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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Por que É Proibido Pisar Na Grama? - Jussara Silveira

“Fenômeno Woody Allen”

POR EM 23/02/2012 ÀS 06:03 PM

Outro Oscar para Woody Allen?

publicado em
O escritor e filósofo Flávio Paranhos afirma que Woody Allen é o maior artista que já existiu e que, filosoficamente, é superior a Dostoiévski


No distante ano de 1978, Woody Allen, mesmo sem comparecer a cerimônia, conseguiu a proeza de impedir a Academia de Hollywood de fazer a desfaçatez de premiar o farsante George Lucas com os Oscar de Melhor Filme, Roteiro e Direção. De quebra garantiu para a melhor de suas musas, Diane Keaton, o prêmio de Melhor Atriz. Seu “Annie Hall” foi o grande vencedor da noite. Também foi feliz em 1987, quando “Hannah e Suas Irmãs” levou as estatuetas de Melhor Ator Coadjuvante para Michael Caine, Melhor Atriz Coadjuvante para Dianne Wiest e Melhor Roteiro Original para o próprio Allen. Depois desses anos gloriosos, volta e meia ele era lembrado, como em 2005, quando “Match Point” concorreu ao Prêmio de Roteiro Original, mas sem o impacto de antes. Contudo, na cerimônia do Oscar desse ano o seu “Meia-noite em Paris” é um azarão. Concorre a quatro estatuetas: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original e Melhor Direção Artística. Dificilmente leva nas categorias principais, mas o fato é que o sucesso de público e crítica do filme recuperou seu prestigio em Hollywood. Para tentarmos compreender o “Fenômeno Woody Allen” propomos uma entrevista com o escritor, médico e filósofo Flávio Paranhos, um dos maiores especialistas brasileiros na obra desse pequeno grande cineasta.
Ademir Luiz — Para começar, poderia nos contar como foi o seu encontro com Woody Allen?

Foi em outubro de 2008, quando fui pesquisador visitante no Departamento de Filosofia da Tufts University, Boston, com o filósofo Da­niel Dennett. Eu sabia que Woody tocava com sua banda num hotel (Carlyle) de Nova York, e por isso me programei para ir. Comprei os in­gressos com seis meses de antecedência, o que me permitiu sentar na fila do gargarejo, menos de um metro de distância dele. Eu, minha esposa e filhas. Ah, sim, e, de quebra, meu irmão e cunhada. Ele toca clarineta e sua banda é ok, mas, se você quiser ver jazz de qualidade em NYC, é melhor ir ao Blue Note ou Village Vanguard (esse último mostrado num filme de Woody, “Anything Else”). Mas quem está ali é pra ver Woody de perto. Tive a sorte ainda de encontrar também David Mamet, que deu uma canja tocando piano. Eu tinha comprado as peças de Woody numa livraria especializada em teatro com planos de levar pra ele autografar. Por coincidência, também tinha comprado a peça “No­vember”, de Mamet, mas desgraçadamente não levei comigo. Ao final, quando o cerquei (literalmente) à saída do restaurante do hotel para ele autografar, disse-lhe que estava escrevendo um livro a seu respeito. Ele, então, pediu: "Que seja verdadeiro". Provavelmente estava preocupado com as fofocas biográficas. Tentei explicar que na verdade não era sobre a vida dele, mas sobre sua obra filosófica (Woody é o maior filósofo contemporâneo), mas ele já estava longe. É tímido e arredio como parece pelos filmes.
Ademir Luiz — E sobre esse livro “verdadeiro”, ele é bem esperado por seus leitores. Como anda o processo de escrita?

Empacado. Tenho uns dois terços prontos, inclusive publiquei alguns capítulos na revista “Filosofia Ciência & Vida”, da qual sou colunista. Esse livro virou meio que uma tese, uma relação de amor e ódio. Li de­mais coisas dele e sobre ele (não biográficas, mas interpretativas), tanto que enjoei. Mas, engraçado, não enjoo de seus filmes. Vejo sempre, perdi a conta das vezes. Minha última aquisição é um audiobook com a obra em prosa (quase) completa dele, lida por ele mesmo.

Roberta Ribeiro — O sr. é também professor de Ética no curso de medicina da PUC-GO. Woody Allen, em muitos de seus filmes, como por exemplo “Crimes e Pecados” (que inclusive o protagonista é um médico oftalmologista), aborda esse tema. O que o sr. acha da a­bordagem, ou, melhor di­zendo das interpretações que o cineasta dá a essa questão e se é possível utilizar os filmes do Woody Al­len para discutir ética em sala de aula?

A bem da verdade, minha unidade (se eu disser “minha disciplina” eu apanho) se cha­ma Formação Bio­psi­cos­social do Médico, e é dada logo no primeiro módulo. Co­mo mais adiante os alunos verão Ética Médica propriamente dita (o código), eu não me preocupo muito em entrar especificamente nisso. Prefiro ficar nas bases da ética e da bioética. E uso sempre alguns filmes. Meus preferidos são “Uma História Severina”, de Débora Diniz, “A Morte e a Don­zela”, de Polanski, “La­ranja Mecânica”, de Kubrick, “Ri­cardo III: Um Ensaio”, de Al Pacino, “Cobaias Hu­ma­nas”, de Joseph Sargent, “Decá­logo”, de Kieslowski e, claro, “Crimes e Pecados”, de Wo­ody. Esse último é riquíssimo para uma discussão filosófica. Tão rico que é um dos motivos de meu livro ter empacado, pois fico na dúvida se me dedico só a ele, ou se discuto os outros também. A dúvida (e outras coisas) me paralisa(m). A maioria dos comentadores classificou esse filme, que é o melhor de Wo­ody e o segundo melhor filme já realizado por alguém (o primeiro é “O Anjo Exterminador”, de Buñuel, evidentemente), en­fim, a maioria o classificou como cínico. Wo­ody e eu re­batemos e teimamos em que seja, sim, realista. Um dos comentadores é tão fã de Wo­ody e tão preocupado em “salvá-lo” que chegou a elaborar uma teoria esdrúxula, pela qual o protagonista (Ju­dah) se arrepende depois que o filme acaba. Foi monossilabicamente desautorizado por Woody. E ainda publicou isso em seu livro, como apêndice (a falta que faz uma boa autocrítica!). Em sala de aula centralizo o foco na utilização de “Crimes e Pecados” como ilustração de uma ética descritiva (assim é), em contraposição a uma normativa (assim deve ser). Podemos nos valer ainda de “Man­hat­tan”, “Tiros na Broadway”, “Sha­­­dows and Fog”, “Descons­truindo Har­ry”, “An­nie Hall”, “Stardust Me­mories”... De to­dos, na verdade.
Ademir Luiz — O sr. contou que na primeira aula sempre escreve no quadro em letras garrafais: “Eu não presto”. Woody Allen presta?

Não. Pelo mesmo motivo que eu e você também não. A natureza humana é hobbesiana, não rousseauniana. Somos animais (e não vegetais ou minerais, certo?), portanto, somos essencialmente bélicos, violentos, nepotistas, vaidosos e infinitamente egocêntricos. Por um motivo simples: não passamos de robôs de genes. Mas, com a maldição pascalina, temos consciência disso. E é essa consciência, no sentido por en­quanto neutro, de “razão” ou “ra­cionalidade”, como queira, que nos torna desgraçadamente diferentes. Atribuímos categorias valorativo-morais inexistentes na natureza. Se um tubarão comer apenas um pedaço de você suficiente para matar a fome dele, mas não você, o que terá é uma morte lenta e sofrida. O tubarão é cruel? Não, ele é só um tubarão. Um animal. Nós também, mas se eu fizer você morrer lentamente serei tachado pelos pares (animais humanos em geral) como cruel e merecedor da indignação alheia e punição. Como robôs e genes, temos uma tarefa a cumprir — espalhar o máximo possível... o nosso. O que inclui, se necessário, eliminar os dos outros, quanto mais distantes de nós eles forem.
Roberta Ribeiro — Woody Allen em alguns de seus filmes usa a história como pano de fundo. Em alguns casos as gags são explícitas. Tomemos como e­xemplos os filmes “Poucas e Boas”, “A Última Noite de Boris Grushenko” e “Bananas”. É possível trabalhar com os filmes analisando a sátira enquanto uma didática a ser utilizada no ensino, especificamente nas produções de Woody Allen?

As comédias “puras” de Wo­ody são prazerosas e inteligentes (particularmente “Love and De­ath”), mas menos úteis para, digamos, filosofar. “Love and Death”, eu diria mesmo, é a melhor comédia já realizada, em toda história do cinema. O me­lhor mesmo são as comédias entremeadas de drama e/ou as doce-azedas (“Crimes e Peca­dos” sendo o melhor representante das primeiras e “Manha­ttan”, das segundas).
Roberta Ribeiro — A obra de Dostoiévski é muito citada nos filmes do Woody Allen. Existem ecos de “Crime e Castigo” em “Crimes e Pecados”, “Match Point” e “O Sonho de Cassandra”. Como entende essa recorrência?

Ela é declarada. Ele afirma em todas as entrevistas. Além de fácil identificação. Começa com “Love and Death”, como uma brincadeira, mas segue adiante de forma cada vez mais profunda, culminando com “Crimes e Pe­cados”. “O Sonho de Cas­sandra” e “Ma­tch Point” são re­tornos ao tema, de forma mais pobre, embora “Match Point” tenha tido o mérito de ter sido bastante exitoso como entretenimento. A diferença entre Woody e Dos­toiévski é que o Woody é muito melhor, filosoficamente falando. Dostoiévski foi genial, claro, mas se deixou contaminar pela hiperreligiosidade, um dos traços, diga-se de passagem, de sua epilepsia (a respeito desse interessante tema sugiro a leitura do livro “O Homem que Fazia Chover”, de Edson Amâncio, editora Barcarolla, particularmente o capítulo 10 – “A contribuição involuntária de Dostoi­évski à neurologia”).
Roberta Ribeiro — O período “entre guerras” também se mostra recorrente em alguns filmes: “A Era do Rádio”, “A Rosa Púr­pura do Cairo” e “Zelig”. Co­mo pensar a relação de história e memória considerando que o filme “A Era do Rádio” é reconhecidamente autobiográfico, e a era do rádio foi um período que ele vivenciou?

Falam muito da influência de Bergman, mas acho que a de Fe­llini, em alguns casos, é mais descarada. “Stardust Memories” é o “Oito e Meio” de Woody. E “Ra­dio Days” é seu “Amarcord”. Considero “Stardust” melhor, mais inteligente. Quanto a “A­mar­cord”, esse é imbatível. É o melhor de Fellini e um dos me­lhores filmes já realizados por al­guém (a essa altura ficou evidente que sou dado a superlativos). A relação entre história e memória, por sinal, é maravilhosamente ilustrada por “A­mar­cord”. Fellini inventou um bocado de coisas, mas, ainda assim, os habitantes de sua Rimini "se lembraram" de tudo! “Zelig” é ótimo para discutir a noção de “autenticidade”, tal como posta pelos existencialistas e, consequentemente, o totalitarismo.
Ademir Luiz — Causou polêmica sua declaração de que Woody Allen é o maior artista que já existiu. Indo um pouco além do seu proverbial “porque eu decidi assim”, qual o sentido dessa provocação?

Por incrível que possa parecer, não é uma provocação. Eu poderia citar Platão, que, no final do “Banquete” se refere ao “poeta trágico e poeta cômico”, pra justificar a eficiência com que Wo­ody consegue misturar comédia e tragédia em seus melhores filmes. Ou poderia classificá-lo como polifônico, no sentido mais george-steineriano (mesmo o mais original dos artistas é polifônico) do que bakhtiniano, mas também nesse sentido, por que não? Uma verdadeira polifonia filosófica. Poderia, mas, se o fizesse, estaria entrando no enfadonho, vazio e absolutamente desprovido de sentido terreno da dialética erística. Esse é o problema com as ar­tes e humanidades. A referência para um argumento é outra referência, que, por sua vez, parte de outra referência... teórica. Pratica-se, na verdade, um “argumentum ad vericundium”. Cita-se “autoridades” para se “fundamentar” uma opinião. No entanto, ela continua sendo apenas uma opinião. Fundamentação sólida apenas experimentação científica pode fornecer. O que não é matematizável não existe (objetivamente). Por isso, fico com Susan Sontag, o melhor mesmo é uma erótica da arte, no lugar de uma hermenêutica. Mas isso não im­pede, veja bem, que exercitemos nossa argumentação teórica para o entretenimento de leitores que porventura “get a kick out of this”. Há gente pra tudo no mun­do, até mesmo pra ler um livro sobre a filosofia de Woody Allen (eu espero!).
Roberta Ribeiro — O filme “Meia-Noite em Paris” foi muito bem recebido pela crítica e pelo grande público. A produção aborda a questão da nostalgia, mostra a obsessão que temos pela “Idade do Ouro”; ou seja, a ideia de que o passado é melhor. Isso não seria fruto de uma mentalidade de cunho positivista, onde são exaltados os grandes heróis e figuras marcantes de um determinado período histórico?

Ao termo “positivista” aconteceu algo parecido com o que aconteceu com o termo “cartesiano” — transformaram-se, ambos, em xingamentos. O que é uma pena, pois se nos ativermos às intenções iniciais, não são coisas negativas, pelo contrário, são vacinas contra leviandades pseudocientíficas. Embora seja verdade que, na filosofia da mente, Des­cartes sirva mais como padrão de erro do que de acerto. Mas divago. Em “Meia-Noite em Paris” (agora indicado ao Oscar) Woody explora algo que nos é bastante conhecido, a síndrome de “a grama do vizinho é sempre mais verde”. No caso, grama histórica. Se “Meia-Noite...” ganhar Oscar, não existe justiça nesse mundo. Torço contra. É inacreditável, inconcebível, absurdo que outros filmes dele muito mais brilhantes não tenham sido sequer indicados, e esse receba.
Ademir Luiz — Frederic Raphael, roteirista de “Olhos Bem Fe­chados”, disse que Stanley Kubrick é “um diretor de cinema que por acaso é um gênio e não um gênio que por acaso é um diretor de cinema”. Essa afirmação vale para Woody Allen?

Eu sabia que você daria um jeito de botar Kubrick nisso. Que obsessão! Sim, eu sei, eu também, mas a minha obsessão é muito melhor do que a sua. Isso responde a pergunta?
Ademir Luiz — Responde, com certeza. Mas, falando nisso, Woody Allen dirigiu alguns filmes esteticamente belíssimos, como “Manhattan”, mas ele costuma ser mais elogiado pelos roteiros e direção de atores do que pela cinematografia. É inegável que sua obra é bastante desigual. Vai de obras-primas até bombas indesculpáveis, como “O Es­corpião de Jade”. A velocidade de sua produção, às vezes fazendo mais de um filme por ano, desequilibra o conjunto? Como pensar em termos de julgamento estético de uma obra esse possível desequilíbrio? Um filme tido como fraco de Woody Allen costuma ser melhor do que um bom filme de um cineasta mediano?

Realmente, fazer pelo menos um filme por ano durante vários anos tem essa desvantagem. Alguns são fracos, pelos padrões woodyallenianos. Mas, como você bem disse, mesmo esses são melhores do que a média que é lançada por aí. Cine­mato­gra­fi­camente, seus filmes são simples, ele raramente inventa moda. A não ser quando se vale do preto-e-branco, como em “Ma­nha­t­tan”, “Stardust Memories”, “Broadway Danny Rose”, “Sha­dows and Fog”. “Zelig” tem a montagem que ficou famosa. “Husbands and Wives” tem as câmeras “nervosas”, das quais não gostei. “De­constructing Har­ry” tem os cortes abruptos. Mas, de forma geral, sua força está nos diálogos. Se eu fosse escolher seu filme mais, digamos, bonito, eu também ficaria com “Manhattan”. Aquele início com “Rapsody in Blue” de Gershwin, o segundo compositor mais brilhante do século XX, é de arrepiar.
Roberta Ribeiro — O sr. já trabalhou em diversos artigos a influência da filosofia existencialista na obra de Woody Allen. Albert Camus escreveu que o único problema realmente sério da filosofia é o suicídio. Como pensar essa relação, por exemplo, em “Tudo Pode Dar Certo”, onde Woody Allen faz da tentativa de suicídio do personagem Boris uma das cenas mais engraçadas do filme?

“Tudo Pode Dar Certo” foi uma tradução infeliz de “Whatever Works”. Dá um sentido otimista para algo essencialmente pessimista. Manter-se vivo, seguir existindo sabendo que o universo está ex­pandindo e nos é indiferente (para usar termos de Woody) só é possível agarrando-se a qualquer coisa que sirva para nos segurar aqui. No caso do personagem Boris (maravilhosamente interpretado por Larry David) foram a sorte e as mulheres. No caso de Woody são seus filmes. Ele já disse várias vezes, pra quem quiser ouvir, que faz filmes única e exclusivamente para seguir vivendo, ou seja, pra não pular ele mesmo da janela de seu apartamento. Por isso os faz sem parar. A propósito, “Wha­tever Works” é, sem dúvida, o melhor filme dele nos últimos dez anos. Este, sim, deveria ser lembrado pro Oscar.
Ademir Luiz — Nas últimas décadas, Woody Allen adotou outras cidades para a filmagem de suas produções, como por exemplo, Londres, Paris, Roma e Bar­ce­lona, deixando um pouco a cidade de Nova York. O que o senhor acha que podemos esperar do tão comentado filme que ele promete realizar no Rio de Janeiro? Qual o peso da Copa e da Olimpíada para essa escolha de locação? Agora que “Meia-Noite em Paris” foi indicado ao Oscar, recuperando seu prestígio em Hollywood, filmar no Rio de Janeiro ainda interessa a Woody Allen?

Ele só saiu de Nova York porque não conseguia mais financiamento nos EUA. Vai aonde lhe dão dinheiro pra fazer seus filmes. Por isso os últimos são propagandas descaradas das cidades em que foram feitos, particularmente o de Paris. E ele só virá ao Brasil se lhe derem dinheiro suficiente para fazer um filme aqui. Parece coisa de interesseiro, mas é questão de sobrevivência mesmo.


crônica

POR EM 23/02/2012 ÀS 09:52 PM

Amou daquela vez como se fosse a última

publicado em
Combinaram assim: falar-se-iam diariamente, por volta das seis da tarde, a fim de conferir (ele, o filho), checar, assegurar que ele estivesse vivo e passando bem (ele, o pai). Fizeram o acordo sem disfarçarem o profundo embaraço, com os olhos liquefeitos em lágrimas e o coração pelejando em ritmo desembestado.
Abraçaram-se besta e dramaticamente, como se fosse pela última vez. O pai concedeu a benção ao filho e tocou para a chácara onde residia, nos arredores da cidade. “Esta gleba aqui a Prefeitura não vai lotear nem a pau!”, gaba-se, redondamente enganado a respeito do apetite avassalador da especulação imobiliária que domina as metrópoles e os seus dirigentes.
Há cinco anos, o velho enviuvara. No começo, o choque da separação compulsória remeteu-o a pensamentos destrutivos, anti-crísticos, conforme ele mesmo dizia numa linguagem empolada. De tal forma que não firmou o propósito de se autoaniquilar. Perdeu a mulher, alguns quilos, mas não perdeu a fé.
Homem vivido e experimentado nas ene tragédias desta e de outras vidas (ele cria piamente em antibióticos e reencarnações), sabia que o tempo cicatrizava quase todo tipo de ferida. Então esperou. Enquanto isso, mergulhava nos livros, devorava-os como se fossem os comprimidos de vitaminas e de rivotril. O que era pior naquela idade: osteoporose, insônia ou uma saúde de ferro?
Apesar de acorrentado à oitava década de vida, gozava de razoável saúde. Animava-se com a suposição que, ao tomar um cálice de vinho tinto ao dia, estaria protegendo as veias e as artérias da ação maléfica do tempo, do colesterol, do estresse e das tristezas acumuladas. Então secava uma taça de vinho chileno antes do almoço, religiosamente. Se Jesus transformara água em vinho é porque havia mesmo certo poder medicinal naquele líquido inebriante. Um santo remédio, não restava dúvida: além de desentupir as veias, entorpecia o dia.
Ultimamente, por causa das incursões nos temas esotéricos, andava melancólico, flutuando entre as aflições do presente e as lembranças da mocidade. Não podia mais negar: tinha medo da morte, sim. Afinal, ali estava ela, pisando em seus calcanhares, implacável, bafejando um hálito indesejável na sua nuca.
Tinha uma saudade doída da mulher, uma dor que até parecia palpável nalgum lugar do abdômen. Vivos restavam poucos companheiros. Quase todos com a saúde no guimba, em “péssimo estado de conservação”, como ele mesmo costumava brincar.
No íntimo, torcia muito para morrer subitamente. Se pudesse escolher, preferia morrer dormindo, sem asfixia, é claro. Morrer rapidinho, como se fora uma manga podre caindo do pé. Uma bala perdida cravada no peito não seria de todo ruim. E havia tantas delas, ultimamente. Precisava se encontrar.
Todas as doutrinas lidas, relidas e esmiuçadas no decorrer de tantos anos, miseravelmente, não lhe davam suficiente guarida para suportar o epílogo. Temia a morte, como temia uma cólica de rins. Como seria possível a um ser humano produzir pedras dentro do próprio corpo? Eram dúvidas concretas de se amolecer qualquer sujeito.
Uma vez que morava sozinho no casebre, a possibilidade iminente de ser encontrado sem vida, já em avançado estado de decomposição, vinha arruinando as suas noites de sono desde que a mulher desencarnara (ele jamais desencanava destes dilemas da carne e da alma). Procurou então o filho único para externar o pavor, para dividir o drama e selarem um pacto que pusesse fim àquela agonia.
Que se falassem todos os dias, às seis. Que o rapaz tivesse paciência com ele e procurasse compreender a sua situação (afinal, um dia ficaria velho também e coisa e tal). Que verificasse pessoalmente estaria ele vivo ou não (ele, o pai). Nem precisava gastar tempo ou gasolina. Bastava discar o telefone. Requisitou a máxima atenção do filho. Olhou no miolo dos seus olhos, como se quisesse entrar dentro deles: “Estamos combinados?!”, implorou, e o seu estado era mesmo de fazer dó.
Ainda que desejasse chorar, o moço sorriu. Embora se sentisse meio arrasado com a fraqueza do pai (e dele próprio), buscou consolar. “Você viu? O Governo concedeu um abono aos aposentados...”, comentou qualquer assunto, tentando desfazer o rumo da prosa, esforçando-se para dizer algo agradável que os resgatasse daquele nevoeiro de sentimentos.
O rapaz tentou fazer graça da situação, mas o pai não riu. Na verdade, ele percebeu que as proeminentes rugas na fronte do velhote pulavam freneticamente, como se fossem um frango com o pescoço quebrado saltitando no terreiro, suplicando por um “sim”.
Sim. Tudo bem. Garantiu ao velho pai que telefonaria todos os dias, às seis. “Pode ligar a cobrar...”, recomendou o ancião, utilizando um atrativo dos mais mixurucas, uma recompensa bisonha, como se oferecesse uma guloseima a uma criancinha. Parecia mesmo uma criatura pra lá de descontrolada.
O velhote recostou na poltrona e expirou demoradamente, retirando o peso do mundo das suas costas. Relaxou, enfim. Nutria uma admiração profunda e verdadeira pelo filho. Teve vontade de confessar que o amava, mas este era um daqueles verbos complicados que não conseguia conjugar nem fodendo.
Conforme o pacto, falaram-se diariamente durante algumas semanas. Até que um dia, o telefone tocou, e nem ao menos eram seis da tarde. Do outro lado da linha, uma moça de voz delicada quis saber se ele era o senhor fulano de tal, pai do beltrano de tal, que tinha embarcado no voo de ontem à noite para Pasárgada. Ela e a empresa aérea lamentavam profundamente (“Por favor, o senhor procure ficar tranquilo...”), mas havia fortíssimos indícios que a aeronave desaparecera nalgum ponto indeterminado sobre o Oceano Pacífico. As buscas já haviam começado. Ele buscou, mas não encontrou o chão.

Obs: o título desta crônica é um verso do poema “Construção”, de Chico Buarque de Hollanda.

LINKS

100 links para clicar antes de morrer
publicado em
Uma seleção com os 100 melhores links publicados na coluna Web Stuff, do suplemento Opção Cultural, do Jornal Opção. A lista faz uma espécie de inventário do que teve de melhor na internet nos últimos três anos. Os links que compõem a lista contemplam os mais díspares perfis e abrange os mais diferentes segmentos e tendências: música, livros, cinema, fotografia, ciência, tecnologia, jornalismo, mídias sociais, artes e humanidades. Entre os 100 links para se clicar antes de morrer, destacam-se: Toda a obra de Wolfgang Amadeus Mozart para download; O maior acervo de arte da internet; 750 mil livros para download; 1001 álbuns para ouvir antes de morrer; O maior acervo de vídeos de jazz da internet; A obra completa de Machado de Assis para download; 10 mil jornais de todo o planeta em um só lugar; 20 mil fotos de Henri Cartier-Bresson; As 20 obras de arte mais caras da história; As 100 maiores canções de jazz de todos os tempos (com vídeo e áudio incorporados).




Gritos e Sussurros

Fluir




Poema: Bruna Pestana Bezerra

E eis que ao eclodir o grito
Se ouve de longe um breve sussurro
Sussurro este que expressa a alma e
Transborda sem regras, rédeas ou imposições
Aquilo que existe de mais íntimo,
O ser, o escrever, o ser lido.

Representada por letras e frases
A alma come as vírgulas e pontos
Alterando os sentidos e deixando tudo ambíguo
Já que ela é colapso e expansão
De espírito livre e indomável.

Às vezes finge se curvar às regras
E apreciar aquilo que lhe é imposto
E admira a vida sem limitações
Até que se esbarra em injustiças e desigualdades
Então se ouve o grito, a não conformidade
E a vontade de mudar o mundo,
Sem deixar de apreciá-lo.

E assim se descreve esta seção
E também aquela que a escreve
Que vive intensamente, corre e clama
Sem perceber se alguém reclama
Não se acomoda, exige mudanças e brinca de roda.

Menino quem foi teu mestre - Nara Leão

Ruy Castro e a força das palavras

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(Foto: Marcelo Correa)
Ele é formado em ciências sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mas nunca apareceu para buscar o diploma. A grande paixão de Ruy Castro é contar histórias de pessoas que o inspiraram em algum momento de sua história. Autor de biografias lançadas no Brasil e no exterior – como Carmen (Companhia das Letras), que ganhou o Prêmio Jabuti em 2006 –, Ruy esquadrinha a vida de seus biografados. Mas o jornalista e escritor, de 63 anos, nascido em Caratinga (MG) e morador do Rio desde os 17 anos, também é um cara pra lá de biografável. Namorou muito, está no terceiro casamento, teve duas filhas, já enfrentou maridos ciumentos, pulou muro de estádio (para ver o Flamengo), morou na Europa, assistiu a duas revoluções e derrotou um câncer. Recentemente, o colunista da Folha de S.Paulo, de rádio e de TV atacou de ator no filme Agamenon, com direção de Victor Lopes. Ainda prepara mais dois livros, A Vida por Escrito, sobre compor biografias, e Raios e Balas, coletânea de provocações e polêmicas que virá se juntar à suas 46 obras. Ruy conversou com CLAUDIA sobre viver uma história de amor em casas separadas e escrever sobre Carmen Miranda em pleno tratamento de câncer.

Como você foi parar em um filme? Já havia interpretado antes?
Certa vez, me perguntaram numa entrevista qual seria meu próximo biografado. Respondi de brincadeira que seria o Agamenon Mendes Pedreira – criação dos humoristas Marcelo Madureira e Hubert Aranha, do Casseta & Planeta. Agamenon é um velho jornalista corrupto e semianalfabeto, cujas aventuras são publicadas no jornal O Globo aos domingos. Falei fazendo piada, mas Marcelo e Hubert levaram a sério e, quando resolveram filmar a vida do Agamenon, me chamaram para interpretar o biógrafo dele! Embora nunca tivesse representado antes, topei, porque sou muito cara de pau.

Você trabalhava como jornalista até começar a escrever livros, em 1989. Como se deu essa mudança?
Tinha acabado de fazer 40 anos, dos quais 21 de trabalho na imprensa. Estava como frila, matava um leão por dia e comecei a ter ideias que não cabiam em nenhum jornal ou revista – a história da bossa nova, por exemplo, ou a vida de Nelson Rodrigues. Só cabiam em livro. Falei sobre isso com o Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, e ele me propôs fazê-los. Até então, nunca havia passado pela minha cabeça ser autor de livros.

Por que começou com biografias?
Elas usam a mesma matéria-prima das reportagens: informação. O que me fascinou foi a possibilidade de arrancá-la de dentro da memória das pessoas. Todos esses livros foram feitos à base de, literalmente, milhares de entrevistas com os protagonistas ou coadjuvantes daquelas histórias. Não têm nada de saudosismo, não tenho saudade do passado. Só uma insaciável curiosidade. Gosto de descobrir como eram as coisas em outros tempos. Acho essa “recuperação histórica” importantíssima para a cultura.

Você escreveu Carmen em pleno tratamento de câncer, o que surpreendeu seu médico, os familiares e amigos. A falta de autopiedade ajudou?
Sem dúvida. Em fevereiro de 2005, quando fui diagnosticado com um tumor na base da língua, eu tinha apenas começado a escrever Carmen, depois de mais de quatro anos de investigação. Ali mesmo decidi que não iria perder tempo com a doença – iria me dedicar ao tratamento. E escrever faria parte dele. Meu cirurgião, Jacob Kligerman, contou certa vez para um repórter que, quando era dia da minha consulta, ele pedia à secretária para marcar horário duplo – a primeira meia hora para ele tratar de mim; a segunda meia hora para eu tratar dele... (Risos.) Dr. Jacob dizia que minha atitude positiva e produtiva diante da doença e do tratamento fazia bem a mim e a ele. Mas ele próprio se espantou quando, no fim do ano, foi ao lançamento do livro e constatou que eu tinha escrito aquele tijolo de 600 páginas enquanto fazia o tratamento, com radioterapia pesada e quimioterapia.

O que você fez para não desanimar?
Não queria passar vergonha diante da Carmen! (Risos.) Devia a ela não apenas terminar o livro, mas fazer justiça à fabulosa mulher que ela havia sido. É claro também que, sem a presença da minha mulher (a escritora Heloisa Seixas), eu não teria chegado ao fim daquele ano...

Você parou de fumar por causa do câncer e já havia parado de beber, há 23 anos. O que foi mais difícil?
Para deixar de beber, me internei por 30 dias numa clínica para dependentes químicos em Cotia, perto de São Paulo, em 1988. Nos primeiros dias, passei muito mal, com tremendas síndromes de abstinência. Só comecei a melhorar depois de uma semana. Mas então me convenci de que, para mim, a vida sem bebida seria melhor – o que a realidade tem provado nestes últimos 23 anos. Aliás, se tivesse continuado bebendo, eu não teria chegado vivo nem a 1990. Quanto a parar de fumar, isso só aconteceu quando tive câncer – provocado, aliás, pelo cigarro e pela bebida, embora eu já não bebesse mais. Com o cigarro, foi bem mais fácil: decidi que, a partir daquele dia, não fumaria mais. E pronto.

O que Carmen trouxe a você?
Foi o livro para o qual me preparei a vida inteira para escrever. Deixa longe tudo que eu já tinha feito. Por mais dolorosa que tenha sido a fase final, por causa do câncer, tive um prazer quase sexual em cada linha.

Quando mergulha na vida de uma pessoa para biografá-la, acha que se conecta com ela espiritualmente?
Não acredito em Deus, mas acredito numa conexão mental, pelo fato de ficar ligado ao biografado o dia inteiro, todos os dias, por anos seguidos. Deixo de viver a minha vida e me mudo para a vida do biografado. Isso talvez explique as incríveis coincidências que às vezes me ajudam a localizar uma fonte ou conseguir uma informação.

Sua mulher é romancista. Como é a casa de dois escritores superprodutivos?
Bem, primeiro, não é uma casa, mas duas. Vivemos há 20 anos em apartamentos separados, no Leblon, mas a dez quarteirões um do outro. Deve ser por isso que dá tão certo, não? (Risos.) Segundo, o processo de trabalho é inteiramente diferente. O ficcionista não pode admitir interferências. Já o biógrafo precisa que todo mundo dê palpite – já que depende das informações dos outros. É por essa razão que peço a ela para ler cada capítulo que escrevo, às vezes até antes de acabá-lo, ao passo que só fico sabendo do que tratam os livros dela quando eles já estão prontos. Mas, fora isso, temos muitas coisas em comum, como o amor ao Rio, aos gatos, ao samba e ao futebol.

Você acaba de lançar um livro escrito a quatro mãos com ela, Terramarear (Companhia das Letras).
Gostamos muito de viajar, e Heloisa, em especial, é grande observadora. Na volta, costumamos escrever para revistas sobre certas experiências da viagem. Há algum tempo, examinando essas matérias, concluímos que todas tinham um viés cultural – como se estivéssemos mais em busca do tempo que do espaço. Por exemplo, queríamos achar o lugar em Nova York onde foi rodada aquela sequência de O Pecado Mora ao Lado, do ventinho do metrô na saia da Marilyn Monroe. Vimos que tínhamos muito material e que havia uma unidade. Heloisa teve a ideia do título, Terramarear, nome de uma coleção de livros de aventuras da antiga Companhia Editora Nacional, nos anos 1940 e 1950. Assim nasceu o livro.

Entre todas as atividades que você tem, qual é a que lhe dá mais prazer? E a que mais traz dinheiro?
Todas me dão prazer e todas me permitem viver com certo conforto. Mas o dinheiro não é o principal motivo. Se eu não levasse tanto tempo escrevendo, ganharia muito mais com as palestras e os cursos.

O que você tem vontade de fazer nos próximos anos?
Sinceramente, parar de trabalhar, me converter à vagabundagem, andar o dia inteiro pelas ruas do Rio e nunca mais ser visto de calças compridas, só de bermudas. Mas essa situação não vai acontecer.

Qual a melhor biografia que já leu?
Judy, de Gerold, com “o” mesmo, Frank, publicada há uns 30 anos. A Judy em questão é Judy Garland. Adoro ler e tenho uma relação com os livros desde pequeno. Eu já lia Nelson Rodrigues quando ainda era garoto. E posso dizer que o dia mais importante de minha infância foi quando descobri que sabia ler. Eu tinha de 4 para 5 anos. Foi como assistir ao próprio parto.

http://claudia.abril.com.br/materia/claudia-pergunta-a-ruy-castro?p=%2Fcomportamento%2Fatualidades%2F&pw=2

Não Aprendi Geografia

 


Porque foi assim. Ele. Como se fosse fácil. Como se fosse sempre. Como se fosse antes. Como se fosse leve. Como. Simples. Palavras que são estrada. Escrevo, porque o que mais pode fazer quem tem o corpo no exílio? São palavras porque não é o estender minha mão e tocar o dorso da tua. São palavras porque não é esbarrarmos os ombros quando andamos distraídos de nós mesmos. São palavras porque não é o sentar no chão, rir alto, entrelaçar dedos. São palavras porque não é café, cama, cadeira de plástico. Porque não é cotidiano. São palavras porque não são, não podem ser, pele, cheiro e gosto. Procuro palavras. Das que você pode afagar, que façam quase possível tocar a letra como se corpo fosse. Então, o ritmo. Um-dois, Um-dois, Um-dois, rodopio. Um-dois, Um-dois, rodopio. Põem-me tonta. Um jeito de dançar, sem que se esteja em um abraço. Que antecipo. Faço-me vitral: pedaços cortantes de uma beleza possível. Recolho fragmentos: frases, músicas, memórias. Monto um quebra-cabeça de mim mesma que dá em nada. Gosto de ser uma espécie de check-list do seu querer. Com pontos fora da curva, para que o olhar me procure. Eu ontem o vi. Ou inventei. Porque eu quase encostei minha cabeça em seu peito, mas era apenas luz, sombra, letras e a minha vontade. Eu quero. Quero que me leia em braile. Que me reinvente. Defina espaços, curvas e reentrâncias. Quero que me conte do que eu já não sabia de mim. Quero que me desarrume as malas, os planos, o cabelo, quero que me desarrume o vestido. Quero não querer tanto não estar onde estou. Faço confissões dos pequenos saberes: uma panela, uma canção, uma memória. Sei dos terremotos. O quê? Eles se repetem. Sei mais um tantinho: não se previne terremoto. O que se faz é tentar sobreviver. Vou tentando sobreviver de vislumbres. Pedaços d'alma no espelho. Improviso. Não pode ser mau improvisar, faz de conta que o viver é música. Um jazz. Sem platéia, improviso o fogo. Livre. Mas com vontade das amarras. Do plano. Do amanhã conhecido entre braços. Poder dizer: quero. Fico perdida nos princípios. Sou rápida demais. Voraz demais. Ansiosa. Precipitada. Quero ser personagem nos seus olhos. Quero que ele me diga. Porque ele me vê e eu existo. Mas não só. Quero, porque ele me viu. Eu já existia, ali, pra ele, antes mesmo de saber. Desassossego, que linda palavra. Agora, nada sei. Não sei dizer, não sei calar. Espero. E o corpo espera. Espera o encontro, o abrigo, espera a vez dele. Espera, principalmente, um tempo em que não precisará esperar. Espero o que nem sei e tenho medo de ter entendido tudo errado. Entendi? Errado? Eu sei que quero muito e tudo e logo e não é assim que as coisas acontecem. Mas são assim que elas me acontecem.