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sexta-feira, 28 de junho de 2013

A EMBRIAGUEZ DO PERFUME DAS PALAVRAS DE MANOEL DE BARROS

em artes e ideias por  em 27 de jun de 2013
O escritor sul-mato-grossense Manoel de Barros, ultrapassa a esfera pragmática do escrever, desmembrando a ''ciência exata'' do saber, transformando a mesma em algo divino, que exalta o abstrato como algo concreto, que eleva o cotidiano e a sutileza das coisas para um outro nível. Manoel de Barros entende que a rã, a borboleta, a árvore, a terra, o pássaro, são artefatos divinos, ao passo que merecem importância como parte fundamental da existência do ser humano.

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Manoel de Barros, poeta brasileiro contemporâneo, tem um parentesco fortíssimo com a simplicidade, ele é rigoroso - ainda que simplista - com a profundidade das palavras, escolhe com minúcia suas perspectivas metalinguísticas. Indo além das suas significâncias, a poesia de Manoel de Barros rompe com a dureza semântica, e, por vezes, fala da vida como tempos de infância vitalícia. A fala de Manoel de Barros nos transporta, como se pertencêssemos quase nada aos significados legítimos-oficias das coisas-palavras. Manoel de Barros é pouco rigoroso com a estrutura prosaica da escrita, muito fiel a puerilidade, pureza e sentido íntimo das coisas, como se a oralidade das frases fosse sim seu verdadeiro significado. Manoel de Barros assume que, até hoje, só teve infância, e é realmente fiel a esse discurso, escrevendo sobre as “inutilezas'' e delírios de uma vida irreverente.
Se tratando do desmembramento das palavras, sem soar pretensioso, analiso a escrita do Manoel de Barros, podendo entender que ele tem a intenção de desassociar os significados legítimos das palavras, e transporta-las para um universo lúdico, onde tudo é reconstruído através da simplicidade e de seu caráter poético. A poética manoelina consiste nas inverdades, na liberdade plena dos significados, na ''supra-linguagem'', na inovação estrutural da escrita, ora por reinventar seus significados, ora por transportar o leitor para um lugar - por falta de prática e exercício - pouco revisitado.
Falar do Manoel de Barros sem instigar o potencial da minha e da sua imaginação, seria uma afronta, é como recorrer ao dicionário única e exclusivamente para fazer o conhecimento findar, e não usando o ''hipervisor'' das palavras-inventadas. A grandeza dele se dá ao fato de reconhecer o intercâmbio entre todos os sentidos que uma palavra comporta. Manoel seria um artesão linguístico, ele molda frases como quem fabrica, com suas próprias mãos sujas, um vaso de cerâmica.
O que mais me encanta no Manoel (com toda licença para a intimidade do gesto) é que ele representa a construção genuína da arte literária, onde se recusa a realidade a olho nu, e a transforma em algo penoso (sim, moldar palavras é um trabalho de carpinteiro, quase que um processo criativo braçal) que excluí o mundo tal como vemos, e exalta o mundo que deixamos passar despercebido, o mundo de dentro para fora.
''O delírio do verbo estava no começo, lá
onde a criança diz: Eu escuto a cor dos passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um
verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz
de fazer nascimentos –
O verbo tem que pegar delírio''
No fragmento acima, Manoel de Barros sintetiza o que tento, de maneira pouco imparcial, concluir. É a exaltação da grandeza do gesto, dos gostos, das cores, das texturas. É a importância que se dá a coisa em si, e a relação que se tem com a coisa, não o significado oficial, dito e desdito todos os dias. É a infantilização dos sentidos, visto que uma criança, embebida por sua pureza, reconhece a grandeza do que se vê, e não do que se sabe por convenção.
Termino dizendo que Manoel de Barros é o porta-voz das crianças, sem me ater ao padrão da idade, ele é porta-voz de todo ser humano que abdica, ainda que apenas um pouco, da seriedade mundana, e reconhece que a linguagem infantil é o saber mais consistente e genuíno de todos. O poeta do pantanal, é o poeta que grita a verdade escondida dentro de todos nós, que deixamos tímida, entre-escondida, dentro dos nossos olhos e devaneios sinceros. Deixemos nosso eu manoelino sair para passear mais vezes, sem dúvida a vida seria um tanto mais agradável.