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domingo, 20 de outubro de 2013

Esta é sua vida

José Miguel Wisnik
O colunista escreve aos sábados


Estaríamos fadados, para lutar contra a biografia chapa marrom, a viver sob o signo do silêncio imposto dos maiores, caucionado pela mais luminosa corte e coorte de músicos que esse país produziu?

Não é segredo, embora invisível de tão óbvio, que as matérias culturais na imprensa brasileira passaram a se pautar predominantemente, desde um tempo que talvez possa ser datado como o das duas últimas décadas, pelos itens vendagem, comportamento, moda e polêmica de superfície. A mercantilização da cultura é muito mais antiga, está longe de ser só brasileira, mas passou a ser ostensiva e causou um estrago considerável nesse país pouco letrado na média, onde os problemas são medidos com mão pesada na balança de um prato só. Por isso também o imbróglio das biografias é um pacote tão difícil de desembrulhar, e as questões aparentes não são necessariamente as que estão em questão.
Para ir diretamente ao ponto mais invocado da discórdia, sou da opinião de que a produção de biografias não deve ser regulada por um dispositivo de autorização pessoal do biografado ou sua família, como acontece atualmente. Este pode servir tanto para impedir infâmias quanto para travar o processo de conhecimento envolvido no gênero biográfico, e submetê-lo ao arbítrio pessoal dos diretamente implicados. Nada garante, em princípio, que esse arbítrio seja mais justo que o do biógrafo. A figura pública, enquanto pública, passa a fazer parte de uma narrativa coletiva que produzirá versões sobre ela, como sobre sua obra, e a circulação de biografias interessa à cultura, que não deixa de ser uma guerra de versões civilizada — quando o é. O sujeito que se tornou publicamente autor de sua vida torna-se, ao mesmo tempo, e quase na mesma medida, personagem dos outros. O quadro se complica no já citado panorama pautado pelos itens comportamento, moda, polêmica de superfície e vendagem, que afetam as duas partes, biógrafos e biografados, num mundo em que um imaginário individualista fez o gênero biográfico saltar para um plano de destaque no mercado editorial.
Na falta do dispositivo pessoal e prévio de controle da produção de biografias, tem que haver outros. A liberdade é, sim, a consciência do limite. Chico Buarque tocou num problema crucial, ao se perguntar sobre quem responsabiliza o irresponsável que atribui a alguém palavras que ele não disse, entrevistas que ele não deu, que chancelou fontes que não têm crédito e fez tudo isso verossímil. Para aumentar a novela, o exemplo que ele deu foi contestado em parte, numa demonstração em ato das disparidades entre os fatos e as versões, ao mesmo tempo em que ele tem razão no que diz sobre o jornal “Última Hora” (fui colunista em 1975, e sei bem que o jornal de 1974 era radicalmente diferente do de 1970). Independente desse caso concreto, há graus e graus entre a calúnia mais vil e a tendenciosidade incompetente. A primeira é passível de julgamento formal, embora o funcionamento jurídico brasileiro não tenha nem a contundência nem a agilidade correspondentes a essa ordem mercurial dos acontecimentos. A tendenciosidade incompetente teria que passar, por sua vez, pela regulação do próprio sistema cultural, pela sintonia crítica que deveria ser capaz de identificá-la. Algo que se tornou difícil num contexto marcado — volto ao meu refrão — por comportamento, vendagem, polêmica de superfície e moda.
Chegamos finalmente ao tema da privacidade inviolável. Ele oscila entre ser tratado no plano genérico de um princípio ideal ou no plano excessivamente defensivo do tabu (a palavra inviolável, várias vezes invocada, sugere um fechamento hermético que não é da ordem da porosidade real entre a vida pública e a vida privada, especialmente no Brasil, avassalada, é verdade, pela realidade obscena que quer devassar tudo). Ele é certamente o ponto gritante da guerra entre a liberdade de expressão confundida com liberdade de mercado (ponha nisso, para não perder o costume, polêmica de superfície, vendagem, moda e comportamento) e direito à intimidade (essa instância preciosa da vida e cada vez mais rara para todos).
Mas, se procurarmos saber, não vamos acabar achando que a novela em cartaz não está muito referida e subordinada ao segredo do Rei? O Rei sofre de uma amputação que não deve ser nomeada, como a proferição de um vazio insuportável. O silêncio público sobre a falta de que sofre o Rei é um daqueles segredos que todos conhecem. Os súditos do Rei parecem acolher o segredo do Rei, e isso faz parte do pacto íntimo que ele faz com o seu público. O Rei acha que a biografia estragaria tudo, embora o público o amasse ainda mais se ele desse a revelar o segredo que todos sabem. É doloroso, mas é a vida. O Imperador do Quinto Império da Bossa Nova, fechado em seu castelo vertiginoso e desértico, também não autoriza o livro que o consagra. Estaríamos fadados, para lutar contra a biografia chapa marrom, a viver sob o signo do silêncio imposto dos maiores, caucionado pela mais luminosa corte e coorte de músicos que esse país produziu?


Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/esta-sua-vida-10430543#ixzz2iI3zok1m 

Biografia e castigo


Arnaldo Bloch


Chico Buarque me ligou para contestar um trecho no qual Lygia Marina diz que 'Lígia', de Tom, era dedicada a ela


Entre os anos de 1999 e 2000, período em que a legislação censora de 2002 ainda não estava em vigor, trabalhei dia e noite numa biografia de Fernando Sabino para a saudosa coleção Perfis do Rio, da editora Relume Dumará, cuja série inclui, entre dezenas de outras, uma bio autorizada de Chico Buarque escrita pela colega Regina Zappa.

A primeira pessoa que procurei foi, obviamente, Sabino, que aceitou um encontro no Café Ubaldo, no segundo piso da extinta livraria Letras & Expressões de Ipanema.

O então recluso autor estava no fundo do café e me recebeu com a costumeira cortesia, falou de seus tempos da Manchete e, sobre nosso assunto, abriu a conversa:

_ Bloch, essa coisa de biografia de gente viva é um problemão. Por que você não espera que eu morra? Aí, faz sentido.

Apesar dessa restrição algo zombeteira, Sabino não se opunha a me ajudar, desde que acompanhasse, passo a passo, o trabalho.

_ Claro que uma crítica ou outra sempre escapa numa biografia, mas minha vida está toda contada nos livros, o que você vai ouvir das pessoas são uns detalhes a mais.

Eu lera toda a obra de Sabino. Nas crônicas e contos, muitos fios podiam ser puxados, embora as diferentes edições expurgassem nomes que se tornaram indesejados. Dos três romances, "O encontro marcado" era já um retrato agudo dos anos de juventude em Minas, época na qual preocupações existenciais e políticas estavam no centro. "O menino no espelho" concentrava-se na memória de infância, ao passo que "O tabuleiro de damas", espécie de novela autobiográfica, traçava o legado que Sabino gostaria que se cristalizasse e o representasse para sempre.

Meu livro, em sua opinião, deveria seguir este eixo e engordá-lo com mais dados, mas sem qualquer desvio no caminho traçado. Aceitei o trato com ressalvas tímidas sobre liberdade e recebi dele uma lista de contatos que o perfilado achava serem úteis para a pesquisa. Porém, nas semanas seguintes, percebi que na tal lista faltavam figuras centrais, ainda vivas, de sua trajetória, e as incluí no meu planejamento.

Uma delas era a última esposa de Sabino, Lygia Marina. Em contato futuro com a secretária do escritor, muito lealmente informei os nomes das pessoas com quem tinha conversado fora do escopo sugerido. Depois disso, verifiquei que o segundo encontro com ele _ quando eu visitaria o mítico apartamento na Rua Canning _ não estava mais marcado. Finalmente, recebi, de terceiras vias, o recado de que, em vistas de minha conversa com Lygia, eu me preparasse para ser cobrado judicialmente por qualquer tipo de injúria. Nunca mais vi Sabino.

O escritor teve, contudo, a hombridade de não tomar qualquer providência no sentido de impedir que o trabalho prosseguisse. Lygia, por sinal, foi só elogios ao ex-marido, não revelando nenhum detalhe que pudesse constrangê-lo. Trazia, apenas, dados interessantes sobre o período em que o mineiro entrou em estado de adoração pela ex-ministra Zélia Cardoso de Mello, e sobre a tristeza que se abateu sobre ele com as mortes de Paulo Mendes Campos, Hélio Pellegrino, Otto Lara Resende e Rubem Braga, acontecidas em período aproximado da saraivada de críticas que recebeu pelo livro sobre Zélia, iniciando-se, aí, seu estado de reclusão.

O livro "Fernando Sabino/Reencontro" foi lançado em 2000. Recebeu boas críticas, foi saudado por acadêmicos e teve uma venda moderada. Chico Buarque (atualmente no centro do debate) me telefonou um dia para queixar-se de um trecho no qual Lygia defende que a canção "Lígia", de Tom Jobim, era dedicada a ela. No telefonema, Chico garantiu que não era nada disso, pois fora ele mesmo que mexera na letra original, cujos versos eram outros. Agradeci a correção, prometi mudar tudo na edição seguinte, e o fiz.

De resto, Sabino jamais se queixou do perfil, no qual, sem a sua colaboração ou autorização, construí um jogo de mote e glosa com a palava "Encontro" para ditar a esfera de cada capítulo. Cerquei, em depoimentos de terceiros, textos e material de imprensa, os fatos de sua vida e de sua personalidade, "pelas beiradas", trazendo à luz abordagens pelas quais até hoje muita gente me agradece.

Algumas, sobretudo no terreno subjetivo, só faziam engrandecer em humanidade o personagem perfilado, em que pesassem algumas sombras, ou, como ele dizia, "trompaços" que a vida de cada um reserva.

Soube por terceiros que Sabino em essência gostou do livro, embora alguns trechos mais corrosivos o tenham aborrecido. Não encontrou ali, contudo, nenhuma ofensa à sua honra, apesar de não ser aquele, exatamente, o retrato que pretendia deixar à posteridade. Mas ele sabia que era apenas um entre tantos retratos que seu vulto inspira.

Anos depois, entrei em outra aventura, a de lidar, expressamente, com a memória coletiva de minha família. No livro, contrapus o real ao lendário, acreditando que uma verdade maior emerge quando o imaginário se soma ao rigor. Uns viram como declaração de amor abrangente em que luzes e sombras se cruzam. Outros viram como crime vil. Respeito ambos e a mim, que, na química do omelete, quebrei uns bons ovos. Sem arrependimento, aceito, em paz, as bênçãos e o castigo.

a polêmica das biografias





ENTREVISTA: FERNANDO MORAIS » "Quero pendurar as chuteiras"

Autor de livros sobre Olga e Chatô, o escritor fala sobre a polêmica das biografias


Ana Clara Brant

Estado de Minas: 20/10/2013



O assunto do momento na área de cultura são, sem dúvida, as biografias. A discussão, que já estava na ordem do dia há algum tempo, inflamou-se nos últimos dias, a partir da criação do Procure Saber, formado por artistas como Roberto Carlos, Caetano Veloso, Milton Nascimento e Chico Buarque. O grupo, liderado pela empresária Paula Lavigne, defende a manutenção dos artigos 20 e 21 do Código Civil, que proíbem a divulgação de informações pessoais de qualquer cidadão em casos que "atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais”. Resumindo, querem a autorização prévia do biografado para que as publicações cheguem às lojas.

Referência em biografias no Brasil, o jornalista e escritor mineiro Fernando Morais, de 67 anos, revela que ficou surpreso com o posicionamento de gente como Chico Buarque e Milton Nascimento. “O Chico mesmo é um cara atilado para as coisas políticas, o Milton também, são pessoas que conheço. Não esperava isso deles. O Djavan escreveu um artigo afirmando que os biógrafos estavam acumulando fortunas, enquanto o biografado não recebe nenhum tostão. Queria que ele apontasse um biógrafo que se encaixa nesse perfil. Vou mandar a conta do  açougue para o Djavan”, afirma.

Casado com uma historiadora e autor de 10 livros, sendo quatro biografias – Olga, que narra a trajetória de Olga Benário, recrutada pelo governo soviético para dar proteção ao líder comunista brasileiro Luís Carlos Prestes, com quem viveria um romance; Chatô, o rei do Brasil, biografia de Assis Chateaubriand; Montenegro, as aventuras do marechal que fez uma revolução nos céus do Brasil; e  O mago, biografia de Paulo Coelho –, Morais assegura que nunca teve problema nenhum com seus biografados. “O problema que tive foi com o deputado Ronaldo Caiado, que foi citado em um dos meus livros, mas com relação aos outros, e olhe que contei a história de gente polêmica como Assis Chateaubriand, que tem filho, neto, bisneto. A família dele, inclusive, me ajudou muito a escrever”, revela. Em entrevista ao Estado de Minas, o jornalista e escritor falar sobre a polêmica ‘‘lei das biografias’’ e de seus projetos atuais, como um livro sobre o ex-presidente Lula.


Não tem como não falar desse embate envolvendo as biografias. Qual é a sua posição sobre o tema?

Nossa briga é pelo direito da população a conhecer a própria história. Vamos supor que eu queira falar sobre o Getúlio. A história dele pertence à família Vargas ou ao Brasil? Vou ter que consultar netos, bisnetos, etc.? Essa polêmica toda não atinge só quem escreve biografia, mas todo mundo que escreve não ficção no país.

E você tem discutido isso com seus colegas, tem se mobilizado nesse sentido?

A gente fala sim, e espero que quando a ministra Cármen Lúcia convocar a audiência pública para discutir o assunto, haja mobilização dos autores para fazer política no melhor sentido da palavra. Não preciso de ninguém para defender meus interesses. Até porque o interesse não é só meu. Não preciso disso. Vivo há 40 anos da venda dos meus livros num país que não lê livros. Nunca usei um tostão de incentivo fiscal, de ajuda, de Lei Rouanet. Até poderia, porque fazer um livro como Chatô..., que demanda muito trabalho, é caro. Mas não usei. Se essa história progredir, será um atraso. Tenho esperanças de que não progrida.

Você chegou a ter problemas com um dos seu livros, mas não com as biografias.

Sim. Tenho um processo do deputado Ronaldo Caiado. Fui condenado em Goiás, em várias instâncias. Consegui reduzir a indenização e, agora, meus advogados estão esperando para recorrer. Enquanto puder ir a uma instância superior, a gente vai. (A Justiça condenou a Editora Planeta, Fernando Morais e o publicitário Gabriel Zellmeister, da agência W/Brasil, a indenizar o deputado federal Ronaldo Caiado em R$ 2,5 milhões. No livro Na toca dos leões, sobre a história da W/Brasil, Morais diz que o deputado teria sugerido aos diretores da agência, durante a campanha de 1989, que poderia esterilizar as nordestinas por meio de uma substância química na água).


Como anda o produção do livro sobre o Lula?

Queria terminar o trabalho de campo em setembro, não consegui. Ainda tenho muitas entrevistas para fazer e alguns arquivos para mexer. Tem um pacote de fitas que o frei Betto me deu de inéditas do Lula, que ainda tenho que mandar digitalizar. Aparece muita coisa nova a todo momento, muitas contribuições. Sai uma notícia no jornal de que estou fazendo um livro sobre tal pessoa e aí muita gente entra em contato. ‘‘Ah, eu fiz segurança pro Lula quando ele era sindicalista ou ele era candidato’’. E eu vou atrás de tudo. Se o cara disser que está em Manaus e que tem um depoimento pra dar, eu vou. Tem que ver o que é.

Mas não chega a ser uma biografia dele?

Não. É um período da vida do Lula; uma fatia. Que vai da cadeia, em 19 de abril de 1980, ao fim da presidência. Acho que conto com duas vantagens com relação aos demais candidatos a esse trabalho. Primeiro, pelo fato de não ser do PT, não tenho ligação de nenhuma natureza com o partido. Segundo é que conheci Lula em 1979, e convivi muito com ele até a presidência. O Itamar Franco dizia uma coisa bem curiosa: que as pessoas são divididas entre as que são e as que não são percevejos do palácio. E sou um antipercevejo do palácio. Então, Lula virou presidente e perdi o contato.

E como começa a história desse livro?

Começa na noite em que o sindicato de São Bernardo foi invadido. Estávamos na cidade (eu, que era deputado pelo MDB, Fernando Henrique Cardoso, que na época era suplente de senador, e um deputado do PT, o Geraldinho Siqueira). Eu estava sempre lá, porque tinha muita repressão e tudo. Naquela noite, FHC apareceu e fomos comer frango com polenta num restaurante. Na hora que terminou o jantar, Lula intuiu que o governo ia fazer alguma coisa contra o sindicato nas próximas horas. FHC discordou, achava que Figueiredo não estava com muita força. Depois do jantar, eu e Geraldinho Siqueira fomos para o sindicato. Começamos a jogar baralho e à 1h30 da manhã olhamos pela janela. A sala do Lula ficava no último andar do prédio. Ouvimos um barulho estranho e a Tropa de Choque já tinha cercado o sindicato. O interventor (Romeu Tuma) estava subindo com uma ordem para o Lula deixar a diretoria. Olhe a ironia do destino. Ele tinha me prendido uns anos antes, numa das minhas voltas de Cuba, se tornou meu carcereiro. Anos depois, permitiu que eu levasse frutas escondido para os presos, tanto o Lula quanto os outros diretores do sindicato. 

E por que esse interesse em contar a história do presidente do Lula?

Estou cercando o Lula desde 2002, ele nunca topou. Em julho de 2011, eu estava passando férias na França e ele me ligou. Começamos a conversar e ele finalmente quis fazer. Muita gente acha que ele tomou essa decisão depois que descobriu o câncer. Mas ele decidiu antes. A doença só foi diagnosticada em outubro... A doença atrasou muito o livro. Mesmo depois de ele descobrir, gravamos. Tenho fotos com ele já sem barba, sem cabelo. Enquanto estava sendo submetido à quimioterapia, conseguimos fazer. Mas quando começou a radioterapia, não deu mais. Afetou muito a voz dele. Ficamos de dezembro de 2011 a julho de 2012 sem trabalhar. Então, fui entrevistar outras pessoas. Só voltamos quando o médico liberou. Mas ainda tem muita coisa a fazer.

Você se considera amigo do Lula?

Não. Não frequento a intimidade dele. Ele foi à minha casa umas quatro vezes. Uma para comer uma canjiquinha que o frei Betto cozinhou. Noutra, eles precisavam de uma casa que não fosse visada pela imprensa para uma conspiração dele, do Brizola, da Martha Suplicy e o do Quércia. Uma tentativa de fazer a aliança PMDB/PT/PDT para a eleição presidencial de 1998. O mais engraçado é que a casa do FHC era do outro lado da rua. Eu brincava que se ele subisse num caixote e olhasse para a minha casa, ia saber que estávamos conspirando contra ele (risos). Então, essa pequena convivência com o Lula, pra mim, muito rica, porque é de primeira mão. Não estou entrevistando ninguém para saber dessas histórias. São coisas que vi e vivi, que testemunhei. Isso acaba contribuindo para que eu faça o livro com certa vantagem sobre outras pessoas. Tem boa parte da história de que eu mesmo participei.

O projeto do livro do José Dirceu foi interrompido. Você vai retomá-lo?

Não sei. Até porque estou me inclinando cada vez mais a pendurar as chuteiras. Já estou meio de saco cheio de escrever livro. É muito cansativo. Mesmo para a pessoa que tem a sorte de vender muito, como eu, não compensa. Tenho 67 anos e não tenho nada. Nem a casa onde moro; a metade é da minha mulher. Se ficar três meses sem trabalhar, não tenho como pagar o supermercado, o condomínio. É um trabalho infernal. Já escrever, nem tanto, eu gosto. É trabalho de campo, porque sou minucioso, detalhista, do tempo em que a arte do jornalismo era a arte de sujar o sapato. Esse negócio de fazer entrevista pelo telefone, pela internet, não dá. Vou entrevistar você e quero saber se você é careca, gordo, se tem dentes, se está com um sapato furado. Você pode até dizer que isso não tem a menor importância para a história. Mas tem para o leitor. Contar para as pessoas que estou fumando um charuto e tomando uma cachaça não vai mudar nada do que vou dizer. Mas é mais saboroso. Você dá um presentinho a mais ao leitor. E acho que o leitor tem que ser bem tratado sempre.

Mesmo falando em pendurar as chuteiras, quais as histórias você ainda gostaria de escrever?

Nossa, um monte. A história da luta armada no Brasil, a do Partido Comunista Brasileiro. Tem personagens interessantes. E tem muita coisa que gostaria de ter feito e não consegui por estar metido em outros projetos. Por exemplo, ia fazer a história de Salvatore Cacciola. Alguém fez uma ponte entre nós. Cacciola ia dar a versão dele, dando nome aos bois. Fui para Roma, jantamos, a história parecia saborosa jornalisticamente. Mas eu precisava de prazo. Ele queria pra já. Como eu estava envolvido com outro livro, a editora já estava esperando, não foi pra frente.

Apesar de ter escrito tantos livros de reportagens, você se destacou mesmo pelas biografias. Por que esse interesse do leitor pelo gênero?

Tem uma série de ingredientes. Primeiro, há enorme curiosidade das pessoas, mesmo as mais velhas, porque houve o período da ditadura em que não se podia falar de nada. E os mais jovens também têm interesse pela história recente do Brasil, e por outras histórias. Em segundo lugar, acho que tem uma preocupação com o texto. O escritor tem que ter essa preocupação com um texto elegante, saboroso, com minúcia. No Olga, por exemplo, conto, respeitosamente, que o Prestes era virgem aos 37 anos, e foi para a cama com a Olga pela primeira vez, e ela já tinha vasta experiência com homens. Foi o próprio Luiz Carlos Prestes que me contou isso. Não foi uma coisa que descobri. Usei isso respeitosamente, para não transformar numa bisbilhotice. 

Você nunca escreveu nada ficcional. Tem vontade?

Nem pensar, com uma realidade tão boa igual a esta. Nunca escrevi um parágrafo ficcional. Não tenho vontade. Fiz uma experiência de roteiro semificcional para uma minissérie da TV Globo chamada Sociedade secreta, sobre a Revolução de 1930, em São Paulo. E teve a série Cinco dias que abalaram o Brasil, no GNT, sobre o Getúlio Vargas. Mas ali tudo eram fatos. A parte de ficção, que eram os jornalistas narrando a história, era só uma fachada.

O que você acha das adaptações dos seus livros para o cinema?

Teve o Olga, do Jayme Monjardim, e Corações sujos, do Vicente Amorim. Gosto dos dois. São duas adaptações completamente diferentes. O Jayme fez uma escolha, foi fazer um filme popular e acertou, porque deu 5 milhões de espectadores. Os chamados intelectuais não gostam, mas eu gosto. Até porque foi um filme que popularizou uma história que era privilégio de meia dúzia de pessoas. O Corações sujos já é um filme mais cabeça. Mas ambos me agradam.



“Eles estão defendendo minha tese."




Bolsonaro:’Proibido proibir?Não é assim que a banda toca.Censura é necessária de vez em quando’

Quando a posteridade puder falar sobre Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Roberto Carlos sem censura prévia, vai contar que, nos idos de 2013, os ícones da MPB, da Tropicáia e da Jovem Guarda empurraram o impensável para dentro de suas biografias. Numa inusitada simbiose, a ex-vanguarda aderiu ao atraso. “Eles estão defendendo minha tese. Dou-lhes boas-vindas em nome do clube dos sensatos”, aplaude o deputado-capitão Jair Bolsonaro (PP-RJ).

Parlamentar de poucas causas —a defesa intransigente da ditadura militar e o combate incessante aos homossexuais, por exemplo—, Bolsonaro comprou outra briga. Ele agora lidera a infantaria legislativa que se move para aprovar uma lei proibindo de forma mais explícita a publicação de biografias não autorizadas. Chico, Caetano, Gil e Roberto enrolam-se na mesma bandeira. Mas Bolsonaro faz questão de esclarecer, numa entrevista ao repórter Leonel Rocha, que foram eles que aderiram ao avesso do avesso, não o contrário.

No passado, a música aproveitava o regime que Bolsonaro defende para gritar um princípio que encontrou sua mais perfeita tradução nos versos repetitivos de Caetano: “Eu digo não ao não. Eu digo. É proibido proibir. É proibido proibir. É proibido proibir. É proibido proibir.” Hoje, a canção tornou-se a oportunidade que Bolsonaro aproveita:

“Aproveitarei a oportunidade para mostrar a eles que regras e proibições não atentam contra a democracia. Não é bem assim que a banda toca quando se defende a tese do ‘é proibido proibir’, como eles pregavam quando estavam na oposição. Uma censura se faz necessária de vez em quando”, aplaude o tenente da reserva do Exército. Disponível aqui, a entrevista do inusitado parceiro de Chico, Caetano, Gil e Roberto vai reproduzida abaixo:



– Como o senhor se sente defendendo a mesma tese que Chico Buarque, Gilberto Gil e Caetano Veloso?


São eles que estão defendendo minha tese. Dou-lhes boas-vindas em nome do clube dos sensatos. Até concordo com Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil que é preciso alguma censura. Aproveitarei a oportunidade para mostrar a eles que regras e proibições não atentam contra a democracia. Não é bem assim que a banda toca quando se defende a tese do “é proibido proibir”, como eles pregavam quando estavam na oposição. Uma censura se faz necessária de vez em quando. Se não houver certa censura na escola, imagine o futuro da molecada. Tem de ter. Chico, Caetano e Gil tinham liberdade para fazer oposição. Se não tivessem, teriam ido para o paredão. Não foram. Só não posso nem dizer que estou feliz na companhia deles. Fico feliz de estar, sim, ao lado de Roberto Carlos.

– O senhor entende por que eles mudaram de opinião?


 Foi o mesmo fenômeno que aconteceu com o PT. Antes, o PT defendia as minorias. Hoje, minorias, como os indígenas, prejudicam projetos deles, como a construção da usina de Belo Monte. Outras minorias, como os baderneiros black bloc, prejudicam o bom debate democrático. Para ficar como a esquerda era no passado, só falta a esse pessoal pegar em armas. Não vemos nenhuma palavra da presidente Dilma Rousseff a esse respeito. Por quê? Não tem moral para falar a respeito disso porque ela fez pior: fez escola.

– Não é estranho que pessoas que aparentemente pensam tão diferente umas das outras, como o senhor e os artistas, defendam a mesma tese?


Esporadicamente posso estar ao lado de quem sempre discordo. Posso torcer para seu time porque estou interessado na derrota de outro adversário. Eles podem estar constrangidos em estar a meu lado. Fico chateado, constrangido não.

– Por que o senhor é contra a publicação de biografias não autorizadas?

Defendo a liberdade de expressão e também o direito à privacidade. Se a Justiça fosse rápida, até defenderia a liberdade total de publicação e a punição financeira de quem comete abusos. Mas, depois que o texto sai, a Justiça demora anos para reparar erros. Quando isso acontece, raramente a compensação financeira cobre a perda moral causada pelos livros.

– A contribuição das biografias para a história não é maior do que essa polêmica?


 Depende. Os que farão as biografias serão do mesmo estilo dos que compõem a tal da Comissão da Verdade? Serão parciais que buscam apenas o sensacionalismo? E mais: a imprensa já não publicou tudo sobre a vida dessas personalidades? O que um biógrafo teria no bolso para apresentar como “furo”? Acho que nada.

– O senhor não lê biografias?

 Não. Tenho pouco tempo. Minha leitura é a internet e os jornais.

– Não tem nenhuma personalidade cuja biografia o senhor gostaria de ler?


 A da Dilma Rousseff, feita com testemunhas e sem falar da vida particular dela. Gostaria de saber se a presidente estava na operação da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) que explodiu um carro-bomba num quartel de São Paulo e matou o soldado Mário Kozel Filho. Qual o sentimento dela em relação aos familiares do Mário Kozel, que foram indenizados com um salário mínimo? Se alguém for ao Superior Tribunal Militar e publicar o processo a que Dilma respondeu quando era da luta armada, não tem nada de mais. São fatos, é história.

– Então, qual é o problema?


 Minha preocupação é que, num livro, fatos inverídicos sejam tidos como verdadeiros. A Comissão da Verdade pretende fazer uma biografia da história. Todos os seus sete componentes foram indicados pela presidente Dilma. Lá, não há um historiador sequer. Tem três advogados. Eles têm compromisso com o cliente, com quem paga. No caso, o governo. Como posso acreditar em biografias quando a Comissão da Verdade está tentando escrever sobre o passado, sem um só historiador na comissão? Perde o crédito. É uma comissão que faz populismo e desgasta uma classe importante para qualquer país, os militares. Quer vergar a coluna dessa instituição com mentiras e seguir avante com o plano bolivariano do atual governo. A Comissão da Verdade fará um relatório dizendo que, em 1964, houve um golpe. Omitirão que Castelo Branco foi eleito por 361 deputados, entre eles Ulysses Guimarães, José Sarney e Juscelino Kubitschek. Será uma biografia mentirosa do regime militar.

– Políticos corruptos serão beneficiados se forem publicadas apenas biografias autorizadas?

 
Concordo que há certos homens públicos sobre quem ninguém leria uma biografia autorizada. O livro encalharia.

– Por que obrigar a autorização prévia, então?


 Porque existem “historiadores mineradores”, que só querem arrancar dinheiro do biografado. Um biógrafo que queira contar a vida do empresário Eike Batista pode tentar tirar dinheiro dele. No meu caso, alguém pode escrever o maior absurdo para tentar me desqualificar. É o que acontece a conta-gotas na imprensa. Sou chamado de racista, e tenho um sogro quase “negão”. Isso me dói. Sou chamado de homofóbico porque descobri o “kit gay” que o governo queria distribuir nas escolas. Depois, a própria Dilma considerou inadequado. Palmas para Dilma. Não quer dizer que estou afinado com ela. Dilma recuou por pressão da bancada evangélica, não por minha causa. Eu estava no esculacho. Não tinha mais argumentos sérios para convencer o governo.

– Os aspectos pessoais não são importantes para entender suas posições políticas?


 Confesso que influenciaram. Mas não gostaria de ver publicados, porque mexem com coisas que podem tirar o brilho de minha carreira. Muita gente pode achar que minha carreira é a maior porcaria do mundo. Sou feliz em ser deputado. Tenho uma coisa que poucos têm: liberdade.

– O senhor não teme que biografias de líderes da ditadura manchem a imagem do segmento que o senhor defende?


 Não. O que os militares temem é a mentira. Os coronéis Brilhante Ustra e Licio Maciel (acusados de participar de sessões de tortura) são injustiçados. Na Segunda Guerra Mundial, os alemães preferiam se entregar aos soldados brasileiros porque eram tratados com dignidade. Nós tratamos os guerrilheiros com dignidade. Houve excessos, mas essa não era a regra.

– A possibilidade de escrever uma biografia livre não é importante para esclarecer eleitores e a sociedade em geral?


 Duvido que alguém seja contra contar a história de sua vida. A minha, por exemplo, é uma. A quem interessará, não sei. Quem sabe daqui a alguns anos? O que temo é a revelação das particularidades da vida privada. O direito à privacidade está garantido na Constituição. No meu caso, já falei muita besteira na Câmara, exagero muitas vezes, e um biógrafo pode interpretar da maneira que bem entender. O problema começa quando o biógrafo possa inferir sobre minha vida. Estou casado há cinco anos com uma funcionária da Casa. Logo depois, veio a lei que proíbe o nepotismo. Eu já estava casado. Apesar disso, demiti minha mulher para não ser acusado de não cumprir a lei. Um biógrafo poderia retratar meu caso como nepotismo.

– Tem mais alguma história sua que o senhor gostaria que não fosse publicada?


 Minha primeira separação. Há problemas que não gostaria que fossem revelados pela minha ex-mulher, mesmo sendo verdadeiros. A intimidade tem de ser respeitada. As pessoas julgam os outros em razão da intimidade revelada.

– Como o senhor avalia a ação da polícia no Rio e nas outras cidades?

 
Foi nota 10 na semana passada, com a prisão de um grupo grande de baderneiros. Eles não são trabalhadores nem estudantes. São marginais que queimam carros. Tem sido bom, porque a polícia começa a fichar e a instaurar processos para que não sejam réus primários no futuro. A repressão está até branda com esses marginais.

http://josiasdesouza.blogosfera.uol.com.br/2013/10/20/bolsonaro-boas-vindas-a-chico-caetano-e-gil/