antes da chuva.

O verso não veio, ficou com frio. A não ser que confesses o quanto ele perde quando não te lê.

A toda hora peço para deixar-te, mas o coração não me obedece.

A pressão para te esquecer aumenta, mas não há desistência. Cada amanhecer me alimenta.

Confessou enfim que sentiu falta. Ato falho sem remendo. Não pode mais fingir indiferença.

O conhecimento cansa a palavra, que boceja. Ela prefere a dança. O duro é aguentar a conversa do partner ignorante.

A noite é quando o dia pensa.

Frio é quando te afastas.

Penso junto contigo para que voltemos ao corpo embevecidos de linguagens diversas.

Entre milhares de versos, escolheste o meu. Olho de lince, coração a mil.


http://outubro.blogspot.com.br/2013/07/lua-com-frio.html