Walmor Chagas (28 August 1931 – 18 January 2013)
Capítulo I
Persona
& Labirinto de Um Homem Indignado
Sou um ator de teatro eternamente à procura de um personagem cinematográfico
que nunca chegou. E, enquanto Godot não chega, se distrai e ganha a vida com
alguns maravilhosos personagens que o teatro ainda oferece.
(trecho de
Um Homem Indignado)
Um homem ensimesmado, que num meio-tom de olhar parece nos dizer que sabe
tudo, do mundo, de todos.
Walmor Chagas, mesmo sem o cinema, construirá uma
persona que é típica do ator
cinematográfico, de um cinema que tanto buscou, que não lhe foi fiel. Cercado
pelo esplendor da era cinematográfica do século 20, jovem em Porto Alegre, jovem
aspirante a ator em São Paulo, Walmor Chagas sabe-se ator de cinema, estrela de
cinema – isto sem contar que o cinema com que sonha simplesmente jamais existiu
no Brasil.
Desde que surgiu em São Paulo, em 1953, Walmor Chagas consegue forjar sua
persona:
um tipo
cara-intelectivo, capaz de transmitir através do olhar pensativo a sensação
e a idéia de poder. Pode conhecer todo o presente, o passado e o futuro dos
acontecimentos ao seu redor. Trata-se de um penseroso perturbador, capaz de desvendar
a alma do outro e os fatos.
De exprimir o indizível.
Homem belo, num tempo em que isso era ainda uma raridade social e étnica no
Brasil, sabe de imediato localizar e construir a identidade de seu carisma. Inteligente
e culto, encontraria no auge do Teatro Brasileiro de Comédia, o lendário TBC, a
transposição daquele almejado universo cinematográfico do século 20. As encenações
do TBC – e não os filmes da Vera Cruz – correspondiam exatamente ao anseio
de um Brasil cosmopolita, industrializado, sincronizado com a vanguarda cultural
do Ocidente.
Por definição, uma
estrela tem sua própria identidade: uma persona cinematográfica
perfeitamente identificável. Que está intrinsecamente presente durante e para
além de um filme particular em que atua. Por cinco décadas de carreira – para resumir
no mínimo – brilhante, Walmor Chagas pairou sua
filme-persona, estelar, acima
de todos – mesmo sem o cinema...
Walmor Chagas cria uma
persona tão racional quanto angustiada. E, justamente
porque este introspectivo e meditativo
homem-intelecto desvenda o destino – é
destino seu que se afaste do mundo. Compreende todas as fraquezas e subjuga-as
– o que faz com que despreze o
cul-de-sac humano até a náusea.
Persona
cerebral, talentosamente colocada a serviço de encontrar todas as matizes,
jamais obliterando os meio-tons, que possam expressar e revelar os personagens
Mete medo e exerce fascínio em cena, atraindo para si o repúdio invejoso ou o estado
de veneração hipnótica.
Contendo as emoções, entretanto, transmite a sensação do sofrimento de sua sensibilidade
aguda, da percepção do desastre do mundo, sem deixar-se nunca levar por
auto-indulgência. É no olhar, como nos deuses gregos das esculturas clássicas, que
Walmor Chagas revela-nos o turbilhão da alma, o labirinto.
Ele é contenção e êxtase, beleza irrepreensivelmente clássica. Por isso a
persona,
que escolheu como ator, o coloca num patamar de modernidade só comparável ao
da atriz que lhe foi cúmplice em tudo, em cena e na vida, Cacilda Becker. No Brasil,
como ator, é o símbolo máximo da matriz ocidental – não só do comediante, mas da
cultura que encarna. Daí sua indignação. E perenidade.
Walmor Chagas
Ensaio Aberto para
Um Homem Indignado
Djalma Limongi Batista
Contém o texto integral do espetáculo
Walmor Chagas, Um Homem Indignado
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