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quarta-feira, 30 de novembro de 2011
Ferreira Gullar
Ferreira Gullar em 2009 | |
Nome completo | José Ribamar Ferreira |
Nascimento | 10 de setembro de 1930 (81 anos) São Luís |
Nacionalidade | Brasileiro |
Ocupação | Poeta, crítico de arte, biógrafo, tradutor, memorialista e ensaísta |
Prêmios | Prémio Camões (2010) |
Sobre o pseudônimo, o poeta declarou o seguinte: "Gullar é um dos sobrenomes de minha mãe, o nome dela é Alzira Ribeiro Goulart, e Ferreira é o sobrenome da família, eu então me chamo José Airton Dalass Coteg Sousa Ribeiro Dasciqunta Ribamar Ferreira; mas como todo mundo no Maranhão é Ribamar, eu decidi mudar meu nome e fiz isso, usei o Ferreira que é do meu pai e o Gullar que é de minha mãe, só que eu mudei a grafia porque o Gullar de minha mãe é o Goulart francês; é um nome inventado, como a vida é inventada eu inventei o meu nome".[1]
Vendo a noite
Júpiter, Saturno.
De dentro de meu corpo
estou vendo
o universo noturno.
Velhas explosões de gás
que meu corpo não ouve:
vejo a noite que houve
e não existe mais -
a mesma, veloz, em Tróia.
no rosto de Heitor
- hoje na pele de meu rosto
no Arpoador.
Ferreira Gullar
Uma corola
Uma corola
Em algum lugar
esplende uma corola
de cor vermelho-queimado
metálica
não está em nenhum jardim
em nenhum jarro
da sala
ou na janela
não cheira
não atrai
não murchará
apenas fulge
em alguma parte alguma
da vida
O poema que transcrevo intitula-se Uma corola e o seu penúltimo verso dá o título ao livro
em alguma parte alguma...
EM ALGUMA PARTE ALGUMA
EM ALGUMA PARTE ALGUMA (2010) - Livro de Ferreira Gullar sob Apreciação de Antonio Fabiano
EM ALGUMA PARTE ALGUMA (2010), a mais recente poesia de Ferreira Gullar, não é um livro qualquer e não pode ser lido de qualquer jeito, displicentemente. A boa crítica – e não me incluo aqui, sequer no que tange a crítica sem mais atributos – tem o dever moral de notá-lo como um dos grandes acontecimentos literários do ano de 2010, e anotá-lo, sem qualquer favor ao poeta, no cânon da nossa bem sucedida poesia deste início de século. Anais.
Valeu a espera de onze anos, sob o dito silêncio poético de Gullar desde a poesia de “Muitas Vozes”, para que recebêssemos, oportunamente, este “Em alguma parte alguma”, que mais parece a poesia de um poeta que de repente acontece, numa imprevista explo(implo)são. Gullar nos toma de assalto.
É comprovada por demais a competência do poeta, ele já não precisa explicar-se ou impor-se de algum modo. Sua obra caminha de mãos dadas com duas forças poderosas: 1) a consagração por parte de uma “elite intelectual” e da crítica mais autorizada – onde incluímos tudo o que se disse de sua obra, por especialistas e demais competências, em mais de meio século de produção literária e vida artística, além do reconhecimento que lhe é outorgado pelos muitos prêmios recebidos ao longo de sua ventura histórica no cenário cultural brasileiro; 2) e, o mais importante, a consagração junto ao povo, o qual incorpora sua poesia e adere de tal modo à arte do poeta e seu sentimento/razão do mundo, que finda por impregnar-se disso todo o imaginário comum (popular), erigindo a partir deste Gullar, que sem dúvida é mais modesto, uma espécie de ícone da poesia brasileira, fazendo-se a partir daí um “outro” que é mais Gullar do que ele mesmo.
A junção dessas duas partes, o resultado de uma fórmula tal que une o reconhecimento dos doutos e o amor dos mais simples que se enxergam em seu poeta maior e tomam para si o que ele diz em sua/nossa poesia (porque se veem retratados nela e ao povo o poeta empresta sua possante voz), resulta na melhor de todas as coisas que pode suceder a um artista: ele “flutua”, reveste-se daquela imortalidade que nem mesmo a Academia pode dar.
Gullar chegou aí, aonde só poucos chegam. Consegue fazer uma feliz passagem no tempo das gerações, com as quais dialoga, ultrapassando-as. Querendo ou não, seu nome é inscrito no cânon dos nossos vultos sagrados.
O livro “Em alguma parte alguma” vem nos dizer, sem arrogância ou mínima pretensão, que a escrita de Ferreira Gullar é o que há e é mais viva do que nunca. Sinaliza algo mais: diz-nos que literatura de verdade é possível no Brasil de agora, como antes, para além dos nossos poetas bons cujas Obras já se encerraram em Completas. Equivocam-se os que acreditam que poeta bom é só poeta morto. Como também erram os pessimistas que propagam não haver grande poesia nas novas gerações, além Gullar e outros poucos já consolidados desde o século XX e que ainda vivem. Decerto são diferentes os tempos e modos de ser poeta e se pensar a poesia. Complexo é o momento histórico cultural que atravessamos. Mas negar toda poesia, em meio à celeuma de vozes desentoadas ou coros de sapos que banalizam a sagrada arte, isso não nos convém. Poesia há. Como sempre houve. E o prova Gullar, que atravessa impávido esse mar revolto, nos ensinando a não desesperar.
“Em alguma parte alguma” parece já bem resolvido, maduro sem pudores. Extraordinária é a força de seus versos e a beleza nem um pouco ingênua com que se vê, ali, a vida desdobrada em surpresas. Um espanto! Mas não nos traz apenas a sucessão de alumbramentos que dá vazão à criação do poeta, criação esta realizada em cônscio gozo “extático”, o mesmo da poesia que dura o eterno tempo de um poema. Traz-nos ainda o sair-se de aflitivos silêncios (a mesma luta corporal com a palavra), por meio dos imperativos que nem mesmo o poeta sabe explicar, mas aos quais nunca diz não, sendo só sim e sim. E assim torna-se possível o impossível, que é alguma vez deixar dito – plenamente – o não dito. Ora, estamos diante de um silêncio gritado, próprio dos que se assombram, absurdamente elucidados, com a vida, ou com a morte, que também é coisa da vida, em qualquer parte qualquer. A morte neste livro espreita o poeta. Ou talvez seja só ele mesmo a espreitar a morte. Esquecendo-se, depois, um do outro. Ela não será mais que “a paz”, ainda que “a paz do nada”.
O poeta não erra em parte alguma de “Em alguma parte alguma”. Os mais severos hão de lê-lo buscando sempre na página seguinte um defeitinho para não lhe conferir o mérito patente dessa perfeição cabível só a raros e ninguéns. Constatarão, ao final, que o poeta logrou tocar nos pés de Deus, esse Deus do qual Gullar nunca se ocupa, em agnóstica posição. Paradoxo? Não. O maior elogio que se possa fazer ao artista!
O livro vai além do que poderíamos esperar. E nos toma de assalto, no melhor dos sentidos. Nele Gullar escreve-se renovado, sem, contudo, abandonar velhos temas sempre novos. Ousa. Manda para os escarcéus toda estreita medida que queira ditar seu livro e unidade rígida. Reinventa-se. Há de fato um novo tom, matizes. Dá-nos um verdadeiro panorama do seu estado de espírito e da liberdade que goza aos 80 anos, bem redondos, bem vividos. Mescla, sem peias, bananas podres e a mais alta luz dos espaços siderais, de estrelas vivas ou mortas; uma nostalgia às vezes irônica, a ponto de trazer à baila fêmures seus e alheios, na serenada constatação da senhora dona morte, esta que está aí, de mãos dadas com a vida, e não assusta mais que a própria vida; traços de pintura, alheia e sua, tudo retocado ou só tocado por sua mão de artista; as curvas de outra arte e toda arte, seja qual for, desde que verdadeira e fiel aos seus princípios; a linguagem levada ao seu limite, em extremos; o cheiro do jasmim, mais que tudo a flor do jasmineiro, sim, o jasmim e seu olor, este outro raio que fulmina...
O livro comove pelo que tem de transparente e lírico, originalmente lírico. Faz pensar, filosofal. Pedra no centro de um caminho, existencialmente aturdido, gozosamente abraçado. A vida como ela é, em seus paradoxos, a vida insuficiente, por isso mesmo a reclamar poesia, na beleza possível e impossível, em alguma parte alguma, em qualquer lugar qualquer, desta infinita graça que se dá aos que a querem receber.
Antonio Fabiano (2010)
Belo Horizonte-MG
Blog: www.antoniofabiano.blogspot.com
E-mail: seridoano@gmail.com
EM ALGUMA PARTE ALGUMA (2010)
EDITORA JOSÉ OLYMPIO LTDA
"Em Alguma Parte Alguma" - Ferreira Gullar
Poeta Ferreira Gullar é o grande vencedor do Jabuti 2011
Claudio Leal
O poeta Ferreira Gullar, 81 anos, é o vencedor do prêmio Jabuti 2011 de livro do ano de ficção, segundo apurou Terra Magazine. O anúncio ocorre nesta quarta-feira, a partir das 19h30, na Sala São Paulo. Lançado em 2010 pela editora José Olympio, do grupo Record, "Em Alguma Parte Alguma" já havia sido o primeiro colocado na categoria poesia.
Ferreira Gullar teve como concorrentes "Desgracida", de Dalton Trevisan (contos e crônicas), "Ribamar", de José Castello (romance), "Obax", de André Neves (infantil), e "Antes de Virar Gigante e Outras Histórias", de Marina Colasanti (juvenil).
Conferido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) e estimado como o mais importante prêmio literário do País, o Jabuti mudou seu regulamento, depois de uma polêmica que envolveu o escritor e compositor Chico Buarque. Segundo colocado na categoria "romance", o autor de "Leite Derramado" (Companhia das Letras) venceu o prêmio de livro do ano. "Se Eu Fechar os Olhos Agora" (Record), do jornalista Edney Silvestre, obteve a primeira colocação entre os romances, mas perdeu o troféu principal, o que provocou questionamentos aos critérios do Jabuti.
Com a mudança das regras, somente os primeiros lugares concorrem aos grandes prêmios de ficção e de não-ficção. Os melhores livros do ano recebem R$ 30 mil.
Em protesto à premiação de Chico Buarque, o diretor da Record, Sérgio Machado, anunciou seu rompimento com o Jabuti no ano passado. Mas, após a reformulação do regulamento, a editora decidiu voltar a inscrever seus livros em 2011. Agora, um autor da casa, Ferreira Gullar, vence o prêmio principal.
Considerado o maior poeta brasileiro da atualidade, o maranhense Gullar é também crítico de arte, memorialista e ensaísta. Entre seus principais livros de poesia, estão "A luta corporal" (1954), "Poemas" (1958), "Dentro da noite veloz" (1975) e "Poema sujo" (1976). Em 2010, ele recebeu o prêmio Camões.
Posicionamento do prêmio Jabuti
Por meio de uma nota, a assessoria do prêmio Jabuti informa que, neste momento, a notícia sobre a vitoria de Gullar é "infundada". "O resultado oficial será amplamente divulgado à imprensa após o encerramento da cerimônia", diz o texto. Terra Magazine reafirma sua apuração.
"PRÊMIO JABUTI: NOTA DE ESCLARECIMENTO
"Embora o livro do poeta Fereirra Gullar, como os demais finalistas da categoria Livro do Ano Ficção do 53º Prêmio Jabuti, possa eventualmente ser o vencedor, a informação veiculada pelo site Terra Magazine é absolutamente infundada neste momento.
O vencedor só será oficialmente conhecido com a abertura do envelope lacrado, durante a cerimônia de entrega do Prêmio que acontece nesta quarta-feira, 30, na Sala São Paulo.
A Câmara Brasileira do Livro (CBL) desautoriza essa informação e lembra que o resultado oficial será amplamente divulgado à imprensa após o encerramento da cerimônia."
Uma do Bôscoli
Por Túlio Villaça
A capa do Segundo Caderno do Globo, semana passada, foi sobre o lançamento do livro A Bossa do Lobo – Ronaldo Bôscoli, de Denilson Monteiro. O livro trata, naturalmente, muito da personalidade provocadora e maledicente dele, mas também – e não podia deixar de ser – das enormes contribuições dele como compositor – com Carlos Lyra, entre outros – e produtor – ao lado de Luiz Carlos Miele, aliás um personagem à altura dele. Mas o que quero destacar aqui é uma pequena historia em particular que a reportagem do Luiz Fernando Vianna conta, que me espantou por ser tão decisiva no desenvolvimento da música brasileira. Transcrevo o trecho da matéria:
Esta discussão semiótica pode parecer um tanto irrelevante aos desavisados? Então vejamos na prática – lembrando que são duas canções de feição bem diferente entre si. Como Elis faria uma interpretação triste de Upa, Neguinho? Tenho certeza de que nos surpreenderia. Obrigado ao Bôscoli por lhe ter aberto os olhos.
Upa, neguinho – de Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri
Caça à raposa – de João Bosco e Aldir Blanc
E, para que se tenha uma idéia de como Upa, Neguinho pode ficar, a gravação de Caetano Veloso para o álbum Edu Lobo SongBook.
A capa do Segundo Caderno do Globo, semana passada, foi sobre o lançamento do livro A Bossa do Lobo – Ronaldo Bôscoli, de Denilson Monteiro. O livro trata, naturalmente, muito da personalidade provocadora e maledicente dele, mas também – e não podia deixar de ser – das enormes contribuições dele como compositor – com Carlos Lyra, entre outros – e produtor – ao lado de Luiz Carlos Miele, aliás um personagem à altura dele. Mas o que quero destacar aqui é uma pequena historia em particular que a reportagem do Luiz Fernando Vianna conta, que me espantou por ser tão decisiva no desenvolvimento da música brasileira. Transcrevo o trecho da matéria:
O outro aspecto é o do produtor com grande conhecimento do que fazia. Miele conta que estava presente no dia em que Bôscoli disse a Elis Regina que ela estava ensinando o Brasil a cantar errado, pois músicas como “Upa, neguinho”, “Menino das laranjas” e “Reza” eram tristes, não podiam ser interpretadas com a alegria que Elis esbanjava.E basta isso para se ter noção da importância desta consciência que a Elis tomou em relação à interpretação, uma mudança de postura que influenciou decisivamente quase todo intérprete que surgiu nas décadas seguintes. Há cantores que cantam o prazer de cantar ou a beleza da canção, seja qual for ela, e outros que cantam a própria canção. Alguns parecem ter sempre o mesmo subtexto para tudo que escolhem cantar: veja como é bonita esta canção! Outros partem do princípio de que conseguirão chamar a atenção do ouvinte para esta beleza assumindo o texto (não apenas da letra, mas também musical) da canção para si, e desta forma, o realce da beleza da canção continua se dando, só que um nível abaixo na compreensão. A frase veja como é bonita esta canção! continua a soar, mas não de maneira imediata, e sim subliminar, digamos assim.
— Elis jogou uns vasos em cima dele, como de costume, disse que ele era um imbecil, mas no dia seguinte me ligou e falou: “Você sabe que o desgraçado está certo?”. Naquele dia, ela começou a se transformar na maior intérprete da música brasileira. Ronaldo precisa ter esse papel também reconhecido — diz Miele.
Esta discussão semiótica pode parecer um tanto irrelevante aos desavisados? Então vejamos na prática – lembrando que são duas canções de feição bem diferente entre si. Como Elis faria uma interpretação triste de Upa, Neguinho? Tenho certeza de que nos surpreenderia. Obrigado ao Bôscoli por lhe ter aberto os olhos.
Upa, neguinho – de Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri
Caça à raposa – de João Bosco e Aldir Blanc
E, para que se tenha uma idéia de como Upa, Neguinho pode ficar, a gravação de Caetano Veloso para o álbum Edu Lobo SongBook.
A poltrona ao lado
photo by Fabiana Motroni, show do Lô Borges, novembro de 2008
Em nossa vida, em muitos momentos dela, o outro é um ser inventado. Quando ele não é o que pensamos, quando não faz o que esperamos, ele simplesmente não é. Não está lá.
Invisível como a repetição de nossas expectativas, o outro é apenas uma falta. Uma falta de nós mesmos. Mas então aceitamos a solidão como dimensão real do que somos, e nos enxergamos, e a solidão se esvai, por não haver mais razão de existir. E a falta não faz mais falta.
E então a falta é a fala, é a palavra, é o fato, é a flor, e estamos livres para enxergar que existe alguém na poltrona ao lado. O outro. Um outro que nos enxerga. Um outro que nos olha na nossa poltrona e que não quer ver o veludo vermelho, por mais veludo e por mais vermelho que seja, porque está muito mais interessado em ver a gente.
O outro que entende a amplitude de companhia. Que entende a diversidade do amor. E que sabe que a poltrona estará sempre vazia enquanto não quisermos que alguém sente ali, de verdade. Alguém de verdade. Um outro da gente.
Não é o amor a falha. A falha somos nós e o que inventamos sobre o amor. E ele nos olha docemente, e sorri tristemente de nossas dores, sem muito poder fazer, o amor. A não ser esperar que não esperemos nada mais dele. A não ser esperar que esperemos por ele. A não ser esperar que o reconheçamos quando ele chegue, e que o aceitemos como ele é.
Fruido por Fabiana Motroni
Águas da ética - Frei Betto
Sócrates foi condenado à morte por heresia, como Jesus. Acusaram- no de pregar novos deuses. Tal iluminação não lhe abriu os olhos diante do céu, e sim da Terra. Percebeu não poder deduzir do Olimpo uma ética. Os deuses do Olimpo podiam explicar a origem das coisas, não ditar normas de conduta.
A promiscuidade no Olimpo não convinha traduzir-se em atitudes; assim, a razão conquistou autonomia frente à religião. Em busca de valores capazes de normatizar a convivência humana, Sócrates apontou a nossa caixa de Pandora: a razão.
Se a moral não decorre dos deuses, devemos erigi-la. Em Antígona, peça de Sófocles, em nome de razões de Estado Creonte proibiu Antígona de sepultar seu irmão Polinice. Ela se recusou a obedecer a “leis não escritas imutáveis, que não datam de hoje nem de ontem, que ninguém sabe quando apareceram”. Eis a afirmação da consciência sobre a lei, da cidadania sobre o Estado.
Platão ensinou a discernir realidade e ilusão. Em República, lembrou que, para Trasímaco, a ética de uma sociedade reflete os interesses de quem ali detém o poder. Poder é o direito concedido a um indivíduo ou conquistado por um partido ou classe social de impor a sua vontade aos demais.
Aristóteles nos arrancou do solipsismo ao associar felicidade e política. Mais tarde, Santo Tomás de Aquino, inspirado nele, formulou uma ética política ao priorizar o bem comum e valorizar a soberania popular e a consciência individual como reduto indevassável.
Maquiavel, na contramão, destituiu a política de ética e a reduziu ao jogo de poder.
Para Kant, a grandeza do ser humano reside na ética, na capacidade de se autodeterminar a partir da própria liberdade. Há em nós um senso inato do dever. Não deveríamos deixar de fazer algo por ser pecado, e sim por ser injusto. A ética individual deve se complementar pela ética social, já que não somos um rebanho de indivíduos, mas uma sociedade que exige, à boa convivência, normas e leis e, sobretudo, cooperação de uns com os outros.
Hegel e Marx acentuaram que a liberdade é sempre relacional, consiste na construção de comunhões com a natureza e os nossos semelhantes. Porém, a injustiça torna alguns dessemelhantes.
Nas águas da ética judaico-cristã, Marx ressaltou a irredutível dignidade de cada ser humano e, portanto, o direito à igualdade de oportunidades. Em outras palavras, somos tanto mais livres quanto mais construímos instituições que promovam a felicidade de todos.
A filosofia moderna abriu novo campo de tensão ao frisar que, respeitada a lei, cada um é dono de seu nariz. A privacidade como reino da liberdade total. Deslocou a ética da responsabilidade social (cada um deve preocupar-se com todos) para os direitos individuais (cada um que cuide de si).
Tal distinção ameaça a ética de ceder ao subjetivismo egocêntrico. Tenho direitos, prescritos numa Declaração Universal, mas e os deveres? Que obrigações tenho para com a sociedade em que vivo? O que tenho a ver com o faminto, o excluído e o meio ambiente?
Daí a importância do conceito de cidadania. Os indivíduos são diferentes e, numa sociedade desigual, tratados segundo sua importância na escala social. Já o cidadão, pobre ou rico, é dotado de direitos invioláveis, e está sujeito à lei como todos os demais.
Agora, a humanidade desperta para os efeitos nefastos de seu modo de subjugar a natureza.
A recente consciência ecológica amplia a noção de ethos. A casa é todo o Universo. Não se fala de Pluriverso, mas de Universo. Há uma íntima relação entre todos os seres visíveis e invisíveis, do macro ao micro, das partículas elementares aos vulcões.
Segundo Teilhard de Chardin, o princípio da ética é o respeito a todo o criado para que desperte suas potencialidades. Assim, faz sentido falar da dimensão holística da ética.
O ponto de partida da ética foi assinalado por Sócrates: a polis, a cidade. A vida é processo pessoal e social. A ótica neoliberal erra ao dizer que cada um se contente com o seu mundinho.
Mas fica a pergunta de Walter Benjamin: o que dizer a milhões de vítimas de nosso egoísmo?
FREI BETTO é escritor.
A promiscuidade no Olimpo não convinha traduzir-se em atitudes; assim, a razão conquistou autonomia frente à religião. Em busca de valores capazes de normatizar a convivência humana, Sócrates apontou a nossa caixa de Pandora: a razão.
Se a moral não decorre dos deuses, devemos erigi-la. Em Antígona, peça de Sófocles, em nome de razões de Estado Creonte proibiu Antígona de sepultar seu irmão Polinice. Ela se recusou a obedecer a “leis não escritas imutáveis, que não datam de hoje nem de ontem, que ninguém sabe quando apareceram”. Eis a afirmação da consciência sobre a lei, da cidadania sobre o Estado.
Platão ensinou a discernir realidade e ilusão. Em República, lembrou que, para Trasímaco, a ética de uma sociedade reflete os interesses de quem ali detém o poder. Poder é o direito concedido a um indivíduo ou conquistado por um partido ou classe social de impor a sua vontade aos demais.
Aristóteles nos arrancou do solipsismo ao associar felicidade e política. Mais tarde, Santo Tomás de Aquino, inspirado nele, formulou uma ética política ao priorizar o bem comum e valorizar a soberania popular e a consciência individual como reduto indevassável.
Maquiavel, na contramão, destituiu a política de ética e a reduziu ao jogo de poder.
Para Kant, a grandeza do ser humano reside na ética, na capacidade de se autodeterminar a partir da própria liberdade. Há em nós um senso inato do dever. Não deveríamos deixar de fazer algo por ser pecado, e sim por ser injusto. A ética individual deve se complementar pela ética social, já que não somos um rebanho de indivíduos, mas uma sociedade que exige, à boa convivência, normas e leis e, sobretudo, cooperação de uns com os outros.
Hegel e Marx acentuaram que a liberdade é sempre relacional, consiste na construção de comunhões com a natureza e os nossos semelhantes. Porém, a injustiça torna alguns dessemelhantes.
Nas águas da ética judaico-cristã, Marx ressaltou a irredutível dignidade de cada ser humano e, portanto, o direito à igualdade de oportunidades. Em outras palavras, somos tanto mais livres quanto mais construímos instituições que promovam a felicidade de todos.
A filosofia moderna abriu novo campo de tensão ao frisar que, respeitada a lei, cada um é dono de seu nariz. A privacidade como reino da liberdade total. Deslocou a ética da responsabilidade social (cada um deve preocupar-se com todos) para os direitos individuais (cada um que cuide de si).
Tal distinção ameaça a ética de ceder ao subjetivismo egocêntrico. Tenho direitos, prescritos numa Declaração Universal, mas e os deveres? Que obrigações tenho para com a sociedade em que vivo? O que tenho a ver com o faminto, o excluído e o meio ambiente?
Daí a importância do conceito de cidadania. Os indivíduos são diferentes e, numa sociedade desigual, tratados segundo sua importância na escala social. Já o cidadão, pobre ou rico, é dotado de direitos invioláveis, e está sujeito à lei como todos os demais.
Agora, a humanidade desperta para os efeitos nefastos de seu modo de subjugar a natureza.
A recente consciência ecológica amplia a noção de ethos. A casa é todo o Universo. Não se fala de Pluriverso, mas de Universo. Há uma íntima relação entre todos os seres visíveis e invisíveis, do macro ao micro, das partículas elementares aos vulcões.
Segundo Teilhard de Chardin, o princípio da ética é o respeito a todo o criado para que desperte suas potencialidades. Assim, faz sentido falar da dimensão holística da ética.
O ponto de partida da ética foi assinalado por Sócrates: a polis, a cidade. A vida é processo pessoal e social. A ótica neoliberal erra ao dizer que cada um se contente com o seu mundinho.
Mas fica a pergunta de Walter Benjamin: o que dizer a milhões de vítimas de nosso egoísmo?
FREI BETTO é escritor.
A ponte - Caetano Veloso
Não é por acaso que o nosso Benjor (ou será Ben Jor?) é o favorito notório tanto de Seu Jorge quanto dos Racionais
Faz uns dias, participei da gravação de um DVD de Seu Jorge na Quinta da Boa Vista, em frente ao Palácio Imperial. O lugar é lindo, e o espetáculo foi exuberante. Seu Jorge é um talento gigante, e seus convidados - Zeca Pagodinho, Racionais MCs, Alexandre Pires, Sandra de Sá, Trio Preto - formavam um grupo forte e representativo para celebrar o dia de Zumbi dos Palmares. Cantei "São Gonça", cheio de medo e reverência. É que essa é minha canção favorita de um disco pelo qual me apaixonei logo de seu lançamento, mas que não teve, na altura, a repercussão merecida. Foi o "Moro no Brasil" do Farofa Carioca. Hoje, "São Gonça" é um hino, e Seu Jorge é uma estrela. Mas o que soava como uma ressurreição da Banda Black Rio atualizada pela aproximação ao hip-hop não pegou de jeito os formadores de opinião profissionais ou amadores. Que fique claro que esse é um disco sobre o qual se deve pensar.
Que Seu Jorge tenha convidado os Racionais para adensar o caldo do festejo é significativo. Chorei ao ouvir Sandra de Sá conclamando a multidão a declarar que todo o povo brasileiro é sarará-crioulo, de cara para o palácio onde Dom Pedro II viveu. Mas a passagem dos Racionais pelo palco foi o momento mais intenso da noite.
"Moro no Brasil" é um disco em que a ponte que uniu as favelas ao Beco das Garrafas aparece em seu maior esplendor. Essa ponte poderia ter - e frequentemente tem, com justiça - um único nome: Jorge Ben. Claro que todo o samba-jazz da Copacabana dos primeiros anos 1960 é automaticamente homenageado quando coisas como a Black Rio e o Farofa surgem. Mas não é por acaso que o nosso Benjor (ou será Ben Jor?) é o favorito notório tanto de Seu Jorge quanto dos Racionais, assim como do Mundo Livre S.A. de Fred Zero Quatro - para dizer o mínimo (não esquecendo que o mesmo Ben foi e é o eterno favorito dos tropicalistas). Pois bem, o Farofa, em certa medida, ofuscou-se por, pertencendo a uma tradição tão arraigada na cidade do Rio de Janeiro, não poder desempenhar o papel radical que a adesão ao hip-hop puro, encabeçada pelo genial grupo paulistano de Mano Brown, Edy Rock, Ice Blue e KL Jay desempenhou. Daí que ver este grupo ao lado de Seu Jorge, numa noite em que eu próprio fui convidado a cantar "São Gonça" (a mais bonita e a mais jorgebeniana das canções do "Moro no Brasil"), foi um acontecimento que bateu fundo.
Não faz muito tempo, vi Seu Jorge junto a Mano Brown e Ice Blue, no projeto paralelo Boogie Naipe, liderado pelo Brown. Vi no Rio, numa casa do centro da Gamboa, e, depois, vi em São Paulo, num dos teatros do Sesc. Mano Brown prossegue numa espécie de pesquisa pessoal sobre a música negra que rolava quando o hip-hop era um embrião. E Seu Jorge transita - entre outras variantes - de Racionais a William Magalhães (filho de Oberdan, o criador da Banda Black Rio, um músico que era, ele mesmo, um espécime dessa fusão natural de morro e samba-jazz, sendo afilhado de Mano Décio da Viola e aluno de Paulo Moura). Parece coisa miúda, conversa de hiperespecialista, mas o fato é que essa aproximação entre um filho direto da Black Rio com os pais do rap paulistano é acontecimento de grande monta. Representa, pelo menos aos meus olhos, um amadurecimento importante numa área vital para a música popular brasileira. E já me aparece em estágio muito mais desenvolvido do que esperariam minhas mais otimistas expectativas.
Cantei (timidamente) com Seu Jorge e desci para assistir ao show ao lado de meu filho mais novo. Ele tem 14 anos e estava ali precipuamente para ver os Racionais (embora seja fã de pagode e de funk carioca - como todo jogador de futebol - e ame Zeca Pagodinho, ele tem nos Racionais a instância mais alta da criação de música entre nós). Meu filho imediatamente mais velho do que esse, o que tem 19 anos, também idolatra o grupo paulista desde que tinha a idade que o menor tem hoje. Cheio de coisas para fazer, ele quase não pôde chegar para ver o show. Mas surgiu perto de nós, no gargarejo, exatamente quando os Racionais começavam a entrar em cena. Quem não está familiarizado com essa cultura não tem ideia do clima de respeito que a presença de Mano Brown inspira. Ele tem dos moradores das periferias e dos adolescentes de todas as classes sociais o respeito profundo que se devota aos verdadeiros poetas. Ele surge também como um herói. Mas é mesmo como poeta que ele é percebido. Os meninos e a multidão não precisam dizer isso, mas quem já viu a reverência que os amantes de poesia exibem diante de poetas verdadeiros sabe reconhecer o clima quando ele pinta. Há intensa poesia em "São Gonça" ou em Sandra convidando a massa a declarar-se toda sarará-crioula em frente ao palácio onde a Princesa Isabel cresceu. Mas a poesia dura, anticordial (no sentido Sérgio Buarque do termo), alimentada na experiência extrema dos artistas negros americanos que os Racionais apresentam tem a capacidade de se destacar para impor seu próprio teor poético. Quando eles surgiram, não havia risco de confusão com as explosões autocelebratórias da sentimentalização das relações desiguais. Eles demarcaram território. O lado Zumbi sem contaminação do lado Zabé. Que o poderoso poema que vem sendo escrito pelo lado Zabé esteja em diálogo profundo com esse quilombo me parece auspicioso. Desta vez, foi KL Jay quem mais me marcou, com sua precisão. Tendo recebido tal educação, fui ver o Melanina Carioca na Melt. Leblon-Vidigal.
Que Seu Jorge tenha convidado os Racionais para adensar o caldo do festejo é significativo. Chorei ao ouvir Sandra de Sá conclamando a multidão a declarar que todo o povo brasileiro é sarará-crioulo, de cara para o palácio onde Dom Pedro II viveu. Mas a passagem dos Racionais pelo palco foi o momento mais intenso da noite.
"Moro no Brasil" é um disco em que a ponte que uniu as favelas ao Beco das Garrafas aparece em seu maior esplendor. Essa ponte poderia ter - e frequentemente tem, com justiça - um único nome: Jorge Ben. Claro que todo o samba-jazz da Copacabana dos primeiros anos 1960 é automaticamente homenageado quando coisas como a Black Rio e o Farofa surgem. Mas não é por acaso que o nosso Benjor (ou será Ben Jor?) é o favorito notório tanto de Seu Jorge quanto dos Racionais, assim como do Mundo Livre S.A. de Fred Zero Quatro - para dizer o mínimo (não esquecendo que o mesmo Ben foi e é o eterno favorito dos tropicalistas). Pois bem, o Farofa, em certa medida, ofuscou-se por, pertencendo a uma tradição tão arraigada na cidade do Rio de Janeiro, não poder desempenhar o papel radical que a adesão ao hip-hop puro, encabeçada pelo genial grupo paulistano de Mano Brown, Edy Rock, Ice Blue e KL Jay desempenhou. Daí que ver este grupo ao lado de Seu Jorge, numa noite em que eu próprio fui convidado a cantar "São Gonça" (a mais bonita e a mais jorgebeniana das canções do "Moro no Brasil"), foi um acontecimento que bateu fundo.
Não faz muito tempo, vi Seu Jorge junto a Mano Brown e Ice Blue, no projeto paralelo Boogie Naipe, liderado pelo Brown. Vi no Rio, numa casa do centro da Gamboa, e, depois, vi em São Paulo, num dos teatros do Sesc. Mano Brown prossegue numa espécie de pesquisa pessoal sobre a música negra que rolava quando o hip-hop era um embrião. E Seu Jorge transita - entre outras variantes - de Racionais a William Magalhães (filho de Oberdan, o criador da Banda Black Rio, um músico que era, ele mesmo, um espécime dessa fusão natural de morro e samba-jazz, sendo afilhado de Mano Décio da Viola e aluno de Paulo Moura). Parece coisa miúda, conversa de hiperespecialista, mas o fato é que essa aproximação entre um filho direto da Black Rio com os pais do rap paulistano é acontecimento de grande monta. Representa, pelo menos aos meus olhos, um amadurecimento importante numa área vital para a música popular brasileira. E já me aparece em estágio muito mais desenvolvido do que esperariam minhas mais otimistas expectativas.
Cantei (timidamente) com Seu Jorge e desci para assistir ao show ao lado de meu filho mais novo. Ele tem 14 anos e estava ali precipuamente para ver os Racionais (embora seja fã de pagode e de funk carioca - como todo jogador de futebol - e ame Zeca Pagodinho, ele tem nos Racionais a instância mais alta da criação de música entre nós). Meu filho imediatamente mais velho do que esse, o que tem 19 anos, também idolatra o grupo paulista desde que tinha a idade que o menor tem hoje. Cheio de coisas para fazer, ele quase não pôde chegar para ver o show. Mas surgiu perto de nós, no gargarejo, exatamente quando os Racionais começavam a entrar em cena. Quem não está familiarizado com essa cultura não tem ideia do clima de respeito que a presença de Mano Brown inspira. Ele tem dos moradores das periferias e dos adolescentes de todas as classes sociais o respeito profundo que se devota aos verdadeiros poetas. Ele surge também como um herói. Mas é mesmo como poeta que ele é percebido. Os meninos e a multidão não precisam dizer isso, mas quem já viu a reverência que os amantes de poesia exibem diante de poetas verdadeiros sabe reconhecer o clima quando ele pinta. Há intensa poesia em "São Gonça" ou em Sandra convidando a massa a declarar-se toda sarará-crioula em frente ao palácio onde a Princesa Isabel cresceu. Mas a poesia dura, anticordial (no sentido Sérgio Buarque do termo), alimentada na experiência extrema dos artistas negros americanos que os Racionais apresentam tem a capacidade de se destacar para impor seu próprio teor poético. Quando eles surgiram, não havia risco de confusão com as explosões autocelebratórias da sentimentalização das relações desiguais. Eles demarcaram território. O lado Zumbi sem contaminação do lado Zabé. Que o poderoso poema que vem sendo escrito pelo lado Zabé esteja em diálogo profundo com esse quilombo me parece auspicioso. Desta vez, foi KL Jay quem mais me marcou, com sua precisão. Tendo recebido tal educação, fui ver o Melanina Carioca na Melt. Leblon-Vidigal.
DA PRAIA PARA O FACEBOOK
Nos idos dos anos setenta e oitenta eu costumava frequentar a praia de Ipanema próxima ao posto nove. Não no posto nove em si, mas em frente à Farme de Amoedo ou a Vinicius de Moraes. Por décadas esse foi o meu point. Com a família ou sozinho, ou ainda, com amigos. De tanto freqüentar, nos fins de semana, ferias ou feriados eu já era conhecido e conhecia muita gente também. Não é que eu conversasse com qualquer pessoa, o que evidentemente também poderia acontecer, mas era porque as nossas caras se esbarravam sempre naquele pedaço. Essa convivência era, via de regra, anônima. As pessoas não sabiam o meu nome e nem eu o delas. Poderíamos nos encontrar em qualquer outro lugar que sabíamos “de onde a cara era conhecida.”
Certa vez eu estava na agencia de uma concessionária de serviços públicos da cidade numa fila e atrás de mim estava um cidadão que até hoje não sei o nome. Com certeza nos reconhecemos da praia e papeamos sobre varias coisas até que fossemos atendidos e depois nos despedimos como velhos amigos. Eu sei que você vai perguntar, mas como você pode afirmar que ele lhe reconheceu da praia? Muito simples. A partir daquele momento, sempre que nos esbarrávamos na praia ou fora dela cumprimentávamos com mais efusividade, porém mantendo o anonimato.
Mal sabia eu que estava diante de um instrumento que só viria a ser inventado muitos anos mais tarde no campo virtual. O Facebook. Claro que aquele era um Facebook bem tupiniquim com uma memória bastante reduzida. Bastava ficar uma ano sem ir à praia e a coisa começava a falhar. Os nossos arquivos não tinham pastas para armazenamento de dados.
É evidente que os conhecimentos se davam por escolhas diretas, téte a téte. Cada um com os seus preconceitos, suas crenças ou suas censuras. Mesmo assim quem me acompanhava na praia ou no calçadão ficava espantado com a quantidade de acenos a mim ou por mim distribuídos. Espanto que acontece hoje comigo quando vejo alguém com muitos amigos em suas pastas no Facebook. Como pode alguém ter 3487 amigos? Na minha pagina contam-se, no máximo, oitenta pessoas. O detalhe é que conheço quase todos pessoalmente. A metade faz parte da família e na outra estão amigos mais recentes, poucos apresentados pelos novos amigos e nenhum daquela época de “Facepraia”. Considero o meu numero de contatos razoável para alguém que já freqüenta mais da metade da casa dos sessenta anos e que já teve muitos amigos que partiram da praia, do bairro, da cidade ou mesmo da vida.
O Facepraia não deixou muita saudade até porque algumas fotos mudaram tanto ao longo dos anos, que quase não são mais reconhecidas ou temos dificuldade em reconhecer. Ou porque as pessoas ficaram mais gordas, ou mais magras. Alem de que todas envelheceram.
E o Facebook? Mark Zuckerberg por gostar de "construir coisas", conseguiu aproximar o mundo numa proeza. Como seu criador, juntou 500 milhões de pessoas num único sítio.
"Muito engraçado, mas eu não tenho Facebook." Ah! Não tem? Com certeza você conhece alguém que usa esta rede social: um irmão, filho, colega, amigo, namorado. Alguém bem próximo. Uma em cada 14 pessoas no mundo hoje acessa o site que um miúdo na altura e com 19 anos, criou em 2004 no quarto de uma residência de Harvard com a ajuda de colegas de faculdade.
Quer saber? Pegue o nome Mark Zuckerberg e coloque na linha de pesquisa do Fcebook e surpreenda-se. Se já fez isso, sabe quais são os principais interesses pessoais de Zuckerberg. Eles são visíveis a todos os utilizadores. Mesmo aos que não fazem parte da lista de amigos deste jovem multimilionário. Você deve estar a pensar: "Já tinha dito que não tenho Facebook" Tudo bem. "Minimalismo, construir coisas, partir coisas, fluxo de informação, revoluções". São estes alguns dos interesses que pode ler no perfil de "Zuck". É assim que é conhecido entre amigos o rapaz que invariavelmente usa T-shirts cinzentas, calças de ganga, é fiel aos seus chinelos Adidas e frequenta aulas de mandarim, segundo a Wikipédia.
É curioso notar como cada um faz uso dessa ferramenta que agrega em redes mais de quinhentos milhões de pessoas em todo o mundo. Só ele tem em sua pasta mais de cinco milhões de contatos. Com isso podemos imaginar que o Facebook é capaz de albergar pessoas com os interesses diversos, nos mais diversos campos da vida social que vai da religião à guerra, da culinária à química ou do tráfico de drogas à prostituição, dentre outros. É saudável, é! Mas como em todo grupamento humano encontraremos problemas. Alguns até que extrapola a esfera social indo esbarrar na esfera policial ou jurídica. Pedofilia, xenofobia, aliciamentos e outras práticas.
Nos fenômenos de massa os interesses se misturam e criam lideranças que se manifestam diante de um fato e logo se dispersam findos os eventos motivacionais. O Rock in Rio foi uma prova contundente disso. Da compra de ingressos, que logo se esgotaram, até as músicas e letras que tinham que ser decoradas além da paramentaria. Tudo tinha de estar dentro dos conformes. E como não se pode exigir grau de instrução dos freqüentadores, é comum encontrar equívocos de ordem informativa e/ou conceitual.
Nos próximos seis anos o Brasil será palco de, pelo menos, dois eventos mundiais de grande magnitude. Daí podermos imaginar quantos cruzamentos de mensagens e informações veicularão pelas nossas paginas nos obrigando a esquecer os preconceitos e a velha censura que podíamos fazer nos tempos do Facepraia. Democratizar idéias faz do Facebook um valioso instrumento de manifestação política e intelectual promovendo a inclusão social e das diferenças, para aqueles que dele utilizam, mesmo quando não concordamos com as idéias postas.
Certa vez eu estava na agencia de uma concessionária de serviços públicos da cidade numa fila e atrás de mim estava um cidadão que até hoje não sei o nome. Com certeza nos reconhecemos da praia e papeamos sobre varias coisas até que fossemos atendidos e depois nos despedimos como velhos amigos. Eu sei que você vai perguntar, mas como você pode afirmar que ele lhe reconheceu da praia? Muito simples. A partir daquele momento, sempre que nos esbarrávamos na praia ou fora dela cumprimentávamos com mais efusividade, porém mantendo o anonimato.
Mal sabia eu que estava diante de um instrumento que só viria a ser inventado muitos anos mais tarde no campo virtual. O Facebook. Claro que aquele era um Facebook bem tupiniquim com uma memória bastante reduzida. Bastava ficar uma ano sem ir à praia e a coisa começava a falhar. Os nossos arquivos não tinham pastas para armazenamento de dados.
É evidente que os conhecimentos se davam por escolhas diretas, téte a téte. Cada um com os seus preconceitos, suas crenças ou suas censuras. Mesmo assim quem me acompanhava na praia ou no calçadão ficava espantado com a quantidade de acenos a mim ou por mim distribuídos. Espanto que acontece hoje comigo quando vejo alguém com muitos amigos em suas pastas no Facebook. Como pode alguém ter 3487 amigos? Na minha pagina contam-se, no máximo, oitenta pessoas. O detalhe é que conheço quase todos pessoalmente. A metade faz parte da família e na outra estão amigos mais recentes, poucos apresentados pelos novos amigos e nenhum daquela época de “Facepraia”. Considero o meu numero de contatos razoável para alguém que já freqüenta mais da metade da casa dos sessenta anos e que já teve muitos amigos que partiram da praia, do bairro, da cidade ou mesmo da vida.
O Facepraia não deixou muita saudade até porque algumas fotos mudaram tanto ao longo dos anos, que quase não são mais reconhecidas ou temos dificuldade em reconhecer. Ou porque as pessoas ficaram mais gordas, ou mais magras. Alem de que todas envelheceram.
E o Facebook? Mark Zuckerberg por gostar de "construir coisas", conseguiu aproximar o mundo numa proeza. Como seu criador, juntou 500 milhões de pessoas num único sítio.
"Muito engraçado, mas eu não tenho Facebook." Ah! Não tem? Com certeza você conhece alguém que usa esta rede social: um irmão, filho, colega, amigo, namorado. Alguém bem próximo. Uma em cada 14 pessoas no mundo hoje acessa o site que um miúdo na altura e com 19 anos, criou em 2004 no quarto de uma residência de Harvard com a ajuda de colegas de faculdade.
Quer saber? Pegue o nome Mark Zuckerberg e coloque na linha de pesquisa do Fcebook e surpreenda-se. Se já fez isso, sabe quais são os principais interesses pessoais de Zuckerberg. Eles são visíveis a todos os utilizadores. Mesmo aos que não fazem parte da lista de amigos deste jovem multimilionário. Você deve estar a pensar: "Já tinha dito que não tenho Facebook" Tudo bem. "Minimalismo, construir coisas, partir coisas, fluxo de informação, revoluções". São estes alguns dos interesses que pode ler no perfil de "Zuck". É assim que é conhecido entre amigos o rapaz que invariavelmente usa T-shirts cinzentas, calças de ganga, é fiel aos seus chinelos Adidas e frequenta aulas de mandarim, segundo a Wikipédia.
É curioso notar como cada um faz uso dessa ferramenta que agrega em redes mais de quinhentos milhões de pessoas em todo o mundo. Só ele tem em sua pasta mais de cinco milhões de contatos. Com isso podemos imaginar que o Facebook é capaz de albergar pessoas com os interesses diversos, nos mais diversos campos da vida social que vai da religião à guerra, da culinária à química ou do tráfico de drogas à prostituição, dentre outros. É saudável, é! Mas como em todo grupamento humano encontraremos problemas. Alguns até que extrapola a esfera social indo esbarrar na esfera policial ou jurídica. Pedofilia, xenofobia, aliciamentos e outras práticas.
Nos fenômenos de massa os interesses se misturam e criam lideranças que se manifestam diante de um fato e logo se dispersam findos os eventos motivacionais. O Rock in Rio foi uma prova contundente disso. Da compra de ingressos, que logo se esgotaram, até as músicas e letras que tinham que ser decoradas além da paramentaria. Tudo tinha de estar dentro dos conformes. E como não se pode exigir grau de instrução dos freqüentadores, é comum encontrar equívocos de ordem informativa e/ou conceitual.
Nos próximos seis anos o Brasil será palco de, pelo menos, dois eventos mundiais de grande magnitude. Daí podermos imaginar quantos cruzamentos de mensagens e informações veicularão pelas nossas paginas nos obrigando a esquecer os preconceitos e a velha censura que podíamos fazer nos tempos do Facepraia. Democratizar idéias faz do Facebook um valioso instrumento de manifestação política e intelectual promovendo a inclusão social e das diferenças, para aqueles que dele utilizam, mesmo quando não concordamos com as idéias postas.
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