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domingo, 7 de dezembro de 2014

Dancing Queen - Abba -


Eu somente iria amar as mulheres.






Mulheres!




Não me bastam os cinco sentidos para perceber-lhes toda a beleza. Para viver o mistério profundo que trazem consigo, eu preciso de mais. Eu tenho que tocá-las, cheirá-las, acariciá-las, penetrar-lhes o sorriso, sentir o seu perfume, beijar-lhes o céu da boca, ouvir suas histórias, transformá-las em deusas. Tenho que dar-lhes o amor que ao meu corpo as conduz, e na volta sustenta-me a alma. O amor natural de todos os corpos do mundo. Tenho que dar-lhes a posse imprecisa de mim. Como num espelho de paixões em labareda, quero sentir nos seus olhos o mais raro brilho diamante.

Eu as amo como se lhes devesse a Vida. E as venero com a graça de um cisne nadando num lago tranqüilo e a ousadia de um touro selvagem recém-despertado. Não lhes faço perguntas, não as pressiono por nada, nem quero mudá-las jamais. Imagino o que sonham e entro no sonho delas. Cavalgo em pêlo um cavalo branco para visitar-lhes as razões e as emoções, a loucura e a libido. Como um Deus que se liberta da sua própria mitologia, eu me surpreendo em nome da Criatura. Entro no coração de cada uma como se entrasse no meu. Mergulho nos seus desejos e me espanto com tanta fantasia, com tamanha formosura. Os sentidos, por não serem precisos, não bastam, e preciso mais do que cinco para compreendê-las.

Porque toda mulher é silenciosa por dentro. Sua existência se mani-festa em cada detalhe. Assim na terra como no céu, o amor tem que ser livre. Bendito sou eu entre as mulheres. Fazer amor tem que ser uma experiência religiosa. Por isso eu as amo como fina substância, como deve amar quem ama de verdade: incondicionalmente.

— Sem ciúmes.

Amo as morenas e as loiras, as baixinhas e as altas, as lindas, as quase feias. As virtuosas, as magras e as gordinhas. Diabólicas, tímidas, mentirosas, iluminadas, pecadoras ou santíssimas, virgens, pobres, ricas, loucas, inocentes ou safadinhas — não importa, eu amos todas. As bronzeadas e as branquinhas. As inteligentes e as nem tanto. Desde que sensíveis, eu amo as jovens, as velhas, as solteiras, as casadas, as noivas, as separadas. As amadas e as abandonadas. As livres, as que lutam por liberdade — e também as indecisas.

E se me dessem o poder, o tempo e a chance, eu a elas daria um or-gasmo sublime — todos os dias. Poeticamente.

Apanharia flores silvestres, tomaria sol com todas elas. Andaríamos descalços na areia, contemplaríamos crepúsculos cor de abóbora, jantaríamos à luz de velas, dançaríamos. Tomaríamos vinho branco, comeríamos morangos. E eu lhes faria poemas de amor olhando estrelas.

Puro como um anjo, amaria todas eternamente — uma por vez. Com delicadeza, com doçura, com inocência. Entusiasmado, como se cada fosse única... Como se no mundo não houvesse mais nada. Todas as noites, sem pressa alguma, passaria cremes e encantos no seu corpo, falaria sobre fábulas, contaria histórias românticas, as veria dormir. Ao som de Vangelis, velaria por um tempo o sono delas, e de madrugada, antes do sol raiar, antes do primeiro pássaro cantar, cobriria seu corpo com o resto de luar que ainda houvesse.

— E sairia em silêncio.

Felino, deslizaria pelo cetim azul-celeste dos lençóis, saltaria por sobre todas as metáforas, e sorrindo iria embora.

Enfim, se eu fosse Deus, não mais cuidaria do universo, nem dessas coisinhas banais. Não ficaria controlando o destino das pessoas, o tempo, a pressa, a hora de chegar, o átomo, as ondas do mar, o caminho dos planetas, os genes, o cotidiano, a Internet, o infinito, a geografia...

Não!

Eu somente iria amar as mulheres.

Como elas merecem — e como nunca foram amadas.

Só isso, definitivamente.

Nada mais, nada mais.”




Edson Marques


do livro SOLIDÃO A MIL - página 368




http://solidaoamil.blogspot.com/

O machista




O machista. (Conto)

Ricardo Matos


Findando um tedioso dia de trabalho, Rubens, ao checar seus e-mail, encontrou convite para um “happy-hour” no bar que costumeiramente freqüentava. De imediato confirmou presença, desligou o micro e foi ao bar tentando imaginar o que o amigo de infância e cunhado desejava. Ao chegar, por se sentir um freqüentador prestigiado no bar escolhido, solicitou:
— Boa noite, Joel. Tudo bem, Dona Helena? A senhora pode pedir a “Jacaré” para me servir na mesa de sempre?
Dona Helena, prestativa, respondeu e perguntou.
— Claro! Quer que mande servir o carneiro?
Mais tarde. Estou aguardando um amigo. Por enquanto, só quero uma dose do “Velho Oito”. Peça a Jacaré que a leve pura, estilo “cow-boy”.
Rubens caminhou em direção a mesa ao fundo do bar, junto ao sanitário feminino, como fazia costumeiramente nas noites de sexta-feira após concluir o dia de trabalho. Em poucos minutos, com a dose servida, ele observa a chegada de Pedro Ivo. Notou pelo terno que o amigo também viera direto do escritório. Ao entra no bar, Joel, dono do estabelecimento, apontou a Pedro Ivo a mesa onde Rubens se encontrava. Pedro Ivo foi em direção à mesa andando com os braços abertos e falando alto:
— Então... seu sacana! Nem me esperou.
— Acabei de chegar. Respondeu Rubens.
Rubens estava ansioso para saber o porque do convite e antes mesmo que Pedro Ivo se acomodasse foi inquirindo:
— Me diga! O que de tão importante fez você se lembrar de mim? Faz anos que você desapareceu...
— Calma! Deixa-me aprumar. Você está bebendo o quê?
Enquanto Pedro Ivo se sentava, Rubens, bebendo o uísque de um só gole, respondeu e perguntou:
— Uísque... Vai beber o quê? — Sem dar a resposta, Pedro Ivo se voltou em direção ao garçom e a ele pediu:
— Traga-me uma garrafa de Teacher, e cabaço! E me traga também uma balde com gelo, — e completou, — com copos compatíveis. — Voltando-se para Rubens ele disse — É aconchegante o barzinho, você já o conhecia?
— Sim. Ficava próximo a minha casa, mudou-se a pouco para cá. Sou freguês...
— Então é aqui seu campo de caça?
— É... e esta mesa é estratégica.
— Como é mesmo o nome?
— Bar’Tal. Mas não foi por isso que você me convidou. Abra logo o jogo. Tem algo de misterioso em seu convite.
O garçom, equilibrando a bandeja, ofereceu o cardápio e servia o uísque fazendo que os amigos se calassem. Rubens quebrou o silêncio ao se dirigir ao garçom.
— Jacaré, deixe para servir os tira-gostos mais tarde. — Rubens devolveu o cardápio e pediu —Traga-me uma jarra com água de coco.— O garçom retirou-se e eles retomaram o assunto:
— Diga-me, Pedro Ivo, entrou em alguma fria?
— Rubens, — Pedro Ivo corou, sentiu-se constrangido, mas respondeu — É meio chato o que vou dizer... Sei que você gosta muito de sua irmã, mas resolvi me separar e não quero perder nossa velha amizade... Eu não estou agüentando mais... são brigas diárias. Por qualquer motivo nós brigamos. Mesmo pelos motivos banais nós quebramos-o-pau. Sexo!?, sua irmã não quer nem pensar! Acredito termos chegado a extremos. Você que já se separou por três ou quatro vezes, numa boa, pode me dar umas dicas.
— Ufa!Estou aliviado. — disse Rubens com verdade de sentimento — Pensei que você fosse me pedir dinheiro... é que não estou em boa fase. Fernando Henrique e Lula... estes idiotas me ferraram... Sim! Voltando ao assunto, eu não quero minimizar o seu problema. Toda separação é dificílima, envolve meandros emocionais, dinheiro, os filhos, é uma merda. No meu caso foram apenas duas separações e ambas complicadíssimas. Tão complexas que me mantenho solteiro. Relacionamentos só de carteira assinada e sem crias.
— Essa é nova. Como funciona isso?
— É fácil. Primeiro eu fiz vasectomia para evitar o golpe-da-barriga. Segundo: contrato a namorada como secretária, telefonista, empregada doméstica. Qualquer coisa a depender do nível social. Pago o salário em dia e cumpro todos os direitos que manda a C.L.T. Se melar, pago os 40% da multa, libero o F.G.T.S e demito, mando embora. Para evitar um processo de assédio só contrato depois de já ter comido.
— Você é um escroto, Rubens. Continua não tendo o mínimo de escrúpulos quando se trata de mulheres.
— Gato escaldado tem medo da própria urina... Errar uma vez é acaso; duas, é falta de sorte; três, já é burrice. — Mudando de assunto, Rubens se virou na direção do garçom e apressou ao pedido. Jacaré!, Réptil de bosta! Traga logo a água de coco.— Então se voltou para Pedro Ivo e perguntou retoricamente, — Que tipo de mulher você espera encontrar hoje meu querido cunhado. Quer outra Sandra? — e ele mesmo se responde. — Desista!
Pedro Ivo, discordando do cunhado, afirmou com um ar de empáfia:
— Que nada, amigo. O mundo está cheio de mulheres honestas ávidas por amor e carinho. Você deve estar desiludido, Rubens, só isso.
— Não é bem assim, — explicou Rubens de forma cínica, — Até posso acreditar que existam tais mulheres honestas e desejosas dum relacionamento estável. Porém, dentro das condições impostas por elas. Desde que os homens se sujeitem a ser tudo aquilo que elas odeiam nos próprios homens.
Pedro Ivo levando a sério às reflexões de Rubens se sentiu confuso e questionou-o:
— Não entendi o paradoxo... Você pirou?
— Talvez! Ou talvez seja por isso que você esteja se separando. Talvez você tenha desaprendido, como muitos hoje desaprenderam, de como ser homem...
— Assim você está me ofendendo...
Pedro Ivo entornou a dose de uísque e falou como se fosse levantar para ir embora, mas Rubens o segurou colocando a mão sobre o ombro dele e pediu.
Deixe-me concluir, amigo. Não sugeri, apesar de ser moda, que você seja gay, mofino ou coisa parecida. Mas, os homens de agora, de tanto ouvirem e lerem sobre conjeturas psicológicas, de tanto atentarem as teorias dessas feministas de merda. Nós, e eu me incluo nisso com parcialidade, perdemos os princípios básicos que nos diferenciavam das mulheres. — Rubens completa enfático — Perdemos a razão e a autoridade, repito. Autoridade... O poder! Um barco naufraga com dois mestres. Esse poder de igualdade cedido pelos homens as mulheres acabou por naufragar os relacionamentos estáveis e harmônicos das famílias. Não mude de mulher, mude de atitude. Tenha certeza que as fêmeas falam uma coisa, mas gostam indubitavelmente de outras. Quando elas alegam que esperam encontrar um homem sensível, dadivoso, sincero e fiel. Estão, na verdade, descrevendo o próprio corno conformado. E é o que elas odeiam. Aprendi isso às duras penas e não nego. Quando quis ser moderno, terminei por meter os pés pelas mãos. Hoje em dia, depois que reaprendi como tratá-las, não tenho tido mais problemas. Até as minhas ex-mulheres querem reatar comigo. Digo e afirmo com convicção: a maioria das mulheres gosta de homens que exercem poder sobre elas. Manda mais quem se importa menos. Mesmo que Sandrinha brigue, xingue, que faça muxoxo, não ceda. Imponha sempre sua vontade. As mulheres fazem seus discursos, contudo, amam mesmo a nós, os “porcos chauvinistas”. Não perca seu tempo tentando compreendê-las, elas são incoerentes, ilógicas e sadomasoquistas. Se uma mulher lhe disser que adora mimo não acredite. Quando uma mulher encontra um homem que a mime, otário é o adjetivo mais meigo por ela empregado para descrevê-lo. Por isso, amigo, se for dar presentes só o faça em ocasiões especialíssimas. As mulheres são tão loucas que se você der um mimo a elas sem razões específicas, elas imaginam logo que você fez algo de errado e se vingam sem pensar duas vezes. Elas odeiam ganhar presentes fora de hora... E nunca, nunca, meu amigo, seja sincero...
— Você está louco!, Rubens. Quem vai acreditar em uma barbaridade dessa?
— Acredite, cunhado! É a mais pura verdade. Lembro-me de um caso que aconteceu comigo. Eu tinha marcado de passar a virada do ano em um hotel com a namorada. Já transávamos há um tempão...Coisa de meses... ela levou dois dias se aprontando. Comprou um vestido branco cheio de anáguas e babados, disse-me caríssimo. Fez cabelo, maquilou-se e coisa e tal... Na hora que parei o carro em frente à casa da distinta. Ela veio lentamente descendo às escadas passo a passo como que imitando uma atriz de Hollywood. Ai, com aquele ar de ‘pavoa’, me perguntou exigindo sinceridade: “— Como estou, amor?... mas seja sincero, exigiu...” — Ingenuamente eu respondi com toda a sinceridade exigida... Eu disse: “— Está ridícula! Parece uma baiana de acarajé fantasiada de macumbeira...” Ela voltou para casa e eu nunca mais a vi. Perdi uma excelente trepada. Por isso amigo, eu digo e repito: seja o mesmo homem que fez a Sandrinha se apaixonar... Que a fez escolhê-lo para pai dos filhos dela. Seja o Pedro Ivo do nosso tempo de faculdade... Não se lembra de como éramos? Nós fazíamos uma dupla infernal.
— Você se lembra? No “Copos & Copos bar...” Nós...
Ao relembrar fatos passados os olhos de Pedro Ivo brilham, mas ao tentar expô-los foi interrompido por Rubens:
— Não! Foi no “Travessia”! Onde aquela menina cantava. Como é que ela chama... eu... porra, esqueci!
— Lembro, era Daniela Mércury...
— Ela mesma. Você se recorda que eu ofereci um buquê de rosas a ela e ela, finíssima, após o Show, veio me agradecer pessoalmente. Pena que ela já era casada e não me deu a menor bola...
— Como era mesmo que fazíamos ao chegar ao bar? UAUU, UAUU! — Pedro Ivo imitou o uivar do lobo. Rubens o acompanhou no uivar para a lua. Pedro Ivo notou que eles estavam sendo observados pelos outros freqüentadores do bar e, reprimindo-se, tentou refrear Rubens.
— Era ótimo, Rubens. Mas está todo mundo nos olhando.
— Fodam-se! Vim caçar e esse é meu grito de guerra.
— Contenha-se, Rubens. O dono do bar...
— Bobagem, Pedro Ivo. Olhe a lua, está linda, parece pratear a noite. Lembra-me até um poema de Ricardo Matos — Rubens levantou-se e declamou em alto e bom tom:
Esse luar que a lua reluz,
Transmuta do ouro a prata e seduz ao desfilar seu brilho roubado.
Puro luar, que a lua se reflete cheia, linda, nua e se faz minha.
Oh! Primorosa lua!
Estou aluado por amar o teu luar.
O público aplaudiu em salva, alguns de pé, Rubens fez referência, sentou-se, e aconselhou o amigo:
— Deixe seus instintos masculinos suplantarem suas frustrações pós-cabresto feminista. Viva! A morte é certa!, Pedro Ivo... — Jacaré! — Rubens gritou mais uma vez chamando o garçom que passava próximo. — Pode nos servir o carneiro agora, mas por caridade, sem os acompanhamentos supérfluos. Traga-me também a água de coco que você se esqueceu, seu mentecapto! — Já em um tom mais ameno, disse a Pedro Ivo:
— Você vai saborear o melhor rodízio de carneiro de toda a Bahia. Não! Minto! De todo o mundo!
— Espero. Estou faminto. — comentou Pedro Ivo e acrescentou — Peça com sua peculiar sutileza para que o distinto réptil nos sirva outra garrafa de uísque. Esta já secou.
Rubens se espantou. Não notara o quanto bebera e passou a se preocupar com o valor que seria cobrado na hora da conta.
— Porra!? Já acabamos a primeira!? Vou terminar a doze e peço um “velho oito”. Como você já sabe, eu não estou muito bom de grana.
Pedro Ivo vendo que belas jovens se enfileiravam na porta do sanitário quis impressioná-las e para se amostrar pediu o uísque na língua inglesa:
— That bill is mine. Ask if he wants the “White Horse”.
Rubens que, assim como eu, nada sabia da língua inglesa confessou:
— Não entendi porra nenhuma, amigo. Traduza? — A conta é minha, pode pedir até um “Cavalo Branco” se desejar...
— Não! Ficamos no “Teacher” — Rubens solicitou ao garçom que rondava a mesa: — Anfíbio! Não se esqueça da água de coco que até agora você não trouxe. E traga logo outra garrafa de “Professor”... E traga rápido!
— Sim, Rubens. Bons e velhos tempos... pena que passaram. — Pedro Ivo foi acometido por uma dúvida singular e perguntou: — Jacaré é anfíbio?
— Sei lá! — Rubens não queria perder tempo pensando sobre o assunto e continuava verbalizando sua tese — O que importa é que o tempo só passa fisicamente. Não! Meu espírito é o mesmo, é exatamente o mesmo dos outros tempos. Você é que se ‘aputou’ com a idade. Mas voltemos ao tema principal... Quer dizer que você vai largar aquele monumento de mulher. Vai jogar Sandrinha para as hienas.
— Não é bem assim, amigo. Eu ainda a amo. Amo demais meus filhos também. Mas minha vida está um inferno...
Com a aproximação do garçom Pedro Ivo se cala. O garçom, forra a mesa, põe sobre ela o outro litro de uísque, dois pratos, os talheres, a jarra com água de coco e um bilhete escrito num guardanapo de papel enviado por uma das jovens que os observava.
— Jacaré! —Rubens dirigiu-se ao garçom já alterado etilicamente e usando da cacofonia brincou: — vou-me já. Quando eu voltar, quero abrir com uma costelinha bem apetitosa e para meu amado amigo Pedro Ivo sirva o mesmo. Depois... Suma!
Rubens caminhou até o “palácio-de-Baco” se desviando das mesas lotadas. Estava imaginando algum argumento que convencesse ao amigo e cunhado a desistir da decidida separação. Após aliviar a bexiga, levou mãos e rosto e, no retorno à mesa que ocupava, buscou identificar quem enviara o bilhete. Ao chegar à mesa, notou Pedro Ivo ruborizado. As suculentas costeletas de carneiro já haviam sido servidas.
— Rubens, querido amigo, tem caçadoras na área. — Falou Pedro Ivo a Rubens, com um lasco de carne entre os dentes e se mostrando desconcertado com o assédio.
— Ótimo, mas primeiro as costelinhas... Leia-me o bilhete.
— Em voz alta? — Retrucou Pedro Ivo.
— Claro!, — ironizou Rubens, — em voz baixa eu não conseguirei ouvi-lo. Leia logo seu merda.
— É de sacanagem... — Pedro Ivo estava corado.
— Leia porra! Estou com as mãos ocupadas. — Exclamou Rubens já irritado com o constrangimento do cunhado.
— Ok! Lerei. Ainda acabrunhado Pedro Ivo lê: “Gatos, não estamos usando calcinha e vocês estão de costas pra gente”.
— Pedro, é para você se virar e identificar as moças. — Rubens limpou as mãos num dos guardanapos limpo, puxou a cadeira livre e a colocou na posição adequada para localizar as autoras do bilhete. Então ordenou: — Senta aqui e me mostre que você continua sendo homem. Não vá decepcionar seu velho amigo.
— Estou sem ação...— respondeu Pedro Ivo.
— Esse é o seu problema, amigo. Sirva-me um uísque, eu vou até a mesa. Mas já aviso: se tiver uma omoplata, ela é sua.
Rubens tentou se levantar, Pedro Ivo o segurou por alguns segundo e pediu:
— Senta! Vou mudar de lugar. Se valer à pena vou até lá. Mas que porra é omoplata? Traduza!
— Larga, chata e triangular.
Pedro Ivo sentou-se na cadeira previamente ajeitada. Observou duas jovens que aparentavam idade aproximada de 25 anos e concluiu,
— Duas gatas.
— De onde estou não dá pra ver direito. Elas estão realmente sem as calcinhas? —Perguntou Rubens curioso.
— Também não esta dando pra ver. Mas elas estão nos observando. Se eu for lá é separação garantida. Isso se Sandra não me matar primeiro.
— Vamos resolver primeiro a questão de Sandrinha. Aprenda com o mestre. Jacaré! —chamou Rubens o garçom — Traga-me já um catálogo telefônico.
O garçom ocupado ao servir outras mesas se fingiu surdo e continuou o trabalho.
— Rubens. Vou ligar para Sandra e avisar que estou com você. Sei que ela te adora. Ai você confirma que eu estou com você.
— Porra nenhuma. Você vai resolver sua vida hoje. Faço questão de ver você e Sandrinha numa boa. A hora é esta. Não preste satisfação alguma a ela. O que você vai fazer é seguir minhas ordens ao pé da letra. Garanto-lhe que você viverá feliz com sua família. Se não, eu o apresento a meu advogado.
— Olhe lá! Veja bem em que merda você vai me meter.
— Cabeça de gelo, cunhado. — Anfíbio duma figa — Gritou enfático Rubens — Cadê o catálogo? — E voltou suas atenções para Pedro Ivo — O que você vai fazer é pegar o celular, ligar pra floricultura e mandar elaborar dois buquês de rosas. Um buquê com rosas cor-de-rosa pra mesa das meninas, e outro arranjo com rosas vermelhas é pra você levar pra sua casa depois que sairmos do motel com essas duas. Vá lá no balcão. Pegue no catálogo o telefone da Floricultura Estrela Dalva. Peça as flores e mande botar em minha conta. Leve o número do meu C.P.F e diga meu nome e o endereço para entrega. Basta isso.
— Só isso?
— Não. Melhor... Mande escrever num cartão dizendo: “apaixonado por você”. Peça para entregarem as flores vermelhas em sua casa. Não é para assinar o cartão. Lembre-se: para sua casa as rosas vermelhas. E não assine o cartão.
— Você esta bêbado, Rubens. Você não disse pra não dar presentes sem motivo?, e por que isso de não assinar o cartão?
— Bêbado talvez eu esteja e isto não muda nada. As flores são para Sandra saber que você aprontou mesmo... que está disposto a assumir seu trono de volta, mas que ela ainda pode fazer parte de sua vida. É um tipo de válvula de escape para ela poder retroceder sem se humilhar... Daí, se você chegar em casa encontrar o vaso com flores e ela estiver esperando por você cheia de amores. Você salvou seu casamento. Se você chegar e não tiver flores no vaso. Você é corno. De qualquer jeito você resolve sua vida. Separa-se ou salva seu casamento.
— E o buquê com as rosas cor-de-rosa?
— Manda trazer pra cá e ofereça a que sorrir primeiro pra você. A outra eu encaro. Estou necessitado de uma secretária nova. Agora telefone e se mande pra mesa das moças antes que apareça um prego.
— Traduza prego.
— Um besta que encosta e não come ninguém, mas paga a conta e fica até as mulheres irem embora. Outra coisa antes de ir... É importantíssimo! Só pode dar uma. Mesmo que ela implore, só pode dar uma. A outra bibocada você guarda pra Sandrinha. Vá logo...





— Trim...Trim...
— Alô...
— As flores, cunhado! Elas estavam no vaso e a Sandrinha cheia de amores. Obrigado Rubens, tchau.


Ricardo Matos



http://ricardomatoscronica.blogspot.com/

Central Park - NY


Morro de saudades... de Tom a Vinicius


maira-parula:



Morro de saudades. Acordo de madrugada e fico vagando pela casa, tomando café e fumando com aquele sentimento esquisito de lack of rabanadas. Recebi tua carta hoje de manhã, agora mesmo, às nove horas, e faz um dia lindo. Aquele frio lá fora, o céu azul transparente mostra que a poluição diminuiu bastante… Para mim seis degraus centígrados é frio à beça. Corro para dentro e ligo o heat na toda, no clima supertropical de Ipanamo. Mas o ar fica seco, racha-violão. Só mesmo no banheiro, com o chuveiro quente ligado, nu, de camisa de meia, na umidade das nuvens de vapor quente, fazendo uma infinita barba, com aparelho, pincel e muita espuma e respuma, gilete nova, desligado, num mundo sem problemas, só fico assim mais como Ipanerma, Ipanoma, Ipaderma, Ipanonha, Aipinina, Ipatonha… Ipanhonha?


(Tom Jobim, em carta de 1965 a Vinícius de Morais, Los Angeles.)

Morro de saudades. Acordo de madrugada e fico vagando pela casa, tomando café e fumando com aquele sentimento esquisito de lack of rabanadas. Recebi tua carta hoje de manhã, agora mesmo, às nove horas, e faz um dia lindo. Aquele frio lá fora, o céu azul transparente mostra que a poluição diminuiu bastante… Para mim seis degraus centígrados é frio à beça. Corro para dentro e ligo o heat na toda, no clima supertropical de Ipanamo. Mas o ar fica seco, racha-violão. Só mesmo no banheiro, com o chuveiro quente ligado, nu, de camisa de meia, na umidade das nuvens de vapor quente, fazendo uma infinita barba, com aparelho, pincel e muita espuma e respuma, gilete nova, desligado, num mundo sem problemas, só fico assim mais como Ipanerma, Ipanoma, Ipaderma, Ipanonha, Aipinina, Ipatonha… Ipanhonha?
(Tom Jobim, em carta de 1965 a Vinícius de Morais, Los Angeles.)