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domingo, 21 de julho de 2013

FRANK SINATRA - LOVE'S BEEN GOOD TO ME



A ROUPA PARA DORMIR QUE NOS ACORDA




Arte de Isabelle Tuchband


A mulher mais sexy não dorme de baby doll.

Não dorme de camisola.

Não dorme de pijama.

Não é a que dorme nua tampouco.

É a que dorme com as roupas emprestadas de seu homem. Aquela que veste sua camiseta.

Você vê sua roupa nela e fica com vontade de botar no dia seguinte, deseja levar o perfume futuro adentro. Você lembrará dela ao escolher o que vestir de manhã, não somente ao se despir de noite.

É uma armadilha para a dependência. Para criar vínculo e intimidade.

A mulher que dorme com sua roupa devolverá a crença do sexo no casamento e o gosto pela rotina, além de ser uma prova incontestável de beleza. Pois, apesar de seu traje, ela permanece linda. Nem as medidas masculinas estragam sua volúpia. Ela transforma a camiseta larga em um vestido curto, sofisticando a simplicidade.

A mulher fatal não é a que encarna figurino de sex shop, que está armada para o crime.

A mulher fatal não é a que realiza espetáculo e pole dance.

A mulher fatal não será previsível com rendas e cinta-liga, não aparecerá rebolando com chicote e algemas.

A mulher fatal é absolutamente caseira. Ela disfarça seu desejo, não entrega sua intenção de imediato.

Jamais imaginará que terá sexo com alguém que colocou sua camiseta.

Mas ela engana para impressionar, é uma pureza que excita, uma ingenuidade que desconcerta.

Com a despretensão de uma peça emprestada, ela não segue roteiro, faz com que a transa seja inesperada.

Você cogitará que ela quer apenas dormir, mas ela acordará seus instintos selvagens.

É um golpe de estado. Uma impressionante virada de mesa. Na verdade, uma virada de cama.

A mulher que toma sua roupa para dormir arma um ataque caseiro, uma invasão camuflada. Finge que não se interessa para assumir o controle da situação.

Uma mulher que pega sua roupa para dormir irá enlouquecê-lo (o que é mais sensual do que o improviso?).

Ela vai dizendo nas entrelinhas: “Enquanto não tenho seu corpo, uso sua roupa”.

Não existe cena mais encantadora do que uma mulher que rouba sua roupa para dormir. É o começo de todos os saques. Roubará sua vida dali por diante.

Fabrício Carpinejar

Publicado no jornal Zero Hora
Coluna semanal, Revista Donna, p. 6
Porto Alegre (RS), 21/07/2013 Edição N° 17498

A dor dos brasileiros calados, na visão de Pedro Nava


O médico, escritor e poeta mineiro Pedro da Silva Nava (1903-1984), no poema “Toadas Para Meu Irmão”, expressa a dor dos brasileiros calados.



TOADAS PARA MEU IRMÃO
Pedro Nava

Nem eu posso esconder
que esta noite fina assim
seja a mesma noite assu
que assombra Taquarassu!

Que seja a mesma noite densa
soturno enorme abajada
escondendo o sofrimento
dos brasileiros calados!

Mas fosse a noite maior
mais densa, mais abajada
mesmo assim seria fraca
e se deixaria varar
pela ternura que eu mando
voando com a força do vento
- Meu pensamento rasgando
o assombro da noite assu
vai velar sono cansado
dos brasileiros calados…

O sono tão sossegado
de um brasileiro cansado
dormindo na noite assu
que esmaga Taquarassu!

Da cidade outro poeta
quer a distância varar
pra ver o sono do irmão
seu descanso proteger!

Dorme teu sono José (…)

Meu pensamento voando
nesta noite fina assim
vai fugindo da cidade
desgarra sertão afora
pra vigiar bem de perto
o doce sono sossegado
dum brasileiro calado!

Te beijo de leve nos olhos
te beijo de leve na face
te beijo o cabelo inteirinho
te beijo no coração…

Brasileiro sossegado
dorme teu sono calado…

Dorme teu sono José…
E me perdoa, meu Mano
se eu não posso cantar
cantos mansos pro teu sono!
Quem me dera, mas não posso!
Pois na noite da cidade
Só de pensar no teu sono,
as veias ficaram doendo
O corpo todo sem jeito
fiquei esquisito, palavra!
Coração no peito calado…
Que dor nos nervos senti
de não ter voz pra falar
(o coração no peito calado)
de não ter choro pra chorar
de palavra não achar,
dor(i)da boa sincera

como aquela comovida
achada por Mário de Andrade
(aquela tão comovida)
que acalantou de São Paulo
o brasileiro do Acre…
Te beijo o cabelo inteirinho
te beijo no coração…

Descansa na noite mansa
descansa, Mano, descansa…

O suicídio anunciado de Pedro Nava



HUMBERTO WERNECK - O Estado de S.Paulo


Tanto tempo depois de Pedro Nava disparar um tiro contra a própria cabeça, aos 80 anos de idade, tenho hoje poucas dúvidas de que o grande escritor mineiro há muito caminhava para se matar. Se não fisicamente (como fez naquela noite, 13 de maio de 1984, arriado num banco sob um oitizeiro quase em frente à sua casa, no Rio), ao menos literariamente Nava teria decidido abreviar o fim.

Não vou dizer que eu desconfiava disso quando, um ano antes, passei alguns dias conversando com ele, em seu apartamento na rua da Glória, para escrever na IstoÉ um perfil do memorialista às vésperas de completar 80 anos. Hoje vejo que poderia, deveria ter desconfiado, tantas eram as evidências. Estavam numas enigmáticas entrelinhas de nossa conversa, quando, enfático, Nava deplorava a erosão do corpo na velhice e insistia no esplendor da juventude e no primado do amor físico. Estavam sobretudo nas 2.500 páginas dos seis volumes de memórias que ele publicou em vida. Depois de sua morte, voltei aos livros - e tudo então me pareceu transparente.

"Sou um suicidário", chegou a dizer Nava, pela boca de um personagem de O Círio Perfeito, saído cinco meses antes da tragédia. "O calvário para o suicida é arranjar o revólver, providenciar o veneno, pendurar a corda no gancho, sentar-se no peitoril da janela." Naqueles dias em que o entrevistei, estive também, para falar sobre ele, com Afonso Arinos de Melo Franco, seu amigo de vida inteira, e o ex-senador me contou que Nava, certa vez, o demovera da ideia de matar-se. Saiu levando a arma - cuja lembrança, um ano mais tarde, me veio instantaneamente, ao saber do suicídio. (Mas não, não foi com o trabuco de Afonso Arinos que Pedro Nava escoiceou as têmporas, e sim com um Taurus calibre 32, comprado em 1980.)

A revelação de que o escritor se matou porque estava sendo chantageado por um garoto de programa - circunstância que a imprensa descobriu no ato, mas sobre a qual silenciou por anos, até que Zuenir Ventura escancarasse aquele mau momento do nosso jornalismo num memorável capítulo de Minhas Histórias dos Outros - veio jogar luzes sobre a trajetória de Nava rumo a um silêncio sem apelo.

Quem conhece a extraordinária sensualidade de sua prosa pode se indagar se o memorialista, ao desfiá-la, não enveredou, ou se viu arrastado, por aquele "desregramento sistemático de todos os sentidos", capaz, disse Arthur Rimbaud, de fazer do poeta um vidente. Não é descabido imaginar que Nava, ao se contar, tenha se aproximado por demais de algo que havia nele desde sempre, muito bem guardado, e que por inconfessável não deveria subir à tona, mas que ainda assim foi emergindo, inelutavelmente, até se converter, chegado à superfície, na fogueira que o consumiria.

Nos quatro primeiros volumes de suas memórias - Baú de Ossos, Balão Cativo, Chão de Ferro e Beira-Mar -, Pedro Nava está na primeira pessoa. A partir de Galo-das-Trevas, em que as sombras já estão no título, ele se refugia num alter ego, José Egon Barros da Cunha, protagonista também do sexto volume, O Círio Perfeito e das poucas páginas de Cera das Almas, em que trabalhava quando se matou.

Nas linhas finais de O Círio Perfeito, Nava chegou à beira de uma radical revelação: ao descobrir que o Egon flagrara, certa madrugada, seus amores masculinos, o misterioso e fascinante amigo Comendador entrega os pontos - e se dispõe a contar: "Agora escuta". Cera das Almas não retoma a narrativa nesse ponto, mas não tarda a enveredar pela descrição naturalista de um corpo de macho em que arde "a arrogância floral dos genitais".

Penso na sugestão crepuscular dos títulos dos três últimos livros: um candelabro cujas 13 velas vão se apagando uma a uma, um círio integralmente consumido e aquilo que restou de sua combustão. Com ou sem revelação, pareciam fechar-se os horizontes: difícil supor que depois disso algo estivesse por vir - embora as memórias mal houvessem entrado na década de 30, faltando ainda meio século para o momento em que eram escritas. Físico ou literário, ou ambos, era o silêncio final a se precipitar.

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-suicidio-anunciado--de-pedro-nava-,1055754,0.htm