Eu
gosto desta canção. E gosto ainda mais que você a tenha tocado em minha cama,
sem que eu lembrasse de pedir, sem que você esquecesse de lembrar que eu gosto tanto
desta canção. Felicidade é isso, pergunta a menina inquieta que joga amarelinha
em meu peito. Esse instante que é arte e, por ser assim, é completamente
inútil? Felicidade é isso, esse momento quase tela, quase som, quase letra, uma
perfeição que do outro lado do espelho só poderia ser sussurrada: angústia?
Eu
gosto desta canção, digo, depois, deitada em teu corpo, as mãos brincando de
dedilhar notas antigas e preguiçosas, escorregando na pele que se desfaz e, em
um susto, sabemos: toca-se o coração.
Cá
dentro, eu sei: gosto, de uma forma terna e dolorida, que não cheguemos nunca a
nos amar, mesmo com toda essa fome que temos um pelo outro. Gosto que não
cheguemos nunca a nos amar, tantos futuros se desencontrando.
Gosto
que não cheguemos nunca a nos amar, eu repito, agora em voz alta, e as nossas
mãos se procuram e são mornas e salgadas. Você entende e me conta do seu
primeiro bichinho de estimação: um porquinho da índia que um dia, tão velho,
tão velho, sumiu e você quis acreditar quando a sua mãe abraçou apertado e
disse: ele fugiu.
E
eu também, eu também quis acreditar na fuga do porquinho. E em futuros. Porque
você sempre sabe o jeito certo de encaixar as pernas, a piada, os sonhos.
Porque nunca nos falta vontade, assunto ou fôlego. Porque brincamos nus,
bebemos no mesmo copo e fazemos caretas. Porque podia ser pra sempre, porque é
tão mais fácil ficar, eu quis acreditar e dizer: onde será que ele está agora?
Mas eu sei as mortes todas, respiro como quem se afoga e faço silêncios.