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domingo, 24 de novembro de 2013

Mais que a lei da gravidade [Paulinho da Viola & Capinan]




Mais Que a Lei da Gravidade


O grão do desejo quando cresce

É arvoredo, floresce

Não tem serra que derrube

Não tem guerra que desmate

Ele pesa sobre a terra

Mais que a lei da gravidade




E quando faz um amigo

É tão leve como a pluma

Ele nunca põe em risco

A felicidade




Quando chegar dê abrigo

Beijos, abraços, açúcar

Só deseja ser comido

O desejo é uma fruta

E com ele não relute

Pois quem luta

Não conhece a força bruta

Nem todo mal que ele faz




Satisfeito é uma moça

Sorrindo, feliz e solta

Beije o desejo na boca

Que o desejo é bom demais

UM ASSOMBRO REMOTO


Na mitologia poética de Fernando Pessoa, o que caracteriza o discípulo — me lembra George Steiner em um memorável ensaio, Chuva de fogo — é a “capacidade de ser hipnotizado”. Na linhagem de seus célebres heterônimos, tanto Ricardo Reis como Álvaro de Campos se definem como discípulos de Alberto Caeiro. Ao ouvir a primeira lição de Caeiro, recorda Steiner, Campos experimentou “um choque sísmico”. A sentença proferida pelo mestre é, de fato, perturbadora: “Tudo difere de nós e é por isso que existe”.
Quando conversava com Caeiro, retoma ainda o crítico literário, Álvaro de Campos tinha a sensação física de “estar a discutir não com um outro homem, mas com um outro universo”. O paganismo de Caeiro, sua maneira direta e sem filtros de observar o mundo, é, sim, muito particular. Mas, em vez de fugir, Campos — relatava Pessoa — dele se aproximava mais ainda. A partir do contato com Alberto Caeiro, o discípulo chegou a uma conclusão difícil e um tanto repulsiva: “Pessoas inferiores não podem ter um mestre, posto que não têm o que é necessário para terem um mestre”. E o que é necessário? Justamente estar disponível para a experiência da hipnose, para o tal “choque sísmico” que revira o mundo de ponta cabeça e nos leva a ver o que, antes, parecia inexistente. E para isso — o nobre Campos me perdoe — não é preciso ter status social.
Foi o que senti quando, em 1969, me preparando para as provas do vestibular, tive uma conversa decisiva com José Rodrigues, meu professor de literatura francesa no Colégio Santo Inácio — hoje um diplomata em alguma parte do planeta. Desde menino, queria me tornar escritor. Minha idéia inicial era tornar-me poeta. A leitura de Bandeira, Vinicius e Cabral, em particular, feita ainda de calças curtas, me abalara de tal modo que eu não podia imaginar outro caminho a seguir. Meu pai me advertia: “Pare de sonhar e faça engenharia”. Sim: mesmo tendo desistido depois da poesia, eles foram, continuaram a ser e ainda hoje são — mesmo ausentes — meus mestres. Com Bandeira aprendi o amor lírico pelas coisas simples. Com Vinicius, o primado absoluto da paixão, elemento sem o qual nada que realmente preste se faz. Com Cabral, o papel decisivo do corte. Disse-me ele, muito mais tarde, que cortar é ainda mais importante que escrever. Mais ainda: que cortar é a verdadeira maneira de escrever. Você não pode ter piedade da palavra, nem se deixar enganar por sua falsa beleza, me aconselhou. Deve ser rígido, firme, intolerante, e cortar, cortar, cortar, até que o osso (a pedra) da palavra apareça à sua frente.
Mas retorno a meu diálogo decisivo com José Rodrigues, meu professor de literatura. Eu queria me tornar escritor — e por isso me preparava para o vestibular de Letras. Parecia-me o caminho natural. Rodrigues foi duro comigo (e recordo que era um brilhante professor de literatura francesa): “Se você quer ser escritor, faça tudo, menos Letras. Fazendo, sua mente será tomada por teorias, teses, gêneros, classificações, experimentações intelectuais. Tudo aquilo de que um poeta não precisa. Tudo aquilo que barra o caminho da poesia”. Sua apreciação, a princípio, me assustou. Ela arrancava de minhas mãos o fio em que eu me apoiava rumo à escrita. Cambaleei, o chão me fugiu e ainda tonto perguntei: “Mas, então, o que devo fazer?”. Rodrigues parou um pouco para pensar. Ruminou algumas palavras que não chegou a concluir e depois, num ímpeto, me disse: “Faça jornalismo!”. Jornalismo? Meu pai, José Ribamar, foi jornalista profissional. Durante muitos anos foi o setorista de O Globo no Senado Federal, quando o Rio de Janeiro ainda era a capital da República. Talvez “contra o pai”, em busca de minha afirmação individual, jamais pensara em me tornar jornalista. E um professor de literatura me dizia que, para me tornar escritor, tinha que estudar Jornalismo, e não Letras?
Ali, naquele segundo semestre de 1969, depois de freqüentar durante dois anos e meio as aulas de José Rodrigues, tornei-me, enfim, seu discípulo. Ele me hipnotizara. Sempre acreditei que houve nisso um pouco de fraqueza de minha parte; que todo hipnotizado se torna, um pouco, um objeto. Agora, quase meio século depois, releio as palavras de George Steiner em seu ensaio sobre Pessoa: “A capacidade de ser hipnotizado distingue as personalidades fortes. Estas retêm sua individualidade transmutada após terem passado pela intervenção do mestre”. Mas então eu fui forte, e não fraco! Os argumentos de José Rodrigues eram dois e eram simples. Primeiro: o jornalismo me obrigaria a escrever diariamente, não permitiria jamais que eu me afastasse das palavras. Em segundo lugar e, de acordo com Rodrigues, a mais importante: o jornalismo nos empurra drasticamente para a realidade, nos lança sobre ela sem nenhuma delicadeza ou mesura, e esse choque direto com o real, que nos contamina quase que como um veneno, é indispensável para a formação do escritor. Pelo menos para aqueles que não querem ser apenas escritores “de gabinete”.
Não me arrependo de ter seguido as instruções de meu mestre. Muito ao contrário, hoje me orgulho de ser jornalista também. Não cheguei a ser poeta. Faço uma literatura oscilante, que estremece entre os gêneros e os estilos. Sei que, como escritor, tenho uma identidade fluida, que alguns talvez vejam como insuficiente. Nada disso me perturba, eu sigo meu caminho. E a ele cheguei, a verdade é essa, graças ao jornalismo. Poderia aqui repetir as palavras de Álvaro de Campos a respeito de seu encontro com o mestre Caeiro: “E, a partir de então, para melhor ou para pior, eu tenho sido eu”.
NOTA
O texto Um assombro remoto foi publicado no blog A literatura na poltrona, mantido por José Castello no site do jornal O Globo. A republicação no Rascunho faz parte de um acordo entre os dois veículos.


sábado, 23 de novembro de 2013

¿Un affaire es señal de que todo va mal en la pareja?


Por: Anne Cé | 20 de noviembre de 2013


Si todo ha sido puesto en cuestión ya en territorios de amor, orientación sexual, paternidad y poliamor, ¿por qué es tan difícil poner en duda la monogamia?, se pregunta la experta Esther Perel en uno de sus interesantes artículos, que se puede consultar, completo, aquí.

Días atrás, Venus sugería, en este mismo espacio, que "los únicos infieles que realmente se sienten culpables son los que ven sus aventuras como algo malo, pero a la vez sienten una atracción intensa hacia otra persona".



Getty Images.

Y en eso llegó la última de Woody Allen, Blue Jasmine, que se anuncia como el drama de la denuncia de los desfalcos de los chicos de la bolsa neoyorkina, pero que se alza, ante todo, sobre la piedra de la necedad y la locura de celos de una esposa engañada (entre comillas), interpretada por Cate Blanchett. La traición tiene la cara de Alec Baldwin y el cuerpo de un dandy con casa en Los Hamptons, que además de los líos de Manhattan, se permite enamorarse en París.


Es cierto que esta vez Woody Allen cose con puntada gruesa este guión dramático sobre cómo cambian las relaciones, los umbrales de tolerancia y las ganas de mirar hacia otro lado cuando la cuenta bancaria se queda en rojo y los ricos se ponen el uniforme de presidiarios. Sin embargo, la película vale por el retrato de esa mujer (magnífica Blanchett) que creyó haber nacido con 'buenos genes' y merecerse una vida de placeres mundanos y displicencia, hasta que un paso en falso, quizá el suyo propio, tiñe esa existencia con la luz cálida de un vestidito pastel y de un mantel color nácar de 'azul oscuro casi negro' (en este caso, el del Pacífico en la Bahía de San Francisco).


Jasmine/Blanchett y Hal/Baldwin, un matrimonio como los que 'dibuja' Woody Allen

"Hacía el amor como nadie", evoca Jasmine cuando todo se ha derrumbado, frente a una indiferente pasajera del vuelo que la lleva de Park Avenue al sofá de su hermana, en San Francisco. Nadie sabrá nunca si es verdad que esos recuerdos del hombre que la complacía como nadie tienen algo que ver con la realidad o son fruto de su memoria creadora (todas hemos probado con fantasías un poco edulcoradas, alguna vez).

Como sea, la mujer del corrupto habla sola o tiene que entablar diálogos prosaicos con los amigos mecánicos de su hermana (por cierto, una gran disfrutadora de las relaciones eróticas). Apenas le queda a Jasmine la idealización infinita de aquellas sábanas caras pagadas con dinero ajeno... o buscarse un nuevo marido.

Este es Woody Allen, a vueltas con la monogamia.

¿Por qué es intocable la monogamia?, se pregunta Esther Perel, la terapeuta norteamericana que suele dar con la cuestión indicada.

¿Hay respuesta? En su sitio web, Perel plantea cuestiones realmente peliagudas, de esas que nos hacen discutir acaloradamente en una sobremesa con amigos o en la barra del bar. Y todo porque hay temas que nos duelen, que nos sacan la cascarita de alguna herida sentimental y queremos taparla rápido, de nuevo, con argumentos.

Tráiler de 'Blue Jasmine' de Woody Allen, con Cate Blanchett y Alec Baldwin.

Insiste Perel en que hoy todo está puesto en cuestión y todo es aceptado o aceptable: parejas del mismo sexo, transgénero, padres solteros, etcétera, etcétera, pero la monogamia no se toca. Y propone un ejercicio: imaginarnos a una mujer que se ha casado seis veces en su vida, o sea que está divorciada cinco veces. E imaginarnos, a continuación, a otra mujer que ha estado casada durante cincuenta años y tiene un amante cada diez años. ¿Quién será la que se lleve un juicio más severo?

La experta cuestiona la idea de que tener un affaire sea señal de que algo va mal en la pareja. Y sostiene que una aventura no es consecuencia directa de nada, simplemente sucede y no le ofrecemos resistencia. Hay veces en que esas aventurillas dan en el blanco. En ocasiones, nos propulsan "más allá de nuestras fronteras". Es natural, la sed de vida provoca encuentros. El disparador son nuestras ganas de vivir, respirar, tener esperanzas. El empujón que da el deseo erótico, afirma Perel, nos lleva más allá de lo ordinario.

Así, nosotros nos preguntamos, con ella: ¿quién no quiere echar un vistazo un poco más allá alguna vez? La intensidad de los debates que el tema provoca en EE.UU. y en otros países occidentales ilustra "la paradójica tensión entre dos estimables ideales americanos: la libertad y la responsabilidad individual", en palabras de Perel. Tensión que se expresa en una travesía sin salida entre el derecho a la felicidad y el sentido de la obligación y el compromiso.

Acerca del secreto del deseo en una pareja de larga duración habla Esther Perel.

La terapeuta recuerda las discusiones en torno al affaire Clinton y los escritos del sociólogo Robert Bellah, que le permitieron ver claro que, en el marco de nuestra ideología moderna sobre el amor y el matrimonio, un principio fundamental es que se trata de una empresa de libre elección. Aunque las bodas y las ceremonias de compromiso sean eventos públicos, la pareja es un asunto privado y (en la actualidad y en Occidente) una expresión espontánea de libertad interior, profundamente personal y voluntaria.

Esta idea de la responsabilidad individual va unida a la noción de que, entonces, lo que nos toca es ejercer el control sobre nosotros mismos y sobre todo lo que suceda en nuestra vida. Ciertamente, Perel está poniendo en cuestión la gran noción de la responsabilidad, para concluir en que un lío es una señal de debilidad, una muestra de un carácter "con imperfecciones". Dicho esto, claro está, con todas las reservas y la ironía del caso, porque ¿quién tiene o quién quiere una vida sin 'imperfecciones'?.

http://blogs.elpais.com/eros/2013/11/tener-un-affaire.html

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Complicated Life




                                                               "Complicated Life"

Well I woke this morning with a pain in my neck,
A pain in my heart and a pain in my chest,
I went to the doctor and the good doctor said,
You gotta slow down your life or you're gonna be dead,
Cut out the struggle and strife,
It only complicates your life.

Well I cut down women, I cut out booze,
I stopped ironing my shirts, cleaning my shoes,
I stopped going to work, stopped reading the news,
I sit and twiddle my thumbs cos I got nothing to do,
Minimal exercise,
To help uncomplicate my life,
Gotta stand and face it life is so complicated,
Ladi dah di dahdah, ladi dah di dah dah,
You gotta get away from the complicated life, son,
Life is overrated, life is complicated,
Must alleviate this complicated life.

Cut out the struggle and strife,
It's such a complicated life.

Like old Mother Hubbard
I got nothin' in the cupboard,
Got no dinner and I got no supper,
Holes in my shoes, I got holes in my socks,
I can't go to work cos I can't get a job,
The bills are rising sky high,
It's such a complicated life,
Gotta stand and face it,
Life is so complicated.
Ladi dah di dahdah, ladi dah di dah dah
Gotta get away from the complicated life, son,
Life is overrated, life is complicated,
Must alleviate this complicated life.

Gotta get away from the complicated life, son,
Gotta get away from the complicated life.


Originally written by Ray Davies of the Kinks, this song is performed by the Preservation Hall Jazz Band featuring Clint Maedgen on vocals. Filmed mid-2005, this music video features Clint Maedgen, the Preservation Hall Jazz Band and a guest appearance by the New Orleans Bingo! Show.

Samba em Preludio - Esperanza Spalding -


quinta-feira, 21 de novembro de 2013

... Quando eu fui ver, esse artigo que havia explodido.

Da relação entre limpar seu próprio banheiro e abrir sem medo um Mac Book no ônibus

por DANIEL DUCLOS em 13/11/2013

mac_bus
Antes de começar, uma introdução: esse artigo é antigo. É de 2009, e foi publicado em meu blog pessoal e lá ficou escondido até janeiro desse ano (2013).
Daí em janeiro eu notei que o Ducs estava com acessos anormalmente altos. Fui ver de onde vinham e descobri que era desse meu blog pessoal. Pensei "né possível, esse blog nem cadastrado no Google está." Quando eu fui ver, esse artigo que havia explodido.
O texto teve mais de 150 mil acessos em um par de dias (e não parou de crescer desde então), está com mais de 50 mil "curtidas" no Facebook, foi tuitado diretamente mais de 800 vezes, e isso sem contar os outros lugares onde foi reproduzido na íntegra. Isso em um um texto que não teve divulgação, não estava no Google e tem um título enorme e complicado, contrário a qualquer ensinamento de problogagem.
Até hoje recebe muitos acessos e continua sendo republicado pela web afora. Ele foi discutido em sala de aula de colegial e universidade, foi espontaneamente traduzido pro espanhol e recebi contatos de brazucas do mundo todo sobre ele.
Por popular não quero dizer que todos gostem ou concordem com ele. Recebi minha cota de pessoas me xingando. E muitas críticas também.
Algumas pessoas parecem se incomodar pelo texto não ser uma análise sociológica completa, imparcial e rigorosamente científica. Não é e nem quer ser. É um post de blog, curto, parcial, e tem orgulho disso.
Desde 2009 eu aprendi muito mais sobre a sociedade holandesa (e sobre a brasileira), como o seu PS original previa, e hoje vejo muito mais nuances do que via em 2009. Apesar disso o texto continua atual e causando reflexão nas pessoas.
Como autor, eu não poderia pedir mais.
Abaixo, o texto original, incluindo o PS da época, sem correções nem adições.

Da relação entre limpar seu próprio banheiro e abrir sem medo um Mac Book no ônibus

A sociedade holandesa tem dois pilares muito claros: liberdade de expressão e igualdade. Claro, quando a teoria entra em prática, vários problemas acontecem, e há censura, e há desigualdade, em alguma medida, mas esses ideais servem como norte na bússola social holandesa.
Um porteiro aqui na Holanda não se acha inferior a um gerente. Um instalador de cortinas tem tanto valor quanto um professor doutor. Todos trabalham, levam suas vidas, e uma profissão é tão digna quanto outra. Fora do expediente, nada impede de sentarem-se todos no mesmo bar e tomarem suas Heinekens juntos. Ninguém olha pra baixo e ninguém olha por cima. A profissão não define o valor da pessoa – trabalho honesto e duro é trabalho honesto e duro, seja cavando fossas na rua, seja digitando numa planilha em um escritório com ar condicionado. Um precisa do outro e todos dependem de todos. Claro que profissões mais especializadas pagam mais. A questão não é essa. A questão é “você ganhar mais porque tem uma profissão especializada não te torna melhor que ninguém”.
Profissões especializadas pagam mais, mas não muito mais. Igualdade social significa menor distância social: todos se encontram no meio. Não há muito baixo, mas também não há muito alto. Um lixeiro não ganha muito menos do que um analista de sistemas. O salário mínimo é de 1300 euros/mês. Um bom salário de profissão especializada, é uns 3500, 4000 euros/mês. E ganhar mais do que alguém não torna o alguém teu subalterno: o porteiro não toma ordens de você só porque você é gerente de RH. Aliás, ordens são muito mal vistas. Chegar dando ordens abreviará seu comando. Todos ali estão em um time, do qual você faz parte tanto quanto os outros (mesmo que seu trabalho dentro do time seja de tomar decisões).
Esses conceitos são basicamente inversos aos conceitos da sociedade brasileira, fundada na profunda desigualdade. Entre brasileiros que aqui vêm para trabalhar e morar é comum – há exceções -  estranharem serem olhados no nível dos olhos por todos – chefe não te olha de cima, o garçom não te olha de baixo. Quando dão ordens ou ignoram socialmente quem tem profissão menos especializadas do que a sua, ficam confusos ao encontrar de volta hostilidade em vez de subserviência. Ficam ainda mais confusos quando o chefe não dá ordens – o que fazer, agora?
Os salários pagos para profissão especializada no Brasil conseguem tranquilamente contratar ao menos uma faxineira diarista, quando não uma empregada full time. Os salários pagos à mesma profissão aqui não são suficientes pra esse luxo, e é preciso limpar o banheiro sem ajuda – e mesmo que pague (bem mais do que pagaria no Brasil) a um ajudante, ele não ficará o dia todo a te seguir limpando cada poerinha sua, servindo cafézinho. Eles vêm, dão uma ajeitada e vão-se a cuidar de suas vidas fora do trabalho, tanto quanto você. De repente, a ficha do que realmente significa igualdade cai: todos se encontram no meio, e pra quem estava no Brasil na parte de cima, encontrar-se no meio quer dizer descer de um pedestal que julgavam direito inquestionável (seja porque “estudaram mais” ou “meu pai trabalhou duro e saiu do nada” ou qualquer outra justificativa pra desigualdade).
Porém, a igualdade social holandesa tem um outro efeito que é muito atraente pra quem vem da sociedade profundamente desigual do Brasil: a relativa segurança. É inquestionável que a sociedade holandesa é menos violenta do que a brasileira. Claro que aqui há violência – pessoas são assassinadas, há roubos. Estou fazendo uma comparação, e menos violenta não quer dizer “não violenta”.
O curioso é que aqueles brasileiros que queixam-se amargamente de limpar o próprio banheiro, elogiam incansavelmente a possibilidade de andar à noite sem medo pelas ruas, sem enxergar a relação entre as duas coisas. Violência social não é fruto de pobreza. Violência social é fruto de desigualdade social. A sociedade holandesa é relativamente pacífica não porque é rica, não porque é “primeiro mundo”, não porque os holandeses tenham alguma superioridade moral, cultural ou genética sobre os brasileiros, mas porque a sociedade deles tem pouca desigualdade. Há uma relação direta entre a classe média holandesa limpar seu próprio banheiro e poder abrir um Mac Book de 1400 euros no ônibus sem medo.
Eu, pessoalmente, acho excelente os dois efeitos. Primeiro porque acredito firmemente que a profissão de alguém não têm qualquer relação com o valor pessoal. O fato de ter “estudado mais”, ter doutorado, ou gerenciar uma equipe não te torna pessoalmente melhor que ninguém, sinto muito. Não enxergo a superioridade moral de um trabalho honesto sobre outro, não importa qual seja. Por trabalho honesto não quero dizer “dentro da lei” -  não considero honesto matar, roubar, espalhar veneno, explorar ingenuidade alheia, espalhar ódio e mentira, não me importa se seja legalizado ou não. O quanto você estudou pode te dar direito a um salário maior – mas não te torna superior a quem não tenha estudado (por opção, ou por falta dela). Quem seu pai é ou foi não quer dizer nada sobre quem você é. E nada, meu amigo, nada te dá o direito de ser cuzão. Um doutor que é arrogante e desonesto tem menos valor do que qualquer garçom que trata direito as pessoas e não trapaceia ninguém. Profissão não tem relação com valor pessoal.
Não gosto mais do que qualquer um de limpar banheiro. Ninguém gosta – nem as faxineiras no Brasil, obviamente. Também não gosto de ir ao médico fazer exames. Mas é parte da vida, e um preço que pago pela saúde. Limpar o banheiro é um preço a pagar pela saúde social. E um preço que acho bastante barato, na verdade.
PS. Ultimamente vem surgindo na sociedade holandesa um certo tipo particular de desigualdade, e esse crescimento de desigualdade tem sido acompanhado, previsivelmente, de um aumento respectivo e equivalente de violência social. A questão dos imigrantes islâmicos e seus descendentes é complexa, e ainda estou estudando sobre o assunto.


Leia mais em: Da relação entre limpar seu próprio banheiro e abrir sem medo um Mac Book no ônibus — Ducs Amsterdam http://www.ducsamsterdam.net/da-relacao-entre-limpar-proprio-banheiro-abrir-sem-medo-mac-book-onibus/#ixzz2lITzHivN 
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Photo: em poucos dias...

Daniel Duclos (Daniduc), é um brazuca que mora na Holanda com a esposa, também brasileira, desde novembro de 2007. Criou o Ducs Amsterdam, o qual escreve, fotografa e edita. Em 2011 lançou um guia de Amsterdam e virou pai de uma linda garotinha, com quem redescobre o mundo todos os dias.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

momentos






Há momentos na vida em que sentimos tanto a falta de alguém que o que mais queremos é tirar essa pessoa dos nossos sonhos e abraçá-la.




Clarice Lispector

"Quando a Palavra Era um Verbo"


Autor: Sara Rodrigues da Costa

Colecção: Prazeres Poéticos

Páginas: 71

Data de publicação: Junho de 2011

Género: Poesia



"Sou eu,

Ou serei,

Para lá caminho.

Para os dias em que os nossos actos

Nos elevam a quem somos

E não ao projecto do que podemos ser.

Sou eu

Ou serei,

Para lá caminho.

Para os momentos em que somos filtros,

Deixamos o banal

E não interessam as palavras que digo

Mas sim a força com que as grito."



No poema perdi-te,

Vi-te morrer.

No poema

Continuei a fingir que não morremos nunca,

No poema desenhei-te,

Traço por traço,
Sombra por sombra.
No poema desenhaste-te,
Fizeste-te vivo em palavras.

No poema despedi-me
Sem dizer adeus.
No poema falei de morte
E deixei de dar nomes às coisas,
Na vida, na morte e no poema,
Esquecemos a forma
E lembramos apenas o sentido.

sara rodrigues costa
in quando a palavra era um verbo (Chiado Ed., 2011)

Fábrica de Escrita

A BAHIA NA TELA

Introducing an artist and his art from my home town Bahia/Brazil, Henrique Passos.
http://www.henriquepassos.com/?p=home

His work speaks for itself...


Enjoy!!!!



Querida Salvador



Que bom te ver! Que bom te conhecer! Eternamente Linda de Todos os Encantos, de Todos os Santos e Axés!

Musa que me inspira de tão linda que és!

Hoje, acordei com vontade de te retratar e mostrar a beleza de tuas curvas, de tuas cores, de tua luz que reluz e me faz sonhar.

Sonhar como poeta que morre de amor por ti! Que saudade de tuas antigas ruas, das torres e sobrados que a cada detalhe me faz lembrar o nosso primeiro encontro.

O que tiraram de ti vou reconstruindo e te devolvendo em traços e cores, apagando as dores que um dia te fizeram sentir.

Tua história, tua beleza serão eternas e como pintor te imortalizarei em minhas telas, sempre te retratando.

Como disse o “Poetinha” somos responsáveis por quem amamos, sendo assim, sempre cuidarei de ti meu Grande Amor! Será Eternamente Linda! Juntos teremos muitas histórias para contar.


Henrique Passos (463 anos de Salvador – 29 de março/2012).



Salvador Vista do Mar - 2013



+ Ver detalhes
tamanho real: 78x136cm
Barra - Forte de Santa Maria - 2013



+ Ver detalhes
tamanho real: 54x73cm
Barra - Forte de Santa Maria - 2013



+ Ver detalhes
tamanho real: 75x140cm


tamanho real: 100x150cm
Festa de Iemanjá.



+ Ver detalhes
tamanho real: 100x160cm




tamanho real: 62x100cm
                                              



" Zumbi " - Jorge Ben Jor


O jornal dos sonhos




Todo homem tem o jornal pessoal dos seus sonhos.
Sou um incurável gutenberguiano e curto jornal de papel. Passei a maior parte da minha existência gastando sola de sapato e cadernos de anotações, duas coisas fundamentais para um homem de imprensa.
Os jornais de papel que existem na praça possuem certezas demais e não me satisfazem no momento –e aqui incluo minhas humaníssimas gotas lacrimejantes de nostalgia na parada, óbvio, o que seria de uma criatura se não se pusesse nostálgica até pelo ocorrido da última hora?.
O jornal dos sonhos carece de um certo lirismo bêbado e irresponsável, aquela onda “vai ser gauche na vida”, o lirismo anárquico, jamais um se dobre à direita, donde já se viu sinal tão troncho, meu jovem.
O jornal dos sonhos larga tinta e suja a tapioca branquinha da rotina.
O jornal dos sonhos tem que ter mulher na manchete diariamente. Mulher fez isso, mulher fez aquilo, mulher acordou, mulher dormiu, mulher e um verbo. Um jornal de verdade só precisa de mulher e um verbo.Talvez sangrentas exclamações uma vez por mês!!!
Jornalismo é sangue e amor!!!
Jane Fonda subindo aos ares como  Barbarella, por exemplo, é manchete em seis colunas.
Uma boa rótula de uma galega que acabo de ver aqui na Miguel Lemos é manchete.
Meu novo amor que precisa de um hotel com varanda é manchete!!!
Mas eis que me sinto vingado!
Eis que meu amado Paulo Mendes Campos me sai com o seu “Diário da Tarde”. Alvíssaras, meus camaradas, desbocarro-me em risadas tantas e celebro a notícia. Da janela de Copacabana, ai de mim, estouro duas caixas de fogos Caramuru, comemoração sem barulho constrange minha alminha vira-lata nada zen.
O “DT” até havia saído em forma de livro. Era dos 80. Mas agora saiu como PMC, o cronista do “o amor acaba”, queria, gostaria mesmo, imagino. Um tablóide dos sonhos, meu caro Flavio Pinheiro, meus renovados parabéns e longa vida, amigo.
O “Diário da Tarde’ é o meu jornal e pode ser folheado, como recomendava seu diretor de redação, “num lindo dia de chuva, à falta de uma boa pilha de revistas”.
Em tempos de mais de 30 0×0 no campeonato nacional -vai, Corinthians!-, o meu jornal berra em crônica esportiva: “O gol é necessário”. O gol é o pão do povo. Morte a quem inventou o ferrolho, a retranca, como os suíços na Copa de 50.
“Você gosta de angu à baiana?”, perguntou Garrincha ao nosso amado PMC. Assim eles se encontraram, botafogamente ao crepúsculo de General Severiano.
Notícias quentinhas que você só lê no “Diário da Tarde”. Garrincha prometeu o angu, mas driblou o cronista, tinha mais o que fazer: foi matar passarinho no arvoredo de Pau Grande.
O “Diário da Tarde” é assim, como vou contando aqui.
O “DT” é de fácil de entendimento e assim estão distribuídas as editorias do mesmo: Artigo indefinido, Coriscos, O Gol é necessário, Poeta do dia, Bar do Ponto, Piripau, Grafite e Suplemento Infantil. Ilustrações: Veridiana Scarpelli.
Vamos todos ler o “Diário da Tarde”, minha gente, conclamo. Lá tem até o Jayme Ovalle dizendo coisas: o importante não é gostar ou não do uísque, “o importante é saber se o uísque gosta da pessoa”.
No capítulo bebedeira, o jornal se esmera, folgado, folgazão.
PMC revela, por exemplo, que o pior bêbado é o que tem razão para beber. O bêbado de tese, o bêbado em dor-de-cotovelo, o bêbado que sabe de cor os embargos infringentes.
Leia também no seu “Diário da Tarde”: o milagre da vida está em Walt Whitman. Quem há de discordar? Eu mesmo não sou doido. Eu vejo W.W. em tudo, até na bunda da mulata que sobe agora faceira a escadaria de Cantagalo. Há vida, há Whitman.
O “Diário da Tarde” só tem um defeito: tem futebol, tem drama, tem a dor da gente, tem poesia, tem jazz, tem o coração das trevas… só não tem horóscopo. (Sim, senhor diretor de redação, também sou supersticioso, viver dá azar etc.)
E para terminar a nossa preleção, caros colegas, reparem que pérola atualíssima do nosso homem de imprensa Paulinho Mendes Campos, gênio-mor das Geraes e região:
“Hai-kai: Pobre/apanha/até da mãe”.
O “Diário da Tarde”(ed.IMS) está à venda nas boas casas do ramo, tem 96 páginas e custa 44,90 mangos.  Gastar é gosto.
Como você faria o jornal do sonho?

http://xicosa.blogfolha.uol.com.br/2013/11/20/o-jornal-dos-sonhos/

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Homem à Delícia




Publicado em 8 de julho de 2012 por Borboletas nos Olhos


(aviso aos navegantes mais apressados:a receita mesmo está no último parágrafo, tá)



Pensando nesta receita, eu ia pegar a analogia e começar dizendo: para homem à delícia, não pode faltar a banana. E foi bem aí que eu entendi como é fácil ser cruel, sem saber, sem notar, até sem querer. Pela palavra. Porque acriticamente eu ia repetir um pressuposto naturalizado de que ser homem corresponde a ter um pênis. E eu fui, ao longo do tempo e das relações, aprendendo que não é uma relação direta, mas construída socialmente e que pode – e precisa – ser repensada. De forma que estou decidindo fazer um esforço intencional de escolher com cuidado não só os ingredientes da receita, mas as palavras para dizer. Porque, afinal, meu mundo ideal é o da gentileza. Ainda estou no processo, mas acho que não custa tentar dar um passinho de cada vez. Esqueçam, então, por agora, a banana.

Vamos aos ingredientes e procedimentos que realmente importam. Junte a fome com a vontade de comer. Aqueça. Esfrie. Roce. Amasse. Pegue e requebre. Torça, mas devagar. Prove. E, claro, não se deve esquecer: Homem à Delícia é o da hora. É uma receita sazonal.

Para mim, sempre cai bem um homem com olhar antigo, um sorriso meio de lado e mãos quentes. Quentinhas, as tais mãos devem ser usadas com frequência seja cozinhando, pescando, tocando, mexendo na terra, marcenaria ou só dedilhando meu corpo. Melhorando: um homem que se sinta à vontade em comer, andar, dançar, dormir, trepar. Opcionais: barba, cheirinho de cerveja e cigarro, dançar forró, gostar de Bergman e torcer Flamengo. No dizer dos cozinheiros, pra dar liga: sacar que sexo é divertido.Homem à delícia é aquele que tira meus pés do chão.



Assim:

É bom que ele seja inesquecível, tenha estilo único e me dê a sensação de estar sempre lá. A não ser quando não.Que antecipe meu passo, que me ponha tonta, que segure a minha mão. Um homem elegante, mas com um ar meio vagabundo. Que faça eu me sentir bonita como nunca e me revele uma alegre divorciada. Que sapateie na areia pra me fazer dormir*. Que me convide pra dançar um ritmo louco. Que, estando ao meu lado, me faça sentir como uma Cinderela em Paris vivendonúpcias reais. Um homem que me dê classe e que me faça graciosa. Um homem que seja insubstituível. Outro amor, sim, muitos. Outros. Mas nunca como ele. Nem melhor, nem pior. Diferente. Um homem é que ele me faça falta. Delícia mesmo é estar com ele em um rodopiante abraço, leve, terno, sensual.

Quer simplificar a receita? Vamos lá, Homem à Delícia demanda…

Que seja livre.



Que saiba gemer, pedir e chorar.



Que faça, do beijo, tempestade no corpo. (a incorporação não é permitida, mas o beijo está aqui)

Que…Dureza, né? São cenas demais, referências demais, esperanças demais, futuros demais. Mais simples é pegar uns filés de peixe e tentar um peixe à delícia versão biscate-borboleta. Quer saber como? Separe uns filés de um peixe que não seja muito seco… pode ser pargo, guaiúba, ariacó. Tempere com sal e pimenta do reino. Pode colocar um pouco de canela ou páprica doce. Eu coloco sempre. Deixe pegar gosto e vá fritar as bananas. Sim, aqui no peixe não tem problema. Corte em fatias não muito finas e frite na manteiga. Reserve. Empane os peixes com farinha de trigo e frite-os em óleo quente. Reserve também. Corte cebola em quadradinhos miúdos. Ou rale, se preferir. Misture com requeijão. Em um refratário, vai montando: peixe, um pouco do requeijão com cebola, a banana e cobrindo tudo uma fatia de queijo prato ou mussarela. Leve ao forno até o queijo derreter.

Gosto do cheiro. Do sabor. Da textura. Pode ser peixe. Pode ser homem. No meu caso, até agora, com banana. Mas cada um@ com a fruta que lhe apetece.


http://biscatesocialclub.com.br/2012/07/homem-a-delicia/

NOTA: Mudei o video que representa "ser livre" por que o original não foi permitido. RS

 

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

"VIVEMOS TEMPOS LÍQUIDOS. NADA É PARA DURAR” - ZYGMUNT BAUMAN

em recortes por  em 09 de nov de 2013 às 23:05

Estamos cada vez mais aparelhados com iPhones, tablets, notebooks, tudo para disfarçar o antigo medo da solidão. O contato via rede social tomou o lugar de boa parte das pessoas, cuja marca principal é a ausência de comprometimento. Este texto tem como base a ideia de líquido, característica presente nas relações humanas atuais, inspirado na obra "Amor Líquido" - sobre a fragilidade dos laços humanos, de Zigmunt Bauman. As relações se misturam e condensam com laços momentâneos, frágeis e volúveis. Em um mundo cada vez mais dinâmico, fluido e veloz, seja real ou virtual.
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O sociólogo polonês Zygmunt Bauman é um dos intelectuais mais respeitados da atualidade. Aos 87 anos seus livros publicados venderam mais de 200 mil cópias. Um resultado e tanto para um teórico.
Entre eles “Amor liquido” é talvez o livro mais popular de Bauman no Brasil. É neste livro que o autor expõe sua análise de maneira mais simples e próxima do cotidiano, analisando as relações amorosas e algumas particularidades da “modernidade liquida”. Vivemos tempos líquidos, nada é feito para durar, tampouco sólido. Os relacionamentos escorrem das nossas mãos por entre os dedos feito água.
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Ele tenta nos mostrar nossa dificuldade de comunicação afetiva. Todos querem relacionar-se, mas chega na hora, não conseguem. Seja por medo ou insegurança.
Bauman cita como exemplo um vaso de cristal, na primeira queda, quebra. As relações terminam tão rápido quanto começam, as pessoas pensam terminar com um problema cortando seus vínculos, mas o que fazem mesmo é criar problemas em cima de problemas.
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É um mundo de incertezas. E cada um por si. Temos relacionamentos instáveis, pois as relações humanas estão cada vez mais flexíveis. Acostumados com o mundo virtual, e com a facilidade de se “desconectar” as pessoas não conseguem manter um relacionamento de longo prazo.
É um amor criado pela sociedade atual (modernidade líquida) para tirar-lhes a responsabilidade de relacionamentos sérios e duradouros.
Pessoas estão sendo tratadas como bens de consumo, caso haja defeito, descarta-se ou até mesmo troca-se por versões mais atualizadas.
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O romantismo do amor parece estar fora de moda. O amor de verdade foi banalizado, diminuído a vários tipos de experiências vividas pelas pessoas, na qual se referem a estas utilizando a palavra amor. Noites descompromissadas de sexo são chamadas “fazer amor”. Não existem mais responsabilidades de estar amando, a palavra amor é usada mesmo quando as pessoas nem sabem direito seu real significado.
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Ainda para tentar explicar a relações amorosas
em “Amor Líquido”, Zygmunt Bauman fala da “ Afinidade e Parentesco.” O parentesco seria o laço irredutível e inquebrável é aquilo que não nos dá escolha
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A afinidade é, ao contrário do parentesco, voluntária. A afinidade é escolhida. Porém, e isso é importante, o objetivo da afinidade é ser como o parentesco.
Entretanto, vivendo em uma sociedade de total “descartabilidade” até as afinidades estão se tornando raras.
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Bauman fala também sobre o amor próprio. Afirma que as pessoas precisam se sentir amadas, ouvidas, amparadas ou que sintam sua falta. Segundo ele ser digno de amor é algo que só o outro pode nos classificar, o que fazemos é aceitar essa classificação.
Mas com tantas incertezas, relações sem forma, líquidas, na qual o amor nos é negado como teremos amor próprio?
Os amores e as relações humanas de hoje são todos muito instáveis. E assim não temos certeza do que esperar. Relacionar-se é caminhar na neblina, sem a certeza de nada. É uma descrição poética da situação.
"Para ser feliz há dois valores essenciais que são absolutamente indispensáveis [...] um é segurança e o outro é liberdade, você não consegue ser feliz e ter uma vida digna na ausência de um deles. Segurança sem liberdade é escravidão. Liberdade sem segurança é um completo caos. Você precisa dos dois. [...] Cada vez que você tem mais segurança você entrega um pouco da sua liberdade. Cada vez que você tem mais liberdade você entrega parte da segurança. Então, você ganha algo e você perde algo". Bauman

domingo, 17 de novembro de 2013

ZIZI POSSI - PEDAÇO DE MIM





O eu e suas memórias

Edição 2002 de 17 a 23 de novembro de 2013
Ensaio

A melhor ficção é sobre si mesmo, a autobiografia, nesta época em que biografia entrou em pauta como o paradoxo entre a livre expressão e a invasão da privacidade
Nei Duclós
Especial para o Jornal Opção
Autobiografia é invasão da própria privacidade. Não consentida, porque o personagem alvo — alguém que já fomos — quer permanecer oculto e é devassado pelo seu mais cruel inimigo, a consciência do já vivido, a longevidade que inflete sobre a inocência e sua perversidade. Mal que pertence à vida, não se trata de patrimônio pessoal, embora a viagem íntima a esse outro eu (considerado o legítimo, o verdadeiro) seja o veículo para que esse mal se revele. O objetivo, entre os grandes autores, não é lavar a estátua, mas extirpá-la e colocar no pedestal, provisório porque humano, alguém desconhecido dos leitores da obra do autor e até mesmo dele. Autobiografia é para pessoas que precisam escrever sobre si para redescobrir-se. Ou pelo menos para entender suas origens e os eventos que o transformaram numa criatura de rosto diverso.

Esse outro eu é uma criatura misteriosa, que contraria a imagem cristalizada do autor/personagem. É para pegar de volta sua humanidade, perdida na notoriedade e na interferência excessiva do mundo e do tempo, que o escritor se volta para o sujeito que existe em si e reclama um pouco de verdade. É essa viagem íntima que retoma o caminho que é a fonte da própria literatura, pois foi a partir da escassez humana da pessoa em formação que a arte encontrou insumos, subsídios e sentidos que a tornaram grande. Jean Paul Sartre e seu menino farsante de “As Palavras” talvez seja o melhor exemplo, mas há outro, igualmente encantador, como o outro eu de Erico Verissimo em “Solo de Clarineta”, que adverte: “Não esperem que estas memórias formem um documento histórico. Elas não têm a intenção de fazer nenhum perfil de minha época ou dos meus contemporâneos. É antes um livro sincero, que dedico especialmente àqueles que me têm lido durante todos esses anos”.

Autobiografia corre o rico de ser um texto de não ficção, e, portanto, sem sabor e tão suspeito quanto um inventado. Mas as obras importantes desse gênero apontam exatamente o contrário: a graça existe porque trata-se de uma biografia não autorizada, uma literatura colada ao real mas dele distante ao mesmo tempo, já que não temos como resgatar o passado a não ser por seus vestígios, como nos ensinam algumas escolas historiográficas. O autor devassa quem foi ou é por meio da criação literária, uma aventura que nos empolga, como “A História da Minha Vida”, de Charles Chaplin. Esse livro mostra como o ex-garoto miserável de Londres um belo dia ao viajar de trem viu pela janela multidões que acenavam para o comboio. Sem atinar do que se tratava, ele ficou sabendo pela primeira vez que era idolatrado por sua arte. Para onde foi, ao longo do tempo, aquele ser que começou de uma mãe demente e acabou isolado na Suíça com sua jovem esposa e ninhada de muitos filhos? É o que ele conta na sua saga admirável, tão brilhante como qualquer outra de suas obras.

Uma autobiografia pode se prestar para um mergulho nos horrores do eu, como acontece na tetralogia de Hermilo Borba Filho, que de tão crua e terrível é apresentado pelo autor como seu único texto de ficção em que o narrador fala na primeira pessoa. Ele precisava dizer isso, pois entregou tudo. Hermilo devassa não apenas sua persona, mas a de tantos outros que conviveram com ele, como a do cineasta brasileiro Alberto Cavalcanti, que, além de obras nacionais como “Simão, o Caolho”, fez filmes considerados na Inglaterra. Qual é, portanto, o desafio de um trabalho desses: autor referência, celebração do ego? Humanizar o personagem que se desprendeu da vida pessoal para jogar-se num abismo de percepções coletivas normalmente distorcidas, é um esforço de nobres resultados.



Ao contrário da hagiografia autorreferente, de autoria tanto do biografado quando de seu biógrafo contratado, a autobiografia a que me refiro é uma viagem ao contrário da celebração de si mesmo. É antes uma radiografia cruel que funciona na medida da sinceridade do autor, como escritores de verdade tem grandeza porque não mentem, suas obras autobiográficas costumam ser momentos únicos da literatura. Seleciono algumas delas, a partir das memórias que guardei de suas leituras. Trata-se do meu gênero predileto. Arrisquei algo semelhante no meu romance “Universo Baldio”, que são dois momentos — uma vivencia na juventude e uma viagem à infância pelo veterano esvaziado de sentido. Longe de fazer comparações, serve para ilustrar minha preferência pelo gênero nesta época em que biografia entrou em pauta como o paradoxo entre a livre expressão e a invasão da privacidade.

Mais do que o divã, é a aventura do viver e sua crueza que devassam o perfil do autor que garante a sobrevivência da verdade por meio de uma arma rara, o talento. Seu principal personagem o desafia. Há a tentação de vê-lo vestido de perenidade, mas isso não sustenta um livro de quem passou a vida reportando a vida humana. No fundo é o fim do perene adiamento, pois toda obra literária é autobiográfica não assumida. O que foi feito de maneira fragmentada ao longo da obra agora está inteiro diante do autor.

Esse eu íntimo imola-se diante da transgressão consentida. O autor que depois da notoriedade procura preservar sua privacidade acaba entregando todas num texto inesquecível. Achamos que estamos próximos demais de nós mesmos. Ao escrever a autobiografia, o autor aborda o que mais desconhece, aquele núcleo de vida que o tempo acaba confundindo. O resultado fica sendo um descascar constante de camadas que encobrem uma personalidade mutante. A ideia é chegar no miolo, na matrioska primordial do jogo de louças. Mas se descobre que é tão minúscula que ela escapa pela reticência. O tema continua sendo um enigma, que a trajetória esclarecedora só tende a tornar mais intenso e complexo. Ao sairmos de um livro autobiográfico de um grande autor, nos perguntamos porque existem tantos equívocos sobre ele se o próprio está ali, aberto num leque supremo de amostragem definitiva. É que se trata de literatura, não de ciência. Como todos os outros personagens, o autor mostra seu avesso e preserva a imagem. Sartre é um farsante de nascença e um filósofo fundamental. Erico Verissimo é um homem franco, sincero e simples, mas quem o segura no corpo e na mente de Ana Terra?

São conjeturas alimentadas pela memória de leituras antigas. Esses livros me acompanham por toda a vida. São meus favoritos, dentro do espectro amplo da memorialística, que é mais diversa do que enfoque escolhido aqui. Talvez tudo não passe de um truque: revelar-se integralmente humano, com a escassez inerente à espécie, faz parte da lenda. Serve para entender a força com que tantos personagens ganham vida. Já que o autor é capaz de criar com tanta desenvoltura alguém que tem tudo para ser ele próprio, reinventando uma vida no rastro do vivido, tornando letra o que foi carne e fúria, então é possível tornar habitável todo um mundo imaginário, já que somos apenas memória. O presente se esfuma e ficamos com o passado de herança, a cada segundo.
Nei Duclós é escritor e jornalista.


Leia um trecho de “Solo de Clarineta”, de Erico Verissimo
“O meu amigo mais íntimo é o sujeito que vejo todas as manhãs no espelho do quarto de banho, à hora onírica e displicente em que passo pelo rosto o aparelho de barbear. Estabelecemos diálogos mudos, em uma linguagem misteriosa feita de imagens, ecos de vozes — alheias ou nossas, antigas ou recentes —, relâmpagos súbitos que iluminam faces e fatos remotos ou próximos, nos corredores do passado — e às vezes, inexplicavelmente, do futuro —; enfim, uma conversa que, quando analisamos os sonhos da noite anterior, parece processar-se fora do tempo e do espaço. Surpreendo-me quase sempre em perfeito acordo com o que o outro diz e pensa. Sinto, no entanto, um pálido e acanhado desconforto por saber que existe no mundo alguém que conhece tão bem os meus segredos e fraquezas… uns olhos assim tão familiarizados com a minha nudez de corpo e espírito. Talvez seja por isso que com certa frequência entramos em conflito.”
 
“Mas a ridícula e bela verdade é que no fundo, bem feitas as contas, nós nos queremos um grande bem. Estamos habituados um ao outro. Envelhecemos juntos. A face do outro é o meu calendário implacável. ‘Os cabelos te fogem, homem’, murmuro-lhe às vezes, ‘Tuas carnes se tornam flácidas. Vejo a escrita do tempo no pergaminho do teu rosto’. ‘E como imaginas que estás?’, replica o meu reflexo. Acabamos consolando-nos mutuamente com a ideia de que conservamos a mocidade de espírito. Mas até onde isso será verdade? Encolhemos os ombros e passamos a outras considerações e devaneios, enquanto o barbeador elétrico zumbe, e o incansável calígrafo invisível continua no seu sutil trabalho de amanuense da Morte.”

“No Homem do Espelho reconheço os olhos escuros e melancólicos de minha mãe. Essa cabeçorra, quase desproporcional ao resto do corpo, herdei-a de meu pai. Quanto à pele morena, talvez me tenha vindo de algum remoto antepassado índio ou mouro. As sobrancelhas negras e espessas — que passaram a vida no vão esforço de dar a essa cara um ar façanhudo, decerto com o propósito de atenuar a mansuetude quase humilde dos olhos — foram suavizadas pela prata com que o tempo as retocou.”

“Eu gostaria de simplificar o problema de meu temperamento apresentando-me como a manifestação de uma dicotomia, segundo a qual tendências que herdei de minha mãe — sobriedade, senso de responsabilidade, devoção ao trabalho, à ordem e à normalidade — podem ser comparadas com os muros de uma cidadela sitiada e repetidamente atacada por insidiosos e alegres bandos de guerrilheiros constituídos por certos componentes do caráter de meu pai: sensualidade, autoindulgência, inclinação para o ócio e para uma espécie de hedonismo irresponsável.”
 
Leia um trecho de “As Palavras”,  de Jean Paul Sartre

“Eu ainda não sabia ler, mas já era bastante esnobe para exigir os meus livros. Meu avô foi ao patife de seu editor e conseguiu de presente ‘Les Contes’, do poeta Maurice Bouchor, narrativas extraídas do folclore e adaptadas ao gosto da infância por um homem que conservava, dizia ele, olhos de criança. Eu quis começar na mesma hora as cerimônias de apropriação. Peguei os dois volumezinhos, cheirei-os, apalpei-os, abri-os negligentemente na ‘página certa’, fazendo-os estalar. Debalde: eu não tinha a sensação de possuí-los. Tentei sem maior êxito tratá-los como bonecas, acalentá-los, beijá-los, surrá-los. Quase em lágrimas, acabei por depô-los sobre os joelhos de minha mãe. Ela levantou os olhos de seu trabalho: ‘O que queres que eu te leia, querido? As Fadas?’ Perguntei incrédulo: ‘As Fadas estão aí dentro?’”