Pesquisar este blog

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Um Verão Escaldante




Um Verão Escaldante (Un Étè Brûlant, 2011), de Philippe Garrel


O cinema de Philippe Garrel, sobretudo o mais recente, é habitado por suicidas e por pessoas que pensam na morte dado o vazio e uma falta de razão para viver. É um cinema que oscila entre o desencantamento e a busca desesperada por um encantamento ainda possível em tempos de crise das ideologias, crise do ideal iluminista europeu e crise das aspirações e ações revolucionárias. É, usando a concepção corriqueira do termo, um cinema de desesperados, pois é feito de pessoas que esperam algo e não alcançam.
Mas Um Verão Escaldante é um pouco diferente. Nele, um pouco dessa história se repete. O suicídio de Frederic, personagem interpretado por Louis Garrel, filho do diretor e ator principal dos últimos três filmes do cineasta, é o ponto de partida e o ponto de chegada do filme, mas entre estes dois pontos, Garrel por meio de outro personagem, Paul, aquele que narra a história, aponta para uma saída: a figuração.
Em Amantes Constantes, a frustração dos ideais revolucionários não deixava outra saída ao personagem se não a morte; o mesmo ocorre em Fronteira da Alvorada na qual o personagem ainda ensaia um casamento com a vida burguesa, mas é atormentado por fantasmas do passado. Já em Um Verão Escaldante, Garrel se descola um pouco desse discurso ao nos apresentá-lo sob outra perspectiva, sob o ponto de vista de um terceiro, de um amigo, que, diferente dos personagens vividos por Louis Garrel, aprova a vida e encontra uma forma de vivê-la, longe do protagonismo revolucionário e inconformista, para não dizer romântico, do personagem principal.
Garrel passa a compartilhar outra visão desse ser em desespero, visão próxima à filosofia de Comte Spoonville, penso no texto “Felicidade Desesperadamente”, ou seja, desespero no sentido de nada esperar, e sem esperar, figurando apenas, pode-se encontrar algo, mesmo que mínimo. Frederic seria então aquele que não encontra porque busca, a versão comum do desespero, aquele que busca o protagonismo, mas é varrido da história; já Paul, sua versão atualizada, sem deixar de lado sua história e seu ideal, deixa de esperar, aceita a figuração, e como figurante, aceitando as regras do novo jogo, sobrevive.
É bom lembrar que Paul trabalha com cinema, assim como a esposa de Frederic, Angèle, a belíssima Monica Belucci, e que as relações protagonismo/figuração e realidade/projeção serão encampadas de maneira metalinguística pelo filme com toda a força e com várias possibilidades de leitura. Angèle é uma atriz que busca o estrelato que a sua presença física e iluminada impõe. Tal qual Frederic na sua busca artística: um pintor à moda antiga buscando formar um mundo já deformado. O fato de ela querer se ver nos quadros dele e ele a pintar não tão bela como é só amplia esse hiato entre os dois e seus mundos, seus protagonismos.
Voltando ao desinteressante Paul, ele é um figurante ciente da sua posição no mundo, um militante nas causas da esquerda, um homem engajado que vive sem dinheiro, que não busca o dinheiro, até ser fisgado por um amor real e complicado, pela paternidade e pela função de perpetuar a vida tal como ela é, e o que vai obriga-lo a ser alguma outra coisa. Mas ele é alguém que não teme essa nova ordem, ainda que também não a aceita, mas Paul joga, tragicamente, o jogo. E trágico aqui é aceitação e não recusa como a recusa de Frederic, recusa mais romântica, repito, que trágica.
E é justamente essa relação entre Paul e Frederic, esse espelhamento que “mata” Frederic. Desolado pela perda da esposa estrela volúvel, que o deixa após as sucessivas crises do casal. Frederic, tempos depois da separação, numa das mais belas cenas do filme, reencontra Paul com a mulher Élisabeth e com o filho deles recém nascido num carrinho de bebê. Ali, Frederic dá conta de sua encruzilhada. Projeta a sua vida na vida certinha de Paul e se entrega. Frederic ao olhar para o filho de Paul percebe que não pode continuar, que seu projeto para ali tal qual os outros personagens que Louis Garrel viveu pelas lentes do pai recentemente.
Mas a entrega dele, Frederic, já não é mais a entrega de Garrel diretor, do filme. Ele não é todo o filme, é parte. Parte que liga o cinema passado de Garrel a uma nova possibilidade de discurso. Mais madura talvez em relação aos novos tempos e igualmente poética na forma de se exprimir, afinal da velha guarda francesa poucos – Godard, Resnais, quem mais? – sobreviveram e filmam com a mesma magia política de Garrel.

Cesar Zamberlan

http://www.revistainterludio.com.br/?p=3278

Tens (Calmaria) - Nana Caymmi




Tens no meu sorriso tua agonia, tens a festa, tens a dança, tens a cantoria, tens no meu amor tua teimosia. Tens no meu silêncio tua garantia, tens na rua a graça e o beijo, tens a fantasia, tens na mão a faca e o queijo, tens a noite e o dia. Tens na minha ausência tua companhia, tens a fama, tens a lama, tens a ironia, tens na minha dor tua melodia. Tens na minha sombra tua moradia, tens no quarto um cão vigia, tens a valentia, mas só na minha noite então terás tua calmaria.

Demandas





Ama, veja, me eleja

Adora, implora, me cultive

Guarda, se gabe, me mostre

Espera, leva, me escolha

Conduza, usa, me preserve

Diga, jura, me gaste

Perca, provoque, me ganhe

Esqueça, desapareça, me ache

Conheça, reconheça, me explore

Goza, adormeça, me acalme

Vira, revira, me salve

Segura, assegure, me prenda

Busca, amarre, me escreva

Fala, trague, me ouça

Beba, degusta, me embriague...



RS 07/09/12