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domingo, 15 de janeiro de 2012

Gente


GENTE
Caetano Veloso

Gente olha pro céu
Gente quer saber o um
Gente é o lugar
De se perguntar o um
Das estrelas se perguntarem
se tantas são
Cada estrela se espanta
à própria explosão
Gente é muito bom
Gente deve ser o bom
Tem de se cuidar
De se respeitar o bom
Está certo dizer que estrelas
estão no olhar
De alguém que o amor te elegeu
pra amar
Marina, Bethânia, Dolores,
Renata, Leilinha,
Suzana, Dedé
Gente viva,
brilhando estrelas
na noite
Gente quer comer
Gente que ser feliz
Gente quer respirar ar pelo nariz
Não, meu nego, não traia nunca
essa força, não
Essa força que mora em seu coração
Gente lavando roupa,
amassando pão
Gente pobre
arrancando a vida
com a mão
No coração da mata gente quer
prosseguir
Quer durar, quer crescer,
gente quer luzir
Rodrigo, Roberto, Caetano,
Moreno, Francisco,
Gilberto, João
Gente é pra brilhar,
não pra morrer de fome
Gente deste planeta do céu
de anil
Gente, não entendo, gente,
nada nos viu
Gente espelho de estrelas,
reflexo do esplendor
Se as estrelas são tantas,
só mesmo o amor
Maurício, Lucila, Gildásio,
Ivonete, Agripino,
Gracinha, Zezé
Gente espelho da vida,
doce mistério

As Aparências Enganam - Elis Regina

Gente - como Elis

Caetano Veloso - Gente

Quem entende de música no mundo sabe que ela (Elis) é uma das maiores que já houve


Ouvi Elis pela primeira vez vendo-a na televisão. Foi em Salvador — e nós, os baianos que chegaram ao eixão na esteira da estreia de Bethânia no Opinião, já tínhamos um esboço de visão da música popular numa perspectiva brasileira. Tive reação semelhante à que muitos tiveram: finalmente uma cantora moderna, em pleno domínio de seus recursos aparecia na cena profissional — e já embalada para alcançar massas de ouvintes. Era indubitavelmente um largo passo dado. Éramos todos, Elis e nós, esforços de criação dentro do universo exigente que foi o imediato pós-bossa nova.

Sempre conto que, na minha imaginação, Bethânia, Gal, Gil e eu faríamos algo marcante. Dos quatro, Gal e eu éramos os mais radicalmente joãogilbertianos. E eu talvez mais do que Gal. Bethânia tinha um temperamento e um talento que a levavam para além das marcas estilísticas do supercool de João. Gil, por ser o que mais era capaz de apreender os acordes e as levadas de violão do mestre, sentia-se livre para cruzar a fronteira. Gal desejava entrar cada vez mais fundo no mundo desdramatizado da bossa pura. Eu, que me julgava um observador útil, capaz apenas de contribuir com acompanhamento crítico e conversas teóricas (o que não me impedia de fazer umas musiquinhas), tinha João como paradigma e, por isso, interessava-me pelo desvelamento do ser da canção como forma. Assim, o canto e violão dele se opunham, dentro de mim, ao samba-jazz dos grupos instrumentais (ou voco-instrumentais) que se desenvolveram no Beco das Garrafas. Elis, cantando na TV, num videotape dos que chegavam de avião às províncias (ainda não havia televisão em rede), era a realização brilhante do estilo que me parecia oposto ao de João.

Mas a evidência de competência, talento e desenvoltura era mais forte do que meus esquemas críticos. O fato bruto de que alguém estivesse dominando divisões complicadas das frases rítmicas e exibindo com espontânea segurança o entendimento de cada notacantada (o modo como ela instintivamente cuidava daafinação) era em si mesmo um acontecimento na cena brasileira, um acontecimento que me obrigava a pôr tudo em novo patamar. Bem, tudo o que eu imaginava par meus três amigos era algo que tivesse esse poder — mas por outras vias, a partir de outros elementos, sempre nascidos da atenção a João. Assim, vi uma tensão natural entre nosso projeto e o acontecimento Elis. Tive quase um sentimento de ciúme. Sobretudo me senti com maiores responsabilidades e excitadopor desafios mais altos.

Nada disso nunca se desmentiu. Depois de Elis, teríamos que fazer algo mais radical. Bethânia esteve sempre fora da questão, já que ela tinha um estilo assombrosamente desenvolvido e totalmente independente da estética da bossa nova. Mas ela mal tinha se decidido pela música: havia sonhado em ser atriz, escrevia e fazia joias de metal. Sua voz e sua intensidade pessoal é que a puxaram para o canto, através do interesse despertado em quem a ouvia. O modo extrovertido, o tom expressionista, que contrastava com a sobriedade da bossa nova, tudo isso ela tinha em comum com Elis. Mas eram figuras opostas. Pôr as duas em comparação, dentro da cabeça, era como contrapor Sarah Vaughan a Edith Piaf. Mas o que acontecia era que, com Elis, eu era levado a pensar assim, em termos mundiais, considerando figuras nascentes de nossa canção com divas do grande mundo.

Bem, o ambiente de criação de música popular no Brasil estava se diversificando. Era a época de Edu — e Nara tinha aberto o leque do repertório, saindo das salas sofisticadas e indo ao morro e ao sertão. Mas, fosse Edu, Nara ou nós, todos parecíamos treinados em ambientes de teatro, cineclubes e diretórios acadêmicos. Elis era uma menina que gostava de Ângela Maria e se tornara um fenômeno infantojuvenil em Porto Alegre. A evidência de seu talento chamou a atenção de produtores que sonharam em fazer dela uma nova versão de Celly Campello, o que resultou em quatro LPs que, depois do estouro de “Arrastão”, foram banidos de sua discografia oficial — não tão diferente assim do que aconteceu com o 78 RPM de João, gravado no início dos anos 50. Seja como for, Elis vinha do mundo da música comercial, enquanto Nara , Edu e nós vínhamos dos ambientes intelectualizados.

O Beco das Garrafas e Armando Pittigliani compuseram a Elis genial que, logo formatada por Solano Ribeiro, veio a ser aquela espantos a explosão de musicianship que eu vi na TV.

Todos os encontros e desencontros que tive com Elis tiveram esse histórico como pano de fundo. Rogério, seu irmão, me deu de presente os quatro LPs pré-“Arrastão”, numa época em que eu, deslumbrado pelo prazer que dava assistir aos shows dessa cantora que nunca estava fora de sintonia com a música, via mais de uma vez seus espetáculos. Desde que voltei de Londres (coincidindo, em parte, com o período em que ela mostrou sua versão do cool), eu via Elis cantar exclusivamente para me sentir bem. Ela influenciou gerações de cantores, lançou multidões de autores, briguei com a “Veja” por causa do modo com essa revista publicou a notícia da sua morte (briga que nunca mais achei jeito de desfazer), e hoje a gente sabe que Björk a admira, que quem entende de música no mundo sabe que ela é uma das maiores que já houve. Ela me escreveu um bilhete pedindo perdão pelo que fez com “Gente”. E saúdo sua memória com um amor muito pessoal, particular e cheio de conteúdos peculiares.
http://sergyovitro.blogspot.com/2012/01/caetano-veloso-gente.html

O legado de Elis Regina

O legado de Elis Regina Foto: Paulo Moreira / Paulo Moreira
O legado de Elis Regina Paulo Moreira / Paulo Moreira
RIO - Allen Guimarães nasceu Alcindo 45 anos atrás e há 30 vive boa parte de seu tempo em nome de Elis Regina. Foi vendo os programas exibidos quando da morte da cantora, ocorrida em 19 de janeiro de 1982, que ele constatou que conhecia, sim, aquela voz, a de sucessos como "Lapinha" e "Madalena". E que precisava ver e ouvir mais essa mulher, desaparecida aos 36 anos em função de uma combinação possivelmente acidental de álcool e cocaína.
Veja também

O projeto "Viva Elis", maior evento inspirado nas três décadas sem a artista, só começará a rodar o país em março graças a fãs apaixonados como Allen — o nome foi adotado durante uma estada nos EUA, já que um amigo não conseguia pronunciar "Alcindo". O paulistano se transformou no epicentro de uma rede de pessoas que, sem receber ordem ou dinheiro de ninguém, vinham montando acervos dedicados a Elis à espera de uma chance de torná-los públicos. A chegada desse momento permitiu a reunião inédita de, por enquanto, cerca de 500 fotos, mil reportagens de jornais e revistas, 36 horas de vídeos e um tempo ainda não calculado de áudios.
— E toda semana nos ligam oferecendo mais coisas — conta João Marcello Bôscoli, de 41 anos, o mais velho dos três filhos da cantora e principal responsável pelo "Viva Elis", projeto de R$ 6 milhões patrocinado pela Nívea e com programação gratuita cujo carro-chefe é uma exposição multimídia baseada no material reunido.
Seu desejo é, após o fim da mostra, manter tudo — inclusive o pouco que a família tem — na sede de um Instituto Elis Regina, a ser criado em São Paulo, Rio ou Porto Alegre (cidade natal da artista).
— Não vamos guardar numa caixa — diz ele.
Documentário de seis horas
Allen está há seis anos na Trama, produtora e gravadora de João Marcello, e trabalha com Maria Rita, que participará de "Viva Elis" cantando o repertório da mãe. Ganhou o emprego graças à fama de obcecado pela cantora firmada entre 2000 e 2005, quando era funcionário da Universidade Federal de Uberlândia. Com o respaldo acadêmico, contatou instituições e emissoras de outros estados e países, formando uma coleção preciosa. Por exemplo: especiais de TV de Portugal, França e Alemanha, matéria-prima de um possível DVD futuro.
Mal resolveu estudar cinema, pôs na cabeça a ideia de um filme sobre Elis. Câmera na mão e mochila nas costas, fez 48 entrevistas. Foi reprovado por faltas. Ouviu em Uberlândia que documentário com mais de 20 minutos é chato. O seu tem seis horas, que foram exibidas em capítulos numa semana dedicada à cantora na universidade. A exposição de "Viva Elis" terá uma versão reduzida. A transcrição das entrevistas responde pela maior parte de um livro de Allen (também batizado de "Viva Elis"), que será enviado a bibliotecas na mesma época da mostra.
Do acervo que está em suas mãos, 90% vieram do Elis em Movimento, grupo criado em 1 de maio de 1982, em São Paulo, com o intuito de coletar o que dissesse respeito à carreira da cantora, não à vida pessoal. Chegaram a ser 700 sócios, enviando de todo o país fitas, fotos, bilhetes, revistas. A busca de um patrocínio foi em vão.
— Havia preconceito. Uma companhia aérea disse que ela era uma "fumeira" (usava drogas) — lembra um dos diretores, o sociólogo e assessor de imprensa Beto Previero, de 69 anos. — Não queríamos parecer um bando de alucinados. Foi preciso que saíssem uns fanáticos que viam Elis em cima da geladeira, em qualquer lugar. E realizamos 29 edições da Semana Elis. Agora, a função está cumprida.
Eles receberam de mães cujos filhos morreram em consequência da Aids coleções deixadas sobre a cantora. Em 2011, temendo que, após morrer, sua família jogasse fora o acervo montado ao longo dos últimos 46 anos (ingressos de todos os espetáculos, 40 discos de vinil, 70 CDs, dez pastas com recortes de jornais, três retratos de Elis que comprou de pintores de rua e 300 fitas de programas de rádio gravados na empresa de peças para relógios em que trabalhava), a paulista Isaura de Oliveira, de 62 anos, doou tudo para Allen.
— Ele me prometeu digitalizar. Não quero ganhar dinheiro, mas que tudo fique preservado — diz ela.
A jornalista carioca Teresa Cavalleiro também nunca vendeu os registros em super-8 que, ao lado do amigo Acyr Fonseca, fez do último show de Elis aberto ao público, em novembro de 1981, no Teatro João Caetano — em dezembro daquele ano, ela realizou um fechado para uma empresa. São imagens sem nitidez, mas históricas, de "Se eu quiser falar com Deus" e "O trem azul".
— Para ver minhas imagens na exposição, vou levar uma caixa de lenços — imagina Teresa, de 53 anos, que tem na sala de trabalho um pôster do show "O trem azul". — Nos dias 19 de janeiro e 17 de março (data de nascimento de Elis), uso a camisa do "Saudade do Brasil" (show de 1980), com o nome dela na bandeira no lugar de "Ordem e progresso".


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/mostra-multimidia-marca-os-30-anos-da-morte-de-elis-regina-3670288#ixzz1jYDe73an

"Eis o homem"

Clássicos Literários A última entrevista de Guimarães Rosa Uma preciosidade histórica da língua portuguesa: a entrevista realizada pelo escritor e jornalista português Arnaldo Saraiva, em 24 de novembro de 1966. Guimarães Rosa morreria menos de um ano depois de tê-la concedido.


Arnaldo Saraiva

Eis o homem. O homem que em menos de 20 anos, com sua prosa, seu estilo, sua literatura — sem os favores profissionais da medicina, que pode dar saúde mas ainda não deu gênio (cf. alguns prêmios Nobel), conquistou o Brasil, Portugal, a Alemanha, a Itália, os Estados Unidos, o mundo, não?

Repara no corpo: mau grado as ligeiras ameaças de obesidade, parece atleta, cavaleiro que foi, ou de bandeirante, que da língua é. Vê como está sobriamente elegante, distinto, sorridente, calmo, aristocrata, como convém a um embaixador (ou não estivéssemos num salão do Itamarati). Mas nada da pose ou dos gestos artificiais com que outros tentam iludir a mediocridade. Quem esperou quase quarenta anos para publicar o primeiro livro, ou quem avançou sozinho pelos grandes sertões da língua, não precisa ter pressa nem pedir emprestado um corpo, uma casaca, máscaras.

Lá está o lacinho (ou gravata-borboleta, meu chapa?) simetricamente impecável, fazendo pendant com os óculos claros, tão claros que ainda esclarecem mais os olhos sempre inquiridores, atentos. E é curioso como um mineiro de Cordisburgo, a dois passos (brasileiros) da Ita­­bira de Drum­mond, gosta, ao contrário deste (à primeira vista), de falar, de con­tar, de ser ouvido. Até nisso parece grande o seu amor à língua. Mal me sentei, já ele me começou a falar de Portugal e de escritores portugueses...
Estive em Portugal três vezes. Na primeira, em 1938, passei lá apenas um dia; ia a caminho da Alemanha. Na segunda, em 1941, passei lá quinze dias, em cumprimento de uma missão diplomática que me fora confiada em Ham­­burgo. Na terceira, em 1942, passei um mês, pois estava já de regresso ao Brasil, por causa da guerra.
Durante essas estadas, travou relações ou conhecimentos com alguns escritores?

Não. Até porque eu ainda não era “escritor” (“Sagarana”, com efeito, só foi publicado em 1946) e o que me interessava mais era contatar com a gente do povo, entre a quais fiz algumas amizades. Gosto mui­to do português, sobretudo da sua integridade afetiva. O brasileiro também é gente muito boa, mas é mais superficial, é mais areia, enquanto o português é mais pedra. Eu tenho ainda uma costela portuguesa. Minha família do lado Gui­marães é de Trás-os-Montes. Em Minas o que se vê mais é a casa minhota, mas na região em que eu nasci havia uma “ilha” transmontana.
Mas não chegou a conhecer Aquilino?

Conheci Aquilino (Aquilino Ribeiro), mas acidentalmente. Eu entrei numa livraria, não sei qual, do Chiado (presumo que a Bertrand) e, quando pedi al­guns livros dele, o empregado per­guntou-me se eu queria co­nhecê-lo, pois estava ali mesmo. Respondi que sim, e desse modo obtive dois ou três autógrafos de Aquilino, com quem conversei alguns instantes. Voltei a estar com ele, mais tarde, num jantar que lhe foi oferecido enquanto de sua vinda ao Brasil. Mas ele, naturalmente, não se recordava de mim (porque eu não me apresentara como escritor), e eu também não lhe falei do assunto.
Não sabe que, justamente numa crônica motivada pela sua ida ao Brasil, Aquilino colocou o seu nome, logo em 1952, ao lado dos de José Lins do Rego, Gilberto Freyre, Graciliano Ramos, Manuel Bandeira, Jorge de Lima e Agripino Grieco, que, segundo ele, eram os "notáveis escritores e poetas" que estavam a "encostar a pena contra a lava" que ia no Brasil "sepultando prosódia e morfologia da língua-mater"? Eu creio mesmo que é essa uma das primeiras referências ao seu nome, em Portugal...

Não sabia dessa curiosa referência do Aquilino. Antes dessa, porém, há uma referência a mim numa publicação do Consulado do Porto, de 1947, feita por não sei quem. Sei de outra referência feita, anos depois, salvo erro, por um irmão de José Osório de Oliveira.
Voltando a Aquilino: acha que recebeu alguma influência dele? Já, pelo menos, um crítico, o mineiro Fábio Lucas, notou alguns “pontos de contato nada desprezáveis” entre a sua obra e a de Aquilino.

Eu gosto de Aquilino, sobretudo da “Aventura Maravilhosa”, mas não creio que dele tenha recebido alguma influência, a não ser na medida em que sou influenciado por tudo o que leio. A verdade é que antes de 1941 só conhecia de Aquilino um ou dois trechos, co­mo infelizmente ainda hoje sucede em relação à quase totalidade dos escritores portugueses vivos. E, como sabe, “Sagarana”, foi escrito em 1937.
Um garçom do Itamarati entra com um copo de água, e pergunta se precisa mais alguma coisa. Guimarães Rosa agradece e diz: Vá com Deus, como se fosse um beirão ou um transmontano. Mais uma razão, portanto, para eu prosseguir: Como encara ou explica o enorme prestígio de que goza nos meios intelectuais e universitários portugueses?

Em relação a mim, houve por aqui (no Brasil) muitos equívocos, que ainda hoje não desapareceram de todo e que, curiosamente, ao que parece, não houve em Por­tugal. Pensaram alguns que eu inventava palavras a meu bel-prazer ou que pretendia fazer simples erudição. Ora o que sucede é que eu me limitei a explorar as virtualidades da língua, tal como era falada e entendida em Minas, região que teve durante muitos anos ligação direta com Portugal, o que explica as suas tendências arcaizantes para lá do vocabulário muito concreto e reduzido. Talvez por isso que ainda hoje eu tenha verdadeira paixão pelos autores portugueses antigos. Uma das coisas que eu queria fazer era editar uma antologia de alguns deles (as antologias que existem não são feitas, como regra, segundo o gosto moderno), como Fernão Mendes Pinto, em quem ainda há tempos fui descobrir, com grande surpresa, uma palavra que uso no “Grande Sertão”: amouco. E vou dizer-lhe uma coisa que nunca disse a ninguém: o que mais me influenciou, talvez, o que me deu coragem para escrever foi a” História Trágico-Marítima” (coleção de relatos e notícias de naufrágios, acontecidos aos navegadores portugueses, reunidos por Ber­nardo Gomes de Brito e publicados em 1735). Já vê, por aqui, que as minhas “raízes” es­tão em Portugal e que, ao contrário do que possa parecer, não é grande a distância “linguística” que me se­para dos portugueses.
Eu penso até que na imediata e incondicional adesão portuguesa a Gui­marães Rosa há muito de transferência sublimada de uma frustração linguística nossa, coletiva, que vem pelo menos desde Eça. Mas não nos desviemos. Admira-me muito que não tenha citado ne­nhum livro de ca­valaria, nem ne­nhuma novela bu­cólica, pois pensava que deles e delas havia diversas ressonâncias na sua obra, sobretudo no “Gran­de Sertão: Veredas”...

Sim, li muitos livros de cavalaria quando era menino, e, por volta dos 14 anos, entusiasmei-me com Ber­nardim (Bernardim Ri­beiro), e depois até com Camilo. Ainda continuo a gostar de Ca­milo, mas quem releio permanentemente é Eça de Queiroz (quando tenho uma gripe, faz mesmo parte da convalescença ler “Os Maias”; este ano já reli quase todo “O Crime do Padre Amaro” e parte da “Ilustre Casa de Ramires”). Camilo, leio-o como quem vai visitar o avô; Eça, leio-o como quem vai visitar a amante. Quando fui a Portugal pela primeira vez, eu só queria comidas ecianas (que gostosura, aquele jantar da Quinta de Tormes). Aliás deixe-me que lhe diga que me torno muito materialista quando penso em Portugal; penso logo nos bons vinhos, nas excelentes comidas que há por lá. E talvez seja também por isso que se há um país a que eu gostaria de voltar é Portugal...
... que, naturalmente, o receberá de braços abertos, em festa. Mas permita-me ainda uma pergunta: como “enveredou” - e penso que a palavra se ajusta bem ao seu caso - pelo campo da “invenção linguística?

Quando escrevo, não pen­so na literatura: penso em capturar coisas vivas. Foi a necessidade de capturar coisas vivas, junta à minha repulsa física pelo lugar-comum (e o lugar-comum nunca se confunde com a simplicidade), que me levou à outra necessidade íntima de enriquecer e embelezar a língua, tornando-a mais plástica, mais flexível, mais viva. Daí que eu não tenha nenhum processo em relação à criação linguística: eu quero aproveitar tudo o que há de bom na língua portuguesa, seja do Brasil, seja de Portugal, de Angola ou Mo­çambique, e até de outras línguas: pela mesma razão, recorro tanto às esferas populares como às eruditas, tanto à cidade como ao campo. Se certas palavras belíssimas como “gramado”, “aloprar”, pertencem à gíria brasileira, ou como “malga”, “azinhaga”, “azenha” só correm em Por­tugal — será essa razão suficiente para que eu as não empregue, no devido contexto? Porque eu nunca substituo as palavras a esmo. Há muitas palavras que rejeito por inexpressivas, e isso é o que me leva a buscar ou a criar outras. E faço-o sem­pre com o maior respeito, e com alma. Respeito muito a língua. Escrever, para mim, é como um ato religioso. Tenho montes de cadernos com relações de palavras, de expressões. Acompanhei muitas boiadas, a cavalo, e levei sempre um ca­derninho e um lápis preso ao bolso da camisa, para anotar tudo o que de bom fosse ouvido — até o cantar de pássaros. Talvez o meu trabalho seja um pouco arbitrário, mas se pegar, pegou. A verdade é que a tarefa que me impus não pode ser só realizada por mim.
Guimarães Rosa vai buscar uma fotografia para me mostrar onde levava o caderninho de notas, nas boiadas: vai buscar uma pasta com a correspondência com um seu tradutor norte-americano, para me mostrar as dúvidas e dificuldades deste, e o trabalho, a seriedade e a minúcia com que as vai resolvendo uma por uma (escrevendo, ele próprio, preciosas autoanálises estilísticas ou considerações filológicas). E, entretanto, vai-me fazendo outras confissões interessantes. Por exemplo: “gosto das traduções que filtram. Da tradução italiana do Cor­po de Baile gosto mais do que do original.” Ou: “Estou cheio de coisas para escrever, mas o tempo é pouco, o trabalho é lento, lambido, e a saúde também não é muita.” Ou: “Não faço vida literária: como regra, saio daqui e vou para casa, onde trabalho até tarde.” Ou: “No próximo ano, vou publicar um livro ainda sem título, com 40 estórias” (que têm aparecido quinzenalmente, no jornal dos médicos “O Pulso”, onde frequentemente aparecem também cartas ou a atacá-lo ou a defendê-lo ferozmente). Ou ainda: “eu não gosto de dar, nem dou entrevistas. Tenho sempre a sensação de que não disse o que queria dizer, ou que disse mal o que disse, ou que criei maior confusão; e não estou assim tão seguro do que procuro e do que quero. Com você abri uma exceção...”.
Nota: Entrevista realizada pelo escritor e jornalista Arnaldo Saraiva, em 24 de novembro de 1966. Publicada no livro “Conversas com Escritores Brasileiros”, editora ECL em parceria com o Congresso Portugal-Brasil.

Justiça inibe manifestação “Desocupa Salvador”

Justiça inibe manifestação “Desocupa Salvador”


Justiça inibe manifestação “Desocupa Salvador”
Nassif, pelo burburinho que vejo nas redes sociais, hoje, dia 14, teremos uma grande mobilização aqui em Salvador (BA).
Tudo começou com o “Movimento Ocupa Salvador”, a versão baiana do acampamento que invadiu a praça Zuccotti, em Wall Street, que por sua vez foi inspirado na “Primavera Árabe” Egípcia.
Na capital baiana, os manifestantes se instalaram na Praça de Ondina, desde o dia 15 de outubro do ano passado. No mesmo dia, se iniciavam ocupações por todos os cantos do planeta, pois se tratava de uma movimentação global.
O ponto escolhido pelos meus conterrâneos causou polêmica, já que Ondina é um bairro nobre, com uma bela vista para o mar, além de ser o local onde acontece o nosso famoso carnaval. No entanto, havia um motivo para essa escolha, que o meu amigo Fabrício Kc, um dos primeiros participantes do movimento, explicou. Segundo ele, houve um acordo desvantajoso para o município, entre a empresa privada Premium Entretenimento (http://www.premiumentretenimento.com.br) e a Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo (Sucom). Nessa parceria público-privada, a Premium, que venceu uma licitação, entrou com a reforma da praça, no valor de 1 milhão de reais. No entanto, Fabrício disse que o que foi feito lá não atende à população, pois sequer havia bancos com recosto, e os banheiros, que deveriam ser públicos, encontravam-se trancados. Para piorar, três meses depois de concluídas as obras, cercaram tudo com tapumes, impedindo até o acesso à praia.
Algumas pessoas se indignaram com essa apropriação do espaço público e por isso criaram a página no Facebook chamada de “Desocupa Salvador”, conclamando para uma manifestação, hoje, sábado, às 18 horas. Apesar de ser um movimento apartidário, indivíduos ligados ao PSOL estão em acordo com os militantes do PT e do PCdoB, todos contra essa situação; do outro lado, até a Soninha Francine parece ter apoiado o “Desocupa” divulgando no seu Twitter. Mas os verdadeiros organizadores são os cidadãos independentes, jornalistas estudantes e professores universitários, representantes da sociedade civil.
Acontece que, ontem, uma jornalista, editora do jornal A Tarde, e também professora da faculdade de jornalismo, Nadja Vladi, foi intimada por uma medida liminar de uma ação de Interdito Proibitório, proposta pelo Camarote Salvador, a qual ela figura supostamente como líder do movimento. Nadja postou no seu Facebook que “O conteúdo da liminar (...) noticia suposta ameaça de risco de turbação e esbulho da posse do citado camarote. Como cidadã expressando seu direito pacífico de manifestação, saliento que jamais estimulei a utilização de violência ou ameaça a área ocupada pelo CAMAROTE SALVADOR. Defendo apenas a livre manifestação de pensamento, no sentido de que a praça deveria ser disponibilizada durante todo ano a população”.
Segue a matéria no A Tarde de hoje:
Juíza proíbe manifestação organizada através da web em Ondina
Uma decisão da juíza Lisbete Teixeira Cézar Santos, da 7ª Vara da Fazenda Pública, pediu nesta sexta, 13, interdição ao movimento social Desocupa, manifestação do tipo flash mob, organizada via redes sociais, contra a privatização dos espaços públicos da capital baiana. Um protesto está previsto para este sábado, às 18 horas, em frente à Praça de Ondina. A liminar estabelece multa de R$ 5 mil se descumprida.
A Praça de Ondina foi concedida pela Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do Município (Sucom) à empresa Premium Produções para a construção do Camarote Salvador, no ano passado, com a contrapartida de reforma na praça, pagamento no valor de R$ 1 milhão à Prefeitura e disponibilização de arquibancadas públicas durante o Carnaval. E, em dezembro, três meses após ser inaugurada, foi cercada de tapumes que impedem o acesso dos usuários.
A Premium ingressou com pedido de liminar alegando risco iminente de desordem e de os manifestantes do Desocupa tomarem posse do espaço neste sábado. Na ação, a empresa aponta a jornalista Nadja Vladi como líder do movimento. Nadja é editora-coordenadora da Revista Muito do Grupo A TARDE, doutora em cultura e comunicação pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) e professora dos cursos de comunicação da Unijorge e Faculdade Social da Bahia. A jornalista nega liderar o movimento: “Não sou líder e não entendo por que fui escolhida para isso nessa ação. Se a prefeitura privatizou um espaço, tenho motivos para criticar isso como moradora de Ondina”.
No Facebook, o Desocupa é definido como “uma manifestação pacífica e artística” e tem apoio de pelo menos 400 pessoas. Em nota, a Premium alegou que “a página do Movimento Desocupa no Facebook veicula manifestações que revelam a intenção de destruir e depredar a área”. A decisão judicial também compele a Sucom a proteger o espaço e autoriza o envio de reforço policial ao local. Após a decisão, a assessoria de comunicação da Sucom divulgou nota reafirmando que o espaço é alvo de concessão.
O advogado e professor de Direito Constitucional Marcos Sampaio avaliou que “impedir o direito de as pessoas se manifestarem de forma pacífica é inconstitucional, inconcebível e inconciliável com o estado de democracia em que vivemos”. Na opinião do advogado e procurador Manoel Jorge Silva Neto, a princípio, a decisão não impede o protesto: “A ação desse tipo é para impedir que alguém tome posse do camarote. Sendo assim, essa liminar não proíbe as pessoas de se manifestarem e de exercerem o direito de reunião”.
http://www.atarde.com.br/cidades/noticia.jsf?id=5798737&t=Juiza+proibe+m...
Ps. O filho de Luís Eduardo Magalhães, Luís Eduardo Magalhães Filho, conhecido como Duquinho, é um empresário da noite soteropolitana, e dono da empresa que administra o Camarote Salvador, segundo o site Bahia 247 (http://bit.ly/xDg4Yy).

Ps2. O novo mote da campanha, inspirado pela revolução egípcia: “É primavera no verão baiano”.

http://advivo.com.br/blog/luisnassif/justica-inibe-manifestacao-%E2%80%9Cdesocupa-salvador%E2%80%9D

Desocupa: a cidade é nossa, Salvador está viva!

Cidadania: Bote os pés no chão, Salvador


Neste vídeo lembra a performer Ana Dumas que os trios do Carnaval soteropolitano costumam conclamar a multidão para tirar os pés do chão: "Tire os pés do chão, Salvador!!", berram. Mas agora trata-se de outra coisa: - Bote os pés no chão, Salvador, e a mão na consciência!! Vejam aqui:

http://blogbahianarede.wordpress.com/2012/01/15/desocupa-a-cidade-e-nossa-salvador-esta-viva/

A chuva fina também quis participar do Movimento Desocupa!, acionando o sentimento da primavera em pleno verão, em defesa do patrimônio público, da liberdade de manifestação e expressão, em favor da vida e da cidade. Mais de 500 artistas de várias áreas, estudantes, militantes, profissionais liberais, a juventude e muitos indignados com a situação atual de Salvador compareceram ao ato na praça de Ondina ocupada pelo camarote. Foi um grito para dizer Desocupa, Salvador é nossa, Salvador está viva.
O sentimento de todos é que estamos apenas começando, como disse o jornalista Marcus Gusmão no facebook “Foi um momento muito potente para a gente iniciar a “primavera soteropolitana”, em pleno verão e com chuva! Porque muito mais coisas temos a fazer por nossa amada terra, além de evitar este abuso crescente e galopante de privatização do espaço público. Temos que tentar reverter urgente os termos do PDDU, e outras tramoias e estratégias usadas por várias esferas do poder! A verticalização da cidade, o sombreamento das praias, a destruição do restinho de Mata Atlântica, a sujeira, a lixaria nas ruas, o fedor de cocô e xixi nas vias públicas, a poluição sonora e por aí afora… Há muita pauta pra lutar! Vamos nessa!”.

Vamos nessa!

Desocupa Salvador

Apesar de uma liminar expedida pela juíza Lisbete Maria Almeida, da 7ª Vara da Fazenda Pública, que “proibia” uma manifestação popular contra a ocupação da Praça de Ondina pela empresa Premium Eventos, responsável pelo Camarote Salvador, o movimento “Desocupa Salvador” aconteceu e contou com a participação de ao menos 400 pessoas na tarde deste sábado (14), de acordo com a Polícia Militar, no bairro homônimo. O protesto é contra um acordo entre a Prefeitura e a empresa, que se comprometeu em revitalizar o espaço público em troca da concessão por cinco anos do local para a construção de um dos maiores e mais caros camarotes do carnaval soteropolitano – a praça segue ocupada desde dezembro de 2011. Com gritos de “Desocupa!” e "A Praça é do Povo", o grupo chegou a fechar uma das pistas da Avenida Oceânica, enquanto um forte esquema policial esteve presente para garantir a integridade da estrutura montada. Um dia antes, o superintendente de Controle e Ordenamento do Uso do Solo (Sucom), Cláudio Silva, responsável pelo acordo com a empresa, defendeu a liminar da juíza. “Todo mundo que se manifestar contra algo legítimo vai encontrar essa postura da Justiça. Não há o que se discutir porque o contrato trouxe benefícios para a cidade. Aquela era uma área usada inclusive para o tráfico de drogas. Felizmente a Justiça tem prevalecido no que diz respeito a garantir o cumprimento da lei”, argumentou. Com informações do A Tarde, Portal 10 Segundos e Bahia Todo Dia.







O povo na praça!!!

BOTE OS PÉS NO CHÃO, SALVADOR!!!!