Publicado:
Há alguma influência da música brasileira em seu trabalho?
A bossa nova foi algo revolucionário para o mundo. Não existiam antes canções tão refinadas, tão sensíveis, com vozes tão delicadas e músicas tão criativas e complexas. Um amor à primeira vista foi Elis Regina. Nunca pude assistir a um show dela, mas via tudo sobre ela. Para mim era como uma voz ideal, um pouco como a italiana Ornella Vanoni. Obviamente, há vozes que admiro e que escutei ao infinito. Ouvi muito Nina Simone, Billie Hollyday, Dolly Parton, Emmylou Harris, Bessie Smith, Marianne Faithfull, Françoise Hardy, e Mina. Mas Ornella Vanoni e Elis Regina são modelos para mim. A maneira de cantar, a delicadeza, a precisão, a fineza musical e a sensualidade de suas vozes estão no máximo. O álbum “Elis & Tom” foi muito importante para mim bem antes que começasse a compor.
Você ainda o escuta?
Escutei novamente agora porque Georges Moustaki acaba de morrer, e ele havia feito uma adaptação de “Águas de março” muito bonita. É difícil adaptar canções em outra língua, sobretudo canções tão perfeitas como esta. Mesmo quando Moustaki canta em francês se escuta o “brasileiro” por trás. Mas a escrita do texto... (ela cantarola em francês). Que belo trabalho! E eu não conhecia a versão de Moustaki. Com a sua morte — infelizmente —, comprei todas as suas canções e escutei “Águas de março”. Sabe essas perguntas sobre os discos que você levaria para uma ilha deserta? Eu levaria “Elis & Tom”.
Você gostaria de fazer algum duo com músicos brasileiros?
Adoraria fazer duos e trabalhar com o Brasil. Já houve algum contato com Chico Buarque, espero que um dia aconteça. Caetano Veloso é outro com quem adoraria cantar. E há cantoras maravilhosas no Brasil. Você conhece alguma que combinaria comigo?
Se você for mesmo cantar no Brasil em 2014, como pretende, será no ano da Copa do Mundo.
É verdade. Uh la la la! Espero que vocês ganhem, senão será um trauma como foi para a Itália. Os italianos não suportam quando perdem.
Como será a turnê do show?
Começa em novembro, na França. Vai ser muito simples, com poucos músicos. Estou contente, porque já lancei quatro discos, tenho bastante material.
No início, no lançamento de seu primeiro álbum, “Quelqu’un m’a dit” (2002), você revelou não ter os meios psicológicos para enfrentar o palco. Hoje você se sente à vontade em cena?
Não digo que me sinta totalmente à vontade, porque não é algo tão simples, mas adoro isso. Tenho muito medo, mas adoro (risos).
O que você tem escutado agora?
Tenho escutado muito o israelense Asaf Vidan, é muito estranho, muito bonito. Escutei o último (David) Bowie, que é bonito. Também o disco de Lou Doillon, que adorei. Comprei no iTunes todas os Noturnos de Chopin tocados por Arthur Rubinstein. Comprei ontem, escutei, e... é maravilhoso! Uma quinzena de Noturnos de Chopin leva a uma melancolia profunda. Adoro.
Como foi para você saber, aos 28 anos, da existência de seu pai biológico, Maurizio Remmert, instalado há 35 anos no Brasil, e conhecê-lo?
Tive muita sorte com essa história. Poderia ter sido uma história sórdida, mas é algo maravilhoso. Acho que isso se deve à qualidade humana das pessoas envolvidas, não à minha. Meu pai é um homem que adoro e que apreciaria mesmo que não fosse meu pai biológico.
Você começou a tocar violão aos 9 anos, mas só se lançou na carreira bem mais tarde.
É verdade, foi muito tarde. Acho que estava um pouco inibida. Eu dizia a mim mesma que talvez fosse fazer isto um dia. Depois, meu pai morreu (Alberto Bruni Tedeschi), e talvez isso tenha liberado algo, não sei.
A canção “Mon Raymond”, declaração de amor a seu marido, Nicolas Sarkozy, saiu de forma espontânea?
Eu já tinha a ideia de compor uma canção mudando o seu nome, o que me fazia rir. Quando encontrei o nome, ela saiu de forma bem fluída. Eu me divirto mudando o nome, mas o profundo é o que digo na canção. É uma canção de amor, de uma mulher apaixonada.
O que mais a surpreendeu nestes anos vividos no Palácio do Eliseu?
É difícil sintetizar isso. Mas o que mais me surpreendeu foi o quanto era apaixonante, interessante, diferente, extraordinário. O que mais me apaixonou foi estar ao lado dele (Sarkozy), e de vê-lo trabalhar, lutar. Foi um belo momento de nossa vida. Brutal, mas belo. Estou feliz que a página tenha sido virada, mas foi uma grande honra.
O músico Julien Clerc, que participa de seu disco, disse que você subestimou a nocividade da política. Você concorda?
Eu não estimei nada. Fui sem nenhuma ideia preconcebida. Apenas observei trabalhar meu homem (Sarkozy). Isso me interessava. Em relação a mim mesma, aprendi, por exemplo, a ter sangue frio. Já tinha um pouco antes. Mas aprendi a olhar com perspectiva, a relativizar.
Foi difícil não poder prosseguir com a sua carreira musical neste período?
Foi um pouco frustrante, mas não difícil. Eu vivia um pouco numa bolha como artista. Quando meu marido foi presidente da França, tive que lidar com a vida dos outros, com suas dificuldades. Não foi difícil para mim não fazer turnês. Foi um pouco frustrante, mas para o ego. Frustrante mesmo é ter um emprego horrível, não poder oferecer nada aos filhos, não ter férias, ficar doente, ser só e abandonado quando velho, isso sim é difícil, todo o resto são pequenas dificuldades. Ninguém escapa das grandes dificuldades. Já não podemos escapar da morte, da nossa nem da dos outros, e isso já é bastante difícil.
Você tem medo de morrer?
Sim. Mas tenho sobretudo medo de que os outros morram. Tenho medo de sofrer. Você não?
E tem medo de envelhecer?
Menos. Menos do que quando era jovem (risos). Quando nos aproximamos da velhice, a ideia se torna bem mais simpática. De qualquer forma, não temos escolha, então o melhor é aceitar.
A atriz Charlotte Rampling...
Ela é bela, não?
... disse certa vez que quando se nasce bela, não há nada a fazer, é uma questão de genes, mas que a partir dos 50 anos é a pessoa que se faz bela.
Não tenho relação com a minha aparência física. Me foi útil. Quando faço fotos, sei que está relacionado ao meu físico. Mas isso não me interessa muito. Gosto da beleza, mas a dos outros, das mulheres, dos homens, das crianças, paisagens, pinturas... A minha é indiferente para mim. Faço o possível para não parecer feia, mas não penso muito nisso.
À parte sua polidez e seu respeito pelos outros, você teria um lado um desavergonhado, segundo disse o mesmo Julien Clerc.
Sou um pouco transgressora. Não provocadora, mas levemente transgressora. Suavemente. Gosto disso.
Você se manifestou a favor do casamento homossexual. Foi surpreendida pelas manifestações de rua contrárias à união gay na França, algumas delas com episódios violentos?
Não. A França é um país muito eruptivo, que reage muito. Conheço muitas famílias de pais do mesmo sexo, não vejo problema. Não tenho alma de militante. Nunca na vida participei de manifestações, nunca tinha votado antes de encontrar o meu marido — uma catatástrofe —, sou pouco cidadã. Mas sou muito aberta a todas as ideias e opiniões, à parte os extremismos, seja de direita ou esquerda, que me repugnam.
Você acredita que o mundo está se tornando mais sectário?
Acho isto triste, tedioso. Acho que o mundo de hoje está aterrorizado. E a economia não está florescente. Isto leva a um enclausuramento.
A bossa nova foi algo revolucionário para o mundo. Não existiam antes canções tão refinadas, tão sensíveis, com vozes tão delicadas e músicas tão criativas e complexas. Um amor à primeira vista foi Elis Regina. Nunca pude assistir a um show dela, mas via tudo sobre ela. Para mim era como uma voz ideal, um pouco como a italiana Ornella Vanoni. Obviamente, há vozes que admiro e que escutei ao infinito. Ouvi muito Nina Simone, Billie Hollyday, Dolly Parton, Emmylou Harris, Bessie Smith, Marianne Faithfull, Françoise Hardy, e Mina. Mas Ornella Vanoni e Elis Regina são modelos para mim. A maneira de cantar, a delicadeza, a precisão, a fineza musical e a sensualidade de suas vozes estão no máximo. O álbum “Elis & Tom” foi muito importante para mim bem antes que começasse a compor.
Você ainda o escuta?
Escutei novamente agora porque Georges Moustaki acaba de morrer, e ele havia feito uma adaptação de “Águas de março” muito bonita. É difícil adaptar canções em outra língua, sobretudo canções tão perfeitas como esta. Mesmo quando Moustaki canta em francês se escuta o “brasileiro” por trás. Mas a escrita do texto... (ela cantarola em francês). Que belo trabalho! E eu não conhecia a versão de Moustaki. Com a sua morte — infelizmente —, comprei todas as suas canções e escutei “Águas de março”. Sabe essas perguntas sobre os discos que você levaria para uma ilha deserta? Eu levaria “Elis & Tom”.
Você gostaria de fazer algum duo com músicos brasileiros?
Adoraria fazer duos e trabalhar com o Brasil. Já houve algum contato com Chico Buarque, espero que um dia aconteça. Caetano Veloso é outro com quem adoraria cantar. E há cantoras maravilhosas no Brasil. Você conhece alguma que combinaria comigo?
Se você for mesmo cantar no Brasil em 2014, como pretende, será no ano da Copa do Mundo.
É verdade. Uh la la la! Espero que vocês ganhem, senão será um trauma como foi para a Itália. Os italianos não suportam quando perdem.
Como será a turnê do show?
Começa em novembro, na França. Vai ser muito simples, com poucos músicos. Estou contente, porque já lancei quatro discos, tenho bastante material.
No início, no lançamento de seu primeiro álbum, “Quelqu’un m’a dit” (2002), você revelou não ter os meios psicológicos para enfrentar o palco. Hoje você se sente à vontade em cena?
Não digo que me sinta totalmente à vontade, porque não é algo tão simples, mas adoro isso. Tenho muito medo, mas adoro (risos).
O que você tem escutado agora?
Tenho escutado muito o israelense Asaf Vidan, é muito estranho, muito bonito. Escutei o último (David) Bowie, que é bonito. Também o disco de Lou Doillon, que adorei. Comprei no iTunes todas os Noturnos de Chopin tocados por Arthur Rubinstein. Comprei ontem, escutei, e... é maravilhoso! Uma quinzena de Noturnos de Chopin leva a uma melancolia profunda. Adoro.
Como foi para você saber, aos 28 anos, da existência de seu pai biológico, Maurizio Remmert, instalado há 35 anos no Brasil, e conhecê-lo?
Tive muita sorte com essa história. Poderia ter sido uma história sórdida, mas é algo maravilhoso. Acho que isso se deve à qualidade humana das pessoas envolvidas, não à minha. Meu pai é um homem que adoro e que apreciaria mesmo que não fosse meu pai biológico.
Você começou a tocar violão aos 9 anos, mas só se lançou na carreira bem mais tarde.
É verdade, foi muito tarde. Acho que estava um pouco inibida. Eu dizia a mim mesma que talvez fosse fazer isto um dia. Depois, meu pai morreu (Alberto Bruni Tedeschi), e talvez isso tenha liberado algo, não sei.
A canção “Mon Raymond”, declaração de amor a seu marido, Nicolas Sarkozy, saiu de forma espontânea?
Eu já tinha a ideia de compor uma canção mudando o seu nome, o que me fazia rir. Quando encontrei o nome, ela saiu de forma bem fluída. Eu me divirto mudando o nome, mas o profundo é o que digo na canção. É uma canção de amor, de uma mulher apaixonada.
O que mais a surpreendeu nestes anos vividos no Palácio do Eliseu?
É difícil sintetizar isso. Mas o que mais me surpreendeu foi o quanto era apaixonante, interessante, diferente, extraordinário. O que mais me apaixonou foi estar ao lado dele (Sarkozy), e de vê-lo trabalhar, lutar. Foi um belo momento de nossa vida. Brutal, mas belo. Estou feliz que a página tenha sido virada, mas foi uma grande honra.
O músico Julien Clerc, que participa de seu disco, disse que você subestimou a nocividade da política. Você concorda?
Eu não estimei nada. Fui sem nenhuma ideia preconcebida. Apenas observei trabalhar meu homem (Sarkozy). Isso me interessava. Em relação a mim mesma, aprendi, por exemplo, a ter sangue frio. Já tinha um pouco antes. Mas aprendi a olhar com perspectiva, a relativizar.
Foi difícil não poder prosseguir com a sua carreira musical neste período?
Foi um pouco frustrante, mas não difícil. Eu vivia um pouco numa bolha como artista. Quando meu marido foi presidente da França, tive que lidar com a vida dos outros, com suas dificuldades. Não foi difícil para mim não fazer turnês. Foi um pouco frustrante, mas para o ego. Frustrante mesmo é ter um emprego horrível, não poder oferecer nada aos filhos, não ter férias, ficar doente, ser só e abandonado quando velho, isso sim é difícil, todo o resto são pequenas dificuldades. Ninguém escapa das grandes dificuldades. Já não podemos escapar da morte, da nossa nem da dos outros, e isso já é bastante difícil.
Você tem medo de morrer?
Sim. Mas tenho sobretudo medo de que os outros morram. Tenho medo de sofrer. Você não?
E tem medo de envelhecer?
Menos. Menos do que quando era jovem (risos). Quando nos aproximamos da velhice, a ideia se torna bem mais simpática. De qualquer forma, não temos escolha, então o melhor é aceitar.
A atriz Charlotte Rampling...
Ela é bela, não?
... disse certa vez que quando se nasce bela, não há nada a fazer, é uma questão de genes, mas que a partir dos 50 anos é a pessoa que se faz bela.
Não tenho relação com a minha aparência física. Me foi útil. Quando faço fotos, sei que está relacionado ao meu físico. Mas isso não me interessa muito. Gosto da beleza, mas a dos outros, das mulheres, dos homens, das crianças, paisagens, pinturas... A minha é indiferente para mim. Faço o possível para não parecer feia, mas não penso muito nisso.
À parte sua polidez e seu respeito pelos outros, você teria um lado um desavergonhado, segundo disse o mesmo Julien Clerc.
Sou um pouco transgressora. Não provocadora, mas levemente transgressora. Suavemente. Gosto disso.
Você se manifestou a favor do casamento homossexual. Foi surpreendida pelas manifestações de rua contrárias à união gay na França, algumas delas com episódios violentos?
Não. A França é um país muito eruptivo, que reage muito. Conheço muitas famílias de pais do mesmo sexo, não vejo problema. Não tenho alma de militante. Nunca na vida participei de manifestações, nunca tinha votado antes de encontrar o meu marido — uma catatástrofe —, sou pouco cidadã. Mas sou muito aberta a todas as ideias e opiniões, à parte os extremismos, seja de direita ou esquerda, que me repugnam.
Você acredita que o mundo está se tornando mais sectário?
Acho isto triste, tedioso. Acho que o mundo de hoje está aterrorizado. E a economia não está florescente. Isto leva a um enclausuramento.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/carla-bruni-reassume-sua-faceta-de-cantora-apos-cinco-anos-como-primeira-dama-8632472#ixzz2VkxMb5WG