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domingo, 15 de abril de 2012

A Terra é colorida

Imagens aéreas produzidas pelo fotógrafo francês Yann Arthus-Bertrand chegam ao Rio de Janeiro e revelam um mundo belo, frágil e surpreendente

MAURÍCIO MEIRELES

 
 
Foram os leões que ensinaram Yann Arthus-Bertrand a fotografar. Com 30 anos, ele largou tudo na França e se mudou com a mulher para o Quênia, na África. Queria entender os felinos, mas descobriu algo a mais. “Eles foram os primeiros a me mostrar a beleza evidente das coisas. Foram os primeiros a me ensinar a ter paciência”, disse Arthus-Bertrand a ÉPOCA. Nas páginas deste ensaio, o renomado fotógrafo, de 66 anos, empresta seu olhar ao leitor. Estas fotos são uma pequena amostra da exposição A Terra vista do céu, já visitada por 120 milhões de pessoas em 110 países. Ela ocupará ruas do centro do Rio de Janeiro, de 27 de abril a 24 de junho. A exposição se antecipa à Rio+20, conferência da Organização das Nações Unidas sobre meio ambiente, prevista para junho. Vista do céu, a Terra às vezes parece uma pintura abstrata. As fotos de Arthus-Bertrand mostram um planeta belo, mas frágil. Sutilezas do olhar de quem continua se surpreendendo com um mundo em transformação. “Somos tantos, meu Deus!”, afirma Arthus-Bertrand, com as mãos para cima, diante da foto do Piscinão de Ramos, no Rio. “A população mundial triplicou desde que eu nasci.” Para Arthus-Bertrand, suas fotos são testemunhos do que se passa no mundo porque, embora silenciosas, estão carregadas de mensagens. “Não podemos ser testemunhas mudas de nossa história.” Foi a partir da Rio-92 que Arthus-Bertrand decidiu viajar o mundo para documentar a pegada humana no planeta. Hipotecou sua casa para conseguir o dinheiro. Teve de expor na rua. Nenhum museu considerava o que ele fazia arte. “Disseram até que as fotos não passavam de cartões-postais. Mas o planeta é uma obra de arte, não há nada mais perfeito”, diz. Ele espera que sua visão do planeta, registrada lá de cima, incentive as pessoas, aqui embaixo, a viver em harmonia com a natureza.

http://revistaepoca.globo.com/tempo/noticia/2012/04/terra-e-colorida.html

Face a Face... - Simone


Face a Face
Composição : Sueli Costa e Cacaso

São as trapaças da sorte, são as graças da paixão
Pra se combinar comigo tem que ter opinião
São as desgraças da sorte, são as traças da paixão
Quem quiser casar comigo tem que ter bom coração
Morena quando repenso o nosso sonho fagueiro
O céu estava tão denso, o inverno tão passageiro
Uma certeza me nasce, e abole todo o meu zelo
Quando me vi face a face fitava o meu pesadelo
Estava cego o apelo, estava solto o impasse
Sofrendo nosso desvelo, perdendo no desenlace
No rolo feito um novelo, até o fim do degelo
Até que a morte me abrace
São as desgraças da sorte, são as traças da paixão
Quem quiser casar comigo tem que ter bom coração
São as trapaças da sorte, são as graças da paixão
Pra se combinar comigo tem que ter opinião
Morena quando relembro aquele céu escarlate
Mal começava dezembro, já ia longe o combate
Uma lambada me bole, uma certeza me abate
A dor querendo que eu morra, o amor querendo que eu mate
Estava solta a cachorra que mete o dente e não late
No meio daquela zorra, perdendo no desempate
Girando feito piorra, até que a mágoa escorra
Até que a raiva desate
São as trapaças da sorte, são as graças da paixão
Pra se combinar comigo tem que ter opinião
São as desgraças da sorte, são as traças da paixão
Quem quiser casar comigo tem que ter bom coração

o beijo

Os mistérios que envolvem o beijo, ao longo da história do homem, não se restringem apenas aos segredos de alcova ou às manifestações públicas desse gesto de afeto e amor. O beijo, na verdade, foi tema de manifestações artísticas e literárias das mais variadas naturezas. E pelo menos duas imagens clássicas sobreviveram aos tempos como símbolo de romantismo, liberdade e expressão.

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A mais antiga delas é do fotógrafo alemão Alfred Eisenstaedt que imigrou para os Estados Unidos e durante décadas fotografou para a revista Life. Foi em 14 de agosto de 1945, o dia da Vitória, que Eisenstaedt capturou a essa imagem do beijo, durante as comemorações do fim da Segunda Guerra Mundial em plena Times Square, em Nova York, o local mais célebre das comemorações da vitória dos aliados. A imagem circulou mundo afora como um símbolo de liberdade, de romantismo e de um novo tempo que viria com a paz. E, entre as versões que explicavam a cena, dizia-se que o casal apaixonado sequer se conhecia na ocasião do beijo. A identidade do casal da cena permaneceu. Em 1980, a revista Life divulgou que, até aquela data, onze homens já tinham se apresentado à revista alegando serem o marinheiro da foto. Quanto à enfermeira, foram três. Uma delas, Edith Shain, professora de crianças, convenceu o próprio Eisenstaedt, que foi à Califónia fotografá-la para a Life.o-beijo620.

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A foto Le baiser de l’hôtel de ville (O beijo em hotel de ville), de Robert Doisneau, igualmente perpetuada como um símbolo universal romântico, foi tirada em Paris, em 1950. Doisneau se recusou a revelar a identidade do casal, até que em 1993, a Françoise Bornet, processou-o em 18 mil dólares pelo uso de imagem não autorizada. Para se defender, Doisneau admitiu que, na verdade, a cena foi armada, com a ajuda de um casal de namorados que, na hora, estava circulando pelo local. A foto original foi vendida em leilão, em 1994, por 242 mil dólares.

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A versão mais recente do beijo romântico foi perpetuada em 2011 durante um choque da Polícia com torcedores de dois times de hóquei do Canadá. Depois de por fogo em dois carros, os torcedores foram reprimidos pela polícia, e recuaram. “Quando parei de correr, percebi duas pessoas deitadas no espaço vazio atrás da linha de policiais. Fiz a foto, mas somente na hora da edição é que não eram pessoas feridas, mas, sim, se beijando”, contou o autor da foto Rich Lam.

http://bravonline.abril.com.br/materia/imagens-de-beijos-eternos#image=kiss_rich_lam-352

Noé da Guatemala

 

Noé tem 52 anos e a arca que ele dirige é um Toyota RAV4. Os animais que leva são dois vira-latas brasileiros, bancados pelo Instituto de Turismo da Guatemala enquanto estão sem sua Kombi. Fala pouco, nem nos pergunta de futebol, mulheres e carnaval. Parece até que espera permissão para responder. Mas não precisa falar muito para ser simpático: não tem como não gostar do Noé. Ele é idêntico ao “baixinho da Kaiser”, a diferença, tirando as mulheres e a cerveja da propaganda, é o sorriso tímido.
No café da manhã pago pelo governo, o motorista espera de pé ao lado da mesa do restaurante vazio, com um ar triste, desanimado.
“Senta aí, Noé. Toma o desayuno com a gente, né.”
A cara de preocupado não combina com a calça larga, tênis de corrida, camisa polo e boné.
E há mesmo muito com o que se preocupar: dívidas, trabalho, o pouco contato com os cinco irmãos e com os pais, a educação dos quatro filhos. Os olhos cheios de tristeza dizem muito, e ele fala pouco porque o pensamento vai longe, junto da mulher e das crianças.
Quando conversamos com outras pessoas ele se afasta um pouco da roda, como se não fosse seu lugar, e fica ouvindo interessado, esperando. Em uma das conversas, um senhor de 84 anos cita o filósofo alemão Hegel:
“Sem entusiasmo nunca se realizou nada grandioso.”
E, apesar de ser muito competente, Noé não está nem um pouco entusiasmado com seu trabalho. Tampouco planeja algo grandioso, diz que não tem sonhos. Normalmente escutamos uma resposta afirmativa quando perguntamos para as pessoas se elas são felizes, ele respondeu que não.
“A história da minha vida é o meu trabalho. Faço isso há 20 anos e se pudesse mudar algo, seria isso.”
Na pequena viagem, gravamos em um sítio arqueológico maia, uma fazenda, dois parques de diversões, um museu. Tudo muito bacana, mas nada mais interessante que o baixinho que vive no dilúvio da rotina e não tem previsão de quando a água vai baixar. Ao Noé da Guatemala não resta mais muita fé, apenas o trabalho dedicado a dar escolhas aos filhos. Espera que eles um dia respondam a mesma pergunta com um “sim, somos muito felizes”, e lembrem do pai que não construiu uma arca, mas também martelou muito pensando no futuro.

http://revistatrip.uol.com.br/blogs/omundoeumakombi/2012/04/14/noe-da-guatemala.html

SENTIMENTAL MOOD- ELLA FITZGERALD

Paris, A Moveable Feast

por Pedro Correia | 14.04.12

“But Paris was a very old city and we were young and nothing was simple there, not even poverty, nor sudden money, nor the moonlight, nor right and wrong nor the breathing of someone who lay beside you in the moonlight.”
Ernest Hemingway, A Moveable Feast
E se de repente uma rua - uma vulgar rua de traseiras numa grande cidade - se tornar um microcosmo de um povo ou de um país? É um cenário admissível: não há impossíveis em ficção. E é um cenário que, pela mão de um escritor de talento, ganha a dimensão de uma tela viva.
Senti isto ao ler Amor numa Rua Escura, singular homenagem de Irwin Shaw a Paris, numa confirmação de que a capital francesa é capaz de seduzir sem remissão os olhares norte-americanos.
Shaw (1913-84) exilou-se voluntariamente na Europa em 1951, no auge das perseguições maccarthistas, depois de ter sido incluído na lista negra dos estúdios de Hollywood ao assinar petições em defesa aberta de John Howard Lawson e Donald Trumbo, argumentistas de cinema como ele. O contraste entre os sonhos asfixiados na América desses anos da Guerra Fria e a esperança renovada num Velho Continente que irrompia das cinzas do mais trágico conflito de todos os tempos está bem patente neste seu conto sobre um jovem engenheiro norte-americano que aguarda uma chamada telefónica para a namorada em Nova Iorque enquanto lê Madame Bovary "para melhorar o seu francês" num minúsculo apartamento de primeiro andar arrendado na estreita rua por detrás do Boulevard Montparnasse.
Dois meses depois da chegada a Paris, naquele fim de Verão, tudo ali ainda está envolvido numa atmosfera de estranheza para este forasteiro, Nicholas Tibbell. "Todos os franceses lhe pareciam possuir um vocabulário ligeiramente arcaico e sublime, e sempre lhe soavam como se estivessem a fazer um discurso aos senadores, no Forum, ou a exortar os atenienses a matar Sócrates. Longe de o aborrecer, esta particularidade dava um acréscimo de misterioso encanto aos seus contactos com os habitantes do país e, nas raras ocasiões em que compreendera uns termos de calão, sentira que um picante se acrescentara às suas relações com a língua."
Passa da meia-noite em Paris, são oito horas em Nova Iorque. As duas cidades estão separadas por 5500 quilómetros. Mas a diferença não é apenas de fuso horário. Aquela rua exígua e antiquada fervilha de vida, em perfeito contraste com a modorra insonorizada do moderno prédio onde mora Betty, a namorada de Tibbell. Há um par de namorados beijando-se como sombras furtivas no umbral de uma porta - "o que era ser francês, pensava ele, e não sentir vergonha do desejo, e ser capaz de o expor com tanta franqueza na via pública." Mais adiante, uma jovem de cabelo louro, "no inevitável estilo Brigitte Bardot daquele ano", discutia acaloradamente com o ex-namorado, um parisiense chamado Raoul, dono de uma Vespa. Ela gritava e chorava e barafustava. O pai dela, que "aparentava ser um engenheiro respeitável ou um funcionário público", surge em defesa da filha, chamando "porco" ao homem da motorizada. Ele acaba de lhe anunciar que irá casar com outra, ela ameaça suicidar-se."No país estrangeiro que era a França, onde o código de conduta entre os sexos era, para ele, na melhor das hipóteses, um mistério titilante", Tibbell "apenas podia desejar que tudo acabasse em bem".
Desfilam mais personagens. Uma mulher de sotaque espanhol abandona bruscamente um Alfa Romeo conduzido por um homem de fato preto que a persegue em vão. E a noiva de Raoul, que surge mais tarde, à pendura na Vespa. Tudo sublinhado pelo coro grego das velhas da vizinhança, que vão subindo e descendo persianas à razão inversa dos picos de emoção destes pequenos dramas românticos desenrolados na rua.
Deste conto editado originalmente em 1965 (que li na versão portuguesa das Publicações Europa-América, com tradução de Carmen González, embora esteja igualmente editado pelos Livros do Brasil) irrompem genuínas vozes humanas com o seu cortejo alternado de esfuziantes alegrias e amargas decepções. Há amor e fúria, desejo e ódio. Sem sermões morais e com o autor confinado no seu reduto de espectador atento. Romancista de talento e mérito (Os Jovens Leões; Lucy Crown; Homem Rico, Homem Pobre; Duas Semanas noutra Cidade), Irwin Shaw era igualmente um excelente contista, como esta saborosíssima história de um americano em Paris demonstra e a colectânea Short Stories: Five Decades (1978) confirma.
A leitura de Madame Bovary ficou a meio, o telefonema para Betty acaba por não se concretizar. Quem quer a vida imaginada quando tem a vida real - promissora e palpitante - ao pé da porta? Terminado o conto, chega-nos como eco distante uma frase emblemática de Hemingway, outro americano que se apaixonou irremediavelmente por França: "Se tiveres a sorte de viver em Paris enquanto jovem, para onde quer que fores durante o resto da tua vida levarás essa experiência contigo. Porque Paris é uma festa móvel."
Uma frase tão sugestiva, tão sedutora. E tão verdadeira.