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segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Carinhoso, com coral da platéia." Belíssimo Violão! Yamandú Costa


meu coração precisa saber de você!


Riachão - Sambista Atrevido



Riachão nasceu Clementino Rodrigues em Língua de Vaca, bairro do Garcia, em Salvador. O dia 14 de novembro de 1921 entra para a história da música baiana como o dia do nascimento de seu sambista mais representativo. Seu modo peculiar de compor tem características de crônica. Em suas letras, quase sempre irreverentes, desfila o povo baiano da antiga Salvador, com suas baianas de acarajé, seus malandros de terno branco e seus capoeiras atrevidos. O apelido ‘Riachão’, segundo o sambista revelou ao extinto jornal Diário de Notícias, o acompanha desde a infância: ‘Quando menino, eu gostava muito de brigar. Mal acabava uma peleja, já estava eu disputando outra. E aí chegavam os mais velhos para apartar, empregando aquele ditado popular: você é algum riachão que não se possa atravessar?’.





Sambista Atrevido

Desde os 9 anos de idade, Riachão já cantava nas serenatas ou nas batucadas do bairro do Garcia. Gostava de batucar em latas d’água. A primeira composição veio aos 12 anos, um samba sem título que dizia: ‘Eu seu que sou moleque, eu sei / conheço o meu proceder / deixe o dia raiar que a minha turma / é boa para batucar’.

Aos 23 anos, ingressa na Rádio Sociedade, onde canta com um trio vocal no programa de auditório ‘Show Pindorama’, da emissora de rádio Sociedade AM. O trio de Riachão interpretava de serestas à toadas sertanejas. Riachão não demora a romper com o trio e se apresentar sozinho – queria, na verdade, se dedicar apenas ao samba, sob forte inspiração de Dorival Caymmi.
Depois de Caymmi, por sinal, Riachão foi o primeiro compositor baiano a gravar no Rio de Janeiro, ainda na década de 50. As músicas foram ‘Meu Patrão’, ‘Saia’ e ‘Judas Traidor’, todas gravadas por Jackson do Pandeiro.



Ele opta por seguir o caminho do samba irreverente, compondo sambas bem-humorados como ‘Retrato da Bahia’ e ‘Bochechuda e Papuda’, ganhando o Troféu Gonzaga com essas músicas. Mais tarde foi gravado pelo cantor Eraldo Oliveira (‘A Nega não quer Nada’) e pela cantora Marinês (‘Terra Santa’).

Umbigão da Baleia

Entre 1948 e 1959, Riachão compos pérolas como ‘A Morte do Motorista da Praça da Sé’, ‘A Tartaruga’, ‘Visita da Rainha Elisabeth’ e ‘Incêndio no Mercado Modelo’, verdadeiras crônicas, escritas em linguagem popular e direta. Na década de 60, um fato inusitado acabou virando samba: uma baleia chamada ‘Moby Dicky’ veio ser exposta para visitação pública na Praça da Sé, causando imenso furor entre as crianças. Com o olhar do cronista, Riachão compos a ‘Umbigada da Baleia’. O senso quase jornalístico de Riachão também pode ser conferido no samba ‘A Morte do Alfaiate’, também dessa época.



Anos 70 e Registros Fonográficos

Apesar de reconhecido pela crítica e por grandes artistas da MPB, Riachão não consegue se inserir no mercado. Os shows são raros e são poucos os registros fonográficos (o único até então era o compacto de 78 rpm de ‘Umbigada da Baleia’, gravado nos anos 60). Por iniciativa de Paulo Lima e da gravadora Philips, em 75 ele grava um álbum reunindo a nata do samba baiano. O ‘Samba da Bahia’ traz, além de Riachão, os sambistas Batatinha e Panela. Entre os sambas gravados se destacam ‘Pitada de Tabaco’, ‘Ousado é Mosquito’ e ‘Até Amanhã’.


Caetano & Gil

Em 1972, Caetano Veloso e Gilberto Gil voltam do exílio em Londres. Em Salvador, pretendem escolher a música de um compositor baiano para marcar sua volta ao mercado fonográfico nacional. A escolhida foi ‘Cada Macaco no seu Galho’, de Riachão, que estourou nas rádios do País. Nos anos de chumbo da Ditadura Militar, Riachão tem um samba proibido pela Censura. A música se chamava ‘Barriga Vazia’ e a letra falava da fome: ‘Eu, de fome, vou morrer primeiro / você, de barriga, também vai morrer um dia’. A notícia da censura corre a cidade e, num show, no ICBA, em 1976, a platéia universitária exige que Riachão a cante. O público pede com tanto entusiasmo que os músicos começam a executá-la e Riachão se vê obrigado a cantar o samba, fato que repercutiu na imprensa como uma ‘provocação’ do sambista aos militares.


Sonho de Malandro e o Ostracismo

Em 1973 grava o álbum ‘Sonho de Malandro’, patrocinado pelo Desenbanco em comemoração aos 15 anos da empresa onde trabalhava desde 71. No disco, predominam os sambas maliciosos que também identificam a sua obra, temperados com metais, acordeon, flauta, coro de pastoras e até um regional de choro. Destacam-se as faixas ‘Quando o Galo Cantou’ e ‘Eu também Quero’, que relata o aparecimento do tíquete-refeição: ‘Essa turma que trabalha muito cedo/ vem a fome que faz medo/ e faz a barriga roncar/ vai no caixa compra tique/ pega tique/ leva o tique/ dá o tique/ para poder almoçar’. O disco, porém, não emplaca, vende pouco, é mal divulgado. E Riachão cai num relativo ostracismo artístico, se apresentando apenas para platéias universitárias, no Rio de Janeiro.

Novo Registro em 2000

Depois de um hiato de quase 20 anos, Riachão grava um CD somente em 2001, onde o sambista divide as faixas com nomes como Caetano Veloso (‘Vá Morar com o Diabo’) e Dona Ivone Lara (‘Até Amanhã’), entre outros. Todos os seus maiores sucessos são registrados.



Discografia

Samba da Bahia (Philipis – 1973) – com Batatinha e Panela
Sonho de Malandro (Tapecar – 1981)
Riachão (Caravelas – 2001)

Afronauta no Atlântico Negro

Poesia e musicalidade
Expressividade e gestualidade
Postura e estilo
Gingado e maneira de falar
Companheirismo e comunidade
Solidariedade e muitos sonhos
Criados aqui e alimentados lá
A herança africana cruzou o oceano
O Atlântico Sul e o Atlântico Norte
O Atlântico Negro surgiu
Da escravidão à diáspora
Da modernidade à pós modernidade
O significante negro marcou para sempre os novos tempos
 
 

 

O negro ontem e hoje

O problema do negro ontem e hoje: da Antropologia criminal ao toque do berimbau



Isac Coelho Sousa (1)

O chamado “Projeto UNESCO” – realizado nos anos de 1951 e 1952 – não apenas abriu um caminho novo no sentido de apontar um vasto e diversificado quadro das relações raciais no Brasil, mas possibilitou o surgimento de novas leituras, situadas na problemática, das grandes mudanças que ocorriam no interior da sociedade brasileira, que estava imersa em uma passagem acelerada da sociedade tradicional (ainda com resquícios coloniais, baseada na economia plantation-exportador) para o processo de modernização capitalista.
No sentido de apresentar ao mundo, o quadro das relações raciais no Brasil, julgada na época como harmônica e bem-sucedida (tanto interna quanto externamente), a investigação dessas pesquisas se nortearam pela realização de um contraponto, tendo em vista perceber como se davam essas interações raciais nos diferentes recantos do país. Com esse objetivo, foram realizadas investigações em regiões economicamente tradicionais, como o Nordeste, e em áreas alinhadas com o processo de modernização capitalista, como a região Sudeste, mais especificamente as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro.
As inúmeras pesquisas patrocinadas pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) também nos oferece uma oportunidade singular para analisarmos o desenvolvimento das Ciências Sociais no Brasil dos anos 50, observando as trajetórias intelectuais e sociais dos pesquisadores envolvidos (sejam eles nacionais ou estrangeiros), além de destacar o importante papel de disciplinas como Antropologia e Sociologia na elaboração destes projetos.
A eleição da cidade de São Paulo, escolhida enquanto universo empírico privilegiado (para análise das relações/convivência entre brancos e negros), como contraponto a Salvador, justifica-se por se tratar do primeiro núcleo urbano brasileiro, especificamente burguês, no qual estava totalmente difundida uma mentalidade de caráter notadamente mercantil “com seus corolários característicos: o afã do lucro e a ambição do poder pela riqueza. Pensava-se que o ‘trabalho livre’ e a ‘iniciativa individual’ e o ‘liberalismo econômico’ eram os ingredientes do ‘progresso’, a chave que iria permitir superar o ‘atraso do país’, propiciar a conquista dos foros de ‘nação civilizada’ pelo Brasil(2).
Um fator importante que o texto coloca foi a escolha da UNESCO pelo Brasil, como nação símbolo e exemplo a ser seguido pelo mundo, no tocante a uma democracia racial. Primeiro temos que analisar o contexto ao qual esteve inserida a fundação da UNESCO, e depois apontar o porquê desta escolha.
A fundação da UNESCO, na década de 50, foi uma resposta ao momento de profunda crise vivenciada pela civilização Ocidental – mais especificamente a Europa – numa época em que o mundo saía de uma guerra dilacerante (tanto em perdas humanas quanto estruturais), que teve suas batalhas ideológicas e militares, em grande parte justificadas pelo racismo, e que se corporificaram em sua conseqüência mais perversa, o Holocausto.
Dentro de uma perspectiva universalista e igualitária, a Unesco estimulou a “produção de conhecimento científico, a respeito do racismo, abordando as motivações, os efeitos e as possíveis formas de superação do fenômeno”(3), pois mesmo depois da queda de regimes totalitários (nazismo), a questão racial estava ainda em pauta, devido a persistência de regimes racistas como nos EUA e na África do Sul, e fatos importantes como o processo de descolonização Afro-asiático e a guerra fria entre soviéticos e americanos.
Nesse sentido, a recém-fundada UNESCO buscava um contraponto à Alemanha nazista de Hitler, que fosse exemplo para o mundo, ou seja, uma sociedade ímpar, (situada na periferia do mundo capitalista), em que as tensões étnico-raciais fossem mínimas, e que as raças convivessem de forma harmônica e cordial.
A tese de que o Brasil era símbolo desse contraponto, de uma nação onde reinava de fato a democracia racial, remonta aos antigos relatos de viajantes europeus, que ao cruzar nosso território no século XIX, ficaram surpresos com uma (suposta) convivência pacífica entre as diversas etnias (índios, negros e brancos e depois os imigrantes) que habitavam o Brasil. A imagem de que o Brasil era um “paraíso racial”, despertou muito o entusiasmo dos membros da UNESCO, que iniciaram e patrocinaram (com o objetivo de contrastar a experiência brasileira com a norte-americana e Sul-africana) uma série de estudos no intuito de apresentar ao mundo dados substanciais que comprovassem tal concepção.
A concepção do Brasil como ambiente harmônico de convivência entre as raças, contrastava com a versão pessimista, até então hegemônica, acerca da identidade nacional, que provinha dos receios das elites brasileiras (que devido à tardia abolição da escravidão e a proclamação da república, temiam que o Brasil se tornasse um novo Haiti), atribuíam os obstáculos da inserção do país na modernidade, à enorme contribuição africana e a intensa miscigenação, que marcaram visivelmente o compósito racial brasileiro.
A partir dos anos 20, o Brasil passou por uma série de transformações econômicas, políticas e sociais, que visavam implantar no país o processo de industrialização e o modelo de sociedade capitalista, com isso, surgiu o debate de se firmar uma versão oficial e definitiva acerca da identidade racial. Nesse sentido, o enfoque pessimista da contribuição de negros, índios e mestiços, foi substituído pela visão otimista (que teve em Gilberto Freyre seu expoente máximo) que identificava na experiência brasileira, traços de harmonia e tolerâncias entre as raças.
A idéia de que no Brasil havia apenas o preconceito de classe, e de que o preconceito racial seria apenas mais um elemento da desigualdade social, remonta aos inúmeros estudos realizados por norte-americanos e brasileiros, anteriores a década de 50, que apontavam o Brasil como sendo um caso diferente na conjuntura mundial, portador de um grande potencial democrático, ou ainda, nas palavras de Arthur Ramos “um laboratório de civilização”.
Antes mesmo de se tornar diretor do Departamento de Ciências Sociais da Unesco, Arthur Ramos já se mostrava em consonância com as crescentes preocupações da instituição internacional, em relação ao Racismo, e as dificuldades de ordem socioeconômicas que eram latentes nos países subdesenvolvidos. Nesse sentido Arthur Ramos julgava necessário (antes do projeto Unesco em 50) a implementação de estudos acerca da integração dos grupos indígenas e negros ao mundo moderno, em conjunto ao programa de erradicação do analfabetismo, já existente, e implementado pela Unesco em parceria com o governo Brasileiro.
As representações do negro nos discursos do séc. XIX nos remete à forma como a ciência estava se construindo como corpo sistematizado dentro da nossa cultura; e dentro desse ínterim temos o Doutor Nina Rodrigues como a imagem dessa ciência que se construía vendo o negro como objeto de estudo, como se fazia com a biologia animal, a zoologia, etc. O negro como “problemática” do ramo da Antropologia criminal levaria a uma enorme contribuição e alçaria o vôo desses estudos considerados relativamente novos nessa época. Essa contribuição seria mais acentuada principalmente pela necessidade de classificação dos tipos criminosos e a busca de razões genéticas através das características fenotípicas. Para isso era preciso que se preservasse todo e qualquer documento sobre a escravidão, necessários à construção de quadros classificatórios que viriam a contribuir na formação de uma identidade brasileira.
Esse rápido olhar sobre o trabalho de Nina Rodrigues nos faz pensar sobre a maneira como no século XIX a sociedade brasileira via no negro, e uma análise dos trabalhos feitos pela Unesco no seu projeto de se debruçar sobre pesquisas feitas no Brasil nos remete a algumas questões: a primeira delas é que os estudos sobre o negro têm ou teve na Bahia um local privilegiado por causa da imensa quantidade de negros concentrados principalmente no recôncavo e região metropolitana. Em segundo lugar, esses estudos criaram a imagem de uma Bahia onde as distinções raciais eram amenizadas por uma ausência de preocupação quanto à identidade racial, pois segundo os trabalhos de Métraux a Bahia era uma terra de mestiçagem muito acentuada e a seu ver prevalecem os problemas de natureza social. Em terceiro lugar, as experiências de miscigenação em São Paulo e no Rio de Janeiro, por serem muito diferentes da baiana servem como contraponto essencial desses estudos, pois, nesses estados, a experiência de miscigenação é bem menos acentuada em contrastes com o alto desenvolvimento econômico, o que acentuaria ainda mais as diferenças raciais nesses estados.
Envoltos nessa atmosfera dos trabalhos de sociologia que despontava como uma ciência em construção, principalmente no sudeste, esses homens se posicionaram muitas vezes como a vanguarda conscientizadora e libertadora dos “leigos”, que dificultavam o surgimento de uma mentalidade de novo tipo capaz de canalizar esforços na direção de uma sociedade industrial democrática tanto em termos políticos quanto sociais. Seria função do sociólogo, segundo Florestan Fernandes, desvendar os fundamentos da estrutura social, no intuito de indicar os mecanismos de reprodução do racismo (Fernandes, 1960, p. 11).
Fazendo uma ponte entre esses projetos de agências internacionais e o ponto em que temos a Bahia como lugar privilegiado para esses estudos, além da presença histórica da Faculdade de Medicina da Bahia com seu ilustre representante Dr. Raymundo Nina Rodrigues, temos historicamente uma distinção abertamente racista dos antigos e novos médicos eugenistas baianos, não só na Faculdade de Medicina, como em toda a elite baiana (que faz parte elite intelectual), que sentem uma forte ameaça, do movimento negro e da abertura das cotas. Esta tradição racista estava simplesmente recalcada e o que o Prof. Natalino Dantas fez, dois séculos depois do seu colega legista, foi, acima de tudo, um favor de nos lembrar de forma abrupta e aberta que o racismo existe e que de tempos em tempos a elite, a própria elite racista tem que nos acordar todos do torpor que é o eco da reafirmação histórica do mito “democracia racial”. Temos ainda, só a título de ilustração, matéria publicada no A Tarde(4), onde o psiquiatra Luiz Fernando Pedroso afirma, dentre outras coisas, que “ a criminalidade, em boa parte, é um problema de saúde”, e pérolas como “Entre as pessoas ricas ou pobres há os que têm a natureza boa e os que têm a natureza ruim”. Essas afirmações nos fazem refletir até que ponto podemos dizer que a Antropologia Criminal, que relacionava medições dos crânios dos criminosos mortos com índices de criminalidade está distante da “consciência” médica existente no corpo acadêmico do século XXI?. A população de baixa renda é quem mais sabe dessas tradições “acadêmicas” de longa data, mesmo sem grandes estudos “acadêmicos”, ou a tutela de um instituto de pesquisa para dar ares de verdade. Para provar isso basta perguntar a um usuário do SUS o tratamento respeitoso, animoso, cordial, simpático, profissional, gentil, amistoso, dentre outros adjetivos que ele(a) recebe ao entrar num consultório de um médico baiano, ou mesmo ser atendido por um numa situação emergencial. Abaixo à hipocrisia! A classe médica e a área de saúde genericamente, salvo exceções, é elitista e formada pela elite de cada estado desse país. O estudante rico que entra na área de saúde já odiava atender pobre e preto na sua residência, mas estudar lado a lado com um é demais, a reação demorou, mas está acontecendo, já era hora! Que venham mais dessas confissões abertas e preparemo-nos.
1- Isac Coelho Sousa é graduado em História pela Universidade Estadual de Feira de Santana e colabora com a Soteropolitanos.
2- ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. Dilemas do Brasil Moderno: A Questão Racial na Obra de Florestan Fernandes. Idéias, Campinas, 4 (1/2):43-58, jan/dez.,1997. Pág. 44.
3- MAIO, Marcos Chor. O Projeto UNESCO e a Agenda das Ciências Sociais no Brasil dos Anos 40 e 50. Pág.143.
4- “Sociedade perdoa, no lugar de reprimir o delinqüente”. A Tarde, 26/3/2007; Bahia e Salvador.

Mães de santo

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por Agnes Mariano

Mesmo antes de chegar ao Brasil como escravas, elas já conheciam a violência da guerra entre povos africanos vizinhos, que vendiam aos traficantes portugueses os prisioneiros vencidos. Mas elas nunca conheceram o medo. Na África, as mulheres yorubás participavam do conselho dos ministros, tinham organizações próprias e chegaram a liderar um intenso comércio que incluía rotas internacionais. Foi por isso que, na Bahia do início do século XIX, elas conseguiram o que parecia impossível: deram à luz uma organização religiosa que conciliava tradições de diferentes povos, resistindo à miséria da escravidão e à perseguição policial. No candomblé, com diplomacia, inteligência e fé, elas reuniram todos os elementos necessários para garantir ânimo e auto-estima ao seu povo. O título que receberam expressa bem o misto de liderança religiosa, chefia política e poder terapêutico que exercem: mães-de-santo.
Contam os antropólogos, como o professor e ogã suspenso do terreiro da Casa Branca Ordep Serra, que não há registros da existência efetiva do matriarcado em nenhuma sociedade. Ainda que tudo não passe de uma lenda criada por sonhadores, experiências como a do candomblé baiano deixam entrever como seria o mundo governado por mulheres. A liderança feminina nessa tradição religiosa, explica Maria Stella de Azevedo, a Mãe Stella de Oxóssi do Ilê Axé Opô Afonjá, vem de um simples fato: as pioneiras do candomblé, princesas africanas que vieram para a Bahia em fins do século XVIII, criaram o princípio de que as suas casas religiosas só poderiam ser lideradas por mulheres. Uma tradição mantida até hoje nos terreiros mais antigos, como a Casa Branca, o Alaketu, o Gantois, o Afonjá e o Cobre.
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Inteligência, energia, generosidade, iniciativa, conhecimento litúrgico. Cada um dá a sua lista de qualidades indispensáveis para que uma mulher se torne uma mãe-de-santo ou yalorixá. O certo é que a tarefa é repleta de responsabilidades e sacrifícios, mas, se desempenhada com competência, traz a possibilidade de mudar a realidade das pessoas que a cercam. Não é à toa, então, que tantas mães e pais-de-santo, como Mãe Senhora, Mãe Aninha e Mãe Menininha do Gantois, gozam de grande prestígio, sendo recebidos e visitados por políticos, artistas e intelectuais de todo o mundo. A escravidão, a pobreza, a perseguição, as surras e as prisões não foram suficientes para diminuir a altivez, o espírito empreendedor e a sabedoria dessas pessoas.
Segundo Mãe Stella, todo terreiro é, em princípio, uma família, porque é uma família espiritual. Como elo maior que une a todos, a busca de contato com os elementos que nutrem a vida de todos os seres vivos: a força dos ventos, do fogo, das matas, da terra, das pedras, das águas. “Os orixás são simbolizados pelas forças naturais, que são coisas que não têm sexo. O vento tem sexo? Qual é o sexo do vento, apesar de simbolizar o orixá chamado Iansã? O espiritual não tem sexo, não tem raça, nada disso”, define Mãe Stella. Mas outros aspectos da vida também são contemplados na comunidade religiosa: apoio financeiro, moradia, criação de escolas, bibliotecas, museus, grupos de estudo, cursos profissionalizantes, assistência à saúde. Assim, aqueles que exercitam os seus direitos e deveres para com a comunidade podem se considerar membros de uma família e, de fato, filhos e irmãos-de-santo.

Sigam lendo em:  http://soteropolitanosculturaafro.wordpress.com/2007/11/08/maes-de-santo/

O que é macumba?

Tudo o que você gostaria de saber sobre macumba e nunca teve coragem de perguntar


CULTURA AFRO-BRASILEIRA

Foto por Divulgação
Pintura de Heitor Prazeres que integra o Acervo Inicial do Muncab

O Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira, o primeiro museu federal neste segmento, será aberto ao público baiano no dia 13 de novembro, como parte das comemorações pelo Dia Nacional da Consciência Negra. Pelo menos dois andares do prédio neoclássico do antigo Tesouro do Estado, no Centro Histórico, sede do museu, serão ocupados por três grandes exposições, todas elas sob a curadoria de Emanuel Araújo, diretor do Museu Afro-Brasil (SP). A primeira é a “Coleção Inicial do Muncab “, que abrange cerca de 260 obras relacionadas com a ancestralidade africana e a contemporaneidade, adquiridas como primeiro acervo do museu. Além disso, a mostra será integrada por uma seleta de fotografias do antropólogo francês Pierre Verger e uma coleção de peças de origem africana pertencente ao acervo do artista plástico argentino-baiano Carybé.
A segunda mostra, intitulada “O Escultor do Sagrado”, homenageia o renomado escultor baiano Mestre Didi, que está completando 94 anos, reunindo cerca de 70 peças de sua produção. Finalmente, a terceira exposição, intitulada “Nós, os Afrodescendentes”, será inaugurada no dia 17 de novembro, abrangendo fotografias de personalidades brasileiras de origem africana, entre os quais Teodoro Sampaio, Luiz Anselmo, Juliano Moreira e Luiz Gama. Esta mostra celebra o encerramento do Ano Internacional dos Povos Afro Descendentes, instituído pela Onu em 2011, e terá como grande homenageado o Monsenhor Gaspar Sadock.
As três exposições, apesar de diferentes na proposta, têm em comum a ênfase na valorização e difusão de aspectos da cultura negra, destacando a sua influência sobre a cultura brasileira. Através de documentos, fotografias, arte religiosa, esculturas, pinturas, ourivesaria e arte contemporânea de diversos artistas nacionais e estrangeiros, o Muncab consolida, assim, a sua preocupação em colaborar para a construção de um lastro cultural africano na Bahia e no Brasil.
Projeto de afirmação cultural
A abertura do Museu Nacional de Cultura Afro Brasileira no dia 13 de novembro vem coroar um processo iniciado em 2007 com as obras de restauração do prédio do antigo Tesouro, localizado no Centro Histórico, nas imediações da Igreja D’Ajuda. Em 2009, ainda em obras, o Muncab realizou a sua primeira exposição: “O Benin Está Vivo e Ainda Lá” . Sucesso de público – foi vista por cerca de 10 mil pessoas – a mostra ajudou a definir o papel do Muncab como referência cultural no cenário afro-brasileiro .
A ideia do projeto, como explica José Carlos Capinan, coordenador do Muncab (que é uma iniciativa da Amafro- Associação dos Amigos da Cultura Afro-Brasileira), é fazer do museu um verdadeiro centro de referência da herança cultural africana. Enquanto as exposições temporárias enfocarão o trabalho de artistas ligados à universo da afro-brasilidade, o acervo da casa será dividido em módulos, privilegiando desde a estética negra à religiosidade afro-brasileira, passando pelas contribuições africanas à língua brasileira e personalidades negras.
Por sua vez, Emanuel Araujo destaca a unidade existente entre as exposições das quais é o curador: “De certa forma, elas obedecem ao perfil condutor do próprio museu, contextualizando o objetivo a que a casa se propõe: contribuir para fortalecimento dos laços entre a Bahia e a Africa”.
O custo total do projeto de construção e funcionamento do Museu está orçado em R$22 milhões. Esse montante compreende a reforma total do prédio, projeto museológico e o início de uma programação de exposições permanentes e temporárias. Nem todo o orçamento foi ainda captado, mas o museu optou em continuar a captação, visando a sua conclusão total, mantendo-se já em funcionamento.