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quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Ruy Castro e a força das palavras

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(Foto: Marcelo Correa)
Ele é formado em ciências sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, mas nunca apareceu para buscar o diploma. A grande paixão de Ruy Castro é contar histórias de pessoas que o inspiraram em algum momento de sua história. Autor de biografias lançadas no Brasil e no exterior – como Carmen (Companhia das Letras), que ganhou o Prêmio Jabuti em 2006 –, Ruy esquadrinha a vida de seus biografados. Mas o jornalista e escritor, de 63 anos, nascido em Caratinga (MG) e morador do Rio desde os 17 anos, também é um cara pra lá de biografável. Namorou muito, está no terceiro casamento, teve duas filhas, já enfrentou maridos ciumentos, pulou muro de estádio (para ver o Flamengo), morou na Europa, assistiu a duas revoluções e derrotou um câncer. Recentemente, o colunista da Folha de S.Paulo, de rádio e de TV atacou de ator no filme Agamenon, com direção de Victor Lopes. Ainda prepara mais dois livros, A Vida por Escrito, sobre compor biografias, e Raios e Balas, coletânea de provocações e polêmicas que virá se juntar à suas 46 obras. Ruy conversou com CLAUDIA sobre viver uma história de amor em casas separadas e escrever sobre Carmen Miranda em pleno tratamento de câncer.

Como você foi parar em um filme? Já havia interpretado antes?
Certa vez, me perguntaram numa entrevista qual seria meu próximo biografado. Respondi de brincadeira que seria o Agamenon Mendes Pedreira – criação dos humoristas Marcelo Madureira e Hubert Aranha, do Casseta & Planeta. Agamenon é um velho jornalista corrupto e semianalfabeto, cujas aventuras são publicadas no jornal O Globo aos domingos. Falei fazendo piada, mas Marcelo e Hubert levaram a sério e, quando resolveram filmar a vida do Agamenon, me chamaram para interpretar o biógrafo dele! Embora nunca tivesse representado antes, topei, porque sou muito cara de pau.

Você trabalhava como jornalista até começar a escrever livros, em 1989. Como se deu essa mudança?
Tinha acabado de fazer 40 anos, dos quais 21 de trabalho na imprensa. Estava como frila, matava um leão por dia e comecei a ter ideias que não cabiam em nenhum jornal ou revista – a história da bossa nova, por exemplo, ou a vida de Nelson Rodrigues. Só cabiam em livro. Falei sobre isso com o Luiz Schwarcz, da Companhia das Letras, e ele me propôs fazê-los. Até então, nunca havia passado pela minha cabeça ser autor de livros.

Por que começou com biografias?
Elas usam a mesma matéria-prima das reportagens: informação. O que me fascinou foi a possibilidade de arrancá-la de dentro da memória das pessoas. Todos esses livros foram feitos à base de, literalmente, milhares de entrevistas com os protagonistas ou coadjuvantes daquelas histórias. Não têm nada de saudosismo, não tenho saudade do passado. Só uma insaciável curiosidade. Gosto de descobrir como eram as coisas em outros tempos. Acho essa “recuperação histórica” importantíssima para a cultura.

Você escreveu Carmen em pleno tratamento de câncer, o que surpreendeu seu médico, os familiares e amigos. A falta de autopiedade ajudou?
Sem dúvida. Em fevereiro de 2005, quando fui diagnosticado com um tumor na base da língua, eu tinha apenas começado a escrever Carmen, depois de mais de quatro anos de investigação. Ali mesmo decidi que não iria perder tempo com a doença – iria me dedicar ao tratamento. E escrever faria parte dele. Meu cirurgião, Jacob Kligerman, contou certa vez para um repórter que, quando era dia da minha consulta, ele pedia à secretária para marcar horário duplo – a primeira meia hora para ele tratar de mim; a segunda meia hora para eu tratar dele... (Risos.) Dr. Jacob dizia que minha atitude positiva e produtiva diante da doença e do tratamento fazia bem a mim e a ele. Mas ele próprio se espantou quando, no fim do ano, foi ao lançamento do livro e constatou que eu tinha escrito aquele tijolo de 600 páginas enquanto fazia o tratamento, com radioterapia pesada e quimioterapia.

O que você fez para não desanimar?
Não queria passar vergonha diante da Carmen! (Risos.) Devia a ela não apenas terminar o livro, mas fazer justiça à fabulosa mulher que ela havia sido. É claro também que, sem a presença da minha mulher (a escritora Heloisa Seixas), eu não teria chegado ao fim daquele ano...

Você parou de fumar por causa do câncer e já havia parado de beber, há 23 anos. O que foi mais difícil?
Para deixar de beber, me internei por 30 dias numa clínica para dependentes químicos em Cotia, perto de São Paulo, em 1988. Nos primeiros dias, passei muito mal, com tremendas síndromes de abstinência. Só comecei a melhorar depois de uma semana. Mas então me convenci de que, para mim, a vida sem bebida seria melhor – o que a realidade tem provado nestes últimos 23 anos. Aliás, se tivesse continuado bebendo, eu não teria chegado vivo nem a 1990. Quanto a parar de fumar, isso só aconteceu quando tive câncer – provocado, aliás, pelo cigarro e pela bebida, embora eu já não bebesse mais. Com o cigarro, foi bem mais fácil: decidi que, a partir daquele dia, não fumaria mais. E pronto.

O que Carmen trouxe a você?
Foi o livro para o qual me preparei a vida inteira para escrever. Deixa longe tudo que eu já tinha feito. Por mais dolorosa que tenha sido a fase final, por causa do câncer, tive um prazer quase sexual em cada linha.

Quando mergulha na vida de uma pessoa para biografá-la, acha que se conecta com ela espiritualmente?
Não acredito em Deus, mas acredito numa conexão mental, pelo fato de ficar ligado ao biografado o dia inteiro, todos os dias, por anos seguidos. Deixo de viver a minha vida e me mudo para a vida do biografado. Isso talvez explique as incríveis coincidências que às vezes me ajudam a localizar uma fonte ou conseguir uma informação.

Sua mulher é romancista. Como é a casa de dois escritores superprodutivos?
Bem, primeiro, não é uma casa, mas duas. Vivemos há 20 anos em apartamentos separados, no Leblon, mas a dez quarteirões um do outro. Deve ser por isso que dá tão certo, não? (Risos.) Segundo, o processo de trabalho é inteiramente diferente. O ficcionista não pode admitir interferências. Já o biógrafo precisa que todo mundo dê palpite – já que depende das informações dos outros. É por essa razão que peço a ela para ler cada capítulo que escrevo, às vezes até antes de acabá-lo, ao passo que só fico sabendo do que tratam os livros dela quando eles já estão prontos. Mas, fora isso, temos muitas coisas em comum, como o amor ao Rio, aos gatos, ao samba e ao futebol.

Você acaba de lançar um livro escrito a quatro mãos com ela, Terramarear (Companhia das Letras).
Gostamos muito de viajar, e Heloisa, em especial, é grande observadora. Na volta, costumamos escrever para revistas sobre certas experiências da viagem. Há algum tempo, examinando essas matérias, concluímos que todas tinham um viés cultural – como se estivéssemos mais em busca do tempo que do espaço. Por exemplo, queríamos achar o lugar em Nova York onde foi rodada aquela sequência de O Pecado Mora ao Lado, do ventinho do metrô na saia da Marilyn Monroe. Vimos que tínhamos muito material e que havia uma unidade. Heloisa teve a ideia do título, Terramarear, nome de uma coleção de livros de aventuras da antiga Companhia Editora Nacional, nos anos 1940 e 1950. Assim nasceu o livro.

Entre todas as atividades que você tem, qual é a que lhe dá mais prazer? E a que mais traz dinheiro?
Todas me dão prazer e todas me permitem viver com certo conforto. Mas o dinheiro não é o principal motivo. Se eu não levasse tanto tempo escrevendo, ganharia muito mais com as palestras e os cursos.

O que você tem vontade de fazer nos próximos anos?
Sinceramente, parar de trabalhar, me converter à vagabundagem, andar o dia inteiro pelas ruas do Rio e nunca mais ser visto de calças compridas, só de bermudas. Mas essa situação não vai acontecer.

Qual a melhor biografia que já leu?
Judy, de Gerold, com “o” mesmo, Frank, publicada há uns 30 anos. A Judy em questão é Judy Garland. Adoro ler e tenho uma relação com os livros desde pequeno. Eu já lia Nelson Rodrigues quando ainda era garoto. E posso dizer que o dia mais importante de minha infância foi quando descobri que sabia ler. Eu tinha de 4 para 5 anos. Foi como assistir ao próprio parto.

http://claudia.abril.com.br/materia/claudia-pergunta-a-ruy-castro?p=%2Fcomportamento%2Fatualidades%2F&pw=2

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