Maré cheia
Publicado em 29 de julho de 2014 por Silvia Badim
E então eu fiquei vendo aquela bola alaranjada desaparecer no horizonte. O vento zunia forte uma melodia que me desconcertava os ouvidos. Eu estava feliz. Estranha, e intensamente, feliz. As cores do dia coloriam o que eu não sabia. E eu abraçava quente o presente. O que tinha era bom. Bom de doer os olhos, cheios de areia e brisa de mar. O mesmo mar que me corria por dentro, em medos e incógnitas, e em deslumbramento de poder fluir. No mar o chão é lodo, e também é água. Um chão que suporta o improvável e imprevisível dos dias.
Eu voei. Até onde eu não sabia que podia chegar. Até onde eu me dobrei sobre o controle que não tinha. Vento, gota salgada sob o corpo quente. Beleza que me arrancava lágrimas e silêncios de contemplar a morte. Seu corpo, meu corpo, nossas vidas ali, em mistério de existência conjunta. Docemente enlaçadas, em dança de encher o peito. Sim, o momento era cheio, robusto, vivo. E ele morria secretamente, com o dia que caia no mar.
Assim é, um tempo sempre a escapar. Um porvir de reticências. A terra movediça que nunca vira chão de fincar os pés. O susto do amor, a alegria do respiro, a rota incansável do tempo que lambe a areia e reconstrói paisagens. As dunas móveis, as lagoas de chuva e seca, segredos de vida líquida. Arrepio, calafrio, rumba a beira-mar a cantar o incontido. E as ondas, mansas, sem pressa, fugidias, riem de mim: pequena concha na imensidão submersa. A ida. Para onde não há seta. O destino que nos guarda, buraco frouxo, refluxo, renascença, dúvida, maré que nos cobre, cega, vermelho, escuro, fim.
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