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quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Joyce dá o recado...








Liberdade / Liberté

Liberdade

Nos meus cadernos de escola
Nesta carteira nas árvores
Nas areias e na neve
Escrevo teu nome

Em toda página lida
Em toda página branca
Pedra sangue papel cinza
Escrevo teu nome

Nas imagens redouradas
Na armadura dos guerreiros
E na coroa dos reis
Escrevo teu nome

Nas jungles e no deserto
Nos ninhos e nas giestas
No céu da minha infância
Escrevo teu nome

Nas maravilhas das noites
No pão branco da alvorada
Nas estações enlaçadas
Escrevo teu nome

Nos meus farrapos de azul
No tanque sol que mofou
No lago lua vivendo
Escrevo teu nome

Nas campinas do horizonte
Nas asas dos passarinhos
E no moinho das sombras
Escrevo teu nome

Em cada sopro de aurora
Na água do mar nos navios
Na serrania demente
Escrevo teu nome

Até na espuma das nuvens
No suor das tempestades
Na chuva insípida e espessa
Escrevo teu nome

Nas formas resplandecentes
Nos sinos das sete cores
E na física verdade
Escrevo teu nome

Nas veredas acordadas
E nos caminhos abertos
Nas praças que regurgitam
Escrevo teu nome

Na lâmpada que se acende
Na lâmpada que se apaga
Em minhas casas reunidas
Escrevo teu nome

No fruto partido em dois
De meu espelho e meu quarto
Na cama concha vazia
Escrevo teu nome

Em meu cão guloso e meigo
Em suas orelhas fitas
Em sua pata canhestra
Escrevo teu nome

No trampolim desta porta
Nos objetos familiares
Na língua do fogo puro
Escrevo teu nome

Em toda carne possuída
Na fronte de meus amigos
Em cada mão que se estende
Escrevo teu nome

Na vidraça das surpresas
Nos lábios que estão atentos
Bem acima do silêncio
Escrevo teu nome

Em meus refúgios destruídos
Em meus faróis desabados
Nas paredes do meu tédio
Escrevo teu nome

Na ausência sem mais desejos
Na solidão despojada
E nas escadas da morte
Escrevo teu nome

Na saúde recobrada
No perigo dissipado
Na esperança sem memórias
Escrevo teu nome

E ao poder de uma palavra
Recomeço minha vida
Nasci pra te conhecer
E te chamar

Liberdade


Paul Éluard
Tradução de Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira



Liberté

Sur mes cahiers d’écolier
Sur mon pupitre et les arbres
Sur le sable de neige
J’écris ton nom

Sur toutes les pages lues
Sur toutes les pages blanches
Pierre sang papier ou cendre
J’écris ton nom

Sur les images dorées
Sur les armes des guerriers
Sur la couronne des rois
J’écris ton nom

Sur la jungle et le désert
Sur les nids sur les genêts
Sur l’écho de mon enfance
J’écris ton nom

Sur les merveilles des nuits
Sur le pain blanc des journées
Sur les saisons fiancées
J’écris ton nom

Sur tous mes chiffons d’azur
Sur l’étang soleil moisi
Sur le lac lune vivante
J’écris ton nom

Sur les champs sur l’horizon
Sur les ailes des oiseaux
Et sur le moulin des ombres
J’écris ton nom

Sur chaque bouffées d’aurore
Sur la mer sur les bateaux
Sur la montagne démente
J’écris ton nom

Sur la mousse des nuages
Sur les sueurs de l’orage
Sur la pluie épaisse et fade
J’écris ton nom

Sur les formes scintillantes
Sur les cloches des couleurs
Sur la vérité physique
J’écris ton nom

Sur les sentiers éveillés
Sur les routes déployées
Sur les places qui débordent
J’écris ton nom

Sur la lampe qui s’allume
Sur la lampe qui s’éteint
Sur mes raisons réunies
J’écris ton nom

Sur le fruit coupé en deux
Du miroir et de ma chambre
Sur mon lit coquille vide
J’écris ton nom

Sur mon chien gourmand et tendre
Sur ses oreilles dressées
Sur sa patte maladroite
J’écris ton nom

Sur le tremplin de ma porte
Sur les objets familiers
Sur le flot du feu béni
J’écris ton nom

Sur toute chair accordée
Sur le front de mes amis
Sur chaque main qui se tend
J’écris ton nom

Sur la vitre des surprises
Sur les lèvres attendries
Bien au-dessus du silence
J’écris ton nom

Sur mes refuges détruits
Sur mes phares écroulés
Sur les murs de mon ennui
J’écris ton nom

Sur l’absence sans désir
Sur la solitude nue
Sur les marches de la mort
J’écris ton nom

Sur la santé revenue
Sur le risque disparu
Sur l’espoir sans souvenir
J’écris ton nom

Et par le pouvoir d’un mot
Je recommence ma vie
Je suis né pour te connaître
Pour te nommer

Liberté


Paul Éluard
in Poésies et vérités, 1942

Roupa íntima

Image Detail

Ontem perdi meu sono
pensando sobre roupa íntima
Alguma vez parou para pensar sobre ela
no abstrato?
Se você cavar mais fundo
pode ficar chocado
A roupa íntima é um problema
para todos
Todos usam
roupa íntima
de um tipo ou outro
O Papa usa (eu suponho)
O Governador da Louisiana usa
Eu vi ele na TV
Ele devia estar usando roupa íntima
apertada
do jeito que se retorcia
A roupa íntima pode te deixar no aperto
Você já viu os anúncios
roupa íntima para homens e mulheres
tão parecida embora tão diferente
A das mulheres, para não deixar cair
A das homens, para não deixar subir
A roupa íntima é uma coisa
que homens e mulheres têm em comum
A roupa íntima é tudo o que nos separa
Você já viu os desenhos em três cores
e círculos na virilha
para indicar a costura super forte
e o triplo stretch
que promete plena liberdade de ação?
Não se decepcione
Tudo se baseia no sistema bi- partidário
que não deixa muita liberdade de expressão
do jeito que as coisas são
América na sua roupa íntima
luta ao longo da noite
A roupa íntima controla tudo no final
As vestimentas de base, por exemplo
São na verdade formas fascistas
do governo clandestino
para fazer acreditar em qualquer coisa
que não seja a verdade
te dizendo o que pode o que não pode
Já tentou se livrar do espartilho?
Talvez a ação não violenta seja
a única solução
Por acaso Gandhi usava espartilho?
E Lady MacBeth usaria um?
Terá sido por isso que o MacBeth
pôs fim ao sono?
E esse lugar que ela constantemente esfregava
Era realmente sua roupa íntima?
As damas anglo saxônicas modernas
deveriam ter enormes complexos de culpa
sempre esfregando e esfregando e esfregando
essa mancha danada
A roupa íntima manchada levanta suspeitas
A roupa íntima encobrindo vultos escandaliza
A roupa íntima no varal, uma grande bandeira de liberdade
Alguém deve ter fugido de sua roupa íntima
Talvez esteja nu em algum lugar
Socorro!
Mas nem se preocupe
Todos continuam muito obcecados
Não haverá revolução
A poesia será ainda a roupa íntima
d’alma
A roupa íntima encobrindo
uma multidão de falhas
no sentido geológico –
estranhas pedras sedimentadas, rachaduras inescrutáveis!
Se eu fosse você eu guardaria
uma ceroula de inverno num tamanho maior
Não entraria despido para a noite boa -
Por enquanto
Ficaria calma, quentinha, confortável
Para que excitar-se precocemente
‘para Nada’?
Avance com dignidade
com domínio
não se emocione
a morte estará afastada
temos muito tempo pela frente ainda
minha querida
não somos ainda jovens e fáceis?
não grite

Lawrence Ferlinghetti
Tradução: Miriam Adelman

__________________________________
Profª Drª Miriam Adelman
Universidade Federal do Paraná
Programa Pós-Graduação em Sociologia
Núcleo de Estudos de Gênero

www.conviteapalavra.blogspot.com
www.generos.ufpr.br

Depoimento

Antoni Tàpies [1923-2012]

Depoimento inédito a Bebeto Abrantes, 2003

 

João Cabral de Melo Neto e o meio artístico de Barcelona

Foi muito interessante conhecer João [João Cabral de Melo Neto, 1920-1999], porque isso se deu em um momento em que havia muita discussão em torno de poesia e arte. Questionava-se muito se os poetas e os pintores deviam fazer um trabalho social e político. As opiniões de Cabral eram muito acertadas. [...] Para mim, ele era alguém um pouco mais velho que, naquela época, foi como um modelo, um exemplo muito interessante dentro dessas polêmicas.

João Cabral foi de grande ajuda para os jovens. Ele chegou a me apresentar, junto com outros artistas [Joan Ponç, 1927-1984, e Modest Cuixart, 1925-2007], em uma exposição no Instituto Francês de Barcelona [1949]. Escreveu um texto muito bonito do qual sempre me lembro. Mas foi importante sobretudo porque nos dava a oportunidade de ir à sua casa para, em plena ditadura [o franquismo, desde 1939], discutir diversos temas, inclusive a situação política da Espanha.

Um pouco mais tarde tive a oportunidade de revê-lo quando o governo francês me deu uma bolsa para viver em Paris [1950]. O reencontro com João também foi muito útil para mim. Eu não conhecia Paris, mas ele sim, e me apresentou às livrarias importantes para os temas que discutíamos com ele – naquela época, principalmente sobre marxismo. Ele conhecia muito bem todos os problemas do marxismo. Talvez não de um ponto de vista plástico, mas de formação de meu espírito, ele foi muito interessante, me ajudou muito.


Os encontros com Cabral

Na maioria das vezes, eu ia à casa dele, na calle Montaner. Normalmente, quando íamos lá, ele nos recebia em uma salinha onde ficávamos conversando. Nós nos demos muito bem. Ele esteve metido no mundo artístico de Barcelona, mas selecionava muito. Era aberto a toda classe de tendências, mas tinha senso crítico e selecionava bem as pessoas.

Conversávamos principalmente sobre temas profundos, de certa relevância. Temas humanísticos, digamos. Também filosóficos e estéticos. Ele tinha uma grande preocupação com o homem, e nisso coincidíamos muito. Sempre falava que mesmo na pintura abstrata deve-se introduzir algum elemento humano que dê uma certa visão do mundo. Ela não devia ser gratuita, mas dar ao espectador uma pista, nem que fosse muito pequena, no sentido humanista.


Cabral, Miró e a Galerie Maeght

Pouco tempo depois de chegar a Barcelona, Cabral escreveu um livro sobre Joan Miró [1893-1983] que fez muito sucesso na França [Joan Miró. Barcelona: Edicions de l’Oc, 1950. Tradução para o francês por Henri Moreu], onde foi publicado por uma galeria de Paris [Galerie Maeght]. Anos mais tarde, fui parar na mesma galeria, que também era a galeria de Miró.


Brasil e Catalunha

Cabral sempre nos falava e me incentivava a ir ao Brasil. Sempre me dizia: “Você precisa ir ao Brasil fazer uma exposição”, mas naquela época eu tinha medo de fazer uma viagem tão distante quanto essa. Também nada sabia sobre a situação cultural do Brasil. Depois soube que tinha um museu interessante e cheguei a expor alguns quadros com outros artistas catalães e espanhóis no Brasil, em uma missão artística espanhola.

João Cabral gostaria mesmo que tivéssemos ido viver no Brasil. Dizia que seria um país que nos estimularia muito. Falava da grande riqueza das diferentes culturas e que era um povo muito imaginativo. Tinha umas ideias muito concretas.

Mas aquela era uma época em que o importante para um artista era ter sucesso em Paris, então a meca dos artistas. Preferi ficar em Paris um tempo e, assim que pude, fui morar em Barcelona. Estou muito ligado, tenho raízes muito profundas em Barcelona.


Cabral – grande inteligência e sensibilidade

Guardo ainda lembranças de quando o conheci. Parece que ainda o vejo. Era uma pessoa muito frágil, mas, quando começava a falar, era muito convincente. Prendia a sua atenção e falava com grande inteligência e sensibilidade. Era um homem muito sensível para a poesia e para falar. Vejo Cabral como uma pessoa muito discreta. Não se exaltava muito, mas seus argumentos, ao contrário, eram muito convincentes. Com seus argumentos ele convencia com muita facilidade. Tinha o dom do discurso. Falava muito bem, mas sempre com muita calma e tranquilidade. Não se irritava nunca.


Leia a entrevista de João Cabral em Sibila 13


Entrevista inédita com João Cabral

João Cabral
O website Sibila vai, vez ou outra, publicar a revista Sibila em pdf. Lançamos agora o número 13, dedicado inteiramente a João Cabral de Melo Neto (1920-1999), em razão dos dez anos de sua morte.
Nas mais de 130 páginas que compõem este número, exclusivamente digital, o leitor poderá acompanhar o depoimento mais longo já concedido por João Cabral. Trata-se de sua última entrevista – um verdadeiro testamento –, concedida em 1999 a Bebeto Abrantes, diretor do documentário Recife/Sevilha – João Cabral de Melo Neto (2003). Realizada ao longo de cinco dias, as mais de quatro horas de gravação só agora foram transcritas e disponibilizadas na íntegra com exclusividade aos leitores de Sibila. No documentário, aparece apenas pequena parte do aqui ora se publica.Para essa tarefa, convidei Huendel Viana, que faz a apresentação detalhada do material, para a qual remeto o leitor. Temas como a infância no Recife, a relação com poetas, pintores e arquitetos – no Brasil e no exterior –, os primos Manuel Bandeira e Gilberto Freyre, as touradas e a dança flamenca, entre outros, são aqui abordados com extrema lucidez pelo autor de A educação pela pedra.
Deste modo, Sibila presta a mais justa homenagem a um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos. E, por outro lado, espera trazer à tona questões quase nunca debatidas pelos poetas de hoje, como a coerência e a sustentação de posições estéticas nada simpáticas ao mainstream brasileiro, sobretudo aquele que exclui os próprios atributos poéticos da poesia. Agradeço especialmente a Inez Cabral de Melo, que tornou possível este projeto, bem como a Lúcia Riff, que o autorizou.
Régis Bonvicino
14/08/09
 

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