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terça-feira, 30 de abril de 2013

Dos Suspiros ou Meus Sapatinhos Vermelhos


Um Salto Para o Abismo
Passei um tempo, muito tempo, sem pensar na clínica que deixei. E ponho-me a pensar se, afinal, isto não se deu porque, de alguma forma, algo ficou. Aqui, talvez. Interpretar, como escrever, é possibilitar sentidos antes insuspeitos. Manifestas na linguagem, interpretação e escrita caracterizam-se por não serem unívocas, ou seja, não dizem, nunca, exatamente tudo Porque há, sempre, o impossível de dizer (isso não é novo, of course, de Lacan e seus intérpretes à Clarice, um vasto mundo de melhores ditos sobre o tema se destacam em relação e este meu). Escrita e interpretação insistem, emergem nesse terreno: justamente o que não pode ser todo dito, não pode, de todo, deixar de ser dito. É no impasse que escrevo. A escrita tem vezes de tirana, impõe-se. É estéril perguntar para quem escreve? Porque escreve? Para que? Não há resposta para isto senão o ato mesmo de fazê-lo. Uma de minhas mais queridas escritoras, M. Duras, diz (diz? escreve!) que a escrita "permite ao escritor dizer para si mesmo que não é preciso se matar todos os dias, visto que é possível matar-se a qualquer dia" (quanto a isso tem sempre o delicioso texto de Verissimo: O Suicida e o Computador, eu, se fosse você, lia). Assim, vir aqui diariamente é escolher do que não quero morrer hoje. 

Ou, talvez, do que quero. Porque viver é justamente isso: um dia a menos. Eu lembro - ou gosto de pensar que sim - de quando aprendi a suspirar. Você lembra? Suspiros são pequenas morte, menores que os orgasmos, maiores do que nossa impávida e maquinal ação de inspirar/expirar. Suspirar é admitir. Admitir uma falta, uma ausência, um erro, um limite. Suspirar é indicar a medida do impossível. Há toda uma gama de ensaios de suspiros na minha infância, eu imagino: a primeira fome, o primeiro brinquedo guardado, a hora de dormir, o primeiro não. São ensaios, são ensaios. O primeiro suspiro que devo ter dado, eu lembro (lembro? claro que não, mas gosto de reinventar-me assim) foi para Bogart. Ou por ele, melhor dizendo. Em que filme? Em qualquer. O olhar cansado, a capa de chuva - sim, devia ser marlowe; o andar tão firme, as tristezas tão grandes. Meu primeiro suspiro deve ter sido por ele, quero que tenha sido. O Bogart  de uma mágoa que nos obseda, esse é o apelido do meu primeiro anseio. Mas ainda não é Bogart que vem ocupar este post. 

Meu suspiro mais profundo, o que não foi o primeiro mas é paradigma de todos que lhe sucederam e referência pra todos que o antecederam, este suspiro se fez ao ver Sapatinhos Vermelhos (The Red Shoes, 1948). Qual Cisne Negro, foi o que tive vontade de exclamar algumas vezes e o faço agora. Porque não há um olhar sobre o palco e a dança como este. Não há um horror infantil mais adulto que este. E não há cores, nem passos, nem impossibilidades e escolhas, ah, não há sapatilhas como estas. Pode haver tema mais atual do que a pergunta: ou isto ou aquilo? O amor ou o trabalho? Uma hora pergunta-se: "porque você quer dançar?" ao que se responde "Porque você quer viver?" [já havia, talvez, neste meu gosto, o motivo deste post: porque você quer escrever? porque você quer viver?].

Sapatinhos Vermelhos é um filme sobre a paixão. Sobre o que ela nos dá. Sobre o que nos cobra. É um filme sobre uma febre. Um filme de dolorosa beleza. O que são aquelas cores, senhor? O vívido vermelho, o denso preto, o azul profundo...cada cor tem algo a dizer. O Techinicolor enriquecido de sentido. Há tudo aqui: a busca da perfeição, o extremo esforço diário, o cansaço dos longos ensaios, a excitação ante o público, o arrebatamento que a arte propicia, o vazio que acompanha todos os "depois" conhecidos. Há momentos expressionistas nas cores, cenários, pequenos efeitos visuais. Um filme de direção forte e sensível, a cena do ballet é primorosa. Não há medo, nenhuma tentativa de agradar, nenhuma infantilização da linguagem. 

Foi aí que aprendi a suspirar. Que aprendi a reconhecer que algo falta, sempre. Que aprendi a viver morrendo e a fazer de cada automático respiro uma tentativa de beleza. Que aprendi que há um compromisso em calçar as vermelhas sapatilhas. Que é uma escolha. Que é uma escolha,  repito, todas as vezes que paro e escrevo. Cada letra, cada dito, uma opção. Um suspiro feito post, feito texto. Um reconhecimento, também, de que não é tudo. E de que se há de prosseguir tentando, mesmo já se sabendo do impossível desta empreitada. Que é o mesmo que viver. Minúscula piada que adotamos a ferro e fogo.

O vermelho voltou-me ainda aos sapatos e suspiros quando O Mágico de Oz aportou nos meus olhos, mas esta estrada de tijolos amarelos eu percorrerei outro dia.


Pela net, achei coisas. O trailler, delicioso. Trechos do filme, hipnóticos. Informações de uma cópia restaurada que preciso ter. E há, claro, a cena do ballet, que trago pra cá, pra habitar entre as Borboletas, hoje, todas elas vermelhas. Como meus sapatos:




http://borboletasnosolhos.blogspot.pt/2011/03/dos-suspiros-ou-meus-sapatinhos.html

all that JAZZ


INTERNATIONAL JAZZ DAY GLOBAL CONCERT WEBCAST

Live from Istanbul, Turkey at live.jazzday.com
9pm (Istanbul) / 7pm (London) / 2pm (New York) / 4am (Sydney - May 1st)






Distâncias



 Não tenho tempo, corre, corre, rápido, vai, ligeiro, não tenho tempo, não dá, não cabe. E, de repente. Todo esse nada diante de mim. Tudo errado, hora, lugar, jeito. Errada, torta, manca, esquerda, todos os planos feito papel am...assado no fundo da bolsa e o tempo, alto, largo e fundo, feito zombaria.

Tempo material, pedra na vidraça, cotoco, careta. Tempo que sobra, que cutuca, que pergunta, que é, impávido, e eu aqui, sem saber, sem fazer, sem dizer. Querendo o “e se”. O mundo paralelo. Aquele dos finais felizes. Das coisas que encaixam. Do universo que conspira.

Passa tempo tic-tac, tic-tac passa a hora, podia aproveitar, útil ou gozo, tempo, tempo, tempo, vou te fazer um pedido, mas só quero o que queria, tento e agora nada me tenta. Vejo a noite se fazer lá fora, se fazer em mim, manta áspera, limite. Noite sem suspiro, sem anseio, sem vontade. Sem soluço, sem tristeza, sem agonia.

Penso nisso amanhã, penso nisso amanhã, scarlett tupiniquim. Mas o que faço com todos esses minutos que insistem em não sair do peito?

http://borboletasnosolhos.blogspot.pt/