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domingo, 3 de junho de 2012

My Love - Paul McCartney

Fernando Pessoa, um bobo apaixonado

em literatura por em 03 de jun de 2012

Quem é ela, a dona desse amor.
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Seu nome era Ophélia.
A gente sempre espera que um poeta e escritor faça cartas de amor profundas, poéticas, até mesmo perturbadoras. Espera um desmedimento. Mas não. A genialidade não precisa ser original. Não deve ser destemida e arrebatadora, mas antes tímida, simplória; a genialidade pode ser suprimida, às vezes, pelo lugar comum. Ou talvez ela apenas se manifeste dessa forma também.
Deparei-me com as cartas de Fernando a Ophélia em meio a uma pesquisa que fazia para meu próximo livro. Encontrei "Cartas de amor" de Fernando Pessoa nas prateleiras dum sebo pelos lados da Rua de Conceição e da Travessa da Cedofeita, no Porto, nem me lembro o nome.
Entrei no sebo procurando um livro de cartas de amor, mas quando o dono me perguntou "o que é que a menina procura?", a menina respondeu apenas duas palavras: Fernando Pessoa.
fernando pessoa.jpg
Sentei-me numa cadeira a frente de uma estante inteira que só tinha volumes do autor. Muita coisa me encantou e eu queria levar tudo. Mas meus olhos encheram de lágrimas quando os pousei na lombada do livro. Eu não sabia que existia tal livro, exceto por um instinto que teria me trazido até ali, até à segunda prateleira de cima para baixo, quinto livro da esquerda para a direita. Isso eu me lembro.
livro.jpg
Eu buscava uma resposta. Eu queria entender como um poeta soluciona essa charada a que hoje as pessoas nem se dão mais ao trabalho - ninguém sabe mais escrever cartas -; eu queria saber como é que se deve escrever uma carta de amor.
A resposta de F.P. a mim foi tão frustrante quanto surpreendente. Quase um tapa na cara. Porém ao mesmo tempo um afago, como se me segurasse pela mão nessa tarefa impossível que é a de por em palavras um sentimento tão absurdo.
Eu que esperava um professor a falar com a aluna, ou mesmo um deus a responder com um milagre, encontrei um Fernando tão humano quanto eu. Tão perdido quanto eu. Humilde, cheio de clichês e apelidos carinhosos, Fernando falava a Ophélia como se cuidasse de uma criança pequena. Não havia nada de perturbador e profundo na maneira direta como falava a ela - ou talvez isso fosse exatamente o perturbador: a tamanha intimidade com que lhe dirigia a palavra.
Nunca, em sua poesia, eu havia visto uma sinceridade tão aguda. A qualidade daquelas palavras é, para mim, mais relevante que a de qualquer outra obra que eu já tenha lido do mesmo autor. Aquelas palavras não têm medo de serem julgadas, mal-entendidas, submetidas a alguma avaliação.
Aquelas cartas que não deveriam ser lidas por ninguém além de Ophélia são justamente a literatura que vale ler, por fim. São a verdade dos sentimentos sem tradução e sem as cornijas e arabescos a que a poesia acaba inevitavelmente recorrendo para quase se encobrir de artesanismos.
É muito mais poético ler o amor doce, o ciúme genuíno, a saudade de segundos de separação, ou o entusiasmo da espera colocados nessas cartas, bem como as promessas que nunca seriam cumpridas, do que os versos mofados de história. Esta poesia é eterna porque mesmo os amantes de hoje dizem as mesmas besteiras, pensam as mesmas coisas, juram o mesmo amor, e caem nos mesmos enganos.
Levantem as taças ao amor bobo e apaixonado que todos partilhamos, inclusive Fernando Pessoa. E para marcar esse artigo com um exemplo do que falo, aí abaixo, um trecho da carta de 13 de junho de 1920, para o aniversário de Ophélia e coincidentemente, um dia após ao que nós brasileiros comemoramos o dia dos namorados - fica já uma espécie de homenagem aos apaixonados, portanto:
Meu querido Bébézinho:
Hoje não recebi carta tua, mas - é claro - não me admirei, porque já sabia, pela tua carta de hontem (a que me entregaste no carro) que não terias naturalmente tempo de me escrever.
Como esta carta te chega ás mãos amanhã de manhã, quero mandar ao meu Bébé muitos e muitos parabens, muitos beijinhos, e desejar que ella seja muito e muito feliz, que muitas vezes o anniversario se repita com o Bébé sempre contente.
O engraçado era que no anno que vem eu já te pudesse dar esses parabens de manhã, antes de me levantar. Percebes, Nininha?
Muitos beijos, muitissimos do teu, muito teu
Fernando
13/6/1920
obs.: transcrevi a carta da mesma maneira como foi publicada pela editora Ática, na primeira edição de 1978, Lisboa.


Leia mais: http://lounge.obviousmag.org/risco/2012/06/fernando-pessoa-um-bobo-apaixonado.html#ixzz1wlGoCee6

Desalento - Gal Costa

O Amor acima de tudo...

Mônica Bergamo




monica.bergamo@grupofolha.com.br



Isadora Brant/Folhapress/Porto Alegre, SP
O advogado em sua casa, em Porto Alegre
O advogado em sua casa, em Porto Alegre

'Dilma foi o meu maior amor'

Ex-marido e grande amigo da presidente, Carlos Araújo fala de prisão, tortura e também de paixão: 'Dilma é romântica e gosta de sonhar'

"Um café? Sim, quando você quiser, meu anjo." E assim, no primeiro telefonema, e em menos de cinco minutos, foi possível marcar um encontro com o advogado trabalhista Carlos Araújo, 74, ex-marido de Dilma Rousseff. Uma semana depois, ele abria a porta de sua casa, à beira do rio Guaíba, em Porto Alegre, para uma entrevista.


De temperamento oposto ao da presidente, tira fotos, é filmado. "Pode, sim", repete, a cada solicitação. "Olha, pode tudo. Aqui é liberdade total." Só vacila uma vez: "O quarto do bebê [Gabriel, 1, neto dele e de Dilma]? Não, aí..." Esfrega a testa: "Olha, a minha filha [Paula] é brava. Ela é muito brava".


Araújo continua a caminhar pela casa de quatro cômodos onde viveu com os pais, Afrânio e Marieta, já mortos, e depois com a presidente por 22 anos. "Quem vai levar uma bronca daquelas é a Dilma", diz. Paula viajou para Nova York e deixou Gabriel com a avó em Brasília -com a recomendação expressa de que não fosse fotografado pela imprensa. "Mas a Dilma se entusiasmou, levou ele lá na porta do Palácio."


Separados há 16 anos, ele e a presidente nunca se afastaram. "Ela que saiu daqui de casa. Sabe como é, a gente vai levando, eu não me separaria. Mas a Dilma tinha as razões dela. E depois eu a visitava, ela me visitava, a gente almoçava..." E a presidente comprou apartamento na rua do ex, "pra ficar pertinho, pra um proteger o outro".


Até hoje, passam Natal, Réveillon e "os feriadões" que conseguem juntos -Dilma, a filha, o genro, o neto, o ex-marido e a arquiteta Ana Meira, com quem Araújo é casado pela quinta vez (ele tem dois outros filhos de outros relacionamentos). Na virada do ano, foram todos para uma praia na Bahia.


Os dois se conheceram em 1969, numa reunião do Colina, grupo guerrilheiro em que ela militava e ao qual ele queria aderir. Passaram a viver juntos, na clandestinidade, já no segundo encontro.


ELA ERA MUITO BONITA

"A gente se amou rápido. Existe amor à primeira vista? Foi isso. Ela era muito bonita. Muito bonita. Inteligente. Decidida. Nossas energias, nossas fantasias se combinaram ali. O nome dela [na clandestinidade] era "Vanda". Eu era "Antero". Sabia que era mineira, pelo sotaque, e ela, que eu era gaúcho. Mais nada.


Foi uma relação intensa. Uma noite, nós tivemos uma briga violenta, à 1h da manhã, numa rua movimentada do Rio, um gritando com o outro. Havia cartazes procurando a gente, e nós ali, correndo o risco de ser presos por uma briga afetiva.


Ela sempre foi muito brava, de personalidade forte -mas extremamente generosa e solidária. E é até hoje."


Araújo sofre de enfisema pulmonar. Mesmo depois de separados, diz, Dilma sempre o cercou de cuidados. "Qualquer coisinha, já dava dura nos médicos." Hoje, ele respira com o auxílio de máquinas de oxigênio. Não pode ir a Brasília por causa do ar seco. Recentemente, ficou internado. Mas não se arrepende de ter fumado por décadas. "Era um prazer imenso."


Dilma foi presa em janeiro de 1970. Ele, em agosto. Neste período de separação forçada, Araújo teve um rápido romance com a atriz Bete Mendes, que também aderira à luta armada. Ele prefere não falar sobre isso. Estava com ela quando foi preso.


A TORTURA

" Fui preso pela equipe do [delegado Sérgio Paranhos] Fleury, no Dops. Me botaram no pau de arara, nu. Botavam fios nos dedos dos pés e das mãos, nos órgãos genitais, na língua, cabeça, orelhas. Ligavam aquilo na TV. Cada vez que passava de canal, era um pavor, pavor, pavor. Atiravam água e davam cacetada. Dói e parece que tu vai explodir. E o médico ali tirando a pressão pra ver se tu aguentava.


A pessoa, para torturar, ou é doente mental ou está animalizada. Pessoas que me torturaram se dopavam na minha frente, com injeção. Não tinham coragem, mas tinham que cumprir ordens.


Em geral, na literatura da esquerda, todos resistiram à tortura. Todos são heróis. E isso não é verdade, é ficção. Tem pessoas que aguentam mais, outras menos. Mas é insuportável. Acho que muitos morrem sem dizer palavra porque não têm o que dizer.


E o que acontece? As pessoas que vão ser torturadas não sabem que a tortura é praticamente irresistível e que elas vão precisar encontrar um mecanismo para amainar a situação. Nós não estávamos minimamente preparados. Toda pessoa, entre a dor continuada e a morte, prefere a morte. Porque é a forma de aliviar a dor.


Eu vi que não resistiria, que a dor era insuperável e que a única coisa digna que eu poderia fazer era me matar. Porque eu ia falar e entregar os meus companheiros.
Decidi: 'Vou inventar [para os militares] um encontro com o [Carlos] Lamarca e me matar'. Enfermeiros passaram a noite me dando massagem para eu conseguir ficar de pé no dia seguinte. Na tortura, o físico desmorona."


TENTATIVA DE SUICÍDIO

"No outro dia, me levaram a uma rua na Lapa. E eu comecei a vacilar. Dizia pra mim mesmo: 'Bem que tu falaste ontem lá na tortura que tu ia chegar aqui e ia te acovardar e não te matar'. Aí comecei a pensar: 'Quem sabe me atiro debaixo de um carro e não morro?'. Passou um fusca, veio uma Kombi. 'É alto, pode ser que eu dê sorte'. E me atirei. Tô ali, um bolo de gente, e ouço o cara da Kombi: 'Por que logo comigo, moço?'. Coitado, né? Decerto ia trabalhar e ficou desesperado."


Dilma cumpriu pena em SP e ele, no Rio. Na cadeia, conheceu a sogra, Dilma Jane, que foi visitá-lo. "E aí nasceu uma amizade tão profunda que resiste ao tempo. Ela é brilhante, revolucionária. Pensa além de nosso tempo." Araújo foi depois para o presídio Tiradentes, em SP, onde estava Dilma. As mães dos dois insistiram tanto que, "para se verem livres", as autoridades os reconheceram como casal. "O [delegado] Romeu Tuma deu parecer como que abençoando a relação. Nossa certidão de casamento foi emitida pelo Dops."

Dilma foi solta antes e passou a morar com os sogros em Porto Alegre, na casa onde Araújo vive até hoje. De lá, é possível avistar a Ilha do Presídio, para onde Araújo foi transferido logo depois. "Tá vendo aquele negócio verde ali? Ali, ó! Bem no meio do rio. Fiquei preso ali."


Depois de libertado, e com a abertura, o casal passou a militar no PDT de Brizola. Puderam enfim ter uma vida (quase) normal. "Nós éramos militantes [Araújo foi deputado estadual]. Chegávamos em casa exaustos, às vezes tinha briga por causa de política. Mas era um casamento sem muito conflito."
SONHAR JUNTO
"A Dilma é bastante romântica, sim. Gosta de música, de ficar junto, sonhando, pensando. Ah, não há dúvida: a Dilma foi o meu maior amor."

VAIDADE

"Ela era pouco vaidosa. Foi ficando quando começou a ocupar cargos no Estado. Hoje gosta de se vestir... embora aquelas roupas que ela usa ali [risos]... São bonitas. Mas todo mundo fala que é sempre a mesma, né?" Em 2010, quando fez plástica, Dilma ligou para o ex: 'Tu me leva lá? Fica lá comigo?'."


Quando Lula passou a dar sinais de que seria candidata, Dilma chamou o ex-marido e a filha para jantarem num bistrô. "A Paula ficou perplexa também. Eu perguntei: 'E tu te achas em condições de enfrentar essa parada?'. E ela: 'Tranquilamente'. Esse negócio de dizer que a Dilma é poste, não gosta de política... Como não gosta se fez política a vida inteira?"


Quando Dilma revelou que estava com câncer, "foi um choque terrível". "A gente acaba sendo meio irmão, sendo muita coisa ao mesmo tempo. Eu de certa forma sou a família da Dilma. Quem ela tem? A filha, a mãe e eu. E também ela será sempre a minha família. É impossível a gente pensar de outra forma."


A assistente de Araújo o interrompe. "O embaixador João Carlos quer falar ao telefone." Araújo atende: "Alô? Grande alegria, grande satisfação falar contigo, meu velho. Tu estás onde? Estamos com saudade de ti também. Tô louco para que tu venha para a gente se encontrar". Desliga. "Ele vai trazer o [presidente do Uruguai José] Mujica aqui em casa, eu acho."


Dias antes, Araújo havia recebido José Dirceu. Apesar da movimentação ("Ligam o dia inteiro atrás dele", conta a assistente), Araújo diz que evita se envolver. "Tenho que ter um cuidado tremendo porque acham que o que eu falo é o que a Dilma pensa."


Ele elogia a Comissão da Verdade. E critica a Lei da Anistia, "feita de cima para baixo". "Assim como nós [militantes de esquerda] fomos julgados, todos deveriam ser. Somos uma democracia. Quero sublinhar que temos que respeitar o que está vigindo. Mas posso ter aspirações."


Araújo acha que, por causa do neto, Dilma passará a visitar Porto Alegre com mais frequência. "Ela está encantada. Tá todo o tempo com ele no colo, brinca, pega na mão e anda por todo lugar. E ele pode tudo, tudo, tudo. Esse nunca vai levar bronca [de Dilma]. Esse vai dar bronca."

Folha de S.Paulo
03/06/2012

Eu Sei que é junho - Geraldo Valença