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quarta-feira, 4 de setembro de 2013

candomblé - religião autenticamente afro-brasileira








Inquices, voduns e orixás vieram junto com os africanos que desembarcaram na América. Mas, aqui, grupos étnicos estavam em contato, vivendo juntos. Dessa proximidade, surgiu um religião autenticamente afro-brasileira, onde convivem divindades e ritos de diferentes tradições. Foram surgindo assim, de forma disfarçada, para driblar a severa perseguição, os candomblés de angola, jejes e nagôs. Casas religiosas que oferecem apoio espiritual, físico, financeiro e emocional a pessoas de todas as origens. Com o passar dos anos, pela força moral dos seus líderes, conquistaram apoiadores e respeito. Contaremos aqui uma pequena parte dessa história. Um dos textos fala das mães-de-santo de alguns dos mais antigos candomblés de tradição jeje-nagô do Brasil. Em um outro, contamos a história de uma delas – Mãe Menininha do Gantois – uma das mais respeitadas líderes da religião dos orixás. Há também uma entrevista com Mãe Stella, do Ilê Axé Opô Afonjá, um texto sobre a língua iorubá e mais dois que retratam a importância dos alimentos votivos, presentes nos terreiros e cozinhas do Brasil.


>> A mãe da sabedoria


>> Banquete dos orixás


>> Caruru de Cosme e Damião


>> Entrevista com Mãe Stella de Oxóssi


>> Iorubá dos terreiros


>> Mães-de-santo



* Nota: Atendendo ao pedido de um leitor do "Sussurro", Victor Machado, estudante universitário na cidade de Marília - interior do estado de São Paulo que se dedica à Antropologia, com ênfase no Candomblé. Espero que estas 3 postagens agucem teus sentidos... Grata, e volte sempre!!!! regina


Entrevista com Waldeloir Rego

Publicado em 07/09/2010




por Agnes Mariano

Ensaísta, escritor, pesquisador de assuntos antropológicos, advogado, joalheiro, amigo dos terreiros, filho de Oxalá. O baiano Waldeloir Rego foi tudo isso e um pouco mais. O seu conhecimento sobre o mundo afro-brasileiro o tornou famoso, razão de muitos convites para palestras no Brasil e exterior, e apoio para suas viagens de pesquisa à África. Foi um importante pesquisador autodidata, frequentava os terreiros de candomblé desde a infância e participou intensamente da vida cultural da Bahia do seu tempo, dividindo experiências e descobertas com pessoas como Jorge Amado, Pierre Verger, Vivaldo da Costa Lima, Emanoel Araújo, entre outros. Em vida, publicou apenas o livro “Capoeira Angola”, que logo se tornou uma obra indispensável para os interessados no tema. No texto a seguir, temos a parte inicial de uma entrevista concedida por ele sobre o candomblé, em 2000. A conversa aconteceu em sua casa, um apartamento térreo lotado de livros, no bairro do Rio Vermelho. Paciente, gentil e conversador, Waldeloir falou por horas sobre o povo de santo e sua fé nos orixás.

Um estudioso
Eu não tenho nada para falar de importante. Eu apenas sou um estudioso desses assuntos antropológicos. Mas, antes disso, eu entrei na faculdade, fiz Direito e foi lá que eu descobri que não era bem aquilo… Entrei nos estudos afro já por uma questão exclusivamente familiar, sanguínea, porque a minha família é toda afro, toda ela iniciada. Eu vi tudo aquilo desde criança. Aquilo foi ficando na minha cabeça. E quando eu comecei a observar isso pelo lado antropológico, vi que tinha uma coisa importante e aí eu comecei a estudar. Não só essa parte religiosa, como também a parte lúdica da Bahia, que eu adoro, acho um encanto: as festas, os hábitos, os costumes, toda a coisa baiana. Eu tenho saído muito para o exterior para fazer conferências, cursos. O governo brasileiro também já me mandou para a África. Eu conheço a África quase toda em função disso. A UNESCO já me chamou para participar de congressos dessas coisas todas em função desse meu conhecimento.

E teve o outro lado, o estético, porque eu sou uma pessoa que durante alguns anos trabalhei com joias, fiz joias com inspiração africana. Eu fiz muitas joias e expus aqui na Bahia, no Brasil e no exterior. Foram muito aplaudidas. Hoje, eu deixei de fazer mais por medo, o problema de segurança. Porque, quando eu fazia, tinha um local com forno, esse negócio todo, para eu fazer as joias. Depois eu mudei para apartamento e mesmo um forno pequeno você não pode botar no apartamento. Enquanto eu estava procurando um sitiozinho, começou essa onda de terrorismo, de tudo isso, aí eu fiquei com medo. Eu não vou ter em casa material, pedra preciosa, metal precioso, com os lalaus aí espiando a gente. Então, antes de começar, eu raciocinei: “Se eu ponho por acaso um segurança, um negócio desse, ele é o primeiro a me vender ao ladrão”. (Risos) E depois me assustou muito uma reportagem que eu vi, falando que nos Estados Unidos nenhum joalheiro tira retrato de frente.


Sincretismo
À proporção que você vai se alfabetizando, se ilustrando, só assim você toma conta. Eu vi e aprendi tudo. Eu sei tudo que se faz de criança. Aprendi a dançar, a fazer tudo, mas não sabia que tinha… Nós temos o sincretismo… A criança nasce: me pegaram e imediatamente foram para a igreja Católica e me batizaram. Eu, como estava doente, não tinha madrinha. A minha avó materna foi me levando nos braços – para eu não morrer pagão -, me batizou como madrinha e o Sagrado Coração de Jesus – eu não sei se ainda se faz – foi o padrinho. Tem aquela cerimônia. (Até Senhora, a mãe-de-santo, também foi assim. Só que, no caso dela, foi com Nossa Senhora). Tinha aquela cerimônia: o padre vai no altar, tira o resplendor da cabeça do santo Sagrado Coração de Jesus e bota na criança e aí faz a cerimônia batizando a criança. No meu caso foi assim, coincidindo até com as coisas de candomblé, porque Sagrado Coração de Jesus é Senhor do Bonfim e eu sou de Oxalá (Risos). Então, o que acontece? A criança vai indo. Aí, de noite, eu não sei que horas, o pai ou a mãe ou a tia leva no candomblé. Ela só vai se definir quando ela crescer, ver o caminho que ela quer.

Essa separação [que condena o sincretismo religioso] é puramente intelectual, porque o povo em si não sabe nem o que é. Os intelectuais, os antropólogos da praça fazem teoria, inventam tudo isso. Mãe Menininha levou o batismo, ela dizia que era católica. Como é que agora vem esse povo e… Isso não existe. Agora, existe a separação das coisas. Há uma frase muito conscienciosa de Olga do Alaketu. Uma vez, um repórter, no Bonfim, perguntou se ela estava ali com a vela para Oxalá – porque a imprensa adora isso, misturar para irritar (Risos). Aí ela chegou e disse: “Não, esta vela daqui é para Senhor do Bonfim. Eu não misturo as coisas. Quando eu arreio uma obrigação para Ogum é para Ogum. Quando eu acendo uma vela para Santo Antônio é para Santo Antônio. Santo Antônio não é Ogum, nem Ogum é Santo Antônio.

É como você está dançando no salão para Ogum e dizer que é Santo Antônio que está dançando. Isso não existe. Ele vai resolver o problema de nascença dele lá e vem resolver o problema posterior, o batismo, cá. Agora, não é correto, a igreja reage, não é correto que você chegue com atabaque e vá bater candomblé lá em frente ao Santíssimo Sacramento. Nem muito menos carregar o Santíssimo Sacramento para dançar candomblé. Isso não é correto. Eu trabalhei muito na África, eu morei lá, sei como é, eu via a religião de lá, não estava fazendo turismo não, estava estudando. Trabalhando, fui mandado para trabalhar e eu aproveitava e estudava, não fui para lá a passeio não.


Oxumarê
Casa Branca, Gantois, Afonjá, Alaketu, Oxumarê são grandes casas, casas importantíssimas. Quer dizer, não é grande, importante, porque era do tamanho de um supermercado. Nada disso. Porque tiveram uma linhagem, começaram pelo nascimento dela, da casa, e depois tiveram uma linhagem importante de descendentes.

O Oxumaré, por exemplo, é uma casa relativamente nova em relação ao Gantois, em relação à Casa Branca. É de 1916, você vê que é perto. É apenas um pouco mais nova do que o Afonjá, porque o Afonjá é 1910. São todas diferentes do Gantois, que é do século passado, da Casa Branca, que é do século passado. O Oxumaré foi fundado por um sacerdote – para quebrar essa ideia de que só existe matriarcado, não é? Inventaram isso. A imprensa inventa isso, os antropólogos… Era um pai-de-santo muito bem nascido – como a gente costuma dizer -, conhecedor das coisas. Se chamava Antônio Oxumarê, porque ele era de Oxumaré, pertencia ao santo Oxumarê. Ele fundou o candomblé que está lá até hoje com toda dignidade, com todo fundamento, com tudo, sem entrar em modismo. E ninguém fala nada, porque não é folclórico.

Eu vi Silvanilton… Eu conheço a história de cima até em baixo, porque eu vi Silvanildo deste tamanho dando nome. Já com o santo feito, deste tamanho, no ombro da mãe. Não podia falar, o santo falou por ele. Ele estava lá na hora e tudo velho lá dentro… (Não era a minha casa, porque a minha casa, eu fui feito no Afonjá). Então, Silvanildo vem conduzindo aquela casa com uma dignidade de fazer você chorar. Ele é muito sério nas coisas. E outra coisa também que ele conduziu – porque quando vai mudando de sacerdote há sempre as dissidências, isso é natural – ele conduz aquilo com uma paz fora do comum. É uma pacificação, não tem briga, há sempre acordo, estão sempre perguntando, se consultando uns aos outros. O respeito que Silvanildo tem aos mais velhos e todo mundo lá… É uma das poucas casas que guarda as hierarquias. Quer dizer: o mais novo não pode passar adiante de um mais velho. Todo mundo ali se respeita. Quando eu chego lá, eu sou um dos mais velhos e todo mundo toma a benção, toma a benção aos mais velhos e assim sucessivamente.


Pais e mães
Pena que alguns pais-de-santo são um pouco fechados. Eu não sei… É bom com a presença do dirigente. Em tamanho, a maior casa patriarcal de candomblé é o Bate Folha, que é da mesma idade do Oxumaré. Uma dignidade… Quer dizer, a mão de lá – se costuma dizer “é mão de homem” ou “é mão de mulher” -, a mão de lá é homem, mas ele pega… O que a mulher pode fazer, está na mão de mulher. No candomblé de homem, tem as coisas que a mulher não pode fazer, mas no candomblé de mulher tem coisas que o homem não pode fazer. Tem a sociedade secreta, uma religião só de homem e tem a sociedade secreta só de mulher. Na sociedade secreta de homem, a mulher só tem acesso ao salão, então ela não sabe o segredo da sociedade. Eles fazem tudo. Aqui na Bahia é a sociedade de egungun, na Ilha de Itaparica. Essa sociedade secreta de egungun só tem em Cuba, no Brasil. Onde foi que eu assisti mais? E na África. Da África trouxe para cá. Tinha a sociedade de Orô também. Já acabou.

Tem atribuições masculinas e femininas. Numa casa que é só de homem, ela, praticamente, no fundo no fundo, ela praticamente só de boca toma conta de tudo. Que homem não… Pode assim dirigir uma matança? Pode. Aí a mulher que vai cuidar de tratar, vê se está feito dentro do ritual, se não está. Esse negócio todo, tudo isso é com as mulheres. São as aiabás, isso é trabalho de aiabá. Agora as coisas secretas, privadas mesmos, aí está na mão do homem. O homem não faz nem questão das coisas, não fica brigando. A mulher não.. Às vezes fica com aquela ranheta assim.

Isso, numa casa que tem um pai-de-santo. Porque na casa da mãe-de-santo… Cada qual é rei de sua casa. Chegavam a dar um posto altíssimo ao homem. No Afonjá, no tempo que foi fundado, era assim. Tinha os ogans, tinha pessoas que eram a ordem, a direção final, a palavra final. Aliás, nunca a palavra final é de pai-de-santo nem mãe-de-santo. A palavra final é do orixá. Você vai ali, o orixá disse e acabou. Quando é para conduzir, então vem a mãe-de-santo. Depois vem o homem com seus atributos, a parte dele. Tem coisa que a mulher não pode. Por exemplo, a mulher não pode de jeito nenhum entrar na casa de Exu. Exu não gosta de mulher. “Não gosta”, não é no sentido sexual. Não gosta e quem fizer isso… Em qualquer casa. Quando você vê entrar, é folclore. Não entra mesmo. Homem é quem vai para lá. Pior ainda do que Exu é egum. De egum, mulher não passa perto mesmo. Ela não é maluca. São atribuições de homem. Quando tem uma casa com todo fundamento matriarcal, com todo rigor matriarcal, as casas matriarcais usam o matriarcado como proteção. Elas têm um certo receio de que o homem dê uma bocada, mas o homem não está nessa não. O homem está em outras coisas difíceis, que ele possa manipular o mistério e a natureza. Nisso é que ele está interessado. Não é naquelas coisas de tititi, aquelas coisas: “Bote aqui. Tire dali”. Isso é coisa de mulher mesmo (Risos). Elas pensam que estão ganhando, mas…

Agora, elas são respeitadas. Ave Maria… São respeitadas e depois, assim, dentro do candomblé em que a dirigente é uma mulher, todos são abaixo dela. Você pode ser uma autoridade ombro a ombro com ela, mas você vai ter que… Eu sou velho na casa, tudo isso. Quando chego lá, Stella está lá no trono dela, eu chego e vou entrando – não tomo a benção porque não sou filho dela -, chego no trono que ela está sentada e grito: “Mojubá Odé Kayodê”. Quer dizer, eu me curvo diante do orixá dela, que é a maneira africana de você fazer. O nome do orixá dela é Odé Kayodê. Eu me curvo diante de Odé Kayodê. Eu fiz a coisa máxima que se faz. Eu não vou fazer isso com iaô, com outra pessoa. Na religião dos orixás, a gente não faz nada, é o orixá. A gente não é nada, não importa. Stella não tem nenhuma importância, nem Olga, nem ninguém com carne e osso. O que tem importância é o que está na cabeça. Fora dali não tem nada, nada, não existe, é porcaria. Aliás, é como na igreja Católica, a importância é o espírito, é o espírito que a gente traz. A carne vai para debaixo da terra.


Mãe Senhora
Eu fui feito por Mãe Senhora. Sabe que ano foi? Eu tenho a data exata: fiz a minha iniciação no Afonjá às 8h da noite do dia 31 de janeiro de 1963. No dia 2 de julho de 1964, eu e o dono da Civilização – é morto, Demerval Rocha -, que estávamos recolhidos, saímos para dar o nome. Foi só no dia. Entrei, fiz a obrigação de noite. Quando chegou no outro dia, de manhã, tirou a… da minha cabeça eu vim embora. Sabe quem foi meu irmão de cama? Foi o escritor Vasconcelos Maia, que é do mesmo santo, então fez no mesmo barco.

Mãe Senhora era uma personalidade controvertida, esse negócio todo, mas era uma mulher que sabia. Era uma personalidade forte, Virgem Maria, todo mundo tinha medo… Quando ela morreu, Jorge Amado… Porque ela adorava. Tinha pessoas assim que ela carregava nos braços: Jorge Amado, Demerval, tem um que está vivo aí, como é o nome dele? Ela tinha uma paixão por aquele rapaz… Saci, ela tinha uma paixão por Saci. Ele podia fazer o que fosse. Eram dois que ela tinha paixão: Saci e Emanoel Araújo. Ela ia fazer Emanoel Araújo. Ela tinha uma paixão por Emanoel Araújo. Quando chegava na hora da festa de Iamassê, que se faz uma comida especial chamada ecuru, esse negócio todo, ela dizia:
- Olha, minha gente, aqui é ecuru, comida de Xangô – puxava Emanoel e botava de junto dela. Emanoel, que adorava ecuru, ia comendo, comendo.

Então era assim e, ao mesmo tempo, ela chegava na hora e dava uns, como é que diz, um esbregue, um estouro. Depois que ela fazia tudo aquilo, ela se acalmava. “Olha, minha filha, isto é assim, já viu?” (Risos) Uma vez chegou lá uma pessoa com a mulher de XXX, é muito amiga minha. Aí chegou aquela menina XXX, mulher de XXX, aquele pessoal todo, aqueles artistas todos que tinham acesso a ela, e foram acomodando. E botou o pessoal todo no lugar errado, no lugar das autoridades religiosas. Aí, quando ela foi chegando:
- Vamos, sai tudo, tire essas mulheres, tire essas mulheres daqui, vamos, vamos, tira, tira, tira tudo.

Tirou, saiu todo mundo com o rabinho entre pernas, esse negócio todo. Aí ela mandou buscar poltronas lá dentro e foi pegando uma, sentando e dizendo:
- Oh, minha filha, é que aqui só pessoal de obrigação que pode sentar. Não se zangue não. (Risos)

Esse pessoal antigo, todo ele é assim. Briga feito um cão e ainda castiga. Já vi castigo seríssimo. Não era só Mãe Senhora não, em todas as casas. Menininha castigava, tudo isso… Por exemplo: eu vi numa casa – que eu não vou dizer o nome – um filho de Omolu fazendo uma porção de coisas erradas dentro da casa. Aí, a mãe-de-santo não disse nada. Quando o santo chegou, por ele próprio, ele castigou. Quando ele se jogou no chão para fazer o dobalê para a mãe-de-santo, o santo pegava a cara dele e arrumava no chão. Aí, nessas horas, o pai ou a mãe-de-santo deixa dar uma punidinha e depois suspende. Hoje tem muito folclore, você não vê nada disso. O santo bota as mãos nas cadeiras, bate boca. Isso não é candomblé, não é nada. Tudo isso é folclore, está cheio de folclore. Precisa escolher para você ver uma coisa tradicional, precisa escolher.


Mãe Ondina
Depois de Mãe Senhora, veio Ondina. Houve uma divergência para ela não assumir o cargo, esse negócio todo… Nunca é uma unanimidade. Ela não foi uma unanimidade, mas ela foi assentada porque o direito era dela. A sucessão era dela. Nem no Gantois não tem nada de parentesco. Tem um parentesco para a família que prepara abcd. Mas se chegar na hora, no pé do santo, e o santo não quiser? É o santo que vai definir, não é o parentesco que vai definir não. No caso de Ondina, já quando foi fundada a casa, ela, como mãe pequena, já tinha saído isso. Ela era a mãe pequena. Ela não estava ali ilegal. Pode ser a mãe pequena e pode também não ser, porque na hora sai e ela não quer. Aí, corre para o pé do santo e o santo que vai decidir se ela tem que ficar ou não. Mas o direito é dela. Pode ter briga e não colocar, mas o direito é dela.

Aquela que está prevista para ir para a sucessão da outra gera as rusgas e envolve também os adeptos. Um quer fulana, outro quer beltrana. Eu mesmo, quando houve a sucessão, eu tive a minha posição. Aí depois, quem resolveu, no fundo, foi o santo. Fez o jogo, o jogo é público, numa mesa grande como essa. Convida quem quiser ou não convida, porque é aberta e a pessoa pode ficar olhando. Quem não concorda sai. Ou faz sua casa ou então vai para outra casa. Toda casa tem dissidência, a de Olga tem, todas.

Ondina era uma personalidade que… Ela criou um pouco de arestas aqui na Bahia, porque, primeiro, você sabe, os filhos da que faleceu falam por qualquer bobagem: “Ah, minha mãe não disse isso”. E o segundo é o seguinte: Ondina absorveu muita coisa do Rio. Ainda com Aninha aqui, ela foi embora para o Rio e abriu a casa dela. Ela tinha casa no Rio e absorveu muita coisa que não é da tradição nossa, umbanda, esse negócio todo e isso criou assim um pouco de arestas. Eu me lembro bem. Por exemplo, tem um santo de Angola chamado Tempo, que até Bethânia gravou aí alguma música. Mas Tempo, na nação nossa, de iorubá, não pega. Logo, ele não poderia então estar assentado ali, mas como ela usava, ela seguia muito assim a raiz, a africana raiz negra… Ela é de boa descendência. Ondina é uma das pouquíssimas pessoas que tem uma linhagem. Eu conheço a linhagem dela desde…


http://soteropolitanosculturaafro.wordpress.com/2010/09/07/waldeloirrego/

No candomblé, é a gente que se supera


“No candomblé, é a gente que se supera, não tem que superar o outro” – Entrevista com Mãe Stella de Oxóssi


Publicado em 31/08/2007




Numa manhã de quarta-feira, entre uma consulta e outra, Mãe Stella de Oxóssi nos recebeu na casa de Xangô e falou sobre o sacerdócio, a história do candomblé baiano e do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá. A conversa não pôde ser longa, porque, como sempre, uma fila de pessoas aguardava por seus conselhos. Ao seu lado, o inseparável pastor alemão. Iniciada na religião dos orixás há mais de 60 anos, Maria Stella Azevedo dos Santos é mesmo uma mulher singular. Assim como fizeram suas predecessoras no Afonjá, Mãe Stella mantém a tradição religiosa herdada da África com uma seriedade que faz desse terreiro um referencial para todo o candomblé. Uma tarefa que, garante ela, a absorve integralmente. A autora de livros, enfermeira e funcionária pública aposentada tem que dividir o seu tempo entre as atividades religiosas, as consultas e as solicitações de entrevistas, palestras e conferências em vários países. Com voz branda e uma fluência verbal invejável, ela revela a clareza e inteligência que a tornaram uma líder religiosa respeitada em todo o mundo. Mas, para as crianças do Afonjá, ela é apenas a “Tia Stella”.


por Agnes Mariano


AM – Nas comunidades religiosas nagôs, as mulheres têm um papel muito importante, diferente do que acontece em outras sociedades e outras organizações religiosas. Gostaria que a senhora falasse por que isso acontece. É uma tradição que veio da África? Em que a mulher é diferente do homem? Porque elas têm esse papel?

MÃE STELLA – Veja bem, eu vou falar do Brasil e da Bahia, de algumas casas onde o valor, a liderança feminina é maior. Isso se deve às pioneiras do candomblé no Brasil, três mulheres que depois da libertação tiveram condições de abrir uma casa para culto aos orixás. Elas é que formaram a primeira casa que se tem conhecimento da nação iorubá no Brasil, que seria a Casa Branca. Então, essa casa foi crescendo, fazendo muitos filhos e ficaram essas três senhoras como responsáveis. Daí vem o valor feminino, porque essa casa tinha a característica de não iniciar homens. Se não iniciava homens e todos eram do gênero feminino, é lógico que não podia ter homem na direção. Então, a casa foi crescendo e sempre quando a coisa cresce, às vezes acontece um racha, não é? Foi o que houve na ocasião de Maria Júlia, a senhora que fundou o Gantois. Quando fundaram o Gantois, a característica também era a de não ter homem como líder, como pai-de-santo da casa. Mas no Gantois não se impediu que os homens tivessem cargos que sobressaíssem. Homens podem ter cargo, só não podem sentar como pai-de-santo. Depois do Gantois, aconteceu com Mãe Aninha, que fundou essa casa (o Ilê Axé Opô Afonjá) e que também seguiu essa mesma norma, que homem não seria líder da casa de Xangô, que é aqui o São Gonçalo. Aqui também se iniciam homens, mas homens iniciados aqui ou no Gantois já sabem que não podem ser pais-de-santo na casa de origem. Mas como essas duas casas iniciam homens e sabe-se que todo mundo, depois de determinado tempo, quando está completamente pronto para o orixá, poderá assumir uma liderança, alguns desses homens fundaram as suas casas, tanto do Gantois quanto do São Gonçalo. Não é proibido ser pai-de-santo, mas dentro dessas casas, na liderança, somente mulheres. Como existem casas grandes… A casa de Dona Olga (o Alaketu) também, porque a primeira liderança lá foi feminina. É uma casa antiquíssima, mais antiga do que essa nossa. E as mulheres dessas casas foram lideranças fortes, que deixaram o nome na história, que produziram, trabalharam em prol da crença dos orixás, que viajavam, que faziam movimentos para a libertação do candomblé. Tiveram muita resistência. Então, sabe-se que, a princípio, essas casas só podem ter responsáveis do gênero feminino. E, diga-se de passagem, a liderança feminina no candomblé é uma coisa muito forte, porque a mãe é mulher. Por mais rude ou enérgica que ela seja, sempre tem aquela nuance feminina para determinados detalhes. E para falar a verdade, eu acho muito bonito uma mulher como mãe-de-santo. Não que o homem também não tenha o seu charme, mas acho que eu já me acostumei com isso, ver uma mãe-de-santo na liderança. O homem tem o valor dele, existem pais-de-santo competentes, verdadeiros. Podemos dizer que o candomblé, na atualidade, não é uma crença, uma religião só de negros, nem só de mulheres. Os orixás são simbolizados pelas forças naturais, que são os fenômenos da natureza, e são coisas que não têm sexo. O vento tem sexo? Qual é o sexo do vento? Apesar de simbolizar o orixá chamado Iansã, o espiritual não tem sexo, não tem raça, nada disso.

AM – A senhora foi iniciada muito cedo, com 13 anos. A senhora imaginava que ocuparia um cargo como esse, tão importante? E como a senhora experimentou isso na sua vida?

MS – As pessoas que entram para a crença dos orixás com fé, com consciência do que estão fazendo, elas têm o gosto, a vontade de servir o orixá, de fazer tudo em prol. Eu creio que raríssimas pessoas entram para o candomblé já com a pretensão de ser mãe-de-santo. Quem tem juízo não pensa assim. Porque aí não é uma coisa espiritual, passa a ser uma coisa de superação. No candomblé, é a gente que se supera, não tem que superar o outro, tem que superar a si próprio. Não tem que tentar superar o outro com essa questão de valores materiais, não tem nada disso. E eu nunca tive essa pretensão. A minha alegria era servir ao orixá e à minha mãe-de-santo, fazer as coisas dentro dos parâmetros certos. Mas, por isso ou aquilo, o orixá, por intermédio do Oluô, me escolheu como líder daqui. A substituição aqui é feita através do jogo de búzios. Como na Casa Branca, que também é através do jogo de búzios. Do Gantois, eu não posso dizer muito, porque sabe-se que é uma substituição familiar. Cada casa tem um uso.

AM – E sobre a casa, o terreiro, como a senhora define? Porque antropólogos, escritores, visitantes falam muitas coisas. É uma casa religiosa? Tem semelhanças com uma escola, uma universidade, uma casa terapêutica, onde as pessoas buscam cura? Como a senhora define o terreiro? É uma família?

MS – A princípio, todo terreiro é uma família, porque é a família espiritual. Nosso chefe, nosso patrono aqui é Xangô. Então, tudo aqui é feito com as bênçãos, as determinações de Xangô. Ele não vem e fala, mas, através dos búzios, de certas práticas, nós podemos contar com ele. Então tudo o que aqui é feito é por orientação espiritual de Xangô. E, como na vida, a comunidade axé é uma escola. Aqui a gente aprende o lado espiritual – e o espiritual apenas por si só é importante -, mas não é a única coisa que existe na sociedade, por isso temos o lado social. Temos o espiritual e o social. Então esse espaço que nós ocupamos é como se fosse uma pequena cidade. Uma cidade que já vem do tempo de Mãe Aninha, quando ela caracterizou aqui como a África, botando uma casa para cada orixá. Enquanto lá, cada orixá tem a sua tribo, a sua cidade, ela deu um espaço para cada um, onde eles têm seus rituais, em dias diferentes, separados, cada um seguindo os seus preceitos. E também a resistência maior da raça negra foi na religião, na crença dos orixás. Se não fosse assim, a mulher da crença nos orixás não teria essa auto-estima. O pessoal de candomblé tem auto-estima, o pessoal de candomblé se gosta, gosta de si próprio e, até por osmose, gosta do irmão, porque os que entram aqui estão todos sobre orientação de Xangô ou de Oxalá. São todos irmãos e a coisa mais normal do mundo é que um irmão goste do outro, com raras exceções, mas é normal na vida.

AM- Fale mais sobre essa resistência através da religião.

MS – Isso vem do tempo de Mãe Aninha, a fundadora, que naquela época de repressão procurou apoio até com o presidente da República e se integrou na Igreja Católica. Naquele tempo, ser da Igreja Católica era ter status, porque quem mandava era o branco e essa era a religião do branco. Daí foram fundadas as irmandades, como a do Rosário dos Homens Pretos, a Irmandade da Barroquinha e outras mais, onde a mulher negra podia fazer os seus cultos. Era proibido adorar os orixás. Quem era espiritualizado precisava encontrar qualquer coisa espiritual para se apegar e foi por isso que surgiu o sincretismo, quando se faziam as coisas meio mascaradas. Se adorava o orixá de uma forma velada, como se estivesse cantando para os santos. E o negócio foi tão seguro que, atualmente, nós já estamos livres, mas temos tido muito trabalho para o povo de orixá se conscientizar da importância do orixá, da força e da energia. O orixá é uma coisa independente de qualquer outra crença, como qualquer outra crença é independente do candomblé. Então, o bom e o bonito é que cada um se fixe na sua crença, nos seus símbolos, na sua energia e não precise se segurar no outro para mostrar potencialidade.

AM- A senhora tinha falado que, além da parte espiritual, existe a parte social do terreiro.

MS – Pois é. Aqui, além de cuidar da parte do orixá – que são as festas que você conhece, independente dos rituais internos que só cabem a nós -, a gente tem a parte social. Fundamos uma escola, num convênio com a prefeitura, que tem 300 crianças. As professoras fazem um serviço muito bom e que a prefeitura reconheceu, tanto que ela já passou a ser escola referência. É uma escola da rede pública e atendemos à lei que diz que a liberdade de culto deve existir. Ali não se ensina candomblé nem iniciações, mas muita coisa relacionada com a cultura africana iorubá. Nós não somos africanos, somos brasileiros, afro-brasileiros. É fanatismo dizer que somos africanos. Somos afro-brasileiros, descendentes de africanos. Então, alguma coisa da cultura africana é passada no colégio, mas nós não aceitamos apenas alunos e pessoas ligadas aos orixás. É um espaço aberto. Temos professores e alunos de outras religiões. Eles não estão aprendendo religião, porque religião não se impõe. Escola para religião é bobagem. O professor e o diretor do colégio têm que enfatizar a cultura deles, mas não se força religião. Fizeram isso com os negros, com os índios, mas isso é contra a humanidade.

AM – E vocês têm também o museu, a biblioteca, oficinas…

MS – É, estou falando da escola só para você entender como funciona. A diretora Marivalva está ali há 20 e alguns anos, desde quando funcionava nesse mesmo lugar uma creche, num convênio com outro órgão. Como este órgão foi responsável pela construção, compramos o prédio, mesmo sendo aqui dentro do terreiro, para poder ser nosso. Como a escola foi uma experiência boa – está sendo boa e será melhor, com fé em Deus – resolvemos fazer o museu, em 1983. Vera Felicidade foi a pessoa responsável, uma filha-de-santo nossa. Eu estava recentemente aqui no axé e fiz uma viagem à África, onde vi aquelas coisas todas. Aqui também eu via tantas coisas bonitas jogadas aí pelos cantos. Até que, conversando com Vera, ela tomou para a si a responsabilidade e criou o Museu Ohun Lailai. Temos uma biblioteca também, onde a responsável é Luzia Leal, uma bibliotecária aposentada. Todos aqui são voluntários. Luzia instalou a biblioteca, deu nome e está tomando conta. Nós recebemos doações: eu tinha a minha biblioteca particular, que doei toda, e muitas pessoas também têm doado muitos livros e ainda queremos mais. Temos também um grupo de estudos. Os responsáveis são Cléo Martins e Roberval Marinho. Principalmente esses dois estão à frente, que são os nossos filhos-de-santo pensadores. Ana Rúbia é nossa auxiliar, porque ela faz tudo aqui. Temos também um projeto com o Comunidade Solidária e o Unicef. A responsável é Tereza, outra filha-de-santo, que está fazendo várias oficinas para dar ocupação a essas crianças. Estamos todos preocupados com isso. Também fazemos aqui em casa seminários entre nós mesmos, de vez em quando, para bater papo. É daí que surgem coisas como o Festival Alaiandê Xirê, uma criação de Cléo e Roberval. Este foi o terceiro ano do Alaindê e está dando certo, fazendo sucesso, está repercutindo lá fora. Nós juntamos o lúdico com o espiritual e deu certo, tem tido muita aceitação das pessoas.

AM- Aqui no Afonjá os homens só podem exercer os cargos de obá, ogã, alabê e axogum?

MS – É. Tem outros mais, mas esses são os principais.

AM- A senhora tem idéia de quantas são as pessoas ligadas à casa, os iniciados, os filhos-de-santo?

MS – Isso é impossível, porque aqui é uma passarela, né? Nós temos efetivamente os feitos de santo, os iniciados, um grupo muito grande. Mas eu não sei o número. Temos também os visitantes, os clientes, pessoas que necessitam e vêm até aqui. Um grupo transitório, eles vão e voltam.

AM- Diariamente vêm pessoas aqui?

MS – Quase que diariamente. O meu dia de atender era quarta-feira, mas é tanta gente que vem… Fico com pena de ver as pessoas chegarem e voltar chorando. Eu aí atendo e isso até impede a minha vida social. Eu quase não faço mais nada a não ser trabalhar aqui dentro. Virei uma escrava. Mas a compensação é que a gente tem a sensação do dever cumprido, vê que conseguiu ajudar algumas pessoas. A gente não se julga onipotente, mas damos graças ao orixá por conseguir ajudar. Quando nada, o bem-estar. Muita gente vem aqui para nada também, porque gosta do espaço. Vem, senta-se aí, passa a tarde sentado nesse espaço e vai tranqüilo. Não toma um banho, não faz nada, só vem pelo axé. Deve ser o astral que é bom, não é? (Risos). Pronto, iaiá.


(06 de janeiro de 2001)


http://soteropolitanosculturaafro.wordpress.com/2007/08/31/entrevista-mae-stella-de-oxossi/

O amor não acaba





Vem, vai, aparece, se esconde, 
Como ondas do mar, te inunda,
Te arrasta às profundezas dos mistérios
E te devolve à praia do descanso...
O amor fica, depois do adeus,
 faz parte de ti, é tua vida...
Vai te manter respirando,
Sonhando, desejando e querendo mais....

RS 09/04/13