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sábado, 19 de janeiro de 2013

Persona & Labirinto de Um Homem Indignado




Walmor Chagas (28 August 1931 – 18 January 2013)
 
 
Capítulo I

Persona

& Labirinto de Um Homem Indignado

Sou um ator de teatro eternamente à procura de um personagem cinematográfico
que nunca chegou. E, enquanto Godot não chega, se distrai e ganha a vida com
alguns maravilhosos personagens que o teatro ainda oferece.



(trecho de

Um Homem Indignado)
Um homem ensimesmado, que num meio-tom de olhar parece nos dizer que sabe
tudo, do mundo, de todos.
Walmor Chagas, mesmo sem o cinema, construirá uma

persona que é típica do ator
cinematográfico, de um cinema que tanto buscou, que não lhe foi fiel. Cercado
pelo esplendor da era cinematográfica do século 20, jovem em Porto Alegre, jovem
aspirante a ator em São Paulo, Walmor Chagas sabe-se ator de cinema, estrela de
cinema – isto sem contar que o cinema com que sonha simplesmente jamais existiu
no Brasil.
Desde que surgiu em São Paulo, em 1953, Walmor Chagas consegue forjar sua

persona:
um tipo

cara-intelectivo, capaz de transmitir através do olhar pensativo a sensação
e a idéia de poder. Pode conhecer todo o presente, o passado e o futuro dos
acontecimentos ao seu redor. Trata-se de um penseroso perturbador, capaz de desvendar
a alma do outro e os fatos.
De exprimir o indizível.
Homem belo, num tempo em que isso era ainda uma raridade social e étnica no
Brasil, sabe de imediato localizar e construir a identidade de seu carisma. Inteligente
e culto, encontraria no auge do Teatro Brasileiro de Comédia, o lendário TBC, a
transposição daquele almejado universo cinematográfico do século 20. As encenações
do TBC – e não os filmes da Vera Cruz – correspondiam exatamente ao anseio
de um Brasil cosmopolita, industrializado, sincronizado com a vanguarda cultural
do Ocidente.
Por definição, uma

estrela tem sua própria identidade: uma persona cinematográfica
perfeitamente identificável. Que está intrinsecamente presente durante e para
além de um filme particular em que atua. Por cinco décadas de carreira – para resumir
no mínimo – brilhante, Walmor Chagas pairou sua

filme-persona, estelar, acima
de todos – mesmo sem o cinema...
Walmor Chagas cria uma

persona tão racional quanto angustiada. E, justamente
porque este introspectivo e meditativo

homem-intelecto desvenda o destino – é
destino seu que se afaste do mundo. Compreende todas as fraquezas e subjuga-as
– o que faz com que despreze o

cul-de-sac humano até a náusea.
Persona


cerebral, talentosamente colocada a serviço de encontrar todas as matizes,
jamais obliterando os meio-tons, que possam expressar e revelar os personagens
que encarna, Walmor Chagas só pode parecer pairar em plano de superioridade

Mete medo e exerce fascínio em cena, atraindo para si o repúdio invejoso ou o estado

de veneração hipnótica.

Contendo as emoções, entretanto, transmite a sensação do sofrimento de sua sensibilidade

aguda, da percepção do desastre do mundo, sem deixar-se nunca levar por

auto-indulgência. É no olhar, como nos deuses gregos das esculturas clássicas, que

Walmor Chagas revela-nos o turbilhão da alma, o labirinto.

Ele é contenção e êxtase, beleza irrepreensivelmente clássica. Por isso a

persona,

que escolheu como ator, o coloca num patamar de modernidade só comparável ao

da atriz que lhe foi cúmplice em tudo, em cena e na vida, Cacilda Becker. No Brasil,

como ator, é o símbolo máximo da matriz ocidental – não só do comediante, mas da

cultura que encarna. Daí sua indignação. E perenidade.



Walmor Chagas

Ensaio Aberto para
Um Homem Indignado


Djalma Limongi Batista


Contém o texto integral do espetáculo

Walmor Chagas, Um Homem Indignado
São Paulo, 2008

http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=25228608581732116#editor/target=post;postID=851927098327496447


 

O louco do porão

Há um século nascia em Zurique o compositor e visionário Anton Walter Smetak, guru dos tropicalistas e mestre da música brasileira moderna.

Jotabê Medeiros
 
Cruzava as ruas de Salvador a bordo de uma velha motocicleta BMW preta que ele chamava de "prostituta da Babilônia". Enrolava o próprio cigarro artesanal, vestia roupas amassadas e tinha a fama de um amalucado Professor Pardal. Exilado da barbárie nazista, o compositor, músico, filósofo, poeta, artista plástico, cientista e dramaturgo suíço Walter Smetak (1913-1984) adotou a indeterminação dos trópicos como regra para um experimentalismo sonoro cujo alcance é, ainda hoje, imenso.
Várias gerações de músicos brasileiros foram influenciadas por Smetak - Divulgação
 
Várias gerações de músicos brasileiros foram influenciadas por Smetak

"Falar sobre música é uma besteira, mas executá-la é loucura", dizia o compositor. Este ano, celebra-se um século do seu nascimento em Zurique, em 12 de fevereiro de 1913 (morreria na Salvador que consagrou como moradia em 30 de maio de 1984), filho do músico Anton e da cigana Frederica Smetak. Sua influência se reflete na música brasileira por meio de gerações diferentes, de Tom Zé ao grupo Uakti, chegando até Lucas Santtana.
Trabalhando num porão da faculdade, o que lhe valeu curioso apelido, ele se tornou mestre e baliza dos tropicalistas. Caetano Veloso o menciona de forma elíptica em uma música de 1972, Épico. "Smetak, Smetak & Muzak & Smetak & Muzak & Smetak & Muzak & Razão". Legou dezenas de livros, centenas de composições, três peças teatrais. Nada do que produziu, em música, está disponível comercialmente. Seu primeiro disco, Smetak, foi gravado em 1974. O segundo, Interregno, em 1980. "Sou como a própria natureza, crio em abundância, presenteio os homens e as mulheres, e prefiro não cobrar nada", disse ele.
"Concluí que era preferível me envolver com a desordem e a liberalidade dos trópicos do que submeter-me às misérias europeias semeadas por Adolf Hitler", afirmou ele, sobre a decisão de estabelecer-se no Brasil.
Smetak não era um vanguardista temporão. Estava trabalhando em suas revoluções em momento histórico simultâneo ao de diversos outros expoentes da experimentação pelo mundo afora, como John Cage e Pierre Boulez. No final dos anos 1940, em Paris, Pierre Schaeffer tinha divulgado seus Études de Bruits (Estudos de Barulhos), uma sinfonia eletrônica que consistia em chiados, ruídos e apitos de seis locomotivas que ele tinha gravado na estação de Batignolles.
"A percepção audível do ser humano vai muito mais além do que a ínfima parte que pode ser computada, tanto para os graves como para os agudos", dizia Smetak. "A música deve representar o próprio silêncio, mas não aquele silêncio que existe como ausência do som. Como não é possível suprimir o silêncio, só a música pode substituí-lo", afirmava.
Um de seus mais afetuosos discípulos foi Gilberto Gil, que se lembra de chamá-lo de Tak, Tak. Quando ministro, Gil visitou uma exposição do artista e chegou a tocar um dos seus instrumentos. "Smetak me dava a sensação de um misto de cientista louco e Papai Noel de província; misto de chefe religioso severo e ameaçador, e velho manso conselheiro de farta cabeleira branca e porta sempre aberta aos curiosos do Antique e do Mistério", disse Gil.
"A obra de Smetak explora a curiosidade na arte, quando mostra tanto esboços de novos instrumentos quanto esculturas que apenas sugerem sons", disse em 2008 o músico Arto Lindsay, que foi curador de uma mostra sobre o artista no Museu de Arte Moderna de Salvador.
A ida de Walter Smetak a Salvador deu-se num momento de rara ousadia nas políticas de cultura brasileiras. Instados pelo reitor Edgard Santos, a universidade federal da capital baiana tornou-se, nos anos 1950, polo de vanguarda cultural, abraçando as contribuições do português Agostinho da Silva no Centro de Estudos Afro-Orientais; de Eros Martim Gonçalves na Escola de Teatro; de Hans Joachim Koellreuter, Smetak e Ernest Widmer no Seminário Livre de Música; e de Yanka Rudzka e Rolf Gelewsky, na Escola de Dança.
Além destes, o esforço de avant-garde se consolidaria com nomes como os da arquiteta italiana Lina Bo Bardi, o etnólogo francês Pierre Verger, o artista plástico argentino Carybé, entre outros. "Claro que, ao implantar um programa cultural de caráter tão vanguardista, Edgard Santos ganhou adversários e desafetos a granel. Além da esquerda mais populista, os próprios alunos das escolas ligadas às áreas científicas reclamavam da suposta predileção do reitor por escolas de arte", escreveu Carlos Calado em Tropicália, a História de uma Revolução Musical (Editora 34, 1997).
http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,o-louco-do-porao,986022,0.htm