Em 1990, Paul deu continuidade natural a sua exploração que ajudou a consolidar o termo world music, gravando The rhythm of the saints no Brasil, com músicos brasileiros (Milton Nascimento, Naná Vasconcelos, Uakti) e africanos. A faixa de abertura foi gravada em pleno Pelourinho de Salvador, com o Olodum.
E esteticamente, a crítica era de que não havia um real entrosamento entre as composições e o que foi feito delas. As canções de Graceland e The rythm of the saints não deixam de ser canções de Paul Simon, criadas dentro de uma formatação folk e transplantadas para universos de ritmos sem que houvesse uma real interação entre ambos, e sim uma simples sobreposição. Em The obvious child, por exemplo, ao chegar no trecho contrastante que se inicia com Sonny sits by his window, a batucada do Olodum tem que ser colocada como fundo na mixagem do estúdio, de maneira muito pouco natural. É como se para esta parte da canção a base percussiva não servisse, fosse algo incômodo que não se pode dispensar, pois deverá voltar mais adiante.
Por tudo isso (como também pela tendência irreverente do brasileiro de começar a chamar de arroz de festa todo gringo que para por aqui), Paul Simon foi alvo de algumas gozações, caracterizado como o sujeito que chega a uma festa em que não conhece ninguém e quer logo se mostrar enturmado, ou como o que realmente era: um estrangeiro algo deslumbrado com culturas diferentes e riquíssimas:
Baião de Lacan – Leila Pinheiro – Guinga e Aldir Blanc
Um empresário quis que eu fosse a MassachutisMais adiante, depois do fracasso da iniciativa, um disparatado seguidor de Lacan diagnosticou estresse e me mandou pra roça descansar. E aí Aldir de passagem dá uma rasteira no músico americano que fez o caminho inverso do protagonista fabuloso da canção:
Oquêi, my boy! – Cheguei pra rebentar e putz!
Voltei sem calça e quase que um me sequestrava…
Eu fui pro Limoeiro e encontrei o Paul Simon láSó que a melodia inicial deste trecho é tirada por Guinga de outra canção: o Forró em Limoeiro, a primeira música gravada por ninguém menos que Jackson do Pandeiro.
Tentando se proclamá gerente do maufá…
E no entanto a posição assumida pelo Baião de Lacan não é tanto a da defesa de uma suposta brasilidade frente a uma suposta exploração estrangeira, mas antes uma cobrança à postura brasileira, em cujo bojo vem a referência ao Olodum no início da letra: Eu ouço muito elogio à barricada, procuro as nossa por aqui - Não vejo nada, para no fim alertar: se o pião não chiar, o Boi Bumbá vai virar vaca!
Caetano e Gil também citam a passagem de Paul pela Bahia. Porém, em vez de criticá-lo ou tratar da defesa de valores nacionais, ou coisa parecida, preferem apontar o abismo entre a visão espetacularizada dos meios de comunicação de massa – e aí está incluída, ainda que involuntariamente, a música de Paul Simon, como a lente do Fantástico – e a realidade onde ninguém é cidadão. E quando se referem indiretamente ao Olodum – mas não só a ele – como um batuque com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária em dia de parada, traçam um paralelo à preocupação de Paul expressa em The obvious child, que não por acaso trata de crianças pobres ao gravar no Brasil, assim como tratara dos sem-teto ao gravar na África.
E a dicotomia ente as duas visões fica patente na citação que fecha Haiti, estabelecendo também a relação com outra canção de Caetano, Menino do Rio. A aspiração expressa na outra – o Havaí seja aqui – converte-se numa constatação dúbia – o Haiti é aqui, o Haiti não é aqui, mantendo-se basicamente a melodia, como que ironizando a outra canção do mesmo autor que retrata uma realidade tão diversa – ironia que, em vez de voltar contra Paul Simon, Caetano sabiamente volta para si próprio.
Talvez as cobranças a Paul Simon tenha sido injustas. As de que estaria usando a música de outros países para alavancar sua carreira, é óbvio que sim. O grupo vocal Ladysmith Black Mambazo, que gravou com Paul em Graceland, adquiriu justíssima visibilidade internacional, e boa parte do mundo conheceu a vasta música feita na África a partir daí – inclusive podendo perceber com mais clareza as diferenças entre o ela e trabalho de Paul Simon. Em medida algo menor, foi o que aconteceu com The rhythm of the saints. A começar pelo título, é uma visão estrangeira, e nem poderia deixar de ser. Reducionista, sem dúvida, pela ambição de tanta coisa que devia caber num álbum, e não cabia, claro. E um encontro difícil entre uma tradição (não apenas) musical e uma diversidade de outras, que Paul tenta traçar em versos respeitosos como Olodumaré está sorrindo no Paraíso, eu realmente acredito.
Mas o que fica claro também é que Paul Simon tem igualmente consciência do tamanho de sua empreitada e da impossibilidade de levá-la a cabo, mas da necessidade de que este passo seja dado. Desta consciência é que saem alguns dos momentos de maior densidade poética de ambos os álbuns. Como quando em Graceland ele canta:
Losing love is like a window in your heartOu em The cool cool river, construída sobre um complicado compasso de nove tempos, que às vezes se organiza em ternário composto e às vezes se desarticula novamente, sem soar nada folclorizante, em que Paul explicita que não faz o jogo do contente nem está interessado em superficialidades: quem diz “tempos duros”? Estou acostumado com eles. E finalmente reconhecendo, à sua maneira, o que Caetano e Gil apontam, ao mesmo tempo em que entoa um canto épico de esperança: às vezes nem mesmo música pode ser um substituto para lágrimas.
Everybody sees you’re blown apart
Everybody feels the wind blow
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