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sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Santo de casa faz milagre - Mariene de Castro



Queridos amigos, 2012 à altura de vocês, bjs
Agradecimento especial para Maria Olivia Soares, irmã atenta e generosa, razão da minha alegria em repartir com vocês o canto da Bahia e muitos outros em CDs enviados com amor.
Muita luz pra iluminar nossos caminhos!!!!

Abraço arrochado...

regina


desejo inalcançado

Um só pedido no ano que se finda

Um único desejo e meta

não alcançado, pelo visto,

irreconciliável distância...

RS 12/30/11




bitter-sweet alienation



Não há ilusões, acha. Assiste, desdenhoso, a outro episódio da vida alheia e fuma o centésimo cigarro. Ri, aplaude, anui. Não há ilusões, confirma. E por isso, continua a mesma lenga-lenga, semana após semana, pretendendo seduzir a plateia e enganar-se a si mesmo. E consegue.

«So, so you think you can tell heaven from hell,
blue skies from pain
Can you tell a green field from a cold steel rail?
A smile from a veil
Do you think you can tell?

And did they get you to trade your heroes for ghosts? Hot ashes for trees
Hot air for a cool breeze?
Cold comfort for change?
Did you exchange a walk on part in the war for a lead role in a cage?

How I wish, how I wish you were here
We're just two lost souls swimming in a fish bowl, year after year
Running over the same old ground
What have we found?
The same old fears
Wish you were here»

Roger Waters
 
 

Todos nus

Naked Crisis


He can see through clothing!
Nus somos todos mais pare­ci­dos uns com os outros. Nua, a nossa empro­ada e anti­pá­tica vizi­nha de casa pas­sa­ria a ter um ar bas­tante mais abor­dá­vel. Nu, o nosso ges­tor de conta até pare­ce­ria um ser humano. Creio que nus, os nos­sos polí­ti­cos, per­de­riam a capa­ci­dade de men­tir. Todos nus e tal­vez esta crise eco­nó­mica fosse mais fácil de suportar.
From “Naked People”
Clothing is our second skin. It dis­gui­ses, reve­als– it can reflect our inner­most being or con­ceal it. Through one’s clothing, he or she is able to exhi­bit his or her pro­fes­sion, social sta­tus, or mood. A suit lets us assume the bea­rer is a ban­ker, office wor­ker, insu­rance agent… In our soci­ety this is a dis­tin­guishing cha­rac­te­ris­tic of res­pec­ta­bi­lity. But, how often is such an assump­tion true? Can we abso­lu­tely trust this cove­ring? What really is under­ne­ath? Could the illu­sion be des­troyed at the dis­co­very of a tat­too, or leave the per­son as ins­cru­ta­ble as before?
Go see.

http://www.escreveretriste.com/

Tu e eu


Somos diferentes, tu e eu.
Tens forma e graça
e a sabedoria de só saber crescer
até dar pé.
Eu não sei onde quero chegar
e só sirvo para uma coisa
- que não sei qual é!
És de outra pipa
e eu de um cripto.
Tu, lipa
Eu, calipto.

Gostas de um som tempestade
roque lenha
muito heavy
Prefiro o barroco italiano
e dos alemães
o mais leve.
És vidrada no Lobo
eu sou mais albônico.
Tu, fão.
Eu, fônico.

És suculenta
e selvagem
como uma fruta do trópico
Eu já sequei
e me resignei
como um socialista utópico.
Tu não tens nada de mim
eu não tenho nada teu.
Tu, piniquim.
Eu, ropeu.

Gostas daquelas festas
que começam mal e terminam pior.
Gosto de graves rituais
em que sou pertinente
e, ao mesmo tempo, o prior.
Tu és um corpo e eu um vulto,
és uma miss, eu um místico.
Tu, multo.
Eu, carístico.

És colorida,
um pouco aérea,
e só pensas em ti.
Sou meio cinzento,
algo rasteiro,
e só penso em Pi.
Somos cada um de um pano
uma sã e o outro insano.
Tu, cano.
Eu, clidiano.

Dizes na cara
o que te vem a cabeça
com coragem e ânimo.
Hesito entre duas palavras,
escolho uma terceira
e no fim digo o sinônimo.
Tu não temes o engano
enquanto eu cismo.
Tu, tano.
Eu, femismo.

Luis Fernando Verissimo

sonho desfeito






No oitavo dia sentimos que tudo conspirava contra nós. Que importa a uma grande cidade que haja um apartamento fechado em alguns de seus milhares de edifícios; que importa que lá dentro não haja ninguém, ou que um homem e uma mulher ali estejam, pálidos, se movendo na penumbra como dentro de um sonho?

Entretanto a cidade, que durante uns dois ou três dias parecia nos haver esquecido, voltava subitamente a atacar. O telefone tocava, batia dez, quinze vezes, calava-se alguns minutos, voltava a chamar; e assim três, quatro vezes sucessivas.

Alguém vinha e apertava a campainha; esperava; apertava outra vez; experimentava a maçaneta da porta; batia com os nós dos dedos, cada vez mais forte, como se tivesse certeza de que havia alguém lá dentro. Ficávamos quietos, abraçados, até que o desconhecido se afastasse, voltasse para a rua, para a sua vida, nos deixasse em nossa felicidade que fluía num encantamento constante.

Eu sentia dentro de mim, doce, essa espécie de saturação boa, como um veneno que tonteia, como se meus cabelos já tivessem o cheiro de seus cabelos, se o cheiro de sua pele tivesse entrado na minha. Nossos corpos tinham chegado a um entendimento que era além do amor, eles tendiam a se parecer no mesmo repetido jogo lânguido, e uma vez, que, sentado, de frente para a janela por onde se filtrava um eco pálido de luz, eu a contemplava tão pura e nua, ela disse: "Meu Deus, seus olhos estão esverdeando":

Nossas palavras baixas eram murmuradas pela mesma voz, nossos gestos eram parecidos e integrados, como se o amor fosse um longo ensaio para que um movimento chamasse outro: inconscientemente compúnhamos esse jogo de um ritmo imperceptível, como um lento bailado.spacca_braga2.jpg (17305 bytes)

Mas naquela manhã ela se sentiu tonta, e senti também minha fraqueza; resolvi sair, era preciso dar uma escapada para obter víveres; vesti-me lentamente, calcei os sapatos como quem faz algo de estranho; que horas seriam?

Quando cheguei à rua e olhei, com um vago temor, um sol extraordinariamente claro me bateu nos olhos, na cara, desceu pela minha roupa, senti vagamente que aquecia meus sapatos. Fiquei um instante parado, encostado à parede, olhando aquele movimento sem sentido, aquelas pessoas e veículos irreais que se cruzavam; tive uma tonteira, e uma sensação dolorosa no estômago.

Havia um grande caminhão vendendo uvas, pequenas uvas escuras; comprei cinco quilos. O homem fez um grande embrulho de jornal; voltei, carregando aquele embrulho de encontro ao peito, como se fosse a minha salvação.

E levei dois, três minutos, na sala de janelas absurdamente abertas, diante de um desconhecido, para compreender que o milagre acabara; alguém viera e batera à porta, e ela abrira pensando que fosse eu, e então já havia também o carteiro querendo o recibo de uma carta registrada, e quando o telefone bateu foi preciso atender, e nosso mundo foi invadido, atravessado, desfeito, perdido para sempre — senti que ela me disse isso num instante, num olhar entretanto lento (achei seus olhos muito claros, há muito tempo não os via assim, em plena luz), um olhar de apelo e de tristeza onde entretanto ainda havia uma inútil, resignada esperança.


Texto extraído do livro "Figuras do Brasil – 80 autores em 80 anos de Folha", Publifolha – SP, 2001, pág. 132.

Ilustração: Spacca

João Spacca de Oliveira (1964), nasceu em 1964, em São Paulo (SP), é cartunista e ilustrador. Fez "storyboards" para filmes publicitários no começo da carreira, depois, entre 1985 e 1995, criou charges políticas para o jornal "Folha de São Paulo" e ilustrou o suplemento infantil "Folhinha" por dois anos. Escreveu histórias em quadrinhos para as revistas "Níquel Náusea" e "Front", e também trabalhou com animação. Atualmente faz charges para a versão on-line do "Observatório da Imprensa" e para publicações empresariais. Ilustrou , para a "Companhia das Letrinhas", "O Mário que não era de Andrade", de Luciana Sandroni; "O jogo da parlenda", de Heloísa Prieto; "A reunião dos planetas", de Marcelo Oliveira; e "Vice-versa ao contrário", de vários autores. Escreveu e ilustrou "Santô e os pais da aviação — A jornada de Santos-Dumont e de outros homens que queriam voar" (vencedor do prêmio HQMIX 2006 nas categorias Desenhista Nacional, Edição Especial Nacional e Roteirista Nacional); "Debret em viagem histórica e quadrinhesca ao Brasil", e "D. João Carioca — A corte portuguesa chega ao Brasil (1808 - 1821)", publicados pela Cia. das Letras. Em 2005, Spacca recebeu o primeiro prêmio de charge no Salão Internacional de Humor de Piracicaba.


Um belo texto

O Desaparecido

Rubem Braga




Tarde fria, e então eu me sinto um daqueles velhos poetas de antigamente que sentiam frio na alma quando a tarde estava fria, e então eu sinto uma saudade muito grande, uma saudade de noivo, e penso em ti devagar, bem devagar, com um bem-querer tão certo e limpo, tão fundo e bom que parece que estou te embalando dentro de mim.

Ah, que vontade de escrever bobagens bem meigas, bobagens para todo mundo me achar ridículo e talvez alguém pensar que na verdade estou aproveitando uma crônica muito antiga num dia sem assunto, uma crônica de rapaz; e, entretanto, eu hoje não me sinto rapaz, apenas um menino, com o amor teimoso de um menino, o amor burro e comprido de um menino lírico. Olho-me no espelho e percebo que estou envelhecendo rápida e definitivamente; com esses cabelos brancos parece que não vou morrer, apenas minha imagem vai-se apagando, vou ficando menos nítido, estou parecendo um desses clichês sempre feitos com fotografias antigas que os jornais publicam de um desaparecido que a família procura em vão.

Sim, eu sou um desaparecido cuja esmaecida, inútil foto se publica num canto de uma página interior de jornal, eu sou o irreconhecível, irrecuperável desaparecido que não aparecerá mais nunca, mas só tu sabes que em alguma distante esquina de uma não lembrada cidade estará de pé um homem perplexo, pensando em ti, pensando teimosamente, docemente em ti, meu amor.


Do livro "A Traição das Elegantes", Editora Sabiá - Rio de Janeiro, 1969, pág. 112, extraímos o texto acima.



O mundo é grande


O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.


(Carlos Drummond de Andrade in “Amar se Aprende Amando”)