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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Uma obra-prima - O álbum Amoroso (1977), de João Gilberto


Entenda por que o álbum Amoroso marcou a carreira do mestre da bossa nova
Amoroso é um clássico, um dos trabalhos mais importantes da carreira de João Gilberto. Lançado em 1977, o álbum marcou seu retorno às paradas de sucesso brasileiras. A longa temporada dedicada à sua carreira internacional - principalmente nos Estados Unidos - aliada à crescente produção de músicas de protesto contra a ditadura militar que o Brasil enfrentava, fez com que o veterano “saísse de moda” com suas canções românticas embaladas em harmonias sofisticadas. No ano seguinte ao lançamento bem-sucedido de Amoroso, João Gilberto voltou ao país para espetáculos em Salvador e São Paulo. Em 1980, a canção Wave, uma das oito faixas presentes no disco, foi escolhida como parte da trilha sonora da novela Água Viva, da TV Globo - emissora que, no mesmo ano, realizou um especial do músico junto às cantoras Bebel Gilberto, sua filha, então com 14 anos, e Rita Lee no Teatro Fênix. João Gilberto estava de volta - para não sair mais - ao território nacional. Lançado simultaneamente nos Estados Unidos e no Brasil, esse foi o primeiro álbum do cantor com três músicas estrangeiras: a norte-americana S’Wonderful, a italiana Estate e a mexicana Besame Mucho. João as canta com um sotaque duvidoso, mas divinamente. Com técnica perfeita e emoção contida, mas no limite, a interpretação de Estate é um dos grandes momentos da música popular em todos os tempos, um clássico comparável a Frank Sinatra cantando Night and Day ou Carlos Gardel interpretando Volver. Impossível ficar indiferente. Impossível não ficar profundamente tocado, nesta música, com a arte superior de João Gilberto.
por Por Barbara Heckler


Veja algumas apresentações de João Gilberto interpretando canções do disco Amoroso.









ROCK ON!!!!!!!!!!!




Rock, o grito negro que atravessou a América


 

Os principais atingidos pela revolução sonora do rock’n’roll foram os jovens, inicialmente nos Estados Unidos e depois no mundo todo. Nos primeiros anos da década de 1950, estes jovens se encontravam em meio a disputas entre o capitalismo e o comunismo (a guerra da Coréia em 1950) e a uma valorização do consumismo, da modernização, fruto do progresso científico gerado no pós-guerra. Nessa época, a tradicional sociedade norte-americana passou a ser contestada pelos jovens, os quais foram rotulados de rebeldes sem causa. Os filmes de Hollywood representavam a alienação jovem; o personagem de James Dean, no filme Juventude Transviada (1955), representava o comportamento adotado pela juventude: recusar o mundo sem no entanto chegar a uma visão crítica da realidade, divididos entre amor/pacifismo e violência/autodestruição.

No entanto, mais do que o cinema, a música se firmou como o canalizador das idéias contestatórias dos jovens, frente à insatisfação com o sistema cultural, educacional e político. E o rock’n’roll era o ritmo que ditaria esse comportamento.

“Quantos caminhos deve um homem percorrer até que seja chamado homem?/Sim, e quantos mares deve a pomba singrar antes de repousar na areia?/Sim, e quantas vezes devem as balas de canhão explodir até que sejam banidas para sempre?/A resposta, meu chapa, está sendo levada pelo vento/A resposta, está sendo levada pelo vento...” (Blowinín the Wind, de Bob Dylan)
Os gêneros blues e country, originários de regiões pobres como Memphis e Mississipi, caracterizados por letras faladas e ritmos espontâneos, começaram a ser divulgados nacionalmente. Essa foi a época de B.B.King, Lloyd Price, Muddy Water e Fats Domino. E a música negra foi ganhando o mercado branco com suas outras duas formas: gospel e ballad. A primeira era praticada pelos negros evangélicos (Midnighters, Drifters e Five Royales) e a segunda tinha ritmo atenuado, com a presença de diálogos vocais cantados em solo (Moonlighters e The Platers).

Por trás da origem negra dese gênero forte, o rock, está o espírito de protesto da raça/etnia negra contra todas as formas de discriminação, de dominação e de proscrição a que foi submetida desde sua chegada em território americano.

Na cronologia dos estilos, origem e evolução do rock está o blues, principal música produzida nos anos 30. Já nos anos 40, o espaço é para o rhythm´n´blues e ao country and western. No final dos anos 40 surgia o rock folk e o rockabilly. Nos anos 50, o rock and roll. Nos anos 60, o soul e o country rock e o reggae. Em meados dos anos 60, o ska/reggae e o glitter/glem (volta ao passado com recursos eletrônicos). Nos anos 70, o funk, folk rock (purismo) e o heavy metal. Em meados dos anos 70, o progressivo rock e o punk (um contrastando o outro – enquanto o progressivo era uma música elaborada, sinfônica, classuda e rica, o punk era simplicidade de três acordes, pobre e sujo). Os anos 80 foram da MTV, The Clash, REM, Michael Jackson, Madonna, Prince, Smith, new wave, minimalismo e dance music. Nos 90 tem o nascimento do grunge com a força do Nirvana, Pearl Jam, Bjork, Oasis, U2, Radiohead SoundGarden, Green Day, Alice in Chains. Os anos 2000: Gorillaz, The Strokes, Amy Winehouse, Coldplay...

RAIZES DO ROCK
Nos anos 30 as grandes orquestras reinavam sem contestação. Ousadas e pretensiosas, essas orquestras viajavam de sala de dança em sala de dança, através dos EUA. Chefes de orquestra como Glenn Miller, Tommy Dorsey, Lionel Hampton e Erskin Hawlino eram os heróis do momento. A competição entre as orquestras eram intensa e recaia, sobretudo, nos cantores e nos saxofonistas de solo.

Nos anos 30, os blues man negros faziam experiências, agora com guitarras elétricas e amplificadores. Como as grandes orquestras tinham desaparecido, o público negro adaptou os grupos de blues com a sua música. Juntando os ritmos de dança à emoção dos blues, artistas como Muddy Watters e T.Boone Walker desenvolveram a mais importante música popular desde o jazz – os rhythm´n´blues.

Ao mesmo tempo, alguns pequenos grupos brancos de música de dança juntaram músicas de rythm´n´blues ao seu velho repertório. Tornaram o ritmo mais rude e insistente, e desprezaram o poema. Um desses grupos, Billy Halley and the Comets, alcançou o êxito em 1953/1954 com Crazy Man Crazy, Shake, Rattle and Roll e Rock Around the Clock. O homem branco começava a tocar música negra e os jovens agitavam-se. O rock´n´roll tinha vindo para ficar.



AMERICANO

Depois de meses na Europa, vir para a América é como estar um pouco em casa. Mesmo que seja na América do Norte.

Esse foi o assunto do meu jantar na terça-feira, em Nova York. Viemos aqui para uma semana de trabalho. Meu colega britânico não acreditou que, sendo brasileiro, eu podia me sentir à vontade nos EUA. Expliquei que a euforia americana se parece mais com o Brasil. O tom inglês é mais delicado e ameno.

Contei que ao perguntar “como vai?” todas as manhãs, ainda fico surpreso com a invariável resposta inglesa. Depois de ponderar sobre a pergunta, ainda hesitante — como se averiguasse a exatidão do que está prestes a concluir —, o inglês diz: “Não estou mal. Nem tão mal, na verdade”. É um contraste com a típica resposta americana: “Faaaaantástico!” O amigo britânico confessou: “Acho que, em toda minha vida, ainda espero pelo ‘fantástico’”.

Disse a ele que a Grande Guerra já acabou, que a Inglaterra venceu, que não existem mais racionamentos de comida, nem a população precisa dormir nos trilhos de metrô como em 1943. Pode comemorar. Celebre seus trens pontuais, as ruas limpas, a escola pública exemplar. Festeje o fato das vitrines quebradas serem exceção e não regra. Mesmo assim, os britânicos choram em berço esplêndido. A América, não. Existe no continente inteiro o entusiasmo do Novo Mundo. Com certo exagero, é verdade.

Saímos do restaurante ainda debatendo o assunto. Mostrei os tipos hispânicos nas calçadas, os sacos de lixo amontoados na esquina, os prédios gigantescos, as buzinas, a pressa nas pessoas. O Brasil é isso. Essa avenida podia ser São Paulo. Ele se surpreendia, e achava tudo estranho.

Até que, na esquina do Hotel, em plena Park Avenue, estanquei no meio de uma frase. Voltei três passos até a banca de frutas de um colombiano. Entre lichias e maçãs identifiquei o impossível. Mas lá estavam elas. Pitombas. Perguntei ao vendedor como se chamavam. Ele me disse o nome em inglês e espanhol. Conversamos um pouco. Pedi para provar. Mordi a frutinha ali mesmo, no meio da rua. Meu amigo inglês apenas ria.

Continuamos a caminhada em silêncio, a pitomba passeando em minha boca. Não precisei de mais nenhum argumento.
Publicado no guia Divirta-se, em O Estado de S. Paulo em agosto de 2011
http://andrelaurentino.blogspot.com/

Bendito olhar - a fotógrafa Nair Benedicto


Sobrevivente de face serena e coração quente, a fotógrafa paulistana traz profundas cicatrizes, como a perda do pai ainda menina; o tempo em que foi presa e torturada durante a ditadura; uma insuficiência renal que a levou ao transplante um ano e meio atrás. Nem por isso Nair é uma mulher amarga. Lida de peito aberto com os percalços da vida e continua usando suas lentes para chamar a atenção para questões sociais que considera relevantes.

Seu trabalho, reconhecido internacionalmente e ganhador de vários prêmios (como o 11º Prêmio Abril de Jornalismo, por foto publicada na Veja, e o prêmio Embratur, por retrato na revista Ícaro), explora o que ela acredita ser “o potencial transformador da fotografia”, provocando reações na sociedade ao expor suas cicatrizes. Sob a mira de suas lentes estão as minorias esquecidas. São índios e populações ribeirinhas, homossexuais, travestis, operários, assalariados, menores viciados, mulheres e homens oprimidos pelo interior do Brasil. Porém, as fotografias de Nair são um bálsamo ao olhar, tamanha delicadeza com que aborda as cruezas da vida. Integram os acervos do MoMA de Nova York, da Coleção Masp-Pirelli, do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, entre outros.

O olhar de viés sensível, sempre enxergando poesia na dramaticidade, acompanha Nair desde o início da carreira, quando ela estudava comunicação na USP e na Faap e produzia vídeos sobre temas como a violência doméstica contra a mulher e a liberdade sexual. No entanto, no início dos anos 70, trabalhar com produção autoral era bastante arriscado e foi nessa época que ela e o então marido, o francês Jacques Breyton, foram presos: “Fui presa política entre o fim de 1969 e meados de 70. Além disso, o trabalho na TV era censurado pelo regime [militar]. Então, a fotografia surgiu como alternativa de trabalhar a imagem de uma forma independente”, lembra.

À flor da pele

A primeira exposição, um ensaio sobre o popular Forró do Mario Zan (famoso forró paulista da década de 70), interessou um estrangeiro, que comprou meia dúzia de fotografias, mostrou para as pessoas certas e dali então foi só sucesso. A célebre foto desse ensaio – um casal se agarrando no meio da pista – é tão sensual quanto a da Trip Girl mais badalada. Só que ela está bem acima dos padrões de magreza, a camiseta colada deixando à mostra a barriga saliente. Ele, malvestido e despudorado, completa a dupla de glamour nulo e sensualidade à flor da pele, que a fotógrafa soube tão bem captar.

Claus Lehmann
A foto, de 1977, Tesão no Forró do Mario Zan, em São Paulo
A foto, de 1977, Tesão no Forró do Mario Zan, em São Paulo
“O trabalho na TV era censurado, então a fotografia surgiu como alternativa de trabalhar a imagem de uma forma independente”
Foi nesse jeito delicado e feminino, porém persistente, que Nair se apoiou para suportar o sofrimento dos nove meses em que ela e Breyton foram mantidos presos e torturados a mando de Sérgio Paranhos Fleury, o delegado do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), órgão criado durante o Estado Novo para reprimir movimentos contrários ao regime no poder, durante os interrogatórios da ditadura militar que assolou o Brasil de meados dos anos 60 ao início dos 80.
Claus Lehmann
Retrato de Nair em ação
Retrato de Nair em ação

Com três filhos pequenos – Ariane, Danielle e Frederic –, o casal apoiava a luta armada da esquerda. Herói da resistência francesa, Breyton combateu a invasão nazista em seu país na Segunda Guerra e foi torturado pela Gestapo antes de ser libertado pelas tropas americanas e vir morar no Brasil. Aqui, além de se tornar um industrial bem-sucedido, colaborou para a criação do PT (Partido dos Trabalhadores). “Não posso dizer que todo mundo deveria passar por isso, mas cresci muito naquela época”, reflete Nair sobre o tempo de repressão, antes de completar: “A prisão é como a morte, quando você fica só consigo mesmo”.

Com a cabeça envolta nas lembranças do passado e os olhos fixos no futuro, Nair raramente tira os óculos escuros que os protegem. Depois do transplante de rim, em 2008, os remédios deixaram seus olhos mais suscetíveis aos danos dos raios solares. Ela não se deixa abalar. Prefere citar o mestre francês Henri Cartier-Bresson: “Apesar de o mundo em que vivemos estar despencando sob o peso da rentabilidade, invadido pelas sirenes enraivecidas da tecnociência e pela voracidade do poder pela mundialização – essa nova forma de escravidão –, a amizade e o amor continuam existindo”. É nisso que ela continua acreditando e, sem dúvida, fotografando.

Claus Lehmann
Travestis no Rio de Janeiro,  de 1984
Travestis no Rio de Janeiro, de 1984

 

Boas Maneiras não tem época!

Atitudes de um perfeito cavalheiro



1. Ao andar na calçada com ela, você fica para o lado da rua: esta tradição vem dos tempos antigos onde as mocinhas, ao caminhar pelo lado interno da calçada, eram protegidas pelas sacadas e balcões das casas e, assim, não corriam o risco de serem atingidas por vasos ou qualquer coisa atirada pela janela. Hoje o cavalheiro, ao andar pelo lado de fora, a está protegendo do tráfego e eventualmente de poças de água atingidas pelas rodas de carros.

2. Na escada rolante, existe ordem dos fatores: ainda no sentido de proteção, ao entrar em uma escada rolante que sobe o homem deve dar a passagem à dama, mas quando for o sentido inverso, ou seja, a escada desce, é o cavalheiro que vai na frente. E por que isso? Se a mocinha se desequilibrar, o rapaz estará lá para segurá-la. Sinta-se um herói por isso.

3. Ela se senta antes: é sempre muito elegante puxar a cadeira para uma moça se sentar. Mostra que você a quer confortável e à vontade. Em restaurantes, porém, onde o maitre ou o garçom fazem essa distinção, você deve aguardar para que ela sente primeiro, sem dar muito na cara.

4. Abra a porta do carro: aqui é um ritual interessante que faz um sucesso tremendo no primeiro encontro, mas não deve ser esquecido nos seguintes. Espere a daminha fora do carro. Quando ela chegar, abra a porta do seu carro, deixe que ela se acomode confortavelmente. Feche a porta, contorne o carro POR TRÁS, e só então entre. De Fusca a Ferrari, a regra é a mesma.

5. Segure a porta para ela: em qualquer pesquisa que você ler, 90% das mulheres acham que um homem que segura a porta para ela passar é o máximo. E você não deve praticar isso só com quem conhece e não só com mulheres. Demonstrar respeito e educação pelos outros não arranca pedaço.

6. Ofereça seu casaco: em tempos de aquecimento global (onde a temperatura muda a todo instante) e de moda com os ombros para fora, essa regra é mais atual do que nunca. A mocinha, no sentido de ficar sensual para você, poderá usar uma peça de vestuário mais aberta e, se o tempo mudar, seguramente vai passar frio. Se você notar que sua companhia feminina está desconfortável com o clima, imediatamente ofereça seu casaco a ela. Mesmo que ela recuse, repita a oferta se notar que a temperatura está caindo. Lembre-se: você é um homem, logo você pode sentir frio. Ela não.

7. Ofereça seu lugar: mais uma regra que deve ser aplicada para qualquer mulher, conhecida ou não, e também para idosos e portadores de deficiência (digo tudo isso, porque mesmo nos locais onde existem assentos reservados a esse público, muita gente não respeita). No caso das mulheres, uma atitude dessas mostra que você está colocando o bem-estar dela acima do seu e sabe o que isso significa na cabeça feminina, não é?

8. Faça o pedido no restaurante: hoje as mocinhas trabalham, têm seu dinheiro e são mais independentes. Dividir a conta no restaurante é atitude comum e não ofende ninguém (menos no primeiro encontro, rapaz. Lembre-se que você quer impressionar). Acontece que, apesar de tudo isso, ainda é de bom tom o homem fazer o pedido do casal, uma vez que denota um interesse em deixá-la mais confortável e mais à vontade, não tendo que se preocupar com esses chatos detalhes operacionais da refeição.

9. Se estiver chovendo, você segura o guarda-chuva: aqui acontece aquela oportunidade maravilhosa de andar agarrado um ao outro, mas o objetivo é mantê-la seca. Sendo assim, se o guarda-chuva for pequeno demais para os dois, você, macho da espécie, deve se molhar mais. Com certeza, você passará aquela imagem de que se preocupa com os outros, especialmente pelo conforto dela.

10. Acenda o cigarro dela: mesmo em uma época de cruzadas antitabagista, ainda vale a pena resgatar uma tradição dos filmes dos anos 40 e rapidamente pegar seu isqueiro quando a ver colocando um cigarro na boca. Se não é cavalheirismo, pelo menos é charmoso pacas.

Fonte: insoonia

Maria Lucia Dahl - de herdeira rica à musa da contracultura

Poucas mulheres circularam com a mesma desenvoltura pelo exclusivo Country Club do Rio e pelos estúdios de pornochanchada. Na verdade, só uma: a escritora Maria Lucia Dahl. De herdeira rica à musa da contracultura, de Ipanema ao movimento estudantil, ela quebrou os tabus de uma geração e agora fala sobre casamento aberto, o suicídio da mãe e a descoberta do amor aos 72 anos

Arquivo pessoal
Na praia do Arpoador, na década de 70
Na praia do Arpoador, na década de 70

A menina ainda comportada da foto ao lado não imaginava que ia se tornar musa da geração que tentou mudar o mundo. Leia-se aí anos 60 e 70. Foi essa turma que rompeu as regras de comportamento dos caretas anos 50 para conhecer o que depois foi chamado de revolução sexual, cultural, e o surgimento do feminismo, para citar exemplos. Ela viveu como poucas todo o desbunde e a movimentação política do momento. Contemporânea de Leila Diniz, era atriz como ela e ainda mais bonita. Estonteante, diríamos. E conseguia ser tão de vanguarda quanto a amiga na hora de ditar (ou melhor, quebrar) comportamentos. E tudo isso sendo, como se dizia na época, uma burguesa.
Maria Lucia Dahl cresceu numa mansão em Botafogo, estudou nos melhores colégios do Rio de Janeiro e frequentou o clube mais exclusivo da cidade - o Country Club, em Ipanema. Já mais moça, circulava pelas festas da alta sociedade carioca com igual desenvoltura com que perambulava pelos sets movimentados do cinema novo. Filmou Menino de Engenho, de Walter Lima Jr., Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, Eu Te Amo, de Arnaldo Jabor. Da mesma forma que viajava para a Europa e para os Estados Unidos a bordo de cruzeiros, descobria o Nordeste brasileiro com os amigos cineastas.
Nessa época em que "os ricos consideravam cafona ser ator", como ela conta, Maria Lucia abusou das pornochanchadas, como Noite em Chamas e A Árvore dos Sexos, ambas de 1977, e Giselle, clássico do cinema erótico, de 1983, em que interpretou, nua, fortes cenas de lesbianismo. Hoje soma mais de 30 atuações no cinema, incluindo Quem Matou Pixote? (1996) e Mais Uma Vez Amor (2005). Na TV, fez Dancing Days (1978), a minissérie Anos Dourados (1992) e uma aparição em Cobras e Lagartos, na Globo, cinco anos atrás.
Símbolo da geração inconsequente, Maria Lucia teve coragem para fazer tudo o que quis: com seu primeiro marido, o cineasta Gustavo Dahl, experimentou um casamento aberto e divorciou-se no fim dos anos 60. Por causa do segundo, o líder estudantil Marcos Medeiros, acabou envolvida no movimento contra a ditadura militar, recebeu ameaças, experimentou uma fuga cinematográfica (sempre com ajuda da irmã, a figurinista todo-poderosa da Globo, Marilia Carneiro) e viveu exilada em Paris. Lá, teve Joana, filha que criou sozinha. E foi com ela que fez um de seus ensaios nus para a Playboy, em 1985. Detalhe: a filha tinha apenas 14 anos.
Tantas experiências viraram literatura. Além do talento para atriz, Maria Lucia tem uma prosa afiada, que pode ser conferida em dois de seus cinco livros: Quem não Ouve Seu Papai, um Dia a Balança Cai e Além da Arrebentação. E também nas colunas que escreveu por 20 anos para o Jornal do Brasil, periódico carioca que a dispensou há dois meses. Ela escreve - e já escreveu -sobre tudo. A falência do pai milionário, o suicídio da mãe, a relação com a filha, o cotidiano, depressão, o medo de se apaixonar e outras questões pra lá de íntimas. E, falando em intimidade, ela conta com orgulho que há seis meses namora firme. Aos 72 anos, enfim, descobriu o amor de verdade - quebrando, mais uma vez, uma regra de comportamento.
"Acho que entre mãe e filha já existe uma predisposição para a briga. Quando vou nas casas das famílias mais tradicionais, caretas, sempre sai um pau"
Tpm. Você acha que ficou rotulada de mulher rica no cinema e na televisão?Maria Lucia Dahl. Fiquei. Eu tinha voz e postura de rica e eles achavam que atriz tinha que ser mais intensa. Eles não sacaram que eu era uma atriz cômica e que adorava fazer e escrever comédia. Agora estão chamando a Guilhermina Guinle, gente rica para colocar na TV. Antes botavam umas pessoas de classe mais baixa fazendo ricos, porque os ricos consideravam cafona ser ator.
É verdade que você foi ser atriz por acaso? Nunca tinha pensado em ser atriz, eu estudava filosofia e quando fui para a Europa conheci o pessoal de cinema. Gustavo [Dahl], Paulo César Saraceni, [Bernardo] Bertolucci. Fiquei fascinada. E o Bertolucci me convidou para representar a mulher do Marlon Brando em O Último Tango em Paris. Ele disse: "Você é tão bonita, se importa em fazer a morta? Não tenho outro papel que te encaixe". Depois não rolou. Mas eu faria. Imagine, contracenar com o Marlon Brando! Mesmo "morta" eu daria umas olhadinhas pra ele.
E como começou a escrever? Quando estava excursionando com a peça Trair e Coçar É só Começar, em 1986, comecei a escrever um diário. A Marilia [Carneiro] leu, achou uma maravilha e disse que iria enviar para o Zuenir Ventura, no Jornal do Brasil. Mas eu também nunca tinha pensado nisso.
E o que aconteceu? O Zuenir falou que as crônicas tinham acabado com o Fernando Sabino. O Rubem Braga disse que ia experimentar colocar minhas crônicas no segundo caderno. Mas sem pagar nada. Respondi que tudo bem, era uma experiência. As pessoas adoraram. O Rubem Braga me ligou pra dizer que eu era ele de saia!
Tem algum truque para conquistar o leitor? Não. Eu observo demais. Releio muito e faço questão do humor. Minhas crônicas são muito do cotidiano. Chico Anysio sempre me disse que quem escreve sobre o cotidiano tem que pegar ônibus para ouvir o que as pessoas estão falando.
Até seus 20 e poucos anos você não pegava ônibus e seu pai era rico. Você foi educada no Sion, frequentava o Country Club. Isso se faz presente hoje? Eu sou inconscientemente rica. Ter problema com dinheiro me assusta muito. Cada vez que isso acontece, fico em pânico. Mas jamais pensei em casar com um homem só por ele ser rico, por exemplo.
Nunca? Nunca. Você se aproveitar de uma pessoa? Disso eu não gosto. Pedir dinheiro emprestado para um cara com quem você está, tudo bem. Mas ficar com alguém só por causa disso considero uma traição.
A sua família tinha muito dinheiro e de repente se viu sem nada. Como foi isso? Meu pai faliu quando eu estava na Europa, já com o Marcos [Medeiros], devia ter 26 ou 27 anos.
Até aí você viveu muito bem? Nossa, maravilhosamente. Quando namorei o [dramaturgo] Vianinha e ele falava de problema de dinheiro eu nem entendia direito [risos].
Como ficaram sem dinheiro? Até meu pai morrer [de cirrose, em 1967] foi tudo bem, eles moravam na avenida Atlântica com tudo em cima. Depois que ele morreu, minha mãe, que não entendia nada de finanças, pegou todo o dinheiro, vendeu o apartamento, as joias, inclusive uma coroa da marquesa de Santos toda de brilhantes, e trocou por ações. Aí ela aplicou tudo numa companhia que faliu e eu e minha irmã ficamos com aquele papel na mão escrito: "Falência". O apartamento tinha 600 metros quadrados.
Por que ela vendeu tudo? Ela arranjou um namorado mais moço e queria ficar com ele, viajar para a Europa, ter uma vida maravilhosa e não se preocupar com nada.
Perderam tudo do dia para a noite? Minha mãe nem chegou a saber que a companhia tinha falido. Ela se matou dois anos depois que meu pai morreu. Sempre se sentiu sozinha, era deprimida e falava em se suicidar. Foi a primeira pessoa que vi fazer análise. Ela ia no psicanalista do Getúlio Vargas. Todo mundo achava que ela era louca porque não existia psicanalista nos anos 50.
Como ela se matou? Ela acabou se atirando da janela do apartamento de Botafogo. Eu e Marilia ficamos sem pai, sem mãe, sem dinheiro, sem marido.
Como se sustentaram? Nós tínhamos ainda um dinheirinho porque uma parte do apartamento que mamãe vendeu, para o irmão do presidente Costa e Silva, Marilia e eu passamos a receber mensalmente. Não era muito, mas eu vivia na Europa, o Marcos não trabalhava, fazia política... Depois disso, nunca mais pude parar de trabalhar.
"Era uma época louca porque tinha tudo: política, droga, casamento aberto, tudo isso para virar o mundo, o que, de certa forma, conseguimos"
Como se reerguer depois de um acontecimento desses? Comecei a fazer terapia em grupo. Pena não haver terapia em grupo hoje como existia, foi muito importante. E o trabalho sempre me ajudou a ultrapassar os meus problemas.
Hoje, você se consulta com um psiquiatra. O que fez você procurá-lo? Depressão. Sou uma pessoa com tendência depressiva e a minha biografia também ajuda, né? Então, chegou uma hora em que não tinha vontade de acordar.
Acha que é hereditário? Acho. Eu via todo mundo lá em casa tomando remédio. Papai tomava uísque com [tranquilizante] Equanil. Se eu estivesse ruim meu pai me dava meio Equanil. Isso eu tinha uns 15 anos. Ele achava uma bobagem dizer que fazia mal. Depois passei para Valium, Lexotan. Mas só pra dormir. Nunca fui drogada.
E hoje? Tomo Lexotan para dormir. Não sei dormir sem remédio.
Como você lida com o envelhecimento? Mal. Não gosto, e não é por questão estética, acho que as coisas vão ficando déjà vu, chatas. Não sou mais de festas, meu maior prazer hoje é trabalhar.
Você foi musa de uma geração, uma mulher linda, estonteante. Como foi começar a envelhecer? Por causa da idade começa a pintar menos trabalho. Sempre achei que esteticamente ficaria péssima, mas não fiquei não.
Já fez cirurgia plástica? Fiz uma plástica com o Pitanguy, aos 48 anos. Foi a primeira e única vez. Não quero ficar botocando.
O que acha das mulheres que se transformam com plásticas? Acho terrível, ficam todas iguais, cada vez mais feias e obsessivas. A cabeça deve ficar pior ainda. Parece uma lei: "Todas têm que fazer".
Você posou para a Playboy, em maio de 1985, com a sua filha, Joana. Foi pelo cachê? Não, porque o cachê era uma porcaria. Foi porque eu tinha uma cabeça hippie e achava que não tinha nada de mais, que ia ser bonito. Fizemos as fotos com a Marisa Alvarez Lima, que era muito amiga minha, ótima fotógrafa. Mas mexeu com a cabeça da Joana, e eu me arrependo. Teve um preconceito pelo fato de ser mãe e filha e por ela ter 14 anos. Uma vez encontrei a Luiza Brunet, que me disse que queria fazer a mesma coisa com a filha dela, pois tinha achado as fotos lindas. Eu disse: "Não cai nessa, Luiza, porque vai ficar mal com sua filha, não faz isso de jeito nenhum!".
A Joana a culpou? Tenho impressão de que no colégio teve certo preconceito. Isso porque naquela época não tinha foto de perna aberta, era nu, mas não a exposição que tem hoje. Nem tenho mais a revista porque sofri muito.
Acha que afetou mais a cabeça ou a carreira dela? As duas. A Joana acha que prejudicou a carreira dela, tanto é que ela foi embora para a Europa. Eu já tinha outra cabeça, era meio riponga, ela não, estava começando a carreira. Ela foi para a França, onde ficou por cinco anos, fez teatro lá, Cirque du Soleil, mas no Brasil ela estava começando.
Na sua carreira influenciou alguma coisa? Não, embora as pessoas achem que eu tenha feito filmes pornôs. Mas pornô para mim é sexo explícito. Fiz filmes comerciais, umas bobagens meio de mau gosto, mas não tinha nada de mais se você vir hoje. E as fotos da Playboy eram muito bonitas, eram tão caretas que só podia mostrar um peito, os dois não podia. O primeiro nu que fiz [em 1978, quando a Playboy se chamava Homem] foi com o Antonio Guerreiro e a Sonia Braga, que era casada com ele na época e sua assistente. Fizemos as fotos em casa, dessas não me arrependo. Me arrependo das com a Joana porque havia uma caretice naquela época. Eu devia ter pensado mais.
Como é a relação entre você e sua filha? A cumplicidade é forte, mas brigamos muito.
Por quê?
Acho que entre mãe e filha já existe uma predisposição para a briga. Quando vou nas casas das famílias mais tradicionais, sempre sai um pau. A Joana tem um temperamento muito diferente do meu. Brigamos, mas logo estamos rindo. A coisa que mais detesto é briga entre família, é a pior coisa.
Você teve um casamento aberto com o cineasta Gustavo Dahl. O que significava isso?
[Risos] Naquela época a gente queria mudar o mundo, né? Não queríamos aqueles casamentos como eram os das nossas famílias. Lembro da minha avó e das amigas dela chorando porque quando os maridos morriam elas descobriam que eles tinham uma garçonnière. Todos os maridos tinham amantes. Na minha geração, queríamos acabar com isso e fazer uma coisa verdadeira. Se rolasse uma paquera dentro do casamento aberto se contava: "Olha, rolou uma paquera, mas gosto mesmo é de você". Era uma besteira, mas a gente queria um amor sincero, não mentiroso como o das outras gerações.
E como era?
Durou até nós, as mulheres, descobrirmos que era uma estratégia que os maridos inventaram para nos controlar e não pra mudar coisa nenhuma. Era bom para eles, porque nós, as idiotas, acreditávamos no tal discurso verdadeiro e contávamos das paqueras, de uns agarras. Só que os homens não contavam nada. Quer dizer, era tudo mentira outra vez! Os homens não tinham mudado nada! Era só uma maneira nova e disfarçada de nos controlar.
Em seu primeiro livro, Quem não Ouve Seu Papai, um Dia a Balança Cai, você revela que houve uma agressão do Gustavo numa festa de réveillon em 1968.
Foi um tapa. Antes de eu sair de casa, Gustavo disse: "Se você dançar com o Soly Levy, eu te dou um tapa". O Soly era um cara muito bonito que fazia cinema, era egípcio e tinha o apelido, dado pelos homens, de Maldição do Faraó. E respondi: "Gustavo, mas que coisa ridícula!". E não pensei mais naquilo. Mas, na festa, eu abri a porta da cozinha e vi o Gustavo aos beijos com uma moça, encostado na geladeira. Fechei a porta e logo depois o Soly me tirou para dançar. Eu fui. Aí o Gustavo saiu da cozinha feito um louco e me deu um tapa na cara. Fui para a casa da minha mãe e nunca mais quis saber dele.
Você se separou? Me separei. Aí vi que essa história de casamento aberto era tudo uma mentirada. Ficamos juntos cinco anos.


Como você conheceu seu segundo marido, o Marcos Medeiros?
Eu o vi nas passeatas e fiquei apaixonada. Achava ele o homem mais bonito do mundo. Ficava vendo ele, o [José] Dirceu, discursando. Um dia, estou indo ao restaurante Antônio's com amigos, a [empresária] Zelinda Lee e o [decorador] Rodrigo Argolo, e ele diz: "Olha o loiro bonito da passeata esperando alguém no ‘ponto' [lugar onde os estudantes esperavam informações]". Perguntei: "Você não é o Marcos Medeiros?". Ele respondeu: "Sou, vocês me dão carona? Não posso ficar aqui nem mais um segundo!". Todo mundo querendo paquerar disse: "Claro, claro".
Para onde foram?
Para a casa da Zelinda, que morava num casarão. Lá já fiquei de beijinhos com o Marcos. Mas o negócio é que ele não tinha para onde ir, ele estava escondido da polícia. Aí eu, morando sozinha, acabei levando ele para casa. Mas foi muita loucura.
Por quê? Eu estava fazendo O Avarento, de Molière, com o [ator] Procópio Ferreira. Aí, um dia eu estava entrando no teatro e o Orlando Miranda, o dono, me chamou no intervalo do primeiro ato e falou: "Maria Lucia, a polícia está aí e quer falar com você". Eu quase tive um troço porque o Marcos estava com o meu Fusca e ia me pegar no fim da peça, na porta do teatro.
O que você fez?
Fui falar com a polícia, que jogou uma foto do Marcos em cima da mesa do escritório e perguntou: "Conhece?". Eu disse: "Não!". Mas pensei: "Maria Lucia, você não pode fazer isso porque eles vão te prender". Aí ele colocou uma foto maior e disse: "E esse você conhece?". Respondi que sim. Perguntou onde ele estava e eu disse que estava em Minas. O Marcos sempre disse que se alguém me pegasse era para eu dizer que ele estava lá. O cara me deixou voltar para terminar a peça, mas preveniu: "Se você contar pra alguém que a polícia está aqui, você vai presa. Estamos cercando o teatro por dentro e por fora".
Contou a alguém?
Cheguei no camarim aos gritos: "A polícia está aí atrás do Marcos! O que eu faço? Pelo amor de Deus!". Colado ao meu era o camarim do Procópio, que tinha um irmão que era do Dops [Departamento de Ordem Política e Social].
O Procópio era de direita?
Era, e muitos atores também. O diretor do momento, o francês Henri Doublier, tinha cortado meia hora de peça. Então a Isolda [Cresta, atriz] sugeriu que pegássemos o texto antigo, que era maior, e colocássemos no lugar do novo. Enquanto isso, alguém ligaria para a minha irmã e pediria para ela avisar o Marcos para ele não ir me buscar. Acontece que só eu e ela sabíamos que iríamos dizer o texto antigo. O resto do elenco não. Então ficávamos horas falando e os atores sem entender nada. Davam a deixa e nós respondíamos outra coisa.
E o Procópio não desconfiou?
Ele não estava nem aí porque era surdo. Mas os outros atores que não sabiam começaram a ficar furiosos. E um deles chegou mesmo a dar um tapa na cara da Isolda, em cena.
Qual foi a reação?
Ainda não era a minha hora de entrar, mas entrei feito louca. E o ator percebeu que alguma coisa estava estranha. Então, disse a ele, entre os dentes, apontando sutilmente: "Paulo Augusto, para. É uma coisa muito séria, olha lá!". Aí quando ele olhou pra plateia viu o teatro todo tomado por policiais. Enquanto isso, a [atriz e diretora de teatro] Thais Portinho foi telefonar pra minha irmã, da padaria, toda vestida de Avarento. O público nem percebeu. Só olhava pro Procópio, que fazia todas as graças. Mas os atores queriam matar a Isolda, que era comunista mesmo, daquelas de já terem sido presas, e achavam que aquilo era obra dela. Dali a pouco chega a Marilia balançando a chave do carro pra gente ver que tinha conseguido avisar o Marcos.
Você era ativista?
Não, peguei uma carona.
Por amor? Não. Eu sempre tive simpatia pela esquerda. Mas o Marcos foi morar na minha casa e, é claro, a polícia começou a me perseguir para saber dele. E pouco tempo depois ele foi preso. O advogado fez um passaporte falso e disse que ele tinha que fugir. Ele ia pegar um ônibus e seguir pra Argentina.
Você foi junto?
O Marcos foi antes, parou em São Paulo, na casa do [escritor] Antonio Bivar, tomou um ácido, ficou completamente louco e pegou o ônibus. Era uma época louca porque tinha tudo: política, droga, casamento aberto, tudo isso para virar o mundo, o que, de certa forma, conseguimos.
E o que isso tinha a ver com você?
Fui envolvida nisso. Um dia estava aqui em casa e minha empregada, que tinha sido minha babá, foi me chamar dizendo: "Maria Lucia, a polícia está aí". Abri a porta e a polícia disse que tinha algo errado com o meu carro e que eles iam me levar à delegacia para ver o que era. Fiquei em pânico. Fui dirigindo, cheguei na delegacia e em cima de uma mesa estava escrito "Delegado Paixão".
O que aconteceu? Ele disse: "Está vendo meu nome? Você nunca mais vai esquecer, meu nome é Paixão!". Não esqueci mesmo. Aí ele me levou para uma sala que tinha uma pia, uma cadeira e pensei: "Agora vou ficar aqui o resto da minha vida". E ele falou: "Você vai ficar aqui até o Marcos aparecer". Nessa altura, o Marcos estava em Paris. Entrou um outro cara e disse: "Eu sei quem você é. Você é atriz, eu gosto muito de você, sou advogado. Quer que eu faça alguma coisa por você?". Fiquei apavorada, pensando que podia ser armação. Mas ou eu confiava nesse homem ou não tinha opção. E disse: "Quero que você ligue e peça pra minha irmã tirar tudo o que for livro e pôster do Che Guevara da minha casa".
E o Paixão? Disse: "Você quer ir embora?". Eu falei: "Claro". Então ele respondeu que eu tinha que ir no meu carro porque o dele estava numa oficina na Barra e que o pegaríamos lá para a gente curtir uma praiazinha... Fiquei em pânico: "Praiazinha!?".
E aí?
Já no carro, ele falava: "Avança o sinal, avança! Você está com o delegado Paixão!". Quando a gente chegou na porta da oficina, ele disse para esperar um segundo que ia pegar o carro dele. Deixei ele saltar, dei marcha a ré a toda no meu Fusca e fui embora para a casa da minha irmã. Ela estava com um passaporte para eu fugir e, à noite, saí do Brasil, apavorada, para a Europa.
"Ter problema com dinheiro me assusta muito. Fico em pânico. Mas jamais pensei em casar com um homem só por ele ser rico"
E encontrou o Marcos? Fiquei com ele em Paris por três anos. Já fui grávida dele e lá tive a Joana. Depois, ele foi pra Cuba filmar com o Glauber [Rocha]. Ele queria que eu fosse, mas eu disse que não iria nem morta porque naquela época quem fosse a Cuba não poderia voltar ao Brasil. Aí fui pra Roma porque tinha amigos lá e foi uma maravilha! Não tinha aporrinhação, só festa. Fiz teste para [o canal de TV] RAI, passei imediatamente. Tudo deu certo, ao contrário de Paris, que era muito pesado, só com amigos estudantes fazendo reuniões lá em casa.
Vocês se separaram?
A gente praticamente se separou e já fiquei com outras pessoas.
Quantos anos tinham?
Marcos tinha 21 anos, e eu, 26. Ele era muito garoto. Quando se viu livre na Europa, podendo fazer tudo o que quisesse e todo mundo paquerando...
Você não teve uma proposta para trabalhar em Hollywood?
Tive. De um diretor de cinema israelense que queria me levar para lá. Mas a Joana era pequena e o Marcos não iria deixar. Essa foi uma paixão grande, mas foi uma coisa cortada. Já estava na Europa havia cinco anos e queria voltar para o Brasil. Não aguentava mais ser estrangeira, estar lá ralando.
Você está namorando agora?
Estou. E é amor, diferente de paixão. Uma coisa mais de parte a parte. Temos uma amizade profunda, acredito nele. Sei que ele é uma pessoa que me protege, que gosta muito de mim e eu dele. Não é aquela paixão de quando se tem 15 anos de idade! É amor de verdade.
Você acha que com a idade a gente aprende a amar?
Acho. A gente descobre isso com a maturidade. Quando você tem 20 anos não está a fim de aprender nada, não tem paciência para essas coisas. Jovem quer se descabelar, cair dura, e eu não quero mais isso. Quero uma pessoa que me compreenda, que seja legal comigo, que a gente forme um casal que goste de fazer o outro feliz.
Então é seu primeiro amor? Amor assim é.
Há quanto tempo estão juntos? Seis meses. Eu o conheço desde que nasci, frequentávamos o mesmo clube, o Country Club, em Ipanema, mas ele sempre foi casado.
É verdade que você nunca ficou mais do que cinco anos com alguém? Nunca fiquei. Mas sempre fui apaixonada, desde pequena, ia passar férias no hotel Quitandinha e minha primeira paixão conheci lá. Eu tinha 9 anos e ele também. Aí ficava imaginando o ano em que eu iria encontrá-lo nas férias de novo. Encontrar assim, para olhar. Nas viagens de navio eu também me apaixonava durante aqueles 12 dias.
Como eram esses cruzeiros?
Lembro uma vez que o navio Andes deu um problema de madrugada e chamaram todo mundo para ir para o deck. Meu pai, que morria de medo de navio, estava em pânico e mandou eu chamar mamãe no camarote quando o navio parecia que ia virar. Fui até o camarote e contei a ela o que estava se passando. Ela virou pra mim e disse: "Vai lá em cima e vê como as mulheres estão vestidas pro naufrágio".
Você já declarou que foi amante de um homem casado.
[Suspira] Fui.
Como é essa relação de ser amante?
Não era uma coisa difícil porque ele morava em São Paulo, nunca vi sua família e ele se dizia apaixonado. Ele vinha fazer shows no Rio, era um cantor famoso. Eu achava que era uma paixão até saber que ele namorou todo mundo que eu conhecia... Ah, os homens!
Quanto tempo durou?
Mais que cinco anos.
Ultrapassou os cinco anos?
É, porque aí não era um casamento, era uma coisa que a gente se via sempre, todo mês, mas não éramos grudados, todos os dias.
Você nunca dependeu de homem financeiramente?
Nunca tive um homem me sustentando, a não ser meu pai, que era muito rico. Depois que ele morreu... nunca. Com o Gustavo e com o Marcos eu trabalhava. Só ia ter uma vida boa em Hollywood se eu tivesse casado com o cara de Israel [risos].
Recebeu pensão dos seus ex-maridos?
Não, só tive uma filha com o Marcos, que morreu [de enfizema pulmonar] e não tinha um tostão. Se ele estivesse vivo agora, estaria com o PT, aí eu poderia estar rica! [Risos.]


Texto por Renato Fernandes
http://revistatpm.uol.com.br/revista/106/paginas-vermelhas/maria-lucia-dahl.html