OLIVER BURKEMAN
DE SÃO PAULO
Uma ou duas vezes por semana, no finzinho da tarde, Jerry Seinfeld deixa seu escritório em Manhattan, onde passa suas tardes escrevendo, e não vai para a casa ficar com a família. Em vez disso, aparece de surpresa num pequeno clube de comédia de Nova York ou de Nova Jersey e se encaixa na programação.
Seinfeld tem avião particular e mais de 40 Porsches antigos. Ganha, por baixo, US$ 32 milhões (R$ 75 milhões) por ano, grande parte deles por direitos autorais que adicionam ainda mais dinheiro a uma fortuna avaliada em US$ 800 milhões (RS 1,9 bilhão) em 2010.
Christopher Lane/The Guardian | ||
Jerry Seinfeld é milionário e passou uma década fazendo um programa 'sobre o nada' |
Tendo passado uma década fazendo um bem-sucedido programa "sobre o nada", ele poderia facilmente não fazer nada hoje em dia. Mas ele prefere –ou se sente obrigado a– continuar burilando suas apresentações, testando uma nova tirada aqui, tirando uma palavra de um ato velho ali, e analisando o riso da plateia: um cientista da comédia, que calibra seu equipamento com um método doloroso.
Quando você ouvir uma anedota de Seinfeld nos shows que fará em junho na Arena O2, em Londres, pagando 70 libras (R$ 270), ou num talk show da TV, ela já terá passado por meses de testes, e não haverá uma sílaba desperdiçada ali.
Tipo em: "Por que creme hidratante estraga couro? As vacas não estão debaixo do sol o tempo todo?" Ou: "Ter um filho de dois anos é tipo ter um liquidificador. Sem tampa."
Por seu material nunca ser de vanguarda ou obsceno, por ele contar piadas de um jeito tão relaxado e por ele ser ridiculamente rico, é fácil desclassificar o Jerry de hoje em dia por ser muito elegante ou mainstream demais.
Mas nas suas melhores tiradas, lustradas até ficarem perfeitas, o profissionalismo extremo aparece com uma qualidade zen absurda - e isso dá trabalho. "Para um cara como eu, uma risada é cheia de informação", diz Seinfeld numa manhã de inverno numestúdio de fotos na Broadway.
Ele acaba de posar para fotos com seus ternos de grife, mas já trocou a roupa por jeans, moletom e tênis azul e verde. Sua silhueta parece afundar numa poltrona puída. "O timbre, forma e duração dela -tem muita informação numa risada. É só tocar as risadas do público no meu ato que eu sei que piada tinha feito. Porque a piada e a risada combinam."
Em abril, apesar de estar no inconsciente coletivo como um eterno quarentão, Seinfeld chega aos 60 anos, idade que ele usava em suas piadas. ("Meus pais estão se mudando para a Flórida. Eles não queriam se mudar para a Flórida, mas eles têm 60 anos, e essa é a lei.").
Ele virou o grande homem velho do stand-up, um tesouro nacional; a plateia não ri só porque ele é Seinfeld, especialmente se ele aparece de surpresa? "Talvez por uns minutos. Mas já disse muitas vezes: ninguém ri de uma reputação. Eles ficam animados no começo, mas não mentem para mim. Eles não são capazes de mentir para mim. Eu descobriria."
Anos depois do fim de "Seinfeld", em 1998 –evento só derrotado em audiência pelos encerramentos de "M*A*S*H" e "Cheers"– as pessoas se perguntavam qual seria seu próximo grande projeto. Vieram então o documentário "Comedian", de 2002, e a animação "Bee Movie", de 2007, um sucesso modesto de bilheteria, co-escrito e produzido pelo comediante, que ainda deu voz ao protagonista, uma abelha que fica irada ao saber que humanos estão roubando mel.
Mas, mesmo no período em que estava divulgando o filme, Seinfeld descartou uma carreira de produções hollywoodianas. ("Meu Deus, eu me mataria. Me dá uma arma.").
E aí veio, por poucos meses, "The Marriage Ref" (o juiz de casamento), uma combinação de jogo de auditório e reality show em que celebridades davam seus pitacos sobre vidas conjugais de pessoas não públicas.
CAFÉ COM CARONA
Hoje em dia, uma nova possibilidade está começando a se sugerir como realidade: e se o Seinfeld pós-"Seinfeld" não for um cara de grandes projetos?
Sua última criação, uma série para internet chamada "Comedians in Cars Getting Coffee", tem momentos de brilho, mas nem chega a ser um programa sobre o nada; dificilmente é um programa.
Em cada um dos episódios, cuja duração varia, Seinfeld dá carona a um colega comediante em um dos seus carros vintage (Chris Rock, Larry David, Mel Brooks e Ricky Gervais já participaram). Daí eles vão para um café ou "diner", tipo de restaurante que ficou famoso no seriado de seu sobrenome, e bebem café.
"Minha meta era fazer um talk show tranquilo, em que você não tem de se mostrar, você não tem de pensar em o que está vestindo, não tem maquiagem, não tem preparação -não tem. É, literalmente, entrar num carro. E só."
É com simplicidade parecida que ele conduz também sua vida. Diz não ter tempo para análises e professa interesse zero para entender o "zeitgeist", o espírito do tempo. Não lê trabalhos de acadêmicos que acham temas pós-modernos em suas piadas.
Até porque ele pensa em si mais como um jogador de beisebol do que como um comediante torturado por demônios internos.
"Eu me vejo mais como esportista do que como artista." O que explica sua postura ao responder se pensa em atuar em filmes. "É hilário para mim que alguém cogite que eu tenha o mínimo interesse nisso. Jogadores de beisebol não pensam 'Ah, preciso começar a jogar futebol'. Eu achei a comédia, uma carreira que satisfaz minha mente e minha força vital. Abandonar isso e ir tentar outra coisa? Não entendo isso."
Dos primeiros shows de stand-up ao estrelato, Seinfeld se forçou a trabalhar desenhando uma cruz no calendário em cima de cada dia que tinha escrito novas piadas. Em algum tempo, ele tinha feito uma corrente de cruzes, e continuou produzindo porque não queria romper esses elos.
Desde que revelou esse "segredo", o método foi vítima de culto on-line: há ao menos três aplicativos e um site para ajudar as pessoas a imitá-lo. "É uma coisa tão simples e idiota que nem vale a pena falar sobre", diz. "Sério? Tem mesmo gente que pensa 'Vouficar por aqui sem fazer absolutamente nada e o trabalho vai se fazer sozinho'?"
GARFO VERSUS SALEIRO
Ele, como bom judeu nova-iorquino, aprendeu cedo que precisaria trabalhar. Filho de imigrantes austríacos e sírios, ele cresceu na cidade de Massapequa, em Long Island, que define como "um antigo nome indígena, que significa 'perto do shopping'". A família ia à sinagoga e respeitava os preceitos kosher. O adolescente Jerome passou algum tempo em um kibutz em Israel.
Parece nunca ter cogitado outra carreira que não a comédia. Quando estava na faculdade, no Queens, conseguiu convencer professores a deixá-lo estudar stand-up -e se apresentar em vez de fazer provas-, valendo créditos acadêmicos.
Em 1988, enquanto tomava café num "diner" nova-iorquino (é claro) com Larry David, surgiu a ideia da série, então chamada de "The Seinfeld Chronicles".
O resto, é história. A não ser a parte de ele ter abandonado a cidade do seriado, Nova York, e ter ido tentar a vida em Los Angeles por uns anos."É a coisa boa de se morar em Nova York: só andar na rua já ajuda a romper [a bolha de celebridade]", ele diz. "Los Angeles? Não. Você sai da sua casa maravilhosa, pega o carro maravilhoso e vai a um lugar maravilhoso para ser bajulado. É mais difícil. Foi uma decisão consciente: quando cheguei a Los Angeles, pensei 'Se eu quiser permanecer engraçado, preciso sair daqui'." Voltou a Nova York.
Seinfeld fala de seus números de humor como se eles tivessem sido descobertos, e não criados: observações que estão ao redor, camufladas no dia a dia, esperando que ele as descobrisse. Um exemplo: outro dia, seus dois filhos estavam discutindo quem havia soltado um pum. "Eles estavam um acusando o outro - 'quem sentiu não soltou!' - e eu pensei, Jesus, esses caras precisam de piadas novas. São as mesmas coisas que eu dizia quanto tinha cinco anos. Há 50 anos! Moleques! Não acreditam que estão contando as mesmas piadas!"
Enquanto comenta a pendenga dos filhos, percebe que ela pode render um bom material. Algumas coisas têm graça na sua natureza, e outras não, ele defende, dizendo não saber o porquê. Cadeiras são intrinsecamente engraçadas. Saleiros, Seinfeld analisa, não são. Analisando o potencial de riso de outros objetos rotineiros, ele faz uma cara séria e diz: "Eu acho garfo muito engraçado".