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sábado, 19 de maio de 2012

Serra do Luar - Leila Pinheiro

“Um Conto Chinês”

Existe uma graciosidade nas produções argentinas dos últimos anos. A competência dos realizadores mantém o bom nível de suas histórias, quase sempre centradas em dramas bem elaborados que desenvolvem competências que fogem ao costumeiro do cinema americano. Foi assim com o premiado “O Segredo dos Seus Olhos”, de Juan José Campanella, e “Dois Irmãos”, de Daniel Burman, sem falar nos já clássicos “O Filho da Noiva”, também de Campanella, e “Plata Quemada”, de Marcelo Piñero, entre outros. Este “Um Conto Chinês” mantém a qualidade deste mercado e mostra que histórias parcialmente absurdas podem fazer rir de uma forma bem mais peculiar.
Protagonizado por Ricardo Darín, atualmente o ator de maior referência da Argentina no mercado internacional, a trama é praticamente uma comédia de costumes ao mostrar a relação entre um argentino antipático e um chinês perdido em Buenos Aires que se cruzam por mero acaso. Roberto (Darín) leva uma vida automática e solitária, até que Jun (Ignacio Huang) aparece para desestabilizar (ou seria estabilizar?) a sua vida. Com problemas de comunicação devido aos idiomas completamente distintos, os dois passam a conviver de forma estranha e nem sempre pacata, esperando o momento em que alguém salvará o chinês naquela terra de desconhecidos.
Aparentemente sem família em Buenos Aires, Jun passa a “trabalhar” com Roberto em sua loja de ferragens, ao mesmo tempo em que eles dividem o mesmo teto sem ao menos se gostarem. Entretanto, é durante essa convivência que o público passa a enxergar o quão parecidos são os dois personagens, mesmo que eles não se compreendam verbalmente, apenas por gestos, expressões ou histórias de vida.
Nesse meio tempo, Roberto nos parece extremamente inacessível, como se o acolhimento do chinês fosse apenas um favor temporário. Esperamos que eles se apeguem, mas isso nunca fica tão claro. O clímax que nos faz compreender o quão o destino pode ser irônico para as pessoas é bem mais significativo do que qualquer clichê no terceiro ato costumeiramente usado pelas comédias americanas. Darín e Huang formam uma dupla deliciosa de se ver em cena, cada um com grandes atributos que dão a uma trama simples um bom êxito.
Darín, que aqui empresta um pouco de seu caráter cômico, ainda que exerça todo o seu potencial dramático, desempenha com grande êxito toda a profundidade de seu personagem, sofrido pelas mazelas do passado e que “aprendeu” a ficar sozinho. Roberto não dá abertura nem a um possível novo romance em sua vida, ao mesmo tempo que transmite sua dificuldade em aceitar no que se transformou. A rotina do protagonista fala muito sobre como sua vida virou mero acaso, apenas aceitando que um dia é seguido do outro e por aí vai. Mas ao conhecer Jun, ele passa a se importar, mesmo que nem sempre demonstre, com aquele rapaz jovem e que tanto o lembra: perdido, sozinho e claramente de bom coração.
Dirigido e roteirizado pelo pouco conhecido Sebastián Borensztein, que tem experiências com séries de TV e acumula alguns filmes pouco conhecidos por aqui, o longa mostra que o conceito de “histórias absurdas” é relativo. A trama foi baseada em uma história real, contada rapidamente nos minutos iniciais da película, e é cercada de boas tiradas e gags bem desenvolvidas pelo elenco. Não há o exagero da comicidade, jamais se aproximando do humor pastelão e sempre reiterando o caráter dramático daquela situação. Borensztein sabe como explorar seus personagens e, por mais que não se destaque tanto em relação ao seu desempenho técnico no cargo de diretor, dá ao filme grande simpatia e que pode chegar a emocionar em seu terceiro ato.
“Um Conto Chinês” é uma comédia dramática que nos traz mais uma relação curiosa e bem realizada em cena. Ainda que não marque de uma forma visual e não acrescente grande estilo à filmografia argentina, o longa é forte por sua história sensível e de empatia certa, além da sempre agradável presença de Darín nas telonas. Recomendado para quem cansou de besteirol ou das mesmas piadas de sempre contadas pelos mesmos ângulos.

Mas, que é a vida afinal?

 
 
 


Ficaram-me as penas

O pássaro fugiu, ficaram-me as penas
da sua asa, nas mãos encantadas.
Mas, que é a vida, afinal? Um vôo, apenas.
Uma lembrança e outros pequenos nadas.

Passou o vento mau, entre açucenas,
deixou-me só corolas arrancadas...
Despedem-se de mim glorias terrenas.
Fica-me aos pés a poeira das estradas.

A água correu veloz, fica-me a espuma.
Só o tempo não me deixa coisa alguma
até que da própria alma me despoje!

Desfolhados os últimos segredos,
quero agarrar a vida, que me foge,
vão-se-me as horas pelos vãos dos dedos.

Cassiano Ricardo
(1895-1974)

Comissão Nacional da Verdade




Matheus Rodrigues Gonçalves - Publicado em Segunda, 14 Maio 2012

Matheus Rodrigues Gonçalves
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Chegou a hora da Comissão. Já a da Verdade...

 
Seis meses após a sanção da Lei 12.528/11, a Presidência da República finalmente anunciou os membros da Comissão Nacional da Verdade. São eles: os juristas José Carlos Dias, Gilson Dipp, José Paulo Cavalcanti Filho, Rosa Maria Cardoso da Cunha e Cláudio Fonteles; o sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro e a psicanalista Maria Rita Kehl.
Ao menos dois destes nomes são declaradamente contra a revisão da Lei de Anistia: Dias e Dipp. Dipp, inclusive, foi testemunha do Estado Brasileiro no julgamento do Caso Araguaia, que terminou com a condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Há de se ressaltar também as recorrentes declarações de alguns membros da Comissão (notadamente, Dipp e Dias), de que um dos principais objetivos da mesma será investigar os crimes "de ambos os lados".
Ora, a argumentação que sustenta a ideia da necessidade de que "ambos os lados" sejam investigados esquece-se de um fato de suma importância: como observa o jornalista Paulo Moreira Leite, "os atos – violentos ou não, legítimos ou não — cometidos pelos adversários do regime militar foram apurados, avaliados e punidos em seu devido tempo, como demonstram as 7.367 denuncias apresentadas à Justiça Militar entre 1964 e 1979." Em compensação, quantos militares que, com dinheiro público e em nome do Estado, sequestraram, assassinaram, torturaram e estupraram militantes contrários à ditadura-civil militar foram punidos ou ao menos responsabilizados por tais atos? O que vemos é justamente o contrário: processos judiciais tanto na esfera criminal como na cível sendo arquivados e extintos por juízes que se valem da lei 6683/79 (Lei de Anistia) e do entendimento acordado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em abril de 2010. Mesmo após a sentença da CIDH, o quadro geral permanece inalterado.
Ainda que a Comissão não tenha, por lei, poderes persecutórios (ou sequer poderes de enviar ao Ministério Público os resultados de suas investigações, pois a legislação fala na necessidade da "reconciliação nacional", e o entendimento do STF sobre a Lei de Anistia assim determina), uma composição mais progressista garantiria resultados mais eficazes no âmbito do direito à Memória e à Verdade. Entretanto, é preciso ter em mente que, mesmo que a composição fosse a mais progressista possível, dificilmente veríamos avanços significativos decorrentes da instauração da Comissão da Verdade.
Primeiramente, há a questão da Lei de Anistia. Como reconhecem os movimentos de direitos humanos e de parentes de mortos e desaparecidos da ditadura, não há que se falar em Memória e Verdade sem Justiça. São elementos indissociáveis. Para que não se repita o passado, devemos conhecê-lo. E, mais do que isso, é imprescindível que se proceda com a responsabilização dos agentes do Estado que perpetraram violações de direitos humanos: estudos comprovam que os países que o fizeram têm hoje taxas de violência institucional menores que aqueles que optaram pelo caminho da "reconciliação nacional". Para além da imperante lógica do esquecimento, devemos abandonar a nefasta lógica da impunidade.
Concomitantemente, há elementos da própria Comissão da Verdade que a tornam, desde já, insuscetível de sucesso. Por exemplo, os (poucos) membros da comissão terão um exíguo espaço de tempo para investigar um período histórico demasiadamente longo: são sete indivíduos com um prazo de dois anos para investigar quarenta e dois anos da história brasileira. Nesse sentido, é importante lembrar a estratégia adotada pelos setores conservadores (do governo e da sociedade) para tirar o foco da comissão do período ditatorial, ao colocar como ano inicial de investigação 1946 e, como ano final, 1988. A isso se deve acrescentar o fato de que a Comissão da Verdade, por lei, não possuirá autonomia plena, o que em muito limita e dificulta os trabalhos dos comissionados.
Tendo em vista o que acima foi abordado, pode-se concluir, com imensas chances de acerto, que está Comissão da Verdade instaurada pela presidenta Dilma Rousseff não logrará êxito em atingir aquele que é (ou deveria ser), ao menos no papel, o seu objetivo central, qual seja, a garantia do direito à Memória e à Verdade não só de vítimas e parentes de vítimas do regime de 1964, mas de toda a sociedade brasileira. Não é necessário que se diga que, em relação ao também elementar direito à Justiça, a Comissão Nacional da Verdade brasileira servirá para manter um danoso status quo que até hoje traz trágicas consequências para o país, em especial para os estratos mais pobres da população.
Trata-se de uma Comissão que foi pensada para não funcionar e, nesse sentido, já nasceu castrada. E não funcionará. O que não significa que a sociedade não deva se mobilizar e pressionar. É de extrema importância que haja forte pressão sobre os membros da Comissão para que façam um trabalho minimamente aceitável, dentro das circunstâncias desfavoráveis. Ademais, os recentes esforços do Ministério Público para levar ao banco dos réus agentes ditatoriais violadores de direitos humanos devem ser apoiados de maneira enfática, bem como devem ser pressionados tanto o STF quanto o Governo Federal para que procedam – ou ao menos não coloquem entraves – com a necessária revisão da Lei de Anistia.

http://www.diarioliberdade.org/opiniom/opiniom-propia/27175-chegou-a-hora-da-comissão-já-a-da-verdade.html