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sábado, 16 de dezembro de 2017

O ser e o tempo de Maciel


“Se você se acostumar com a sua morte, ela não mete mais medo”



















Por Claudio Leal

A fusão entre vida e ideias se manifestava em qualquer conversa do jornalista e ensaísta Luiz Carlos Maciel (1938–2017), o principal pensador da contracultura brasileira, morto no último 9 de dezembro, no Rio de Janeiro. “A rigor, só eu mesmo entendo meu pensamento abstrato; bem observada, a tentativa de comunicá-lo parece sempre fadada ao fracasso. Por outro lado, a minha vida concreta parece mais compreensível. Quando a conto, revelo o que aconteceu comigo”, ele advertiu no livro memorialístico As Quatro Estações (2001).

Maciel absorveu autores como Jean-Paul Sartre, Heidegger, Albert Camus, Norman O. Brown, Carlos Castaneda e Herbert Marcuse, sempre articulados para interpretar os nós da história e as utopias geracionais. Em 1959, enlaçou filósofos existencialistas e teatro do absurdo em seu primeiro livro, Samuel Beckett e a Solidão Humana, logo depois de dirigir Esperando Godot com o Teatro de Equipe, em Porto Alegre. Nos anos 60 e 70, refletiria sobre a presença do existencialismo na gênese da contracultura, mais próximo do estilo de vida do “existencialismo americano”, a partir das leituras de Norman Mailer e da literatura beat.

Um olho no repertório internacional, outro no brasileiro, pois tornou-se grande intérprete dos companheiros de viagem contracultural. Pensou a obra de Caetano Veloso — que este ano destacou seu ensaio sobre Verdade Tropicalno prefácio à segunda edição das memórias –, Gilberto Gil, Rogério Duarte, Zé Celso, Jorge Mautner e José Agrippino de Paula. Dialética da Violênciapermanece como uma das análises mais originais de Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha. Em 2016, empolgou-se com a autobiografia Entre Duas Fileiras, de Gerald Thomas, seu amigo e correspondente.

Alguns desses amigos e autores favoritos pintam neste depoimento sobre sua vida.

Em maio de 2015, o primeiro encontro para falar do recém-lançado O Sol da Liberdade (Ed. Vieira & Lent). Maciel estava cercado de gatos e dezenas de caixas de papelão, à espera da mudança de endereço no Leblon. Abandonava o apartamento onde morara por 30 anos em troca de outro menor, mais adequado às barras do desemprego, exposto dali a semanas num apelo por trabalho no Facebook.

O segundo encontro aconteceu na nova residência. “Acho que vai ser legal, estou a fim de falar”, avisou, perto de encerrar o tratamento de uma pneumonia. Havia cores fortes em suas palavras. Selamos as duas sessões de seu depoimento sobre filosofia, contracultura, tropicalismo, teatro, Pasquim, sexo (e drogas), jazz, morte e história.

*Leia a magnifica e longa entrevista aqui:

https://medium.com/revista-bravo/o-ser-e-o-tempo-de-maciel-4d6f8dd0b76c

https://medium.com/revista-bravo


Luiz Carlos Maciel

João Cláudio Fontes is with Luiz Carlos Maciel.
Mestre Maciel se lança para eternidade.
No ultimo domingo, estivemos juntos e ainda pudemos dar boas risadas, na presença do amigo João Fontes.
Esse nobre dos nobres entra para as "memórias do futuro", como ele muito bem definia, sem nunca ter se deixado abater. Pra mim, mais do que um grande amigo, um centurião contra o retrocesso reinante e um dos principais atuantes nas vanguardas e evolução do pensamento.
Em sua homenagem, um trecho do seu ultimo projeto que tive a inestimável honra de acompanhar:
"MEMÓRIAS DO FUTURO"
Hoje em dia (2017) não se fala mais em futuro, parece até que já chegamos lá. Tudo se passa
como se o tal de futuro não passasse de uma repetição obsessiva e mortal do que temos agora. Onde estão os visionários, os profetas, os videntes, os precogs, etc.? Sumiram.
Não é a toa que a suposta História esteja, já há algum tempo, dominada por um retrocesso obstinado. Não chegou ao fim nem se projeta mais para o futuro, só pode ir para trás. A falta de perspectivas é constrangedora: não há avanço nem na filosofia nem nas outras humanidades que nos tragam o frescor do novo, da originalidade. A norma é a repetição. Nem avanço há nas chamadas ciências exatas que, até segundo alguns, já teriam alcançado tudo que poderiam alcançar, e cujas descobertas pretéritas devem servir agora para alimentar novidades tecnológicas pífias, capazes apenas de criar novos produtos para o mercado
capitalista. O único poder absoluto é o Deus Dinheiro, louvado e reverenciado por todos (...)
Para o grande escritor Philip K. Dick, “o universo é um sistema de recuperação, o que equivale a dizer que tudo que já foi, cada arranjo e cada detalhe – está tudo armazenado no momento presente como informação.”
O mesmo pode ser afirmado em relação ao futuro. A libertação da percepção e da consciência (awareness) nos coloca diante da simultaneidade, ou sincronicidade, de tudo que aconteceu, acontece e acontecerá. Nessa visão, a primeira palavra de Heidegger sobre o Ser que se apropria da Existencia e que é simultaneamente apropriado por esta no Acontecimento Apropriativo, revela sua dimensão temporal: é o Instante Eficiente, ou Eternidade. Essa
manifestação não é determinista, sua essência é a liberdade em todos os seus níveis. A questão que nos confronta, hoje, é a necessidade de novas lembranças do futuro, de
informação sobre nosso destino através de um processo semelhante ao que operou no anos 60, ou seja, o acesso a essa informação através do acesso ao Tempo Ortogonal. Essa viagem poderá nos conduzir à multiplicidade infinita que é a própria Eternidade e que, embora tida como estática, nas concepções tradicionais, é o próprio amor à multiplicidade, ao seu dinamismo e à criação infinita. É por isso que Castaneda promete, ao guerreiro capaz de
escapar do bico implacável da Águia e alcançar a Terceira Atenção, a presença em “mundos inconcebíveis” e ao testemunho pessoal das infinitas possibilidades da criação eterna.
Eis aqui, em suma, o contexto exigido por nossas memórias do futuro. Por José Octávio Sebadelhe