Pesquisar este blog

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Killing Me Softly ( 1973 ) - Roberta Flack

Isso é amor, não outra coisa

por Carol Bataier

Você liga, ela atende, avisa que está na academia e desliga. Mal conversam: ela tem mais o que fazer. A noite, você sabe, ela vai te procurar, dizer que ama e que já está cheia de saudades. Ela está longe, mas vive tão bem, a danada, sem você. Ainda assim, você sabe que ela faz o que pode para passar um fim de tarde ao seu lado.
Se você cansar e pedir um tempo ela não vai parar de comer, não vai ameaçar suicídio, não vai escrever cartas e cartas, tampouco precisará de antidepressivos. Ela vai chorar, mas vai sobreviver. Bem, muito bem, ao lado de amigos, família, novos conhecidos. Vai sentir sua falta quando ler um poema, quando for ao cinema e acompanhar na tela a história de um amor sem fim. Mas vai continuar vivendo e continuará sendo feliz.
Ela não precisa de você na vida dela. Ela almoça sozinha, faz compras sozinhas, faz sexo e planos sozinha. Sem você na vida dela, ela pode viajar mais, pode dormir na casa de uns amigos distantes que você, ao lado dela, jamais permitiria, pode ler mais, pode conhecer outras pessoas, pode ir a mil festas, pode voltar a conversar com aquele ex, pode usar saias curtas, pode estudar mais, pode pintar o cabelo de preto. Sem você ela pode tanta coisa!
E ainda assim, ela quer você na vida dela.
Ela sabe dos seus planos, conhece seus gestos e seus olhares, sabe das suas paixões e seus ódios, sabe das suas músicas preferidas e conhece o cheiro das suas camisas, conhece a cara que você faz quando assiste filme de terror, comédia ou quando faz sexo, sabe como você age quando está nervoso e quando tem um pesadelo, sabe seu modo de pedir desculpas e sua maneira de mostrar que ama, viu fotos de quando você era criança, sabe do seu passado e sabe o seu jeito preferido de arrumar o cabelo. Ela te conhece.
E ainda assim, ela te quer.
É por isso mesmo que ela te quer. Quando o caminho se divide em dois, ela sabe soltar a sua mão e, ainda assim, continuar caminhando ao seu lado.
Amor é isso: não precisar.

http://www.revistawave.com/blog/index.php/2010/03/04/isso-e-amor-nao-outra-coisa/

“Like Smoke”

Faixa “Like Smoke” foi gravada com o rapper Nas, em uma parceria inédita
por Luciana Carvalho
 

A música “Like Smoke”, que faz parte do disco póstumo de Amy Winehouse, foi divulgada nesta quarta-feira pelo site Miss Info. A voz de Amy foi gravada em 2008 e a faixa tem a participação do rapper Nas, amigo próximo da cantora.
A música foi produzida por Salaam Remi, o mesmo produtor que, na semana seguinte à morte de Amy Winehouse, em julho deste ano, divulgou versões inéditas das músicas “Roun’ Midnite” e "Some Unholy War", como uma homenagem à cantora e amiga. O álbum póstumo, chamado “Lioness: Hidden Treasures”, também tem produção de Mark Ronson e deve ser lançado em 5 de dezembro.
O disco traz trabalhos inéditos, versões de músicas dela já conhecidas e cover de outros artistas. Um deles é “Garota de Ipanema”, a primeira música cantada por Amy quando chegou a Miami para gravar com Salaam Remi, aos 18 anos. O álbum também traz uma música sobre seu casamento difícil com Blake Fielder-Civil e outra que teria sido gravada enquanto ela estava sob os efeitos da heroína.
De acordo com os produtores, uma libra de cada exemplar vendido será revertida para a ajuda a crianças necessitadas, por meio da Amy Winehouse Foundation, ONG criada pela família da cantora.

Confira a lista das músicas do novo álbum:
1 - Our Day Will Come (versão reggae): gravada em maio de 2002
2 - Between The Cheats: gravada em maio de 2008
3 - Tears Dry: versão original da faixa do álbum Back To Black, gravada em 2005
4 - Wake Up Alone: gravada em 2006 para o disco Back To Black, mas não foi incluída
5 - Will You Still Love Me Tomorrow: cover de Carole King, gravado em 2004, com participação de Dap Kings
6 - Valerie: versão mais lenta da música de Back To Black, gravada em 2006.
7 - Like Smoke: gravada em maio de 2008, com participação do rapper Nas
8 - The Girl from Ipanema: versão gravada em 2002
9 - Halftime: gravada em agosto de 2002
10 - Best Friends: gravada em fevereiro 2003
11 - Body And Soul: última música gravada por Amy, em março de 2011, feita em parceria com Tony Bennett
12 - A Song for You: cover de Donny Hathaway, gravado em 2009





Ultima Forma - Paulo César Pinheiro/Baden Powell

Samba na Gamboa com Roberta Sá




Prezado amigo Afonsinho (minha primeira paixão)


Meio De Campo
Elis Regina
Composição: Gilberto Gil

Prezado amigo Afonsinho
Eu continuo aqui mesmo
Aperfeiçoando o imperfeito
Dando tempo, dando um jeito
Desprezando a perfeição
Que a perfeição é uma meta
Defendida pelo goleiro
Que joga na seleção
E eu não sou Pelé, nem nada
Se muito for eu sou um Tostão
Fazer um gol nesta partida não é fácil, meu irmão
Entrou de bola, e tudo!



Rebelde e pioneiro

Ele nunca foi convocado para a seleção, mas conseguiu uma das maiores conquistas do futebol brasileiro. Nascido em São Paulo, Afonsinho se profissionalizou pelo Botafogo, onde jogou com Garrincha e Gérson. Do clube em que levantou a Taça Brasil de 68 saiu de forma conturbada. Afastado pela decisão de manter barba e longos cabelos, que simbolizavam rebeldia em tempos de ditadura, garantiu na Justiça o inédito direito ao passe livre. O meia-direita foi para o Olaria e depois atuou por Flamengo, Santos, Vasco, Atlético-MG e Fluminense. Politizado e boêmio, o médico aposentado foi homenageado na canção "Meio de campo", de Gilberto Gil, chegou a ser fichado pelo Serviço Nacional de Informação e foi personagem de um documentário, 'Passe Livre'.



http://oglobo.globo.com/esportes/mat/2011/11/07/memoria-do-futebol-afonsinho-925753181.asp

E olhe que falei de flores

 

Jolivaldo Freitas

Quase esqueço que a Primavera chegou. A culpa do meu esquecimento é da própria Mãe Natureza que já não avisa, como avisava em priscas eras. Ela, como a maioria das mães, está muito mudada. A Mãe Natureza anda meio relapsa, talvez cansada de guerra ou apanhar tanto sem ter uma Lei Maria da Penha para punir os seus agressores. Tanto que ela deixa a data quase que passar a data em branco. Quando a Primavera chegava era uma alegria. Seus sinais eram claros. Nas escolas participávamos de peças com roteiro que contemplava as flores, o sol e o arco-iris. Lembro até de um trecho de uma musiquinha que me fizeram cantar, ainda menino, no Colégio Luiz Tarquínio. Era mais ou menos assim: "Somos as flores/Mais perfumadas...Do jardim da infância". Nem lembro do início, nem do meio e só do final. E lá estava eu vestido como pé de planta. Tudo valia em homenagem à chegada da Primavera. Eram feirinhas, peças, festivais, gincanas e o abraço de Marana, uma coleguinh a somente acessível nas festinhas. Até hoje a Primavera me remete aos seus braços. Será que ela lembra de mim? Que nada. Já não sabia mesmo quem eu era naqueles tempos. Ainda mais depois de tantas Primaveras. Tínhamos apenas meia dúzia. A Primavera dava seus ares com as plantas em pleno cio, fazendo surgir as mais lindas e coloridas flores: lírios, flor-do-campo, dálias, Sorriso-de-Maria, rosas, rosas meninas, cravos-de-defunto, boninas, girassóis, margaridas, amarillis, antúrios, boca-de-leão, copos-de-leite, gardênias, jacintos, tulipas e sem falar nas graxeiras de todas as cores, tons e semitons. Era a natureza esperando a cópula das abelhas, colibris e corrupixeis. Os pássaros pareciam terem se multiplicado e seus trinos mais altos e alegres. O verde exuberante da copa das árvores contrastando já com o azul do céu de poucas nuvens e quase chuva nenhuma. Algumas árvores frutíferas, como o jambeiro ou uma teimosa mangueira que dominavam o pomar de uma mansão à beira-mar na Boa Viagem, decidiam sempre sair na frente e já apresentavam seus frutos devezes que nossa avidez de criança comia assim mesmo e amargava dores na barriga no meio da noite para tirar o sono dos avós e dos pais. Estamos quase uma semana em plena Primavera e ainda não vi a profusão de flores, embora olhe todos os cantos, jardins e avenidas. Embora os jornais tenham anunciado. Mesmo na minha varanda as flores estão tímidas, escondidas. Frô Maria e Craudio, o casal de gaviões que todas as manhãs sobrevoava o mar e vinha pousar na antena de TV no prédio defronte, fazendo revoada de bem-te-vis e canários-da-terra tiveram dois filhotes antes da Primavera. Eles – Anita e Duda – aprenderam a bater asas e todos desapareceram. Por sorte vieram para alegrar a Primavera um Sabiá e uma Garrincha estridente que se aproveitam do mamão e da água colocadas na varanda. A Primavera está muito estranha, sem cor. A Mãe Natureza deve estar aborrecida co m tanto gás na atmosfera, desmatamentos, degelo, queimadas e agressões que deixam marca. Devia ter mesmo uma lei que punisse quem maltrata a Mãe Natureza. Mãe é mãe e merece respeito. Se bem que a Primavera ainda está começando e o tempo não obedece relógios análogos nem digitais. Ainda espero o brotar das flores. Todas as manhã e na lua quarto crescente. Ou, quem sabe, o abraço de Marana, a flor mais bela da minha infância

PORTO DA BARRA, PESCADORES E ARGONAUTAS

texto de JOLIVALDO FREITAS*
(especial para o Jeito Baiano)


"a melhor praia do mundo"


O Porto da Barra, já não é de hoje, não pertence mais aos nativos. Você pode até chegar por lá e ver um ou outro pescador renitente dando uma demão de tinta em seus pequenos saveiros ou catraias.
Dá até a impressão que tem pescador a rodo, uma vez que todos aqueles que moram nas imediações; ou por vagabundagem, por amor à paisagem, pelo papo descontraído com os conhecidos ou mesmo por falta de emprego, ficam perambulando pela areia, na balaustrada; tomando umas e outras nos raros barzinhos cacetes armados que ainda resistem bravamente.
Pode-se até dizer que parece ter mais pescadores que peixes, vez que raramente – tirantes as pititingas e os peixes de pedra – tem alguém puxando uma arraia, um vermelho, uma guaricema. Mas, quem para, observa a faina vagarosa. Raramente, também, vê-se um barco ser lançado ao mar aberto. São pescadores de olhar o tempo, jogar dominó, falar da vida dos outros e rir escancaradamente. E olhar as vãs sereias.
Se alguma traineira chega ao final da manhã, vinda da Ilha ou do pesqueiro onde passou a noite, tem sempre uma sobra. Um ganha uma cavalinha. Outro fica com a pescada ou peixes de segunda por ser de gosto duvidoso ou faltar tamanho. Sempre aparece um tacho, um botijão, carvão e um isqueiro. Alguém sabe, sempre, onde conseguir azeite de dendê ou azeite doce. Os temperos surgem do nada. Se não der para fazer o ensopado ou a moqueca o jeito é fritar. Pimenta nunca faltou nem vai faltar.
E enquanto o sol fica a pino e o vento faz a viração, com os navios ao longe mostrando sua proa, numa prova que a maré está de vazante, se degusta à mão livre as postas cheirosas com a farinha copioba. Se der, vai uma cochilada embaixo da amendoeira. Se não der, um bom mergulho na água tépida que se renova a cada movimento da Terra tira o sono e a vida continua.
São pescadores diferentes, que não vão à pesca e que se misturam aos novos habitantes; argonautas vindos de países frios e que se instalaram em todos os pontos do Porto. Os nativos já não pertencem ao Porto da Barra.


Paul Simon em Limoeiro, no Pelô, no Haiti

Em 1986, Paul Simon se reinventou. Um dos maiores cancionistas americanos, com os dois pés fincados fundo na tradição folk, fez um álbum com uma plêiade de músicos africanos. Graceland foi um sucesso estrondoso e mundial, e nem podia deixar de ser: canções primorosas como as que ele sabia e sabe fazer, com uma embalagem sonora nova e instigante; dezenas de músicos exóticos e talentosíssimos em torno do já conhecido estilo de composição que embalara uma geração em sua parceria com Art Garfunkel.
Em 1990, Paul deu continuidade natural a sua exploração que ajudou a consolidar o termo world music, gravando The rhythm of the saints no Brasil, com músicos brasileiros (Milton Nascimento, Naná Vasconcelos, Uakti) e africanos. A faixa de abertura foi gravada em pleno Pelourinho de Salvador, com o Olodum.


Porém, enquanto o sucesso destes álbuns se consolidava, surgiam também diversas questões, em parte políticas, em parte estéticas. Politicamente, lembrou-se que Paul furou o bloqueio imposto pelo mundo à África do Sul, à época em regime de Apartheid, e ao mesmo tempo ele foi acusado de explorar comercialmente a música africana – ou seja, de mero oportunismo.
E esteticamente, a crítica era de que não havia um real entrosamento entre as composições e o que foi feito delas. As canções de Graceland e The rythm of the saints não deixam de ser canções de Paul Simon, criadas dentro de uma formatação folk e transplantadas para universos de ritmos sem que houvesse uma real interação entre ambos, e sim uma simples sobreposição. Em The obvious child, por exemplo, ao chegar no trecho contrastante que se inicia com Sonny sits by his window, a batucada do Olodum tem que ser colocada como fundo na mixagem do estúdio, de maneira muito pouco natural. É como se para esta parte da canção a base percussiva não servisse, fosse algo incômodo que não se pode dispensar, pois deverá voltar mais adiante.
Por tudo isso (como também pela tendência irreverente do brasileiro de começar a chamar de arroz de festa todo gringo que para por aqui), Paul Simon foi alvo de algumas gozações, caracterizado como o sujeito que chega a uma festa em que não conhece ninguém e quer logo se mostrar enturmado, ou como o que realmente era: um estrangeiro algo deslumbrado com culturas diferentes e riquíssimas:
Baião de Lacan – Leila Pinheiro – Guinga e Aldir Blanc

Aqui começa um pequeno emaranhado de citações. O Baião de Lacan, em uma letra quase atemática, narra dispersa e sarcasticamente uma tentativa de carreira artística nos EUA:
Um empresário quis que eu fosse a Massachutis
Oquêi, my boy! – Cheguei pra rebentar e putz!
Voltei sem calça e quase que um me sequestrava…
Mais adiante, depois do fracasso da iniciativa, um disparatado seguidor de Lacan diagnosticou estresse e me mandou pra roça descansar. E aí Aldir de passagem dá uma rasteira no músico americano que fez o caminho inverso do protagonista fabuloso da canção:
Eu fui pro Limoeiro e encontrei o Paul Simon lá
Tentando se proclamá gerente do maufá…
Só que a melodia inicial deste trecho é tirada por Guinga de outra canção: o Forró em Limoeiro, a primeira música gravada por ninguém menos que Jackson do Pandeiro.

O Forró em Limoeiro aqui é apresentado como uma espécie de paradigma da nacionalidade - o cabra que foi ao Forró se meteu numa tremenda briga, e gostou! – tanto tematicamente quanto pela particularidade de ser uma gravação do Jackson (a autoria é de Edgar Ferreira). A narrativa do forasteiro totalmente aclimatado, assim como a própria figura do Jackson, contrastam com a posição do Paul Simon, tentando gerenciar algo de que não teria um real conhecimento.
E no entanto a posição assumida pelo Baião de Lacan não é tanto a da defesa de uma suposta brasilidade frente a uma suposta exploração estrangeira, mas antes uma cobrança à postura brasileira, em cujo bojo vem a referência ao Olodum no início da letra: Eu ouço muito elogio à barricada, procuro as nossa por aqui - Não vejo nada, para no fim alertar: se o pião não chiar, o Boi Bumbá vai virar vaca!

Em Haiti, Caetano e Gil traçam o caminho de Paul Simon, só que em sentido oposto: enquanto ele sai da música americana tradicional e tenta incorporar o ritmo brasileiro à sua linguagem, eles partem do Olodum, tanto temática quanto musicalmente, para incorporar o estilo originalmente americano do rap. Só que Caetano e Gil, em vez de cairem de paraquedas na cultura estranha, tem um ponto de apoio para esta passagem, que é o movimento de rap e hip hop brasileiro, especialmente paulista. É a partir desta referência que constroem Haiti. Com isso, a mistura de ritmos que promovem soa muito mais orgânica que a de Paul Simon
Caetano e Gil também citam a passagem de Paul pela Bahia. Porém, em vez de criticá-lo ou tratar da defesa de valores nacionais, ou coisa parecida, preferem apontar o abismo entre a visão espetacularizada dos meios de comunicação de massa – e aí está incluída, ainda que involuntariamente, a música de Paul Simon, como a lente do Fantástico – e a realidade onde ninguém é cidadão. E quando se referem indiretamente ao Olodum – mas não só a ele – como um batuque com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária em dia de parada, traçam um paralelo à preocupação de Paul expressa em The obvious child, que não por acaso trata de crianças pobres ao gravar no Brasil, assim como tratara dos sem-teto ao gravar na África.
E a dicotomia ente as duas visões fica patente na citação que fecha Haiti, estabelecendo também a relação com outra canção de Caetano, Menino do Rio. A aspiração expressa na outra – o Havaí seja aqui – converte-se numa constatação dúbia – o Haiti é aqui, o Haiti não é aqui, mantendo-se basicamente a melodia, como que ironizando a outra canção do mesmo autor que retrata uma realidade tão diversa – ironia que, em vez de voltar contra Paul Simon, Caetano sabiamente volta para si próprio.
Talvez as cobranças a Paul Simon tenha sido injustas. As de que estaria usando a música de outros países para alavancar sua carreira, é óbvio que sim. O grupo vocal Ladysmith Black Mambazo, que gravou com Paul em Graceland, adquiriu justíssima visibilidade internacional, e boa parte do mundo conheceu a vasta música feita na África a partir daí – inclusive podendo perceber com mais clareza as diferenças entre o ela e trabalho de Paul Simon. Em medida algo menor, foi o que aconteceu com The rhythm of the saints. A começar pelo título, é uma visão estrangeira, e nem poderia deixar de ser. Reducionista, sem dúvida, pela ambição de tanta coisa que devia caber num álbum, e não cabia, claro. E um encontro difícil entre uma tradição (não apenas) musical e uma diversidade de outras, que Paul tenta traçar em versos respeitosos como Olodumaré está sorrindo no Paraíso, eu realmente acredito.
Mas o que fica claro também é que Paul Simon tem igualmente consciência do tamanho de sua empreitada e da impossibilidade de levá-la a cabo, mas da necessidade de que este passo seja dado. Desta consciência é que saem alguns dos momentos de maior densidade poética de ambos os álbuns. Como quando em Graceland ele canta:
Losing love is like a window in your heart
Everybody sees you’re blown apart
Everybody feels the wind blow
Ou em The cool cool river, construída sobre um complicado compasso de nove tempos, que às vezes se organiza em ternário composto e às vezes se desarticula novamente, sem soar nada folclorizante, em que Paul explicita que não faz o jogo do contente nem está interessado em superficialidades: quem diz “tempos duros”? Estou acostumado com eles. E finalmente reconhecendo, à sua maneira, o que Caetano e Gil apontam, ao mesmo tempo em que entoa um canto épico de esperança: às vezes nem mesmo música pode ser um substituto para lágrimas.


Milágrimas - Composição: Itamar Assumpção e Alice Ruiz


Milágrimas(Alice Ruiz e Itamar Assumpção)


em caso de dor ponha gelo
mude o corte de cabelo
mude como modelo
vá ao cinema dê um sorriso
ainda que amarelo, esqueça seu cotovelo
se amargo foi já ter sido
troque já esse vestido
troque o padrão do tecido
saia do sério deixe os critérios
siga todos os sentidos
faça fazer sentido
a cada mil lágrimas sai um milagre
caso de tristeza vire a mesa
coma só a sobremesa coma somente a cereja
jogue para cima faça cena
cante as rimas de um poema
sofra penas viva apenas
sendo só fissura ou loucura
quem sabe casando cura ninguém sabe o que procura
faça uma novena reze um terço
caia fora do contexto invente seu endereço
a cada mil lágrimas sai um milagre
mas se apesar de banal
chorar for inevitável sinta o gosto do sal do sal do sal
sinta o gosto do sal
gota a gota, uma a uma
duas três dez cem mil lágrimas
sinta o milagre
a cada mil lágrimas sai um milagre
cante as rimas de um poema
sofra penas viva apenas
sendo só fissura ou loucura
quem sabe casando cura ninguém sabe o que procura
faça uma novena reze um terço
caia fora do contexto invente seu endereço
a cada mil lágrimas sai um milagre